1. Fundamentação Técnica da Decisão do Relator:



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ALVES 1,1, Paulo Roberto Rodrigues BATISTA 1,2, Jacinto de Luna SOUZA 1,3, Mileny dos Santos

Transcrição:

Processo: 01200.002293/2004 16 Pleito: Liberação Comercial de Milho NK603 geneticamente modificado tolerante ao glifosato ou Milho Roundup Ready 2 Data de Protocolo: 01/06/2004 Requerente: Monsanto do Brasil Ltda CQB: 003/96 CNPJ: 64.858.525/0001 45 Endereço: Av. Nações Unidas, 12901 Torre Norte 7 e 8 andares CEP: 04578 000 São Paulo SP Presidente da CIBio: GERALDO U. BERGER Descrição do OGM: Milho tolerante ao glifosato ou Milho Roundup Ready 2(Milho NK603) Uso Proposto: Liberação no meio ambiente, registro nos órgãos competentes, uso, ensaios, testes, plantio, transporte, armazenamento, comercialização, processamento, consumo, importação, liberação e descarte. 1. Fundamentação Técnica da Decisão do Relator: Trata se de liberação comercial de milho tolerante ao glifosato (Milho Roundup Ready2) (Milho NK603) da Monsanto do Brasil Ltda. Data de protocolo: 31/05/04; Extrato prévio 134/04, publicado em 09/06/04. O Glifosato elimina as plantas que poderiam competir com o milho, pela inibição da enzima EPSPS, necessária para a produção de aminoácidos importantes. Alguns microorganismos têm uma versão de EPSPS que é resistente à inibição do glifosato. O transgene cp4 epsps é incorporado em culturas de plantas GM a partir do isolamento de um Agrobacterium. Plantas transgênicas resistentes a herbicida de amplo espectro tem como objetivo facilitar os tratos culturais. Entretanto, a resistência de plantas invasoras ou adventícias trouxe um aumento substancial no uso deste herbicida, que pertenceria à classe IV, até recentemente considerado pouco tóxico, porém, este aspecto não é mais alvo de unanimidade. A empresa apresenta alegadas vantagens do uso de herbicidas, pela demanda de menos uso de produtos químicos aos agricultores para resolver problemas cujas origens, muitas vezes, estão associadas aos múltiplos impactos e empobrecimentos dos agroecossistemas devido, principalmente, às monoculturas, cada vez mais químico dependentes. Os processos ecológicos e a diversidade apresentam papel chave para o equilíbrio ecológico. Sem estes, teremos mais desajustes relacionados, em grande parte, por sistemas agrícolas, cada vez mais simplificados, com crescentes impactos ambientais sobre a água, a biodiversidade, o solo, e outras condições ambientais. O Brasil, além de país campeão mundial da megabiodiversidade, possui pelo menos, 55 mil espécies de plantas (Giulieti et al., 2005). Os biomas brasileiros, hoje submetidos aos plantios convencionais, com plantas 1

crescentemente transformadas geneticamente, estão sofrendo perdas excepcionais de dezenas de milhares de hectares, a cada ano, a fim de contemplar a uniformização e a conseqüente simplificação dos agroecossistemas. A redução da diversidade genética significa limitar as possibilidades de uma dieta rica e variada, segundo a Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO). Neste sentido, estima se que pelo menos 10% da flora de qualquer continente seja alimentícia. Neste caso, o Brasil possuiria, pelo menos, mais de 5,5 mil espécies comestíveis (Kinupp & Barros, 2004). Outra informação é que pelo menos 1/3 das erroneamente chamadas plantas daninhas são consideradas também alimentícias, com grande potencial nutritivo, algumas superando inclusive as hortaliças convencionais utilizadas hoje atualmente (Rapoport et al., 1998). Rapoport & Drausal (2001) propõem a existência de cerca de 27.000 espécies nestas condições. Recentemente, trabalho de Valdely Kinupp (2007) constatou a presença de 312 espécies de plantas nativas ou espontâneas alimentícias na Região Metropolitana de Porto Alegre, área que corresponde a 3,6% do Estado do Rio Grande do Sul. Pelo menos algumas dezenas são também consideradas daninhas, nos sistemas convencionais, sendo alvo dos herbicidas, como no caso do milho RR, apesar de apresentarem enorme potencial alimentício. Entre estas, destacam se os gêneros Hipochoeris, Taraxacum, Sonchus, Amaranthus, Coronopus, Anredera, etc. Considero estes aspectos, ligados à biodiversidade, fundamentais na análise e no debate quanto a possível liberação comercial de variedades transgênicas, pois a tecnologia de plantas geneticamente modificadas não deveria fazer parte do processo usual de maior empobrecimento do estoque da riqueza da biodiversidade e da perda dos processos de resiliência e autoregulação ecológicas. Não se trata de ser a favor ou contra esta tecnologia moderna utilizada na agricultura, e sim entender um pouco a questão fora dos limites estreitos dos laboratórios. Ou melhor, avaliar a relação entre custo e benefício da tecnologia, além dos aspectos imediatistas. Esta temática poderia ser considerada não pertinente, porém a própria empresa e alguns colegas da CTNBio fazem questão de assinalar os alegáveis benefícios desta tecnologia. No que se refere, ainda, ao glifosato também temos a questão de que pode ocorrer o aumento da resistência ao herbicida, como já acontece na soja, aumentando a invasão de plantas adventícias devido ao herbicida poder se tornar inócuo e não trazer vantagens econômicas (Benedito & Figueroa, 2008). Estudos recentes dão conta de que em alguns casos tais plantas GM utilizam, inclusive, maior quantidade de glifosato que os herbicidas convencionais (Benbrook, 2003). Existem poucos estudos experimentais quanto aos efeitos ambientais desta tecnologia sobre o ambiente (Traavik & Heinemann, 2

2007). Trabalhos com alimentação de ratos, com soja GM, teve efeito nos núcleos de hepatócitos em fígado de jovens, sendo que os autores sugerem estudos adicionais. As análises dos custos e benefícios de OGMS deveriam estar associadas a uma avaliação mais ampla, ou sistêmica, das causas dos desajustes a que estes organismos vieram ser criados e colocados no mercado. A simples adoção de um evento como o do milho tolerante ao glifosato para permitir o uso de herbicidas, poderia ser utilizado de forma indiscriminada, sem uma análise da possibilidade de convivência com algumas plantas adventícias e sem analisar a possível causa de grandes infestações? Com respeito ao solo e à ciclagem de nutrientes derivados da biomassa de milho GM, verifica se a ausência de trabalhos no Brasil com respeito ao possível efeito das plantas transgênicas sobre a alteração da dinâmica de comunidades de microorganismos no solo. Segundo Siqueira & Tannin as mudanças fisiológicas que conferem tolerância à planta GM podem afetar a biota rizosférica devido a alterações na qualidade e quantidade de exsudados. No caso do milho Bt, de acordo com Rumjaneck & Fonseca (2003), baseados em dados de Saxena & Stotsky (2001) foi observado um maior conteúdo de lignina nos tecidos se comparada a isolínea correspondente não transgênica, o que tem sido associado a maior resistência a biodegradação. Este aspecto deve ser estudado para o milho RR nos vários biomas brasileiros. Um dos aspectos a serem verificado, se comportam os resíduos de plantas GM e as fezes dos animais que as consomem? Existem evidencias que fragmentos relativamente longos de DNA de plantas GM sobrevivem por períodos extensos após a ingestão, podendo ser detectados nas fezes após a ingestão. No caso de aves, as fezes destes animais podem ser utilizadas também como adubo proveniente de fezes de galinha, esta questão pode ter efeitos indesejáveis a sua comercialização (Traavik & Heinemann, 2007) Alguns autores questionam de como poucas experiências, e a maior parte em vitro, podem simplesmente testar, por equivalência, o efeito de produtos de plantas GM em alimento e ração (Domingo, 2000). Quanto ao milho (Zea mays), geneticamente modificado, no caso em foco, existem ainda grandes lacunas de conhecimento quanto aos biorriscos de uma planta de polinização aberta e que representa uma cultura importantíssima para o pequeno agricultor e para a alimentação humana e animal. 3

Uma das principais questões é que, ao contrário da soja, o milho sendo uma espécie alógama, com polinização pelo vento, também tem flores visitadas por abelhas. A produção de pólen é abundante, considerando se também a presença de flores imperfeitas (estaminadas e pistiladas). Em estudos de Eastham & Sweet (2002) a distância máxima alcançada pelo grão de pólen de milho foi de 100 m, com uma média de 98% restrita aos 50 m da lavoura. Segundo Emberlin (1999) pelo menos 0,5% da quantidade de pólen pode se disseminar a uma distância de 500 m, pelo vento, sem contar a questão relacionada a polinização promovida pelas abelhas (Apis melífera). Benedito & Figueroa (2008) assinalam que, metodologicamente, é difícil de se estabelecer o limite máximo de alcance de um pólen, variando as distâncias de região para região, dependendo da força do vento, do relevo, da variedade de milho, do período de florescimento da cultura, entre outros aspectos. Outro item a considerar é o fato de que as abelhas (Apis mellifera) não só visitam as flores estaminadas, mas transportam o pólen para suas colméias. Existiriam estudos quanto a outras espécies de abelhas coletoras de pólen? Mesmo sabendo se que as flores pistiladas não possuem nectários, não seria possível a polinização da espécie por abelhas? Faltam estudos que abordem a distância a que este pólen chega e a possibilidade de haver alcance do gineceu. Este aspecto até agora não foi levado em conta, inclusive não existem estudos quanto a possibilidade de presença de outros polinizadores, como as abelhas silvestres nos vários biomas brasileiros. Neste sentido, apesar da planta apresentar a estratégia de anemofilia, pela produção abundante de pólen, nas flores estaminadas, o risco de fluxo gênico entre milho GM e não GM, por Apis mellifera L. pode existir. Outro aspecto: existiria a possibilidade de milho com expressão gênica de proteínas EPSPS virem a afetar na qualidade do mel? Um problema bastante grave no Brasil, no que se refere ao milho GM, é a possibilidade de contaminação, principalmente pela ausência de mecanismos eficientes de segregação das sementes. Não existem programas para proteger o produtor de que sua produção de semente ou grão de milho não sofram contaminação. Por outro lado, considerando que este produto tem um valor ligado à segurança alimentar do pequeno agricultor e também a questão de comercialização do milho como ração para aves e suínos por parte do médio e pequeno criador, constitui se um risco a comercialização do mesmo. Uma outra fonte de contaminação que não pode ser descartada refere se a sementes de plantas transgênicas que caem dos veículos de transporte e crescem voluntariamente em beira de estradas. Isso também pode ocorrer em campos não transgênicos onde, em ciclos anteriores, existiram lavouras transgênicas. Um item que deve ser sempre lembrado que uma semente de uma planta GM pode se propagar indefinidamente e, se tiver sido constatado problemas, como será realizado seu 4

recolhimento? Existirá algum mecanismo eficiente de recolher sementes GMs que eventualmente não deram certo? Quanto aos aspectos moleculares, deixo o tema para os especialistas na área. Porém, a questão da estabilidade dos locais, os sítios de atual inserção, o número e a estabilidade dos insertos, os efeitos ao promotor transgênico, os padrões dos insertos e as mutações pós modificações genéticas na proteína codificada bem como na seqüência de regulação. Mesmo uma simples modificação no nucleotídeo poderia afetar as propriedades de uma proteína. Faltam estudos detalhados destes fenômenos dentro de condições que extrapolam os experimentos confinados a laboratórios (Traavik & Heinemann, 2007). Outro aspecto refere se a que eventos relacionados a mudanças no milho GM, ou seja, efeitos imprevisíveis na estabilidade genética do OGM, poderiam trazer alterações no valor nutricional, ou mesmo alergenicidade ou outro fator inconveniente sobre a saúde humana. Houve tempo suficiente para estes estudos? Não são verificados trabalhos conclusivos sobre aspectos toxicológicos e alergênicos por parte da empresa querente do evento a ser analisado. Apenas, afirmam que não existem relatos na bibliografia consultada. Porém faltam trabalhos na condições brasileiras. As avaliações sobre riscos dos transgênicos são, geralmente, incompletas por levarem em consideração apenas as mudanças ocasionadas na planta pela introdução do gene de interesse, no caso, o de resistência ao herbicida. Em termos de meio ambiente também já foram comprovados vários efeitos imprevistos, alguns resultantes de efeitos pleiotrópicos (Gertz et al. 1999). Os aspectos ligados a diversidade do sistema deveriam fazer parte dos estudos, incluindo a possibilidade de que não exista erosão genética e perda ainda maior de biodiversidade Contudo, poucos estudos foram feitos no sentido de verificar se houve ou não alteração molecular das seqüências inseridas. Constata se que não houve avaliação de risco ambiental ou de estudos de impacto ambiental, sendo utilizadas muito mais as premissas decorrentes das propriedades da espécie, do gene inserido e do herbicida. Inexistem estudos prévios destas plantas e suas possíveis conseqüências ambientais nos ecossistemas brasileiros. Quase nada sabemos sobre os potenciais riscos para outros organismos não alvos (abelhas, pássaros, microrganismos do solo em função da degradação da plantas modificadas etc.). No Brasil, o Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança é pouco respeitado, principalmente no que estabelece, no seu Anexo II, que o objetivo da avaliação de risco, no âmbito do Protocolo, é identificar e avaliar os efeitos adversos potenciais dos organismos vivos modificados na conservação e no uso sustentável da diversidade biológica no provável meio receptor, levando também em conta os riscos para a saúde humana. Estima se que pelo menos 20% da área de milho cultivado no país é ocupada por sementes crioulas, locais ou mesmo variedades melhoradas de polinização aberta. A prática tradicional de troca 5

de sementes entre os agricultores não pode estar sob o risco de contaminação. Como garantir a eficiência na segregação se tanto os órgãos estão desestruturados? Como aprovar uma tecnologia que não tem controle, sem regras eficazes de coexistência? O cultivo de sementes crioulas por parte de pequenos proprietários se constitui numa ferramenta para manter a diversidade genética contra o enorme processo de perda que existe atualmente. A biodiversidade também inclui estas populações. Deve se levar em conta as diferentes variedades de milho, mantidas por gerações, co evoluindo com essas comunidades, as quais poderão ser afetadas pela contaminação das variedades transgênicas, pelo descontrole da segregação, contaminação e outros fatores. Referências bibliográficas Benbrook, C. 2003. Impacts of genetically engineered crops on pesticide use in the United States: The first eight years.biotech InfoNet Paper No. 6, www.biotech info.net/technicalpaper6.html Benedito, V. A. & Figueira A. V. de 2008. Segurança ambiental. IN Borem, A. et Giudice, M. del Biotecnologia e Meio Ambiente p. 167 198. Domingo, J.L. (2000). Health Risks of GM Foods: Many opinions but few data. Science 288: 1748 1749. Eastham, K. & Sweet, J. 2002. Genetically modified organisms (GMO): th significance of gene flow through pollen transfer. Copenhagen, Denmark: European Environment Agency. Emberlin, J. 1999. The dispersal of maize pollen Zea mays A report based on evidence available from publications and internet sites. National Pollen Research Unit, University College, Worcester WR2 6 AJ, United Kingdom. Gertz, J.M. Jr., Vencil, W.K., Hill, N.S. Tolerance of transgenic soybean (Glycine max) to heat stress. In: Proceedings of the 1999 Brighton Conference Weeds (The BCPC Conference). Vol. 3; November 1999; Brighton, UK, 835 840. Giulietti, A. M.; Harley, R. M.; Queiroz, L. P.; Wanderley, M.G. L.; Van Den Berg, C. 2005 Biodiversidade e conservação das plantas no Brasil. Megadiversidade. v. 1. n. 1, p. 52 61. Gliessman, S. R. 2005. Agroecologia: processos ecológicos em agricultura sustentável. Porto Alegre: Editora da UFRGS. 652 p. Kinupp, V. & Barros, I. B. I. 2004. Levantamento de dados e divulgação do potencial das plantas alimentícias alternativas no Brasil. Horticultura brasileira v. 4. 6

Kinupp, V. 2007. Plantas alimentícias não convencionais na Região Metropolitana de Porto Alegre. Programa de Pós Graduação em Fitotecnia Faculdade de Agronomia UFRGS. 590 p. Malatesta et. al. 2002. Ultrastructural morphometrical and immunocytochemical analyses of hepatocyte nuclei from mice fed on genetically modified soybean. Cell structure and function. 27: 173 180. Rapoport, E. H.; Ladio, A.; Raffaele, E. ; Ghermandi, L.; Sanz, E. H.. 1998. Malezas Comestibles. Hay yuyos y yuyos. Ciencia Hoy. v. 9. n. 49. Rapoport, E. H.; Drausal, B. S. Edible plants. 2001. In Levin, S. (ed.) Encyclopedia of biodiversity. New York : Academic Press. p. 375 382. Siqueira & Trannin 2008. Agrossistemas transgênicos. IN Borem, A. et Giudice, M. del Biotecnologia e Meio Ambiente p. 225 309. Traavik, T. & Heinemann, J. 2007. Genetic Engineering and Omitted Health Research: Still No answers to ageing questions. Third World Network, 36p. (ISBN: 978 983 2729 76 1) 2. Parecer Final do Relator: Considerando os múltiplos aspectos de incógnitas decorrentes da tecnologia do milho tolerante ao glifosato e a condição de uma cultura alimentar arraigada com o pequeno agricultor, onde os mecanismos de segregação e coexistência não têm eficácia comprovada, principalmente por normas de monitoramento e coexistência brandas e pela ausência de acompanhamento eficiente por parte dos órgãos governamentais de fiscalização, considero temerária a liberação comercial desta variedade de planta GM, encaminhando meu parecer contrário a mesma, nas condições atuais. Data: 14 de maio de 2008. Paulo Brack Membro da CTNBio Liana Vasconcelos Braga Assessora Técnica da CTNBio 7

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