A sociedade de propósito específico e a recuperação judicial



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Transcrição:

1 A sociedade de propósito específico e a recuperação judicial Antônio Augusto Bello Ribeiro Da Cruz Mestre em Direito Empresarial pela FDMC em 2012 Resumo Este trabalho tem por objetivo traçar linhas gerais em torno da constituição de uma Sociedade de Propósito Específico no plano de Recuperação Judicial de uma empresa. Esta sociedade, composta por devedor e credores, teria como objeto a reversão do quadro de crise econômica e financeira daquele, quitando os débitos destes. A união de pessoas que, aparentemente, tem interesses opostos, revela-se como medida eficiente para atender a tais interesses, ao mesmo tempo, eliminando o antagonismo. O princípio da preservação da empresa, igualmente, é visto neste trabalho, revelando-se não apenas em favor do devedor, mas, igualmente, do credor. Abstract This paper aims to draw outlines around the formation of a Special Purpose Company Reorganization plan in a company. This society, composed of debtor and creditors, would object to reversal of the economic and financial crisis that, settling these debts. The union of people who apparently have opposing interests, is revealed as efficient measure to meet those concerns, while also eliminating the antagonism. The principle of preserving the company also is seen in this work, showing up not only in favor of the debtor, but also the lender. Palavras chave: sociedade propósito específico; recuperação judicial; falência; plano de recuperação judicial. 1. Introdução A responsabilidade pelas obrigações remonta o início da própria atividade comercial, e à luz do direito falimentar, deve ser observada sob a ótica do que é permitido ao credor fazer para ver seu crédito realizado. Inicialmente, a responsabilidade era estritamente pessoal, respondendo o devedor com seu próprio corpo, na medida em que o credor poderia tomar o inadimplente como escravo, e vendê-lo para saldar seu crédito.

2 Tal sistema revela caráter muito mais punitivo da impontualidade, do que propriamente ressarcitório, na medida em que, nem sempre havia correlação entre a dívida e o valor do escravo. Posteriormente, começa a se desenhar o que hoje vem a ser o instituto da falência, em sua gênese, também, com intuito muito mais punitivo que ressarcitório. Naquela época, o comércio era exercido em barracas, similares às atuais feiras livres, e o comerciante impontual acabava por ter sua barraca, ou banca, quebrada pelos credores. Surge daí a expressão bancarrota, que significa banca quebrada, em tradução livre, do italiano, hoje sinônimo de falência. Novamente, a evolução leva à um momento onde não mais é interessante ter um escravo, nem tampouco, quebrar a banca, mas sim, realizar o crédito devido. Passa-se, assim, nas hipóteses de impontualidade a tomar os bens do devedor para satisfação de seus débitos. O comerciante impontual, deste modo, teria sua atividade encerrada, e o patrimônio de seu negócio seria vendido para quitar suas dívidas. É o que ocorre atualmente com o instituto da falência, medida judicial, de expropriação dos bens para pagar as obrigações do comerciante. Contudo, a falência pressupõe o encerramento das atividades, e na medida em que, há a alienação dos bens, bem como restrições à atividade do falido, praticamente, a morte do exercício daquela atividade pelo inadimplente. Ocorre que, nem sempre, o patrimônio do devedor é suficiente para a realização de todas suas obrigações. Paralelamente à evolução das medidas de realização dos débitos do comerciante impontual, evolui a própria atividade. A figura do comerciante dá lugar à do empresário, devendo este ser entendido como o agente que organiza os fatores de produção, capital, insumo e trabalho, para a circulação de produtos e serviços, enquanto a atividade daquele estava restrita à compra e revenda de produtos. Neste sentido, o direito falimentar acompanha tal evolução, especialmente por se tratar de um instituto aplicável, apenas, ao comerciante (antes) e ao empresário (atualmente). Assim, uma outra reflexão passa a ser realizada na hipótese de se posicionar um empresário à beira da quebra.

3 Ora, se nem sempre haverá um saldo patrimonial suficiente para arcar com todos os débitos, e, a hipótese de decretação da falência implicará, quase sempre, numa extinção definitiva do exercício daquela atividade pelo falido, a quebra pode não ser interessante para ninguém. 2. O Advento Da Recuperação Judicial O comerciante em situação de impontualidade, que desejasse quitar seus débitos, antes de sua quebra, e com interesse em prosseguir na atividade, tinha a seu dispor o instituto da concordata. A concordata consistia numa renegociação dos débitos, permitindo ao devedor a concessão de um prazo para quitação de suas obrigações e eventualmente um abatimento do no valor. Contudo, nem sempre a situação de impontualidade das obrigações era meramente uma questão de tempo. Por outro lado, nem sempre o credor desejava, ou poderia, conceder este prazo para realização de um crédito que já deveria ter sido pago. Nota-se, por este intróito, que até este momento, o direito falimentar e seus institutos posicionam credor e devedor em antagonismo, o que, por mais absurdo que possa parecer, não é nem o ideal, nem o real. O devedor impontual, ressalvadas as hipóteses de fraude, deseja arcar com seu débito e, é óbvio, o credor quer receber. Os dois, deste modo se direcionam num mesmo sentido. E é neste cenário que a lei 11.101 de 2005 chega ao direito pátrio, com uma grande inovação, a substituição do instituto da concordata pela recuperação judicial. Com efeito, a lei nasce sob a égide do Código Civil de 2002, e suas inovações, em especial, a adoção da teoria da empresa, fazendo desaparecer a figura do comerciante. Na concordata, como dito, oferecia-se ao comerciante, apenas um prazo para quitação de suas obrigações, o que, afrouxava o laço, mas, não lhe tirava a corda do pescoço. Conforme destacado, a nova lei de falências, em consonância com o novo Código Civil, encampou a teoria da empresa, primando pela sua preservação.

4 Deste modo, passa a ter importância a preservação da atividade empresarial. Não mais se quer o encerramento das atividades, e sim, seu prosseguimento. E é sob este fundamento que se constrói a idéia por trás da recuperação judicial. Aqui, diferentemente da concordata, dá-se ao empresário muito mais do que prazo para quitar seus débitos. Com a recuperação judicial lhe é concedida uma oportunidade de reestruturar seu negócio, revertendo seu estado de crise financeira. Interessante a comparação entre os institutos sob este prisma, pois, na concordada o que se queria reverter era a impontualidade, aqui, o estado de crise econômica e financeira. A reversão deste quadro desagradável importa, pois, no soerguimento da atividade e na pontualidade das obrigações empresariais. Com efeito, a recuperação judicial é meio para que o empresário em estado de crise econômica e financeira apresente a seus credores um meio de saldar suas dívidas, evitando-se sua falência, e preservando sua atividade 1. A recuperação judicial, portanto, necessita de um voto de confiança do credor na viabilidade da empresa. Realça-se, assim, uma comunhão de objetivos entre credor e empresário, afastandose o mencionado antagonismo. 3. Do plano de recuperação judicial e da sociedade de propósito específico Com efeito, os meios propostos pelo empresário para reversão de seu quadro de crise dependem do que provoca esta situação. 1 A recuperação judicial conforme o art. 47 da nova Lei, tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômica e financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e o dos interesses dos credores, promovendo, assim a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica. Caracteriza-se o estado de crise econômica e financeira, que enseja o pleito da recuperação judicial com a ocorrência: a) de dificuldades temporárias dos negócios; b) de iliquidez; c) de insolvência; d) de fato revelador de que a situação patrimonial está a reclamar uma readequação planejada das atividades empresariais. Demonstrando esta conjuntura difícil e a viabilidade de restaurar a normalidade, pode o empresário ou sociedade empresária pleitear a recuperação judicial, com vista à apresentação de um plano que pode envolver um dos meios previstos nos dezesseis itens do art. 50 da nova Lei [ ]. (PACHECO, 2009, pag. 12)

5 Neste sentido, a lei de falências apresenta algumas alternativas, sem contudo, limitar as possibilidades, já que seu texto traz a expressão entre outras, permitindo, assim, que a empresa em recuperação se utilize do que melhor servir à reversão de seu quadro. As medidas propostas pela lei encontram-se enumeradas em seu artigo 50. Art. 50. Constituem meios de recuperação judicial, observada a legislação pertinente a cada caso, dentre outros: I concessão de prazos e condições especiais para pagamento das obrigações vencidas ou vincendas; II cisão, incorporação, fusão ou transformação de sociedade, constituição de subsidiária integral, ou cessão de cotas ou ações, respeitados os direitos dos sócios, nos termos da legislação vigente; III alteração do controle societário; IV substituição total ou parcial dos administradores do devedor ou modificação de seus órgãos administrativos; V concessão aos credores de direito de eleição em separado de administradores e de poder de veto em relação às matérias que o plano especificar; VI aumento de capital social; VII trespasse ou arrendamento de estabelecimento, inclusive à sociedade constituída pelos próprios empregados; VIII redução salarial, compensação de horários e redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva; IX dação em pagamento ou novação de dívidas do passivo, com ou sem constituição de garantia própria ou de terceiro; X constituição de sociedade de credores; XI venda parcial dos bens; XII equalização de encargos financeiros relativos a débitos de qualquer natureza, tendo como termo inicial a data da distribuição do pedido de recuperação judicial, aplicando-se inclusive aos contratos de crédito rural, sem prejuízo do disposto em legislação específica; XIII usufruto da empresa; XIV administração compartilhada; XV emissão de valores mobiliários; XVI constituição de sociedade de propósito específico para adjudicar, em pagamento dos créditos, os ativos do devedor. 1o Na alienação de bem objeto de garantia real, a supressão da garantia ou sua substituição somente serão admitidas mediante aprovação expressa do credor titular da respectiva garantia. 2o Nos créditos em moeda estrangeira, a variação cambial será conservada como parâmetro de indexação da correspondente obrigação e só poderá ser afastada se o credor titular do respectivo crédito aprovar expressamente previsão diversa no plano de recuperação judicial. (grifo nosso)

6 Os destaques realizados no texto tem o intuito de marcar a confluência de interesses entre empresários e credores, na medida em que, podem ser formadas sociedades entre eles. Neste sentido, entende-se que a constituição de uma Sociedade de Propósito Específico expressamente indicada no inciso XVI, tem igual aplicação às sociedades de que trata os itens II e X. A Sociedade de Propósito Específico é aquela constituída em torno de um objeto certo e determinado, que uma vez atingido, importará em sua extinção. A Recuperação Judicial tem como ponto central por um fim na crise econômica e financeira, de modo que a proposta de inserção no plano de recuperação de uma sociedade significa ser este seu objetivo. Ou seja, a criação de uma sociedade dentro do plano de recuperação judicial trará essencialmente em seu objeto o intuito de reverter o estado de crise do empresário. Seu objeto estará, pois, diretamente ligado à reversão da situação de crise econômica e financeira. Para tanto, haveria a participação de credores e empresário com os meios necessários a realização do objeto desta sociedade, geralmente, participando a empresa em crise com seus ativos. Cria-se, com isso, uma nova empresa, especificamente voltada para solução da crise e pagamento dos credores, mas, distinta destes, o que lhe permitiria exercer atividade com resultado positivo. A constituição de uma Sociedade de Propósito Específico dentro de um plano de recuperação judicial atende tem cabimento assim, naquelas hipóteses em que a crise da empresa interfere no exercício das suas atividades, o que não ocorreria com esta nova sociedade, detentora de crédito, por exemplo. Esta situação favorável da nova sociedade permite assim, um curso de vida tranqüilo, voltado, apenas, para a produção de um resultado positivo. Resultado este que se definiria em satisfação das obrigações do empresário, pagando seus credores, e afastando o estado de crise. Quitados todos os débitos, atingiria seu fim, extinguindo-se.

7 4. Conclusão O que se observa neste trabalho é a adoção de um modelo que conjuga os elementos da empresa e da sociedade. Inicialmente, a idéia de união entre pessoas para atingir um fim que não conseguiriam individualmente. Nem os credores conseguiriam ver seu crédito realizado, que o empresário conseguiria quitá-los, de modo, que, a constituição de uma sociedade entre eles surge como uma alternativa viável. Na medida em que os créditos podem ter qualquer natureza, derivando dos prestadores de serviço, dos financiadores ou dos fornecedores, a proposta de constituição de uma nova sociedade importaria em nova organização destes elementos de empresa. Com efeito, o papel social desempenhado por esta Sociedade de Propósito Específico seria de enorme relevância, seja pela preservação da atividade, não só do empresário, como também dos credores, pois, o atraso poder-lhes-ia deixar em crise também. A natureza da situação em que se envolvem o empresário em crise e seus credores permite com clareza apontar a Sociedade de Propósito Específico como a melhor alternativa, seja pela possibilidade de adequá-la ao modelo necessário para a reversão do quadro de crise, seja pela limitação de seu objeto, seja pela reduzida taxa de riscos envolvidos na sua constituição. Referências ALMEIDA, Amador Paes de. Curso de Falência e Recuperação Judicial - 25a ed. São Paulo: Saraiva, 2010. Manual das Sociedades Comerciais (Direito de Empresa) - 15ª ed. São Paulo: Saraiva, 2005. ASCARELLI, Tulio. Problemas das sociedades anônimas e direito comparado. São Paulo: Quorum, 2008.

8 BRASIL. Decreto-Lei 7.661, de 21 de junho de 1945. Lei de Falências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del7661.htm>. Acesso em: 11 de setembro de 2012 BRASIL. Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: Acesso em: 11 de setembro de 2012 BRASIL. Lei 11.101, de 09 de fevereiro de 2005. Regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004 2006/2005/lei/l11101.htm>. Acesso em: 11 de setembro de 2012 MARTINS, Fran. Curso de direito comercial: empresa comercial, empresários individuais, microempresas, sociedades empresárias, fundo de comércio - 33a ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011. PACHECO, José da Silva. Processo de Recuperação Judicial, Extrajudicial e Falência - 3a ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009. REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial - 1º vol. 27ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008. Curso de direito comercial - 2o vol. 23a ed. São Paulo: Saraiva, 2003.