ALTERNATIVA PARA DETERMINAÇÃO DE SOBREXPLOTAÇÃO DE AQUÍFEROS

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ALTERNATIVA PARA DETERMINAÇÃO DE SOBREXPLOTAÇÃO DE AQUÍFEROS ALTERNATIVE FOR DETERMINATION OF AQUIFERS OVEREXPLOITATION José Eloi Guimarães CAMPOS 1, Michelle Mota de SOUZA 2 (1) Instituto de Geociências, Universidade de Brasília. Campus Darcy Ribeiro, Asa Norte. Brasília DF. SAIN Setor de Áreas Isoladas Norte. CEP 70919-900. Endereço eletrônico: eloi@unb.br (2) Área Especial ETA RA-I. Brasília - DF CEP 70320-640. michellesouza@caesb.df.gov.br Introdução Procedimento Alternativo Análise de dados e aplicação de exemplos Área de São Sebastião, DF Área de Caldas Novas, GO Conclusões e Considerações Finais Referências RESUMO - A determinação inequívoca da sobrexplotação de aquíferos é feita a partir da medição contínua do nível estático da água subterrânea em poços de monitoramento. Entretanto, na maior parte dos casos não é fácil ter poços de monitoramento em áreas onde o abastecimento é exclusivamente baseado no aproveitamento dos aquíferos, sem que estes poços não estejam no cone de depressão dos poços produtores. Neste sentido, neste artigo propõe-se um procedimento alternativo para estabelecer a sobrexplotação dos aquíferos, pela medida do nível de água de poços de bombeamento ou de poços de monitoramento situados próximos aos poços produtores. Se o monitoramento do nível de água for feito em poços produtores, as medidas devem ser feitas sob as mesmas circunstâncias (após o mesmo tempo de bombeamento contínuo ou após o mesmo tempo de descanso do poço). Após a aquisição de um período de pelo menos oito anos de medidas de níveis, os dados devem ser interpretados qualitativamente e algumas premissas devem ser consideradas: eliminar a variabilidade sazonal do nível; considerar as taxas de bombeando diferentes na estação seca / chuvosa e observar as tendências do rebaixamento principalmente nos períodos chuvosos do ano. Palavras-chave: Sobrexplotação de Aquíferos, Medição de Nível d Água, Gestão de Recursos Hídricos. ABSTRACT - The unequivocal determination of aquifer overexploitation can be held by continuous measurement of the static level of groundwater in monitoring wells. However it is not quite easy to have monitoring wells in areas fully supplied by groundwater that are not under the depression cone of the producing wells. In this sense this paper proposes an alternative proceeding to establish the overexploitation of aquifers, by the measurement of the water level of pumping wells or monitoring wells located next to the pumping wells. If the water level monitoring is been done in producing wells, the measurements must be taken under the same conditions (same time of continuous pumping or same time of well rest). After the acquisition of at least eight-year long level measures, the data must be qualitatively interpreted based on some premises: eliminate the seasonal variability of the level; consider the different pumping rates from the wet and dry season and observe the trends of drawdown mainly in the rainy periods of the year. Keywords: Aquifer Overexploitation, Water Level Measurement, Water Resources Management. INTRODUÇÃO A sobrexplotação de aquíferos isotrópicos, anisotrópicos, livres, confinados, cársticos e demais classes pode ser conceituada como os casos em que o bombeamento de longo período (através de uma bateria de poços profundos) supera a recarga total dos aquíferos, isto é, a descarga supera a recarga natural do aquífero. Entre os problemas ambientais e sociais causados pela sobrexplotação dos aquíferos destacam-se: esgotamento ou desaparecimento local de nascentes, inversão do fluxo de água no aquífero, colapso nos sistemas de abastecimento, intrusão salina em aquíferos costeiros com consequente diminuição das reservas hídricas subterrâneas. Em associação com a contaminação das águas subterrâneas e impermeabilização da superfície (ex.: em áreas altamente urbanizadas), a sobrexplotação representa um grande desafio para a gestão da quantidade e da qualidade dos recursos hídricos subterrâneos. A determinação da sobrexplotação é tradicionalmente alcançada com o monitoramento contínuo dos níveis freáticos em longos períodos de tempo. O que deve ser medido é o rebaixamento do nível estático de um poço produtor individual ou em baterias de poços (grupos de poços), em piezômetros ou poços de monitoramento. O uso de poços de observação é a opção mais adequada para definir a evolução ou incremento do rebaixamento do nível d água do aquífero. Dos dados de nível d água é necessário considerar os efeitos da sazonalidade climática que é naturalmente responsável pela flutuação anual dos níveis (mais raso nos períodos chuvosos e mais profundos nas épocas de estiagens prolongadas). De fato a medição dos níveis estáticos é difícil e em alguns casos inviável, uma vez que São Paulo, UNESP, Geociências, v. 36, n. 2, p. 339 346, 2017 339

em regiões abastecidas exclusivamente por águas subterrâneas (através de poços tubulares profundos) nem sempre é possível interromper o bombeamento e na maioria dos casos não se pode assegurar que o nível estático regional foi reestabelecido. Em outros casos, mesmo quando os poços conhecidos (cadastrados e/ou outorgados pelo órgão gestor) ficam desligados pode haver bombeamento em outros poços desconhecidos ou fora do cadastro oficial ou do registro de dados, interferindo nos resultados esperados. A determinação da sobrexplotação deve ser estabelecida a partir de monitoramento de longo período do rebaixamento do nível d água em função da vazão total explotada, comprovando que o rebaixamento é progressivo ao longo do tempo. A determinação ocasional de rebaixamento pode não responder a problemas de sobrexplotação, porque pode estar associada a variação sazonal do nível freático não relacionada às taxas de bombeamento. Se existe um período relativamente curto com maior demanda hídrica subterrânea, através de uma bateria de poços profundos é possível ocorrer rebaixamento do nível estático local relacionado àquele momento específico, e isto não pode ser definido como sobrexplotação, pois os níveis em curto espaço de tempo podem recuperar a carga Dois procedimentos de monitoramento são propostos para se determinar a sobrexplotação: medição do nível dinâmico ou do rebaixamento do nível d água em função da vazão total explotada em um poço individual ou em uma bateria de poços selecionada após o mesmo tempo depois de interrompido o bombeamento (em poços produtores). Ou medição do rebaixamento do nível d água (nível dinâmico) em poços de observação ou em piezômetros sob as mesmas condições de contorno de bombeamento contínuo. Estes procedimentos diferem da forma clássica de determinação da sobrexplotação em que as medidas do nível estático dos poços são realizadas após amplos intervalos de tempo sem bombeamento. O monitoramento do rebaixamento dos níveis estáticos ou dos próprios níveis PROCEDIMENTO ALTERNATIVO hidráulica com o decréscimo das vazões de bombeamento por diminuição da demanda. O rebaixamento do nível freático não é sinônimo de sobrexplotação, mas apenas os casos em que o rebaixamento é contínuo em longo período de tempo e em uma extensão considerável do aquífero. Há vários casos em que aquíferos foram considerados sob sobrexplotação, mas que após uma avaliação mais acurada se observou a recuperação imediata do nível d água do aquífero após a paralisação do bombeamento e foi provado que o sistema estava apenas sob pressão de bombeamento da vazão localmente explotada e não sob uma condição crítica. Custodio (2002) apresenta um artigo de revisão no qual todos os aspectos conceituais sobre a sobrexplotação, as questões hidráulicas relacionadas ao rebaixamento acentuado dos níveis potenciométricos, discussão sobre as controvérsias relacionadas a estas questões e vários exemplos são enumerados. Neste mesmo artigo alguns estudos de caso aplicados aos aquíferos da Espanha são relatados. Assim, o objetivo do presente trabalho é propor um procedimento alternativo para se determinar de forma segura ou com restrita margem de erro, se o aquífero se encontra submetido a sobrexplotação. dinâmicos pode ser desenvolvido de duas formas: - Continuamente com auxílio de equipamentos automáticos (transdutores de pressão com registro de dados), ou - Por medição manual periodicamente com uso de medidores de nível (com sensor sonoro). O uso de medição com equipamento automático apresenta a vantagem de gerar um grande número de dados do rebaixamento que podem ser aplicados para se obter curvas mais precisas (rebaixamento em função do tempo), de forma que o comportamento do rebaixamento pode ser mais nítido. O uso de medição periódica deve ser, no mínimo, em uma base mensal, mas quando possível a medição quinzenal é mais apropriada. No caso de se usar monitoramento 340 São Paulo, UNESP, Geociências, v. 36, n. 2, p. 339 346, 2017

contínuo, com equipamento automático (ex: transdutores de pressão), será necessário separar do conjunto de dados os momentos críticos de rebaixamento às mesmas condições de bombeamento (ex.: a hora do dia com a máxima demanda hídrica). Se um equipamento manual está sendo utilizado para o monitoramento, as medições devem ser tomadas sob as mesmas condições de bombeamento, preferencialmente no mesmo horário, do mesmo dia da semana, sob a mesma taxa de consumo médio. Os dados disponíveis são plotados em dois gráficos distintos: - Nível dinâmico (nível d água em metros) versus tempo (mês do ano) - este produto permite verificar as variações sazonais dos níveis d água do aquífero. - Nível dinâmico de longo período (em metros) versus meses de anos sucessivos - este produto permite se verificar a evolução de eventuais tendências de rebaixamento do nível d água em regime permanente de bombeamento. Para a confecção dos gráficos devem ser preferencialmente aplicados dados de um conjunto de poços, considerando as suas características construtivas e se possível o perfil atravessado com objetivo de assegurar que os níveis medidos correspondam ao aquífero estudado, ao invés de um único poço. Esta prática deve auxiliar na separação/filtragem de casos anômalos ou inconsistências causadas pela baixa eficiência dos poços, penetração parcial no aquífero ou outros distúrbios hidráulicos. Uma análise quantitativa deve ser desenvolvida sobre os dados plotados nos gráficos e deve considerar alguns ajustes ou correlações, incluindo: - Consideração das influências da sazonalidade climática; - Avaliação das distâncias entre os poços ou entre os poços de monitoramento e os poços de produção; - Verificação das tendências das curvas. A consideração dos efeitos sazonais dos níveis deve ser feita a partir da subtração da variação anual natural do nível. A variação anual do nível se deve à descarga dos aquíferos para os cursos d água superficiais (nascentes, lagos e drenagens). A melhor forma de se obter os valores que devem ser subtraídos é a partir da análise dos gráficos de variações anuais dos níveis. Em última análise esta variação corresponde à própria recarga do aquífero ou à reserva renovável, que deve ser desconsiderada para efeitos de verificação de eventual sobrexplotação do aquífero. ANÁLISE DE DADOS E APLICAÇÃO DE EXEMPLO Para exemplo prático do procedimento proposto duas áreas foram escolhidas: poços de monitoramento situados na cidade de São Sebastião na porção central do Distrito Federal, e a região de Caldas Novas, sudeste do estado de Goiás, Brasil, envolvendo análise de 10 poços em São Sebastião e mais de 40 poços em Caldas Novas. A Tabela 1 mostra os dados que determinam o arcabouço geológico e hidrogeológico local para as áreas de estudo. Área de São Sebastião, DF Dois conjuntos de dados de monitoramento dos níveis d água de poços da cidade de São Sebastião foram selecionados para se verificar eventual sobrexplotação do aquífero local. Estes dados são oriundos dos poços SS-09 e SS-14, os quais são usados exclusivamente para fins de monitoramento. A Figura 1 mostra a distribuição espacial dos poços de monitoramento com relação aos poços produtores mais próximos. Análises da distância do poço de observação, dos poços produtores e dos dados de testes bombeando executados quando estes poços foram construídos mostram que o Poço SS-09 está sofrendo interferência dos poços vizinhos e o Poço SS-14 por estar fora do cone de depressão dos poços produtores mais próximos não vem sofrendo nenhum tipo de interferência. Os dados mostrados nas Figuras 2 e 3 não podem ser considerados como o nível estático regional do aquífero, uma vez que o poço de monitoramento está sofrendo interferência por estar situado sob o cone de depressão dos poços vizinhos. São Paulo, UNESP, Geociências, v. 36, n. 2, p. 339 346, 2017 341

Tabela 1 - Principais feições dos aquíferos usados como estudo de caso. 1. Freitas-Silva & Campos (1998); 2. Campos et al. (2005); 3. Joko (2003), 4. Souza (2001). 5. Almeida (2011). Parâmetro São Sebastião Distrito Federal Caldas Novas Estado de Goiás Geologia Solo Grupo Canastra - filito e lentes de mármore (1) Latossolo Vermelho, com espessura maior que 50 metros (3,4) Hidrogeologia Aquíferos Físsuro-cársticos livres (1) Clima Uso da Água Média de 1.500 mm/ano. Chuvas são concentradas entre Novembro to Abril Exclusivamente abastecimento humano Grupos Araxá e Paranoá xisto e quartzito (2) Latossolo Vermelho, com espessura até 20 metros (5) Aquíferos fraturados livres e confinados: sistemas Araxá e Paranoá, com águas termais (5) Média de 1.500 mm/ano. Chuvas são concentradas entre Novembro a Abril Principalmente para abastecimento de piscinas e subordinadamente para abastecimento humano Figura 1 - Localização dos piezômetros SS-09 (a) e SS-14 (b) e a distância entre estes e os poços produtores mais próximos. 342 São Paulo, UNESP, Geociências, v. 36, n. 2, p. 339 346, 2017

NE (m) Neste sentido, o nível medido é relacionado mais corretamente ao nível do aquífero submetido a taxa de bombeamento em condições de longo prazo e regime permanente. A avaliação pela comparação de sete anos de dados contínuos e mais quatro anos de medidas simples (Figura 2) mostra um rebaixamento progressivo do nível freático, o que poderia ser em uma rápida interpretação como sobrexploração intensa. A redução da zona saturada variou aproximadamente 3 metros na estação chuvosa a até 8 metros no período seco do ano. Entretanto, se os dados forem observados durante todo o período (Figura 3) é possível observar um contraste significativo das estações secas e chuvosas. Se a análise for feita com os dados do mês seco, um rebaixamento de nove metros é evidenciado. Se o mês de março/abril for escolhido como referência o rebaixamento é de aproximadamente um metro. A partir da análise prévia, fica claro que a avaliação dos dados contínuos é mais representativa para se verificar a possível sobrexplotação, uma vez que este processo deve ser visto no ciclo hidrológico de longo termo e não apenas em um período de tempo curto. Isto deve ser assumido porque o regime de explotação não é o mesmo durante o ano, em função da demanda distinta por água. Na estação seca o consumo da água é maior e no período chuvoso os processos naturais de recarga são desenvolvidos, e compensam parte do rebaixamento observado previamente. A Figura 3 mostra um contraste entre o rebaixamento nas estações chuvosas e secas. O nível de água medido em agosto e setembro mostra diminuição progressiva entre 2007 e 2012. Nestes anos o rebaixamento médio de aproximadamente 3 metros alcançou um máximo de 9 metros. Por outro lado, a avaliação em março e em abril (no fim da estação chuvosa) mostra que a tendência do rebaixamento é atenuada e alcança no máximo aproximadamente dois metros no ano de 2010. Esta análise integrada mostra que para a verificação da sobrexplotação é necessário observar uma tendência consistente de diminuição dos níveis d água em ambos os períodos sazonais (comparação das estações chuvosa e seca). 0 2 1997 1998 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 4 6 8 10 12 14 Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez Figura 2 - Variação anual do nível d água medido no Poço SS-09, na região de São Sebastião. A análise aplicada ao Poço SS-14 (Figura 4) mostra que para o ponto de vista anual não há nenhuma tendência para o rebaixamento. Por todos os anos avaliados a variação do nível d água apresenta o mesmo padrão, não mais que um metro de diferença entre as estações secas e chuvosas. A avaliação de longo prazo mostra ainda que o nível mais baixo em agosto e setembro (no fim da estação seca) e, ao contrário, os níveis em março e em abril mostram uma tendência de elevação entre os anos de 2010 e 2012 (Figura 5). A partir destes dados é possível concluir que não há sobrexplotação e como o poço SS-14 está situado a mais de 500 metros dos poços de produção pode-se considerar que ele monitora o próprio nível estático ou o nível associado ao regime permanente de bombeamento São Paulo, UNESP, Geociências, v. 36, n. 2, p. 339 346, 2017 343

Nível d'água (m) Nível d'água (m) ago/04 dez/04 abr/05 ago/05 dez/05 abr/06 ago/06 dez/06 abr/07 ago/07 dez/07 abr/08 ago/08 dez/08 abr/09 ago/09 dez/09 abr/10 ago/10 dez/10 abr/11 ago/11 dez/11 abr/12 ago/12 dez/12 NE (m) 0 2 4 6 8 10 12 14 Figura 3 - Variação de longo prazo do nível d água medido no Poço SS-09 na região de São Sebastião. 0,00 0,50 2007 2008 2009 2010 2011 2012 1,00 1,50 2,00 2,50 3,00 3,50 4,00 jan fev mar abr mai jun jul ago set out nov dez Figura 4 - Variação anual do nível d água medido no Poço SS-14, na região de São Sebastião. 0,0 0,5 1,0 1,5 2,0 2,5 3,0 3,5 4,0 4,5 Figura 5 - Variação de longo período do nível d água medido no Poço SS-14, na região de São Sebastião. 344 São Paulo, UNESP, Geociências, v. 36, n. 2, p. 339 346, 2017

Nível d'água (m) Área de Caldas Novas, GO Na região de Caldas Novas as medidas foram realizadas desde 1978. Neste caso o rebaixamento maior que 50 metros entre 1978 e 1986 no Sistema Aquífero Araxá (Figura 6). Neste mesmo aquífero, um rebaixamento de mais de 20 metros foi observado, apenas entre junho de 1982 e junho de 1986, quando o nível potenciométrico do Sistema Aquífero Araxá termal rebaixou da cota de 642 para cota de 618 metros (Andrade & Almeida 2012). Os dados apresentados na Figura 5 representam a média dos valores de nível potenciométrico de 48 poços de monitoramento. Em todos os casos o bombeamento dos poços é interrompido por cerca de doze horas antes de se realizar a medição dos níveis. Este exemplo de sobrexplotação é um dos mais bem documentados do Brasil. Devido ao bombeamento excessivo dos aquíferos associados aos maciços fraturados para abastecimento de piscinas dos clubes e dos hotéis, muitos problemas foram reconhecidos incluindo: esgotamento de nascentes de águas termais, inversão do fluxo subterrâneo, diminuição da vazão dos poços e risco de colapso do sistema de abastecimento. Após o ano de 1985, o Departamento Nacional da Produção Mineral proibiu a instalação de novos poços na região e intensificou o monitoramento mensal, desta forma sendo criada uma poligonal de restrição, tendo em vista que a explotação desordenada é maior do que a recarga natural dos aquíferos. O mesmo conjunto de dados mostra que depois de 2007 se iniciou um novo ciclo de diminuição com uma tendência de rebaixamento dos níveis o que pode claramente ser interpretado como um novo evento de sobrexplotação. Neste período de tempo o rebaixamento do nível potenciométrico do Sistema Aquífero Araxá em sua porção confinada é de quase 15 metros. 690 680 Sistema Aquífero Araxá Sistema Aquífero Paranoá 670 660 650 640 630 620 610 600 Jun-78 Jun-80 Jun-82 Jun-84 Jun-86 Jun-88 Jun-90 Jun-92 Jun-94 Jun-96 Jun-98 Jun-00 Jun-02 Jun-04 Jun-06 Jun-08 Jun-10 Figura 6 - Variação de longo prazo do nível potenciométrico em diferentes poços, na região de Caldas Novas. Estes dados correspondem ao máximo rebaixamento do sistema do Aquífero Araxá na porção central da cidade. O monitoramento de somente um poço no Sistema Aquífero Paranoá que ocorre em posição inferior ao Sistema Araxá mostra que a sobrexplotação não foi observada no aquífero confinado sotoposto. Este fato mostra que as taxas de recarga são suficientes para manter as pressões potenciométricas do aquífero. Entretanto, uma tênue tendência de rebaixamento pode ser observada e pode ser interpretada como um alerta para futura sobrexplotação. É importante salientar que a principal zona de recarga do Aquífero, representada pelo platô da Serra de Caldas não sofreu redução ou impermeabilização, pois aquela região representa uma unidade de proteção ambiental (Parque Estadual da Serra de Caldas Novas - PESCAN). São Paulo, UNESP, Geociências, v. 36, n. 2, p. 339 346, 2017 345

O procedimento proposto pode ser aplicado para determinar a sobrexplotação de aquíferos intensamente bombeados. Mesmo nos casos em que não seja possível medir os níveis estáticos dos aquíferos, devido à necessidade de bombeamento contínuo o procedimento apresentado pode ser usado para verificar a sobrexplotação. A sobrexplotação pode ocorrer em um setor e não ser observada em outra zona do mesmo aquífero (em função da concentração de poços compondo cones de depressão compostos), mesmo em distâncias da ordem de quilômetros. Esta informação deve ser considerada quando do desenvolvimento das práticas de gestão dos recursos hídricos subterrâneos e da caracterização da pressão de explotação dos aquíferos. Apesar das taxas intensivas de bombeamento desde o início dos anos 2000, os dados de poços da região São Sebastião, Distrito Federal mostram que não há sobrexplotação e que os aquíferos ainda estão CONCLUSÕES E CONSIDERAÇÕES FINAIS REFERÊNCIAS sendo operados em um regime sustentável. O Sistema Aquífero Araxá termal na região de Caldas Novas está indubitavelmente sob sobrexplotação desde o começo dos anos 1980. O problema foi controlado desde 1996 após intervenção de autoridades responsáveis pela gestão dos recursos hídricos subterrâneos. Nos dias atuais o problema parece continuar, uma vez que os níveis dinâmicos dos poços estão rebaixando progressivamente desde o ano 2007. Por outro lado, dados do Sistema Aquífero Paranoá Termal, no mesmo período de tempo, na mesma região não mostra nenhuma evidência de sobrexplotação a partir do monitoramento de um único poço artesiano de 1986 até atualmente. As melhores práticas para se reverter os problemas da exploração excessiva incluem o controle das taxas de bombeamento (até um máximo equivalente à recarga natural), o desenvolvimento de projetos de recarga artificial de aquíferos e a gestão das demandas. ALMEIDA, L. Estudo da aplicabilidade de técnicas de recarga artificial de aquíferos para a sustentabilidade das águas termais da Região de Caldas Novas GO. Brasília, 2011. 147p. Tese de Doutorado. Instituto de Geociências. Universidade de Brasília. ANDRADE A.M. & ALMEIDA, L. Comportamento do nível potenciométrico do aquífero termal de Caldas Novas - GO e medidas de restrição e controle aplicadas pelo Departamento Nacional da Produção Mineral (DNPM). Águas Subterrâneas, v. 26, n. 1, p. 99-112, 2012. CAESB - Companhia de Saneamento Ambiental do Distrito Federal. 2011. Sinopse dos Poços da CAESB em Áreas Urbanas, Brasília, 2011. CAMPOS, J.E.G. Zoneamento Ecológico-Econômico do Distrito Federal. Disponível em: http:// www.zeedf.com.br. Acessado em 05 de nov 2011. CAMPOS, J.E.G.; TRÖGER, U.; HAESBAERT, F.F. Águas Quentes de Caldas Novas, Goiás - Notável ocorrência de águas termais sem associação com magmatismo. In: WINGE, M.; SCHOBBENHAUS, C.; BERBERT-BORN, M.; QUEIROZ, E.T.; CAMPOS, D.A.; SOUZA, C.R.G.; FERNANDES, A.C.S. (Coordenadores) Sítios Geológicos e Paleontológicos do Brasil, v. 2. 515 p. 2005. CUSTODIO, E. Aquifer overexploitation: What does it mean?. Hydrogeology Journal, v. 10, p. 254-277, 2002. FREITAS-SILVA, F.H. & CAMPOS, J.E.G. Geologia do Distrito Federal. In: Inventário hidrogeológico e dos recursos hídricos superficiais do Distrito Federal. Parte I. Vol I. IEMA-SEMATEC/ Universidade de Brasília. 86 p. 1998. JOKO, C.T. Hidrogeologia da região de São Sebastião - DF: implicações para a gestão do sistema de abastecimento de água. Brasília, 2003. 158p. Dissertação (Mestrado) - Instituto de Geociências, Universidade de Brasília. SOUZA, M.T. Fundamentos para a gestão dos recursos hídricos subterrâneos no Distrito Federal. Brasília, 2001. 124 p. Dissertação (Mestrado) - Universidade de Brasília, Instituto de Geociências. Manuscrito recebido em 04 de janeiro de 2014 Revisado e aceito em 04 de janeiro de 2017 346 São Paulo, UNESP, Geociências, v. 36, n. 2, p. 339 346, 2017