OS ERROS E OS ACERTOS NAS GRAFIAS REGIDAS POR REGRAS CONTEXTUAIS EM TEXTOS DE CRIANÇAS DAS SÉRIES INICIAIS 1. INTRODUÇÃO

Documentos relacionados
UM ESTUDO SOBRE A GRAFIA DO FONEMA /S/ s seis c cesta ss massa ç maçã /s/ x experiência 3 sc nascer xc exceto sç cresça z vez

QUE ESTRATÉGIAS UTILIZAM CRIANÇAS DAS SÉRIES INICIAIS PARA A EVITAÇÃO DO HIATO? GRASSI, Luísa Hernandes¹; MIRANDA, Ana Ruth Moresco 2. 1.

O que revelam os textos espontâneos e um ditado com palavras inventadas sobre a grafia das consoantes róticas

OS PRINCIPAIS ERROS APRESENTADOS NA PRODUÇÃO ESCRITA DE ALUNOS DOS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL

DIVISÃO DE ASSUNTOS ACADÊMICOS Secretaria Geral de Cursos PROGRAMA DE DISCIPLINA

A morfologia do verbo e os dados de escrita inicial

Gilmara Teixeira Costa Professora da Educação Básica- Barra de São Miguel/PB )

Um estudo sobre a aquisição ortográfica das vogais do português Ana Ruth Moresco Miranda Faculdade de Educação - PPGE Universidade Federal de Pelotas

ALFABETIZAÇÃO: PRIMEIRAS MANIFESTAÇÕES DA LEITURA E ESCRITA NA CRIANÇA

Um estudo sobre a grafia das vogais pretônicas no português em dados de aquisição da escrita

PLANO DE ENSINO DIA DA SEMANA HORÁRIO CRÉDITOS 2as feiras 18h10-21h40 04

PROGRAMA DE ENSINO. Área de Concentração Educação. Aulas teóricas: 04 Aulas práticas: 02

FARACO, Carlos Alberto. Linguagem, escrita e alfabetização. 1 0 Ed. São Paulo: Editora Contexto, p.

ORALIDADE E LETRAMENTO: AS REPRESENTAÇÕES ESCRITAS DAS VOGAIS PRETÔNICAS MEDIAIS DA FALA.

PROGRAMA DE CONTEÚDOS

CURSO ANO LETIVO PERIODO/ANO Departamento de Letras º CÓDIGO DISCIPLINA CARGA HORÁRIA Introdução aos estudos de língua materna

A CONSTRUÇÃO DO SISTEMA DA ESCRITA COMO PROCESSO COGNITIVO

Apresentação do método sintético

LETRAMENTO E DESENVOLVIMENTO: A IMPORTÂNCIA DA ALFABETIZAÇÃO PARA A FORMAÇÃO DO SUJEITO

JOGOS E SEQUÊNCIAS LÚDICAS PARA O ENSINO DO SISTEMA DE ESCRITA ALFABÉTICA COM CRIANÇAS DOS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL

OS ERROS (ORTO)GRÁFICOS EM TEXTOS DE CRIANÇAS DO CICLO DE ALFABETIZAÇÃO

PROGRAMA DE DISCIPLINA

7 o ENAL Encontro Nacional sobre Aquisição da Linguagem Simpósio: Revisitando aspectos da aquisição da escrita: considerações lingüísticas

PIBID UMA BREVE REFLEXÃO ENTRE TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

ALGUMAS REFLEXÕES SOBRE AS PRÁTICAS DE ENSINO E APRENDIZAGEM DE LÍNGUA PORTUGUESA NO ENSINO FUNDAMENTAL. Viviane Favaro Notari 1

LIVROS IMPORTANTES NA FORMAÇÃO DOS PROFESSORES ALFABETIZADORES HAAS, Fabiane Andréia 1 ; ROSA; Profª. Drª Cristina Maria 2.

UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM EDUCAÇÃO ÁREA DE CONCENTRAÇÃO EDUCAÇÃO DE SURDOS

A REFORMA ORTOGRÁFICA DA

A Dicotomia da Alfabetização:

Atena Cursos - Curso de Capacitação - AEE PROJETO DEFICIÊNCIA DA LEITURA NA APRENDIZAGEM INFANTIL

TÍTULO: UTILIZAÇÃO CRIATIVA DA LITERATURA INFANTIL NO PROCESSO DE APRENDIZAGEM

A FORMAÇÃO INICIAL DO ALFABETIZADOR: UMA ANÁLISE NOS CURSOS DE PEDAGOGIA

JOGO MEMORGÂNICO: UMA FERRAMENTA COMPLEMENTAR NO APRENDIZADO DE NOMENCLATURAS DE HIDROCARBONETOS

A CRIANÇA E O HÍFEN: ENCONTROS E DESENCONTROS NO PROCESSO DE AQUISIÇÃO DA ESCRITA 1

Plano de ensino: CONTEÚDO, METODOLOGIA E PRÁTICA DE ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA CONTEÚDO, METODOLOGIA E PRÁTICA DE ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA

COMPETÊNCIAS ENVOLVIDAS NO APRENDIZADO DA LEITURA

Palavras-chave: Alfabetização Matemática. Letramento Matemático. Formação inicial de professores.

ETAPAS DE DESENVOLVIMENTO DA ESCRITA: RESPOSTAS A UMA EXPERIÊNCIA

INFLUÊNCIA DA ORALIDADE NA ESCRITA DE ALUNOS DO ENSINO MÉDIO

Diferentes abordagens de alfabetização

ORALIDADE E A AQUISIÇÃO DA LINGUAGEM ESCRITA DOS ALUNOS EM UMA ESCOLA PÚBLICA

DESEMPENHO ORTOGRÁFICO E NATUREZA DA TAREFA DE ESCRITA

LETRAMENTO E RESGATE CULTURAL: RELATÓRIO DE APLICAÇÃO DE UM PROJETO DE LETRAMENTO

Instrumento. COSTA, Sérgio Roberto. Dicionário de Gêneros Textuais. Belo Horizonte: Autêntica, Mariângela Maia de Oliveira *

Alfabetização e Letramento. Profª Especialista Tânia Caramigo 08/03/17

A CONSIGNA NAS AULAS DE LÍNGUA PORTUGUESA O DESEMPENHO DO ALUNO VERSUS A EXPLICAÇÃO DO PROFESSOR

METODOLOGIA DA ALF L A F BE B TI T ZA Z ÇÃ Ç O

Métodos de Alfabetização

Um estudo sobre a segmentação não-convencional na aquisição da escrita de alunos de EJA

CABE A ESCOLA TANTO A APRENDIZAGEM DAS HABILIDADES BÁSICAS DE LEITURA E ESCRITA (Alfabetização), QUANTO O DESENVOLVIMENTO, PARA ALÉM DESSA HABILIDADE

O ENSINO-APRENDIZAGEM DA LÍNGUA

ANÁLISE DAS VARIAÇÕES FONÉTICAS E ORTOGRÁFICAS PRESENTES NOS TEXTOS DE ALUNOS DO 5º ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL

A FORMAÇÃO TECNOLÓGICA DO PROFESSOR

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS FACULDADE DE EDUCAÇÃO OBSERVATÓRIO DA EDUCAÇÃO. Relatório para Bolsistas OBEDUC-Pacto

ACENTUAÇÃO GRÁFICA NA ESCRITA DE CRIANÇAS DE SÉRIES INICIAIS

A ALFABETIZAÇÃO DA PESSOA SURDA: DESAFIOS E POSSIBILIDADES. Caderno de Educação Especial

A coleção Português Linguagens e os gêneros discursivos nas propostas de produção textual

CONHECIMENTO DE ALUNOS DE 1ª À 4ª SÉRIE DO ENSINO FUNDAMENTAL SOBRE OS CONTEÚDOS DA LINGUAGEM ESCRITA

A ABORDAGEM DO MICRO-UNIVERSO LINGÜÍSTICO PELA VIA DO ESTUDO DOS GÊNEROS TEXTUAIS E DAS RELAÇÕES ENTRE ORALIDADE E ESCRITA GODINHO

A APROPRIAÇÃO DO SISTEMA DE ESCRITA PELA VIA DA CONSCIÊNCIA FONOLÓGICA

Administração Central Unidade de Ensino Médio e Técnico - CETEC. Plano de Trabalho Docente Ensino Técnico

PLANO DE ENSINO DADOS DO COMPONENTE CURRICULAR

EXPERIÊNCIA COMO ORIENTADORA DO PACTO NACIONAL PELA IDADE CERTA EM CATALÃO-GO.

ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO NO CONTEXTO DO ENSINO FUNDAMENTAL DE NOVE ANOS Ana Paula do Amaral Tibúrcio UFSJ

Vamos brincar de construir as nossas e outras histórias

COMO MELHORAR O ENSINO DO PORTUGUÊS NA ESCOLA Vicente Martins

VMSIMULADOS. ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO 1

O que nós gestores temos com isto?

TECNOLOGIA NA SALA DE AULA: VIVÊNCIAS E EXPERIÊNCIAS COM A EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS/ EJA

Técnico Integrado em Controle Ambiental SÉRIE:

Aula 1 O processo educativo: a Escola, a Educação e a Didática. Profª. M.e Cláudia Benedetti

Índice. Grupo Módulo 4

PROJETO DE EXTENSÃO ALFABETIZAÇÃO EM FOCO NO PERCURSO FORMATIVO DE ESTUDANTES DO CURSO DE PEDAGOGIA

ANALIZANDO A CONSTRUÇÃO DE GRÁFICOS DE ALUNOS DO 5º ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL

SOARES, Magda. Letramento: um tema em três gêneros. 3. ed. Belo Horizonte, Autêntica, 2009.

Letra Viva. Episódio: O Planejamento na Prática Pedagógica

UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA CENTRO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA CEAD PLANO DE ENSINO

Acompanhamento Fonoaudiológico Para Crianças Com Dificuldades. de Aprendizagem

ALFABETIZAÇÃO: DA HISTÓRIA DOS MÉTODOS AO TEXTO

Livros didáticos de língua portuguesa para o ensino básico

Conceptualizando Alfabetização e Letramento

PROCESSOS DE AQUISIÇÃO DA ESCRITA INFANTIL: UMA APRENDIZAGEM NECESSÁRIA NA INICIAÇÃO À DOCÊNCIA

GENEROS TEXTUAIS E O LIVRO DIDÁTICO: DESAFIOS DO TRABALHO

Raquel Cristina de Souza e Souza (Colégio Pedro II / Universidade Federal do Rio de Janeiro) Simone da Costa Lima (Colégio Pedro II / Universidade

UNIDADE DE ESTUDO - 3ª ETAPA

AQUISIÇÃO ORTOGRÁFICA: SAU OU SAL ; PEGO, PEGOL OU PEGOU

Atividades de ortografia para imprimir

FORMAÇÃO CONTINUADA PARA PROFESSORES DOS ANOS INICIAIS EM ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO

A REESCRITA DE CONTOS COMO GATILHO PARA A ALFABETIZAÇÃO INICIAL: UM RELATO DE EXPERIÊNCIA Escola Estadual Conselheiro Antônio Prado

Oralidade e Aquisição da Linguagem Escrita

REGULAMENTO DE NIVELAMENTO

A MATRIZ DE CONFUSÃO E A CONTAGEM FONÊMICA COMO PROTOCOLOS PARA A ANÁLISE DA ACLIMATIZAÇÃO

Fonética e Fonologia: modos de operacionalização

PRODUÇÕES TEXTUAIS DE ALUNOS DO 5º ANO: UMA ANÁLISE DAS DIFICULDADES ORTOGRÁFICAS

LIVROS DIDÁTICOS DE ALFABETIZAÇÃO: FORMAS E POSSIBILIDADES DE USO

Resultados e discussão

Oficina C. Imagem e som: A arte da Comunicação

DEBATE SOBRE A BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR. Anos Iniciais. Profa. Clarice Salete Traversini Pedagogia 04/12/2015

ESTUDO DA OPERAÇÃO DE SUBTRAÇÃO: DA INTERPRETAÇÃO TEXTUAL À APLICAÇÃO DO ALGORITMO POR ESTUDANTES SURDOS

Pedagogia Licenciatura S-20 - Educação e Diversidade S-20 - Filosofia Geral

Transcrição:

OS ERROS E OS ACERTOS NAS GRAFIAS REGIDAS POR REGRAS CONTEXTUAIS EM TEXTOS DE CRIANÇAS DAS SÉRIES INICIAIS ARAÚJO, Pâmela Renata Machado 1 ; MIRANDA, Ana Ruth Moresco 2. 1,2 Programa de Pós-Graduação em Educação FAE/UFPel Alberto Rosa, 154 CEP 96010-770. polarenon@yahoo.com.br 1. INTRODUÇÃO Uma questão que desde sempre tem preocupado professores e estudiosos de alfabetização diz respeito ao modo como lidar com os erros ortográficos. A ortografia, como nos traz a etimologia da palavra, orto - prefixo grego que significa correto - e grafia - também de origem grega que significa escrita -, integra a gramática normativa a qual explicita o como escrever corretamente as palavras da língua. Conforme Morais (1999, p.4), o aprendizado da ortografia é um processo gradual, complexo, que requer tempo e não envolve só a memória. As concepções dos professores, porém, se contrapõem a essa ideia à medida que baseiam o ensino da ortografia em atividades não significativas e, portanto, inócuas. Segundo Carvalho (2005, p.69), o ensino de ortografia, que na verdade não se faz separadamente do ensino da leitura e da escrita, tem permanecido extremamente rotineiro e pouco eficaz. O conhecimento do sistema ortográfico do português revela a sua natureza fonêmica, o que garante a unidade do sistema de escrita, pois, segundo Miranda et alii (2005), se assim não fosse, existiriam várias possibilidades de grafias para as palavras, conferindo à escrita uma natureza fonética que, consequentemente, afetaria a unidade linguística. Por isso, chamamos atenção à importância do ensino da ortografia, visando à unificação à língua escrita e garantindo assim a inserção e a mobilidade dos alunos em práticas de letramento socialmente prestigiadas. A aquisição da ortografia pela criança requer a compreensão das relações que se estabelecem entre os sistemas gráfico e o fônico e demanda o entendimento das relações múltiplas que se observam entre grafemas e fonemas, no entanto o sistema ortográfico do português compreende regras contextuais e regras arbitrárias, que

definem a escolha do grafema. Essas regras, ao serem aprendidas e/ou compreendidas podem facilitar tanto o ensino como a aprendizagem da escrita ortográfica. As regras arbitrárias são aquelas que exigem atividades mnemônicas ou o conhecimento etimológico da palavra, uma vez que não se pode definir um princípio gerativo para o uso dos grafemas. As dificuldades relacionadas à arbitrariedade do sistema podem acompanhar o aluno durante toda sua vida escolar. As regras contextuais, por seu turno, são aquelas reguladas por regras que podem ser inferidas a partir da observação de determinados contextos. São exemplos de grafias regidas por regras contextuais a representação do fonema [k], grafado como c antes das vogais posteriores a, o e u, e como qu antes das anteriores i e e ; e também a representação do fonema [g], cuja grafia é g antes das vogais posteriores a, o e u, e gu antes de anteriores i e e. Pretendemos neste trabalho apresentar uma pequena amostra do que será desenvolvido na dissertação de mestrado, cujo tema é as grafias regidas por regras contextuais, o fazer dos alunos e o saber dos professores. Focalizaremos neste estudo apenas as grafias dos dígrafos, sequências de letras que representam apenas um fonemas, os quais são regidos por regras contextuais. 2. MATERIAL E MÈTODOS Foram analisadas produções escritas pertencentes ao Banco de Textos de Aquisição da Escrita (FaE-UFPel). O Banco é constituído por 2020 textos de crianças de 1ª a 4ª série do ensino fundamental de uma escola pública e outra particular da cidade de Pelotas/RS. Para este estudo, foram analisados os textos de duas coletas das dez que constituem o Banco (cerca de 400 textos). Dos textos, foram extraídas todas as palavras que apresentavam contexto para a grafia de qu e gu, as quais foram distribuídas de acordo com as variáveis: tipo de erro, escola e série. Após, os erros e os acertos de cada um dos dígrafos foram quantificados, para que pudéssemos ter um panorama geral de sua distribuição. 3. RESULTADOS E DISCUSSÃO Os dados apresentados no Gráfico 1 mostram a distribuição de erros e acertos presentes nas grafias dos dígrafos gu e qu : Gráfico 1: Distribuição de erros e acertos 100 80 60 40 acertos erros 20 0 'gu' 'qu' Nesse Gráfico, a distribuição dos erros e dos acertos mostra que a incidência de erros desse tipo é baixa, principalmente no que diz respeito ao uso do dígrafo qu, forma mais recorrente nos textos das crianças, em se comparando ao gu. Em relação ao gu,

das 41 ocorrências nos textos espontâneos, foram encontrados cinco erros. Já o qu apresentou 352 grafias, das quais apenas cinco incorretas. Objetivamos inicialmente uma análise quantitativa dos dados, mas, em vista do número bastante reduzido de erros encontrados, faz-se importante debruçarmo-nos sobre os erros das crianças, para refletirmos sobre as possíveis hipóteses que os estariam gerando, o que pode ser feito por meio de uma análise qualitativa. Nos dados em (1) são apresentados os erros produzidos pelas crianças na tentativa de grafarem o gu. (1) 1 (a) consegriu (b) consequio (2x) (c) joginho (d) nigei Podemos agrupar esses dados em razão da observância ou não da regra contextual para o uso do dígrafo. Em (a) e (b), vemos que a grafia apresentada obedece à regra contextual, visto que preserva a plosiva velar, ainda que em (a) insira um r e, em (b), a dessonorize. Temos em (c) e (d) a não observância da regra contextual e a grafia da letra g em contexto no qual passa a representar a fricativa, a saber, antes de vogais anteriores. Esses dados podem ter sido motivados pelo fato de a criança (aluno de 2ª série) ter estabelecido relação biunívoca entre fonema e letra. Os dados referentes aos erros na grafia de qu estão apresentados em (2): (2) 1 (a) gueria (b) bosgue (2x) (c) qitava (d) qiachou Os dados em (2) são similares àqueles apresentados em (1), pois, como recém referido, podem ser distribuídos em dois grupos: (a) e (b) não violam a regra contextual e (c) e (d) o fazem. Os dois primeiros exemplos mostram em ambas as grafias casos de sonorização, um /k/ que passou para /g/; os dois últimos apresentam redução de dígrafo e também hipossegmentação, casos em que a criança escreve tudo junto, sem observar que há separações entre as palavras. Em (d) podemos pensar que a segmentação nãoconvencional pode estar motivando o apagamento do u na grafia, a fim de evitar sequências de três vogais uia, comportamento descrito por Cunha (2004) em seu estudo sobre as segmentações não-convencionais. Tal hipótese explicativa, porém, não dá conta do dado em (c). Isso, no entanto, não a invalida, pois, conforme têm mostrado os estudos sobre a aquisição da escrita, a escolha gráfica da criança pode sofrer influências de diferentes naturezas. Os aprendizes podem estar sendo influenciados pelo seu conhecimento linguístico, por suas experiências de letramento ou, ainda, por ambos. 1 As palavras foram reproduzidas aqui conforme as crianças as grafaram em seus textos.

Em relação aos dados estudados, não se pode deixar de mencionar também a semelhança gráfica entre as letras q e g, fator que pode ser causador de erros classificados como decorrentes dos processos de sonorização/dessonorização. Devemos salientar, por fim, que, nos dados analisados, embora a amostra seja pequena, a regra contextual focalizada não parece ser de difícil domínio, uma vez que há poucos erros que, conforme o avanço das séries, tendem a desaparecer. 4. CONCLUSÕES Este trabalho, ainda que se encontre em estágio inicial e apresente apenas resultados preliminares, já indica contribuições que certamente trará tanto para a compreensão das escolhas infantis na grafia de fonemas da língua, como para a reflexão pedagógica e construção de estratégias de ensino que visem à explicitação das regras contextuais e arbitrárias do sistema de escrita ortográfica. Além disso, a análise dos dados apresentada enfatiza a complexidade do processo de aquisição da ortografia ao mostrar que, mesmo a partir de um conjunto muito pequeno de exemplos de grafias, é possível realizar um exercício que visa à reconstrução de hipóteses que podem estar regulando a produção escrita das crianças. Este exercício de análise pode possibilitar a reflexão sobre uma ação didática que contemple a relação existente entre o sistema da língua, o conhecimento da criança e o sistema ortográfico. Entendemos que a interpretação dos erros da escrita infantil exige o conhecimento do funcionamento do sistema ortográfico por parte do professor, para que ele possa preparar uma ação pedagógica capaz de auxiliar o aluno no processo de aquisição da ortografia da língua. 5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABRAHÃO, Maria Helena M.B, (org). Avaliação e erro construtivo libertador: Uma teoria-prática includente em educação. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2004. 2ªed. CAGLIARI, Luiz Carlos. Alfabetização e Lingüística. 4ª ed. São Paulo:Scipione,1992. CARVALHO, Marlene. Guia Prático do Alfabetizador. 4ª ed.são Paulo:Ática, 2003. CUNHA, Ana Paula Nobre. A hipo e a hipersegmentação nos dados de aquisição da escrita: um estudo sobre a influência da prosódia. 2004. Dissertação (Mestrado em Educação) Universidade Federal de Pelotas, Pelotas, 2004. FARACO, Carlos Alberto. Escrita e Alfabetizacao. São Paulo: Contexto, 1992. LEMLE, Miriam. Guia Teórico do Alfabetizador. São Paulo: Ática, 1987. MASSINI-CAGLIARI, Gladis. Armadilhas da escrita (antiga e moderna): transcrição fonética X ortografia. Teoria & Prática (Campinas), Porto Alegre/Campinas, v. 15, n. 28, p. 35-45, 1996. MIRANDA, Ana Ruth Moresco; MEDINA, Sabrina Zitzke & SILVA, Michele Reis. O Sistema Ortográfico do Português Brasileiro e sua Aquisição. Linguagem e Cidadania. Revista Eletrônica, UFSM. jul/dez; edição 14, 2005. MORAIS, Artur Gomes de. (org). A aprendizagem da ortografia. Belo Horizonte: Autêntica, 2000. 2ª ed. MORAIS, Artur Gomes de. Ortografia: ensinar e aprender. São Paulo: Ática, 2002. MONTEIRO, Ana Maria L. Sebra-ssono-pessado-asado O uso do S sob a ótica daquele que aprende. In: O aprendizado da ortografia. Morais, Artur Gomes de. (org). Belo Horizonte: Autêntica, 2000. 2ª ed.

SOARES, Magda. Linguagem e Escola: Uma perspectiva social. 13ªed.São Paulo:Ática, 1995. VARELLA, Noely Klein. Leitura & Escrita: Temas para reflexão. Porto Alegre:Premier, 2004.