CONTAMINAÇÃO DE ÁGUAS SUBTERRÂNEAS POR DERRAMAMENTOS DE GASOLINA: O PROBLEMA É GRAVE? 1



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Transcrição:

CONTAMINAÇÃO DE ÁGUAS SUBTERRÂNEAS POR DERRAMAMENTOS DE GASOLINA: O PROBLEMA É GRAVE? 1 Henry Xavier Corseuil PhD em Engenharia Ambiental pela Universidade de Michigan. Professor Adjunto do Departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental da Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, SC 88010-970 tel: 048-2319597 fax: 048-2319823 E-mail: corseuil@ens.ufsc.br Marcus Dal Molin Marins Químico de Petróleo do Cenpes/Petrobrás, Setor de Meio Ambiente e Biotecnologia Ilha do Fundão Quadra 7 CEP: 21949 900 - Rio de Janeiro, RJ Telefone: 021 598-6186 Fax: 021 280-0838 Email: marcusdal@cenpes.petrobras.gov.b A contaminação de águas subterrâneas por vazamentos em postos de combustíveis vem merecendo cada vez mais atenção tanto da população em geral como dos órgãos estaduais de controle ambiental. Este trabalho avalia o problema e analisa as formas mais adequadas de remediação dos locais contaminados. Ênfase é dada as ações corretivas baseadas no risco ambiental, ao uso da remediação natural e aos possíveis efeitos que a mistura do etanol `a gasolina pode causar em caso de contaminação de aqüíferos. Palavras chaves: águas subterrâneas, derramamentos de gasolina, compostos BTEX, etanol, biorremediação. 1. Introdução As indústrias de petróleo lidam diariamente com problemas decorrentes de vazamentos, derrames e acidentes durante a exploração, refinamento, transporte, e operações de armazenamento do petróleo e seus derivados. Para se ter uma idéia da magnitude do problema, a Agência de Proteção Ambiental Norte-Americana (EPA) estima que existem mais de 1,5 milhões de tanques subterrrâneos de armazenamento de gasolina nos Estados Unidos, destes, 400.000 já foram substituídos ou adaptados `as legislações federais que entram em vigor no final de 1998. Ainda em função destas legislações, mais de 250.000 casos de vazamentos já foram identificados e mais de 97.000 remediações completadas. Semanalmente mais de 1.000 novos vazamentos estão sendo encontrados em todo o território norte-americano (BRATBERG E HOPKINS, 1995). No Brasil existem aproximadamente 27.000 postos de gasolina. No ano de 1995 o consumo de álcool, gasolina e diesel no país foi de 33, 38 e 82 milhões de litros/dia, respectivamente (PETROBRÁS, 1995). As preocupações relacionadas ao potencial de contaminação de águas subterrâneas por derramamentos de combustível vem crescendo 1 Revista Engenharia Sanitária e Ambiental, v.2, n.2, p.50-54, 1997. 1

em São Paulo, e em diversas outras cidades do país, como Curitiba, que já possui legislação sobre o tema, e Joinville (SC). Em Joinville, a Prefeitura local, realizou estudos com os 65 postos da cidade e constatou que somente um não continha nenhum problema de contaminação do lençol freático (CADORIN, 1996). Como na década de 70 houve um grande aumento do número de postos de gasolina no país, é de se supor que a vida útil dos tanques de armazenamento, que é de aproximadamente 25 anos, esteja próxima do final, o que consequentemente pode aumentar a ocorrência de vazamentos nos postos do país. Em um derramamento de gasolina, uma das principais preocupações é a contaminação de aqüíferos que sejam usados como fonte de abastecimento de água para consumo humano. Por ser muito pouco solúvel em água, a gasolina derramada, contendo mais de uma centena de componentes, inicialmente estará presente no subsolo como líquido de fase não aquosa (NAPL). Em contato com a água subterrânea a gasolina se dissolverá parcialmente. Os hidrocarbonetos monoaromáticos, benzeno, tolueno, etilbenzeno e os três xilenos orto, meta e para, chamados compostos BTEX, são os constituintes da gasolina que têm maior solubilidade em água e, portanto, são os contaminantes que primeiro irão atingir o lençol freático (CORSEUIL, 1992). Estes contaminantes são considerados substâncias perigosas por serem depressantes do sistema nervoso central e por causarem leucemia em exposições crônicas. Dentre os BTEX, o benzeno é considerado o mais tóxico com padrão de potabilidade de 10 µg/l, segundo as normas do Ministério da Saúde. Uma grande variedade de processos físico-químicos e biológicos tem sido utilizados na remoção de hidrocarbonetos de petróleo puros e dissolvidos na água subterrânea. Processos como extração de vapores do solo (SVE), recuperação de produto livre, bioventilação, extração com solventes, incineração, torres de aeração, adsorção em carvão ativado, biorreatores, biorremediação no local, entre outros, tem sido usados para remover contaminantes orgânicos de águas subterrâneas e sistemas de solo subsuperficial. Estes processos podem ser implementados para controlar o movimento de plumas (contaminantes), tratar águas subterrâneas, e/ou descontaminar solos (CORSEUIL E WEBER, 1994). No entanto, longos períodos de tempo e altos custos estão normalmente associados com a grande maioria dos processos utilizados para remediação de áreas contaminadas. Por outro lado, a biorremediação no local, processo economicamente mais viável, é muitas vezes limitada por dificuldades no transporte de nutrientes ou receptores de elétrons e no controle das condições para aclimatação e degradação dos contaminantes nos sistemas subsuperficiais (WEBER E CORSEUIL, 1994; CORSEUIL E ALVAREZ, 1996). Mesmo que todos os problemas operacionais dos processos de remediação sejam resolvidos, vários anos são necessários para que os padrões de qualidade de água sejam atingidos. Nos Estados Unidos, país que já investiu bilhões de dólares na recuperação de solos e águas subterrâneas, está se chegando a conclusão que a grande maioria dos locais contaminados não foi remediada a níveis de padrões de potabilidade, e os benefícios esperados não estão correspondendo as expectativas da população (NATIONAL RESEARCH COUNCIL, 1993). No entanto, a biorremediação continua sendo a arma mais usada e pesquisada para a descontaminação de aqüíferos contendo compostos tóxicos. 2

2. Remediação natural Uma nova abordagem para a contaminação de solos e águas subterrâneas, chamada de remediação natural, vem, recentemente, ganhando aceitação principalmente em locais contaminados por derramamentos de derivados de petróleo, como o que acontece em postos de gasolina. A remediação natural é uma estratégia de gerenciamento que baseiase em mecanismos naturais de atenuação para remediar contaminantes dissolvidos na água. A atenuação natural refere-se aos processos físicos, químicos e biológicos que facilitam a remediação natural (WIEDMEIER ET AL., 1996). Dados de campo de vários pesquisadores (BARKER, ET AL., 1987, CHIANG ET AL., 1989; CHAPELLE, 1994; DAVIS & KLIER 1994; WIEDEMEIER, ET AL. 1995) tem comprovado que a atenuação natural limita bastante o deslocamento dos contaminantes e portanto reduz a extensão da contaminação ao meio ambiente. A remediação natural não é uma alternativa de "nenhuma ação de tratamento", mas uma forma de minimizar os riscos para a saúde humana e para o meio ambiente, monitorando-se o deslocamento da pluma e assegurando-se que os pontos receptores (poços de abastecimento de água, rios, lagos,etc) não serão contaminados. Após a contaminação do lençol freático, a pluma irá se deslocar e será atenuada por diluição, dispersão, adsorção, volatilização e biodegradação, que é o único destes mecanismos que transforma os contaminantes em compostos inócuos a saúde. A biodegradação dos compostos BTEX pode ser representada por uma uma reação química onde os hidrocarbonetos, em presença de um aceptor de elétrons, nutrientes e microrganismos são transformados em água, dióxido de carbono, e mais microrganismos. Os aceptores de elétrons, compostos que recebem elétrons e são portanto reduzidos, são principalmente o oxigênio, nitrato, ferro férrico e sulfato (CORSEUIL et al., 1996). A mineralização de tolueno e xileno também pode ocorrer em condições metanogênica/fermentativas ( CHAPELLE, 1993). Dependendo das condições hidrogeológicas do local contaminado, a taxa da reação de biodegradação será mais rápida ou mais lenta. Uma vez que a biodegradação é o principal mecanismo de transformação dos hidrocarbonetos de petróleo, a determinação da taxa de transformação é de grande importância para se prever até onde a pluma irá se deslocar. Quando a taxa de biodegradação for igual ou maior que a taxa de deslocamento dos contaminantes a pluma deixará de se deslocar e diminuirá de tamanho (Figura 1). Neste caso, se a fonte receptora não fosse atingida, não haveria a necessidade de implantação de tecnologias ativas de remediação, como as citadas acima, e a remediação natural seria a opção mais econômica de recuperação da área contaminada. fonte de contaminação direção do fluxo da água subterrânea ponto de risco T= 0 anos T= 2 anos T= 5 anos T= 8 anos Figura 1. Exemplo de atenuação natural de uma pluma de hidrocarbonetos de petróleo. 3

Para que se possa demonstrar que a remediação natural é uma forma adequada de descontaminação de hidrocarbonetos de petróleo é necessário que se faça uma completa caracterização hidrogeológica da área degradada, se determine a magnitude e extensão da contaminação e se demonstre que a pluma não irá migrar para regiões de risco potencial. Para tal, é necessário que se determine as taxas de migração e de redução de tamanho da pluma através de estudos de campo e de laboratório. No entanto, se o processo natural de atenuação não evitar o deslocamento da pluma até locais de risco, tecnologias que acelerem a transformação dos contaminantes deverão ser implementadas. 3. Análise de riscos As dificuldades tecnológicas e econômicas associadas a remediação de solos e aqüíferos e a falta de critérios de qualidade ambiental que levem em consideração fatores específicos do local contaminado têm dificuldado tanto as ações dos órgãos de controle ambiental como a das partes responsáveis pela contaminação. A utilização dos mesmos critérios utilizados para padrões de potabilidade de água não é adequada, uma vez que grandes gastos podem ser feitos em locais de poucos riscos ao meio ambiente. Em função da necessidade da implantação de regras específicas para solos, países como os Estados Unidos e a Holanda desenvolveram metodologias de avaliação de áreas degradadas que levam em consideração análises de risco como ferramenta de tomada de decisão. Deste modo, os padrões são estabelecidos considerando as condições e os riscos do local contaminando. Nos Estados Unidos, baseado ainda na confirmação de que hidrocarbonetos de petróleo podem ser naturalmente decompostos pela ação microbiana, foi criada pela American Society for Testing Materials (ASTM) a ASTM ES 38-94 Guia de Ação Corretiva Baseada no Risco para Locais com Derramamentos de Petróleo (STANLEY ET AL., 1994). Esta norma, chamada de Rebeca (RBCA), está ganhando aceitação pela grande maioria dos órgãos estaduais de controle ambiental porque define regras claras para a avaliação dos locais contaminados com derramamentos de petróleo (BAGLEY, 1996). As atividades básicas de avaliação dos riscos são a identificação dos contaminantes principais e dos receptores, análise de exposição, análise dose-resposta, quantificação e gerenciamento dos riscos. Na Holanda existe uma classificação para tipos de solo conforme os níveis de contaminação, de ocupação da área e dos riscos potenciais. Os solos são classificados em níveis S, I, ou T, sendo S considerado um solo não contaminado, I, quando existe a necessidade de remediação e, T, um valor médio entre S e I, que indica a necessidade de investigações mais detalhadas (VISSER, 1993). A CETESB está implantando em São Paulo regulamentações para contaminação de solos e águas subterrâneas baseada nas normas holandesas (CETESB, 1996; CASARINI, 1996). 4. Efeitos da presença de etanol na gasolina brasileira A gasolina comercializada no Brasil é bastante diferenciada de outros países pois é misturada com 22% de etanol. Deste modo, as interações entre o etanol e os compostos BTEX podem causar um comportamento completamente diferente no deslocamento da pluma do que aquele observado em países que utilizam gasolina pura. Os três aspectos 4

principais que podem afetar o comportamento dos hidrocarbonetos monoaromáticos benzeno, tolueno, etilbenzeno e xileno em sistemas subsuperficiais em presença de etanol são (FERNANDES E CORSEUIL, 1996; SANTOS ET AL., 1996): - a possibilidade do aumento da solubilidade dos BTEX em água; - a possibilidade do aumento da mobilidade dos BTEX dissolvidos na água subterrânea; - a possibilidade de que a presença do etanol possa dificultar a biodegradação natural dos BTEX aumentando a persistência destes compostos na água subterrânea. Uma vez que o etanol é completamente solúvel em água, a sua concentração deverá ser maior que a dos compostos BTEX em águas subterrâneas contaminadas com misturas de etanol e gasolina. Como compostos altamente solúveis tem um menor potencial de sorção, o etanol terá uma mobilidade maior que a dos compostos BTEX na água subterrânea. O etanol, quando presente em altas concentrações, pode diminuir o retardo no deslocamento dos BTEX na água subterrânea causado pela sorção no solo. O etanol pode também ser biodegradado em preferência aos BTEX e consumir todo o oxigênio necessário para a degradação dos hidrocarbonetos monoaromáticos. Além disso, o etanol pode ser tóxico ou inibitório para os microorganismos degradadores de BTEX. No caso da gasolina brasileira, em função da especificidade do problema, existem poucos estudos que relacionem o impacto da presença do etanol na biodegradação dos compostos BTEX. Em estudos com metanol e compostos BTEX, BARKER ET AL. (1992) concluiram que a maior persitência dos BTEX em presença do metanol era causada pela inibição da biodegradação pela alta concentração de metanol e também devido a remoção de oxigênio pela biodegradação do metanol. No experimento de campo realizado no aqüífero experimental de Borden, Canadá, após 500 dias do início dos testes, a pluma contendo BTEX estava muito maior na área onde foi aplicado metanol do que na área sem a sua adição. Em função do exposto acima pode-se concluir que a contaminação de aqüíferos por misturas de álcool e gasolina será mais complexa do que a produzida somente pela gasolina pura. Os países em desenvolvimento como o Brasil geralmente tem como base as tecnologias de remediação ambiental largamente empregadas na Europa e EUA. A extrapolação desta experiência para a remediação dos locais contaminados por derramamentos de gasolina no Brasil tem que levar em conta a especificidade da nossa gasolina. 5. Conclusão O objetivo deste artigo foi abordar a problemática da contaminação de solos e aqüíferos por derramamentos em tanques de armazenamento de combustíveis. A pergunta formulada no título contaminação de águas subterrâneas por derramamentos de gasolina: o problema é grave? poderia ser respondida dizendo-se que depende do risco desta contaminação atingir uma fonte receptora, como um poço de abastecimento de água, por exemplo. No entanto, está cada vez mais evidente que as tecnologias de remediação ativa como a extração de vapores do solo ou a biorremediação com injeção de oxigênio e nutrientes só devem ser aplicadas nos locais de mais alto risco. Os critérios para a definição destes locais deve ser prioridade tanto para as empresas potencialmente poluidoras como para os órgãos de controle ambiental. 5

A remediação natural deveria ser também incorporada as estratégias de recuperação de áreas degradadas. Se a migração dos contaminantes até locais receptores for evitada pelos processos de atenuação natural, a aplicação de altas investimentos com remediação somente seriam empregados em locais prioritários. O monitoramento da pluma seria suficiente para indicar se as fontes receptoras serão atingidas. No entanto, tendo em vista a peculiaridade da gasolina brasileira que é misturada com 22% de etanol, é necessário que se conheça detalhadamente as interação físicoquímicas e biológicas do etanol com os constituintes da gasolina para que se obtenha total vantagem da remediação natural. Perguntas que necessitam ser ainda respondidas incluem: (1) como o etanol afeta a solubilização, o transporte, a cinética de biodegradação dos compostos BTEX em condições aeróbicas, sulfidogênicas ou metanogênicas?; (2) quando e onde a remediação natural é apropriada?; (3) com que grau de certeza é possível se prever se uma pluma irá se expandir ou parar de se deslocar?; (4) quais são as informações hidrogeológicas, geoquímicas e microbiológicas necessárias para responder estas questões?. Um melhor entendimento destas questões pode levar ao desenvolvimento de uma base racional para a seleção, modelagem matemática, e monitoramento de sistemas apropriados de remediação natural adequados a realidade brasileira. A contaminação da água subterrânea foi a única rota de exposição avaliada neste artigo. Em derramamentos de combustíveis todas as rotas prováveis de exposição, como a causada por vapores, devem ser investigadas. Além disso, a abordagem foi para as ações corretivas. A prevenção de vazamentos por falhas na estrutura, corrosão, derramamentos, transbordamentos sempre será mais adequada e econômica que a remediação. Trabalhos ligados a contaminação de aquíferos por misturas de álcool e gasolina estão sendo realizados nos Laboratórios do Departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental e no Programa de Pós-Graduação em Engenharia Ambiental da Universidade Federal de Santa Catarina em parceria com o Cenpes/Petrobrás desde 1994. Resultados destas pesquisas serão apresentados futuramente nesta revista. 5. Bibliografia BAGLEY, R. Risk-based Remediation Guidelines Take Hold, Environ. Sci. Technol., v.30, p.438a-441a, 1996. BARKER, J.F., PATRICK, G.C., MAJOR, D. Natural Attenuation of Aromatic Hydrocarbons in a Shallow Sand Aquifer. Ground Water Monitoring Revew, v.7, n.1, p.64-71, 1987. BARKER, J.F., HUBBARD, C.E., LEMON, L.A., VOORO, K.A. The influence of Methanol in Gasoline Fuels on the Formation of Dissolved Plumes, and the Fate and Natural Remediation of Methanol and BTEX Dissolved in Groundwater. In: CALABRESE, E.J. & P.T. KOSTECKI (EDS.). Hydrocarbon Contaminated Soils and Groundwater. Lewis Publishers, New York, 1992, 558p. BRATBERG, D., HOPKINS, L. Risk Based Corrective Action and Risk Assessment Procedures in the United States: a 1995 Survey. In: Proceedings of the 1995 Petroleum Hydrocarbon and Organic Chemicals in Ground Water: Prevention, Detection, and Restoration Conference, Houston, Texas. Nov. p. 25-31. 6

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