Lógica e Metodologia Jurídica

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Transcrição:

Lógica e Metodologia Jurídica Prof. Juliano Souza de Albuquerque Maranhão jsam@uol.com.br

É errado abortar? Valores protegidos: - Vida do embrião ou feto (entidade viva e humana) - Vida de feto x pessoas (consciência/capacidade mental) - Vida da mãe - Dignidade após nascimento (condições econômicas) - Dignidade da mãe - Religião Situações: - Feto acometido de doença grave - Risco de vida da mãe - Resultado de estupro - Condições econômicas - Procedimento é arriscado para a mãe

O que diz a Lei? Regras legais: Art. 124 - Provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem lho provoque; Pena - detenção, de um a três anos. Art. 128 - Não se pune o aborto praticado por médico: I - se não há outro meio de salvar a vida da gestante; II - se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante Se F 1, F 2... F n então {Obrigatorio, Permitido, Proibido} Ação

Questões relevantes Questões de fato - Prova: ocorreu ou não ocorreu o fato? - Qualificação: qual ação ocorreu x identificação da norma movimento corporal x ação x resultado da ação moldura de qualificação: norma (e.g. aborto ou assassinato?) - Questões de direito. Ela tinha o direito de se submeter ao aborto? - O feto tem direito à vida? (valor: vida do feto) - Foi feito por médico? (valor: segurança do procedimento) - Ela foi vítima de estupro? (valor: dignidade da mulher) - Ela corria risco de vida? (valor: vida da mãe) - Ela tinha condições de sustentar? (valor: dignidade da criança) - O feto era saudável? (valor: dignidade criança) - Norma traz razões exclusionárias

O que diz mesmo a lei? - Há conflito? Não, art. 128 excepciona o art. 124 - Regras de interpretação implícitas: E1) Caso haja uma antinomia, textos devem ser interpretados como referentes a hipóteses distintas (Savigny) E2) Regra com hipótese específica derroga aquela com hipótese geral para os casos especiais (Papiniano- Digesto) - Argumento 1) Art. 128 traz soluções opostas para hipóteses abrangidas pelo 124, então são antinômicos. 2) Se 124 e 128 são antinômicos, devem ser interpretados como referentes a hipóteses distintas, por E1. 3) Art. 128 tem hipótese mais específica do que 124, logo o art. 128 derroga o 124 naquelas hipóteses específicas, por E2.

O que diz mesmo a lei? E quais são as hipóteses às quais a solução do 124 se aplica? - Regra de interpretação implícita: E3) Nos casos não excetuados aplica-se a solução dada pela regra geral - exceptio firmat regulam in casibus non exceptis (a contrario) 1) Mas quais são mesmo os casos não excetuados? a) se foi praticado por médico (M) e a mãe foi vítima de estupro (E) e consentiu (C) ou corria risco de vida (V), então o aborto (a) é permitido; b) caso contrário, o aborto é proibido São aqueles casos que não são os do a : Não (M e ((E e C) ou V)

128. M e (E ou V) Pa 124+128. ~(M e (E ou V) O~a Casos M E V 128 124+128 An 1 + + + Pa 2 + + - Pa 3 + - + Pa 4 + - - O~a Pa 5 - + + O~a 6 - + - O~a 7 - - + O~a 8 - - - O~a

STF EROS GRAU Sr. Presidente, a manutenção da liminar não se justifica. A insegurança jurídica referida decorre da concessão de uma liminar satisfativa que, durante quatro meses, permitiu que como se a lei tivesse sido reescrita, como se o Código Penal tivesse sido reescrito pela Corte, como legislador positivo permitiu que uma terceira modalidade de aborto passasse a ser admitida. No meu voto, não fico impressionado, nem discuto lógica religiosa ou da ciência, mas, única e exclusivamente, a lógica do sistema jurídico (...).

STF Carlos Britto Usei, lembro-me bem, da metáfora do casulo da crisália e da borboleta. O útero materno é um casulo. O feto anencéfalo é uma crisália, mas que jamais chegará ao estádio de borboleta, jamais alcançará vôo. Eu me pergunto. Eu me pergunto, estamos aqui discutindo sobre o direito de viver, o direito de nascer ou o direito de nascer para morrer?

STF Marco Aurélio: (...) os valores em discussão revestem-se de importância única. A um só tempo, cuida-se do direito à saúde, do direito à liberdade em seu sentido maior, do direito à preservação da autonomia da vontade, da legalidade e, acima de tudo, da dignidade da pessoa humana. No caso da anencefalia, a ciência médica atua com margem de certeza igual a 100%. Dados merecedores da maior confiança evidenciam que fetos anencefálicos morrem no período intrauterino em mais de 50% dos casos. Quando se chega ao final da gestação, a sobrevida é diminuta, não ultrapassando período que possa ser tido como razões em foco. Daí o acolhimento do pleito formulado (...).

O retorno dos valores (princípios) - Maria teve seu feto abortado por médico que diagnosticou anencefalia no feto - Ela tinha esse direito? - Argumento legal (a) As únicas exceções previstas para o aborto são E ou V (b) Nem E, nem V estão presentes (c) Logo, o aborto é proibido - Novas questões: - A Lei prevê a hipótese de anencefalia? - É justo obrigar a mãe a suportar uma gravidez em que o feto não tem chance de vida? - O feto deve ser considerado pessoa viva se a morte é certa?

Novos argumentos e normas em jogo Fundamentos constitucionais Art. 1º fundamentos da República Federativa do Brasil: III - a dignidade da pessoa humana; Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade.

Novos argumentos - Argumento semântico (a) A Lei de Transplantes define morte a partir da morte cerebral (b) Com o diagnóstico da morte cerebral por médico, é permitido o desligamento de aparelhos e não há crime de eutanásia (c) Anencefalia é análoga a morte cerebral (d) logo com o diagnóstico de anencefalia, a extração não pode ser considerada aborto A analogia é válida? - Argumento sistemático estático + novo fator relevante (a) Na promulgação do código penal, o diagnóstico de anencefalia não era possível, nem previsível (b) Logo, o legislador não considerou a hipótese de anencefalia (lacuna) (c) Se o legislador não deliberou sobre essa hipótese, não há previsão legal (d) Os comportamentos proibidos penalmente são apenas aqueles expressamente proibidos (e) Logo o aborto de anencéfalo é permitido O recurso ao legislador histórico é válido? Há mesmo lacuna?

Novos argumentos - Argumentação sistemática dinâmica (a) Nenhuma pessoa deve ser submetida a uma condição indigna (valor) (b) Obrigar a mulher a suportar uma gravidez certa da morte fere sua dignidade (c) O diagnóstico de anencefalia torna certa morte pós parto (argumento da opinião especializada) (d) Obrigar a mulher a suportar uma gravidez de feto anencéfalo fere sua dignidade (b,c) (e) A dignidade da mulher está acima da vida do feto (hierarquia de valores) (f) O legislador confirma a premissa e ao permitir o aborto em caso de estupro (argumento de coerência/analogia) (g) A constituição protege a dignidade da pessoa humana e está acima da Lei penal (hierarquia normativa) (h) A Constituição revoga a proibição de aborto de feto anencefálico da Lei Penal (lex superior) (i) Portanto, é permitido o aborto de feto anencefálico

Puzzle 2 pessoas A e B fazem uma oferta um ao outro. O problema é identificar qual oferta é melhor: A: Você faz uma afirmação. Se ela for verdadeira, você recebe R$10. Se for falsa, você recebe ou mais ou menos que R$10 B: Você faz uma afirmação. Não importa que ela seja verdadeira ou falsa, você recebe mais do que R$10.

Puzzle Frase para proposta A Você não vai me pagar exatamente R$10,00 nem exatamente R$1.000.000,00 V: pela proposta vc deve me pagar R$10, mas pela frase vc não pode me pagar R$ 10. (contradição, logo a frase não pode ser V) F: pela proposta recebo ou mais ou menos que R$10. Se a frase é falsa, ou recebo exatamente R$10 ou exatamente R$1mi. A primeira hipótese está excluída pela proposta. Resta a segunda, que é o que vc tem que me pagar.