PARECER MÉDICO PERICIAL.

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Transcrição:

1 PARECER MÉDICO PERICIAL. Preâmbulo. Aos dezessete dias do mês de março do ano 2005, o Perito Dr. OSCAR LUIZ DE LIMA E CIRNE NETO, designado pelo Exmo. Sr. Desembargador relator da 84ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, para proceder a parecer médico pericial nos Autos do processo N.º: 2004.003.652570-3, em Eufrásia HERNADES COTEGIPE, onde consta como Apelante Laboratòrios do Continnente S/A. e/ Outro, descrevendo com verdade e com todas as circunstâncias, o que vir, descobrir e observar, bem como responder aos quesitos das partes. Estiveram presentes para discutir o fato técnico no consultório deste parecerista, o Ilustre Assistente Técnico da Autora, Dr. Affonso H. Morais, farmacêutico e, como Assistente Técnico do 1º Réu. Dra. Desedith De Queiroz CRM 52-332324-4. Em conseqüência, passa ao exame pericial solicitado, as investigações que julgou necessárias, as quais findas, passa a declarar: Prolegômenos. Trata-se o presente processo de discutir a realização de um exame de laboratório, solicitado a título de triagem para admissão da Autora, na prestação de Serviço Militar Voluntário como médica veterinária do Ministério do Exército. Os exames solicitados e, portanto, necessários para que a Autora fosse considerada apta, encontram-se discriminados em um impresso padronizado (fls. 26) dentre os quais há a solicitação de um exame descrito como SOROLOGIA PARA LUES. Ou seja, exige-se uma investigação laboratorial aleatória da sífilis. O método de investigação laboratorial desta doença, não se encontra definido no impresso do Ministério do Exército. Os exames foram solicitados pelo Dr. Armando Flores através do convênio UNIMED, colhidos em 24/10/01 e liberados para avaliação do médico em 27/10/01 (fls. 23). lide: Neste exame, encontra-se o resultado motivo da presente Reação do VDRL ------------------------------- Não Reagente; Imunofluorescência para LUES (FTA- Abs) ----- Reagente.

2 Ao receber o resultado do exame e entendendo-o positivo para sífilis procurou a Dra. E. de Pinto de Muniz e, não a encontrando, outro profissional fez o diagnóstico de sífilis. Finalmente localizada a Dra. E., esta solicitou uma nova coleta de exames, que foram realizados em outro laboratório, colhida a nova amostra de sangue em 6/11/2001. Cujo resultado foi: Reação quantitativa de VDRL: Não reagente. Treponema (FTA-Abs), anticorpo (IgG) não reagente; Treponema (FTA-Abs), anticorpo (IgM) não reagente; Discussão. Trata-se de um processo de Responsabilidade Civil, por alegado erro de laboratório. Antes de enfrentarmos o cerne da questão, devemos esclarecer ao Judicante sobre algumas questões de natureza médica. A Sífilis, também chamada de Lues, outrora conhecida como peste sexual, doença gálica, sifilose, doença britânica, doença venérea, foi a precursora da moderna dermatologia já que, na França do séc. XIX, a cadeira era de Dermatologie e Sfiligraphie. É uma doença de certo risco, pois apresenta caráter sistêmico. Isto é, difunde-se por todo organismo. O agente causador da sífilis é uma bactéria, do gênero espiroqueta (tem forma de saca-rolhas), chamada de Treponema pallidum. É adquirida através da prática do sexo vaginal, anal ou oral com pessoa contaminada, além de transfusão de sangue contaminado. Também pode ser transmitida da mãe grávida e contaminada para o seu feto. A doença apresenta três fases distintas de evolução: primária, secundária e terciária. No estágio inicial, denominada fase primária, a doença é diagnosticada pelo surgimento de feridas indolores com bordas altas, nítidas e endurecidas, denominadas cancro duro ou cancro sifilítico na região genital, que também podem aparecer em outros locais do corpo. Esses sintomas desaparecem, mesmo sem o devido tratamento médico, dando a impressão de falsa cura. Exatamente aí reside seu grande perigo, pois a infecção sifilítica continua presente.

3 Quando não devidamente tratada, de uma semana a seis meses, após a manifestação dos sintomas evidenciados na fase primária, a doença evolui para fase secundária. Nesta fase, onde surgem os sintomas de febre, inflamação da garganta (faringite), gânglios em várias regiões do corpo, perda de cabelo, perda de peso, perda de apetite e erupções cutâneas de aspecto avermelhado ou arroxeado, principalmente nas palmas das mãos e plantas dos pés, denominadas roséolas sifilíticas. Também aparecem como lesões úmidas nas áreas genitais que são muito contagiosas. Esses sintomas duram de três a seis meses e também desaparecem. O terceiro estágio da doença, também conhecido como sífilis tardia, cujos sinais podem aparecer de dois a três anos após o contágio, caracteriza-se pelo aparecimento de sérias doenças cardiovasculares, cerebrais e da medula espinhal (neuro-sífilis), olhos e em outros órgãos. Nesta etapa, a pessoa infectada pela doença passa a apresentar paralisias, insanidade, cegueira e até mesmo a morte. Apesar de curável nesta fase, a sífilis deixará seqüelas para sempre. Depois da AIDS, a sífilis é hoje a doença sexualmente transmissível de maior prevalência em nosso meio. A sífilis pode comprometer múltiplos órgãos: a pele, os olhos, os ossos, o sistema cardiovascular e o sistema nervoso. Se não tratada, pode até levar à morte. Diagnóstico sorológico de Sífilis: Os testes diagnósticos de sífilis são divididos em dois grandes grupos principais de exames: os testes treponêmicos e os testes não treponêmicos. 1) Testes Não Treponêmicos: Nestes exames o que se usa é uma proteína chamada cardiolipina, que atuam como antígeno. Os mais usados são: - VDRL ( Venereal Disease Research Laboratory) - RPR (Rapid Plasma Reagin)

4 Estes testes tornam-se positivos a partir da quarta ou da quinta semana após o contágio. São testes quantitativos, fornecendo resultados em titulagem (titulações seriadas ½, ¼,...). Constituem preferencialmente testes de rastreamento e seguimento terapêutico. Estes testes, por vezes podem apresentar-se falsamente positivos e a causa principal, desta positividade falsa, divide-se em duas categorias: a) transitórias (permanecem positivos por menos de 6 meses): - Mononucleose - Leptospirose - Toxicômanos - Tuberculose - Endocardite - Vacinações - Gravidez - Malária Aguda - Viroses b) persistentes (permanecem positivos por mais de 6 meses): - Doenças auto-imunes (Lupus Sistêmico) -Doença hepática crônica - Malignidade (câncer) - Síndrome Anti-fosfolipídica - Uso de drogas endovenosas - Infecção pelo HIV - Hanseníase (Lepra) - Mieloma - Idade Avançada - Múltiplas Transfusões

5 Normalmente esses resultados falso positivos apresentam uma titulagem baixa, por exemplo, menor que 1/8. Testes Treponêmicos: Estes testes têm uma especificidade muito maior que os anteriores e utilizam o treponema como antígeno, detectando anticorpos contra o agente etiológico da Sífilis. São eles: a) FTA-ABS (Fluorescent Treponema Antibody Absortion) teste de imunofluorescência indireta. É frequentemente avaliado nas frações: -IgM (infecção recente e em atividade, negativandose num tempo variável); -IgG (mantém-se positiva permanentemente, não sendo utilizada para controle terapêutico de cura da infecção). b) TPHA (Treponema Pallidum Microaglutinação) - hemaglutinação passiva; c) ELISA (Enzyme-Linked Immunosorbent Assay); Estes testes que utilizam o treponema como antígeno, têm maior especificidade e por isto, maior chance de corresponder a verdade sorológica do paciente. Em geral positivam-se a partir da terceira semana de infecção concomitante ao aparecimento do cancro duro (lesão primária da sífilis, ou seja, lesão dermatológica presente na sífilis recente). São reativos em 85% dos pacientes com sífilis primária, em 99% na sífilis secundária e em pelo menos 95% na tardia; podem ser os únicos testes sorológicos positivos na doença cardiovascular ou neurológica. Os testes tendem a permanecer positivos por toda a vida, porém, 10 a 15% dos pacientes, podem se negativar em 2 ou 3 anos, e, por isso não são usados para monitorar a cura do paciente, pois podem permanecer positivos mesmo após a ela.

6 Mas apesar da alta especificidade, há relatos de reações falso positivas em 2% da população normal, para o FTA-Abs e nos seguintes casos: Lepra Malária Mononucleose infecciosa Leptospirose Lúpus Eritematoso Sistêmico Doença de Lyme A reação de hemaglutinação é também considerada teste confirmatório. Resultados falso-positivos são relatados em diferentes patologias. Sua sensibilidade é similar ao do FTA-ABS. Portanto, todas as reações sorológicas para sífilis dependem do perfil imunológico do examinado e, em todas elas, existe sem nenhuma dúvida a possibilidade de falso positivo. Chamamos de falso positivo, a reação laboratorial que sugere uma patologia, que não se vem a confirmar em avaliações posteriores e/ou que é incompatível com as manifestações clínicas o paciente. Certo é que não cabe hoje discutir, se a paciente tinha ou não a patologia sífilis. Creio que para todos ficou demonstrado inclusive para ela, pelo fato ser médica veterinária, que se trata de uma reação falso positiva. Mas qual teria sido a causa? Argumenta com sabedoria o Assistente Técnico da Autora que uma das fases da reação poderia ter sido pulada, ou seja, poderia não ter sido realizada. Tal hipótese, perfeitamente viável, seria de difícil comprovação mesmo no dia seguinte da execução da reação. Uma outra hipótese seria uma sensibilização prévia da paciente pelo agente etiológico de alguma das patologias que podem falsamente, positivar o teste sem que isto represente, uma falha técnica de processamento do exame, um aparelho descalibrado ou algo assim. Ressalto que a situação clínica definida como VDRL negativo e FTA-Abs Reagente, também como sabiamente evidenciou

7 o assistente técnico da Autora, pode ocorrer em três situações clínicas reais, quais sejam: 1) No paciente que tinha sífilis e foi tratado corretamente (cicatriz imunológica); 2) Em casos de infecção recente (sífilis primária); 3) Em casos de infecção terciária; Dai à necessidade da indicação correta do exame e da presença no rastreamento, de um médico assistente, que não se limite a pedir exames, mas que ouça a história do paciente e examine este paciente. Ou seja, esteja evidentemente envolvido no processo de detecção de uma doença. Entendemos nós que a prevenção da evolução das enfermidades ou execução de procedimentos diagnósticos e tratamento destas patologias, são atos privativos dos médicos que, portanto, tem de estar envolvido em todas as etapas do procedimento diagnóstico. Assim, além de conhecer o paciente em um sentido amplo e do ponto de vista da profissão, examine detalhadamente este paciente e, ao formular uma hipótese diagnóstica, solicite com critério técnico um exame complementar (laboratório, Raios-X e etc.) para elucidar a hipótese diagnóstica que formulou. Exames de laboratório sempre são vistos pela medicina, como procedimentos complementares aos diagnósticos e, não se pode transferir ao laboratório, a responsabilidade de definir a doença, fazendo o diagnóstico no lugar pelo médico. Temos aqui, uma situação freqüente, mas, quase absurda. Os exames foram aleatoriamente solicitados pelo exército, sem nenhuma base clínica ou técnica, possivelmente para fins de triagem. Chamamos de triagem os exames realizados em grandes populações, para definir um número de pacientes sadios e outros que merecem investigação diagnóstica. Como tal os exames de triagem são solicitados sem história e sem exame dos pacientes, sendo o exame solicitado foi sorologia para Lues e, a escolha do método VDRL e FTA-Abs, através

8 do convênio UNIMED, competiu ao Dr. Armando Flores, pois para o Exército qualquer método serviria. Nenhuma informação temos, sobre a relação profissional entre o Dr. Armando e a paciente. Também desconhecemos o porquê destes exames não terem sido apresentados a ele que os solicitou. No mesmo diapasão não há dados sobre o critério técnico que levou o Dr. Armando Flores a pedir o FTA Abs e o VDRL, se para o Exército, qualquer um dos dois serviria. Igualmente não há informações sobre a não solicitação dos perfis quantitativos das imunoglobulinas (IgG e IgM) pelo Dr. Armando Flores, o que seria lógico, tanto que assim procedeu a Dra. Elizabeth mais tarde. Portanto pelo que temos de informação, fica configurado que temos um exame mal indicado, solicitado sem base clínica ou técnica e equivocadamente interpretado pela Autora. Persistindo no equívoco de interpretação, segundo a inicial, haveria pelo menos um outro profissional médico, que ao que parece, sem nenhum vínculo com a paciente, sem conhecer a sua história pessoal, sexual ou qualquer dado sobre ela, emitiu um diagnóstico sem base técnica (fls. 3, peça exordial), limitado ao exame de laboratório. Igualmente pelo que nos reporta a inicial, sequer foi por este profissional considerada a hipótese de um falso positivo, o que sugere pouca familiaridade com o exame que interpretava. Criteriosa foi à ginecologista da Autora, Dra. Elizabeth, que avaliando o resultado do exame e conhecendo a sua paciente, inclusive a história sexual, prontamente identificou que os exames não eram coerentes com os dados que possuía, pedindo imediatamente a sua repetição e a complementação com a verificação das imunoglobulinas, o que já deveria ter sido pedido no primeiro exame, uma vez decidido realizar o teste FTA-Abs. Rotular a Autora como portadora de sífilis não atende a qualquer juízo lógico, mas nos parece, que quem apressadamente rotulou a Autora como portadora desta doença, não observou os critérios necessários para um correto diagnóstico.

9 Chamou-nos, no entanto, a atenção o fato de a Autora ser médica veterinária. Uma das possibilidades da positivação falsa do teste FTA-Abs, está exatamente na doença de Lyme. A doença de Lyme é causada por uma bactéria (Borrelia burgdorferi) do mesmo gênero do treponema, pois ambas são espiroquetas. Esta bactéria é transmitida pela picada de uma espécie de carrapato muito comum na América do Norte, mas do qual já há vários relatos no Brasil. Não estou dizendo que a Autora é portadora de doença de Lyme, mas na profissão que abraçou (medicina veterinária), certamente está mais exposta a picadas de carrapatos e outros vetores de zoonoses que outros profissionais. Tendo questionado o Assistente Técnico da Autora, sobre a possibilidade de outras bactérias transmitidas por picadas de carrapato e outros artrópodes poderem sensibilizar o teste aqui discutido (FTA-Abs), ainda que transitoriamente, ele nos relatou não possuir qualquer informação a respeito. Ao final, gostaríamos de informar que reações que dependem de perfil imunológico, são sempre reações sujeitas a imperfeições, pois o perfil imunológico de uma pessoa varia com o passar dos dias. Desta maneira, o exame de hemaglutinação passiva, feito pelo banco de sangue e, datado de 5 de setembro 2001, sendo realizado por outro método e face ao lapso de tempo decorrido, não tem nenhum compromisso com o estado imunológico da paciente em 24 de outubro de 2001. Da mesma forma o exame repetido, 15 dias depois, também não tem compromisso com a realidade da paciente em outubro, principalmente se considerarmos que foi feito em outro laboratório, e assim, não pode refletir com segurança o que no organismo havia, principalmente em se tratando de perfil imunológico, 15 dias antes. Por fim, abordo os questionamentos do Autor através de seu assistente técnico quanto do descumprimento de obrigação de re-convocar o paciente e, aplicabilidade da norma contida no site www.anvisa.gov.br/divulga/public/sangue/hemovigilância/manual_ doença.pdf.

10 Equivocadamente o Ilustre A. Técnico do Autor traz para fazer prova de que o Réu descumpriu uma obrigação legal, uma norma técnica de 2004, quando os fatos se deram em 2001. Igualmente esta norma disciplina os serviços de banco de sangue (hemoterapia) e não de laboratórios de análises clínicas. Portanto a norma da Anvisa (Agencia Nacional de Vigilância Sanitária) trazida à discussão não tem qualquer aplicabilidade nos fatos motivos desta lide. Conclusão. A autora foi submetida a um rastreamento de triagem sorológica sem qualquer indicação lógica do ponto de vista clínico sendo que o Ministério do Exército não especificou o método que preferia. O rastreamento por dois métodos (um deles incompleto), foi decidido por um médico que solicitou os exames, sendo que estes exames são apresentados para interpretação a um outro médico, que não conhecia a Autora, tendo este médico feito o diagnóstico de sífilis para a paciente. Reavaliada a situação pela médica assistente, que não havia solicitado os exames, estes exames foram repetidos e não foram compatíveis com a existência passada ou presente da doença Sífilis. Considerando a hipótese de que 2% da população mundial pode apresentar, positividade para este exame, sem qualquer patologia aparente e, considerando que há situações clínicas que transitoriamente podem positivar o exame; Considerando também a possibilidade de que picadas de carrapatos, podem ocasionar uma doença que positiva a reação estudada e, a profissão da Autora (médica veterinária), entendemos que se trata de um exame falso positivo, atrelada a uma das variantes imprevisíveis dos exames que trabalham com perfil imunológico. Pelos dados que existem nos autos, não é possível firmar o diagnóstico de Sífilis passada ou presente, na Autora. Resposta aos quesitos: Da Autora. (Fls. 267-269).

11 Devido ao extenso enunciado das assertivas a serem avaliadas deixamos de transcrevê-las. 1) O Perito concorda? Ou seja, ratifica a afirmação acima? Caso contrário explique (fundamente suas razões); R: Sim; 2) O Perito concorda? Ou seja, ratifica esta afirmação? Caso contrário explique (fundamente suas razões); R: Sim, para fins de diagnóstico; 3) Existem erros conceituais nestas afirmações acima citadas (Fls. 79/80)? O que justificaria a presença destas afirmações na defesa do Laboratório Réu? Justifique/fundamente/explique; R: Sim; não me cabe dizer o porquê o laboratório utilizou desta ou daquela forma estes conceitos; 4) O resultado FTA-Abs reagente no caso em questão, pode ser explicado por um erro na técnica, mais especificamente na etapa de absorção? Justifique suas razões; R: Sim; bem como pelo menos mais três situações clínicas como já exemplificado no corpo do Laudo; 5) O Perito concorda? Ou seja, ratifica estas 3 informações acima? Caso contrário explique (fundamente suas razões); R: Sim; 6) Segundo o manual técnico para investigação de transmissão de doenças pelo sangue / Ministério da Saúde, Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Brasília: Ministério da Saúde, 2004 O PACIENTE DEVERÁ SER ESCLARECIDO, EM QUALQUER SITUAÇÃO? 6.1- E, ainda, o serviço ou o profissional de saúde tem a responsabilidade de, se necessário, emitir atestado explicando o fenômeno e a inexistência de doença ativa; R: Trata-se de legislação posterior ao evento e referente a serviços de hemoterapia e, portanto imprestáveis para o presente caso; 07) O que o Sr. faria se fosse o responsável técnico frente a este resultado apresentado? Ou qual o procedimento correto/adequado/indicado que deveria ter sido pelo laboratório; R: Prejudicado;

12 08) Ao passar pelo responsável técnico do Laboratório, este laudo deveria gerar estranheza? Explique (fundamente suas razões); R: Não; existem situações clínicas em que estes resultados podem aparecer como muito bem descritos na pergunta de n.º 5 e o laboratório não possui a história completa do paciente; 09) E o Paciente deveria ser contactado para coleta de uma nova amostra e repetição do teste; R: Não encontramos legislação da época e nem atual que obrigasse ao laboratório a proceder como argumentado; 10) A liberação do Laudo sem o devido esclarecimento da paciente pode ser explicada pela possível presença de Assinatura eletrônica; R: Prejudicado; não encontramos legislação que verse sobre o assunto; Do 1º Réu. (Fls. 255-258). 1. Queiram os Srs. Perito e Assistentes Técnicos esclarecer se existe teste laboratorial 100% (cem por cento) seguro quanto ao seu resultado; R: Não; infelizmente não existe; 2. Queiram os Srs. Perito e Assistentes Técnicos informar qual significado, em medicina laboratorial, da aceitação de um teste como padrão ouro ; R: Em medicina padrão ouro significa o que hoje é considerado o melhor para este caso, seja sob o ponto de vista diagnóstico, ou terapêutico; 3. Queiram os Srs. Perito e Assistentes Técnicos informar se um determinado teste, a partir do momento em que é taxado como padrão ouro pela ciência médica, pode ser considerado imune à ocorrência de resultados desconformes; R: Não, infelizmente não; 4. Queiram os Srs. Perito e Assistentes Técnicos informar se estes resultados não esperados podem ser atribuídos a conduta omissiva/comissiva do médico responsável pelo exame, ou se, ao revés disso, são da própria natureza da atividade; R: Ambas as possibilidades são corretas;

13 5. Queiram os Srs. Perito e Assistentes Técnicos informar, em complemento ao quesito anterior, se é atualmente viável às pessoas que exercem a atividade de medicina laboratorial, o comprometimento com o resultado inquestionável do laudo, ou se, ao revés disso, diversas variáveis endógenas e exógenas podem interferir na evolução da análise; R: Sim; variáveis endógenas e exógenas podem interferir em resultado de exames principalmente quando se fala de perfis imunológicos; 6. Considerando que o objetivo desta perícia é investigar eventual falha do Laboratório na liberação de resultado falso-positivo para Sífilis, queiram os Srs. Perito e Assistentes Técnicos informar, com base no laudo laboratorial de fl. 23, quais foram os métodos utilizados pela Apelante para a pesquisa; R: Já descrito no corpo do Laudo; 7. Queiram os Srs. Perito e Assistentes Técnicos informar se, dentro da cadeia de investigação diagnóstica, referidos métodos podem ser classificados como preliminares; R: Só o VDRL; 8. Queiram os Srs. Perito e Assistentes Técnicos informar se o valor preditivo positivo de um teste preliminar tem seu percentual aumentado nos casos em que a solicitação ocorre sem que haja real suspeita de contaminação. Queiram esclarecer o que é valor preditivo positivo de um teste; R: Nenhum exame complementar deveria ser pedido em descompasso com pesquisa de diagnóstico, salvo em triagens populacionais e o índice de falsos positivos deve ser maior; 9. Considerando que o dano alegado pela Apelada advém especificamente do fato de o resultado da pesquisa por imunofluorescência indireta (FTA-ABS) ter sido reativo (fl. 23), queiram os Srs. Perito e Assistentes Técnicos informar se esta positividade pode ser considerada como um indicativo inequívoco de contaminação atual pela Sífilis. Para esta resposta, pede-se considerar como atual a data de expedição do exame de Fl. 23; R: Não; 10. Sobre esta mesma investigação (FTA-ABS), queiram os Srs. Perito e Assistentes Técnicos informar se alguma das

14 literaturas médicas transcritas abaixo contém gritante impropriedade técnica: existem relatos de reações falso-positivas em 2% da população normal em pacientes com lúpus eritematoso sistêmico, durante a gravidez, na lepra, mononucleose, leptospirose, artrite reumatóide, cirrose biliar primária e doenças associadas à produção de globulinas anormais ( Index Bronstein / editores Mário Bronstein, Maria Christina Cruz Rio de Janeiro: Sextante. 2001; p. 349) a interpretação dos resultados FTA no CSF (fluido cerebroespinhal) não é claramente definida. Podem ocorrer resultados falso-positivos, particularmente se a amostra não for absorvida antes do teste. Os Centros de Controle de Doenças recomendam VDRL (Laboratórios de Pesquisas de Doenças Venéreas para o fluido cerebroespinhal, de forma a auxiliarem no estabelecimento do diagnóstico da neurosífilis Imunologia e Sorologia; p. 394). podem ocorrer resultados falso positivos em algumas situações, como: hanseníase, malária, mononucleose, leptospirose, lúpus eritematoso sistêmico ( MANUAL DE DST SÍFILIS ; Ministério da Saúde; www.aids.gov.br/assistencia/mandst99/man_sifilis.htm). R: Não há impropriedades científicas; 11. Queiram os Srs. Perito e Assistentes Técnicos informar qual procedimento complementar deve ser adotado para formação de um diagnóstico seguro quanto à contaminação da Apelada pela Sífilis, nas hipóteses em que há fortes indícios de um resultado falso-positivo. Queiram esclarecer a quem cabe a iniciativa de requisitá-lo; R: Repetição do exame imediatamente após a toma de conhecimento do resultado; cabe ao médico assistente requisita-lo; 12. Queiram os Srs. Perito e Assistentes Técnicos informar se a manifestação clínica tem papel importante na investigação da efetividade desta patologia, esclarecendo se há PREVALÊNCIA desta sobre o laudo de exames laboratoriais preliminares; R: Sim; há um aforismo médico muito antigo que reza: A CLÍNICA É SOBERANA ;

15 13. Caso a resposta ao quesito anterior seja positiva, queiram os Srs. Perito e Assistentes Técnicos informar se há nos autos documentos e/ou declarações que indiquem que a Apelada apresentava sinais clínicos de contágio pela Sífilis; R: Não há dados nos autos que permitam qualquer conclusão diagnóstica fundamentada; 14. Sendo negativa a resposta ao quesito acima, queiram os Srs. Perito e Assistentes Técnicos informar se seria prudente acreditar na existência da patologia, diante de um quadro apresentado pela paciente de reatividade para imunofluorescência indireta, não-reatividade para reação de VDRL, ausência de manifestação clínica e anamnese não sugestiva. Para este último atributo, queiram os srs. Perito e Assistentes Técnicos considerar a declaração da própria Apelada de fl. 2, segundo a qual participa ativamente de uma Igreja Evangélica [Batista] desde os 4 (quatro) anos de idade. Não tem relações sexuais, nunca fez transfusão de sangue, esclarecendo se efetivamente se trata de anamnese não sugestiva para uma doença sexualmente transmissível (DST); R: As declarações da Autora são incompatíveis com uma possível infecção por sífilis; 15. Queiram os Srs. Perito e Assistentes Técnicos informar se, em casos como esses, a prática adotada pelos médicos assistentes é solicitar a repetição do exame. Queriam esclarecer, principalmente com base nos documentos de fls. 24/25 juntados pela própria Apelada, se há indícios suficientes de que esta solicitação tenha sido feita no caso em tela; R: Sim; 16. Queiram os Srs. Perito e Assistentes Técnicos informar a quem cabe fazer referida solicitação, se ao médico assistente ou ao laboratório. Queiram esclarecer quem é a pessoa mais indicada para interpretar um laudo laboratorial; R: Ao Médico Assistente cabe solicitar exames; laboratórios não pedem exames eles os realizam; 17. Queiram os Srs. Perito e Assistentes Técnicos informar de quem é a responsabilidade pela formação de diagnóstico do paciente; R: Do médico Assistente;

16 18. Queiram os Srs. Perito e Assistentes Técnicos, com base no conhecimento técnico acerca da matéria e amparados pelos documentos e declarações insertas nos autos, informar se há nos autos qualquer documento expedido pelo Laboratório ora Apelante que permita diagnosticar, com segurança, a Apelada como portadora de Sífilis em 27/10/2001; R: Não; 19. Queiram os Srs. Perito e Assistentes Técnicos informar tudo o mais o que considerem importante para esclarecer o ocorrido; R: Veja o inteiro teor do Laudo; É o parecer. --------------------------------------------- Oscar Luiz de Lima e Cirne Neto CRM 52 32 861-0 Referências Bibliográficas: 1- Tavares Walter, Marinho LAC. Rotinas de Diagnóstico e Tratamento das Doenças Infecciosas e Parasitárias.1ª Edição. São Paulo: Atheneu 2004. p. 941-964. 2- Centers for Diseases Control and prevention (CDC). Sexually Transmitted Diseases Treatment Guidelines 2002. MMWR Morb Mortal Wkly Rep 2002;51 (RR-6). 3- Santos Junior MFQ. Sífilis. In: Veronesi R, Focaccia R (ed). Tratado de Infectologia. 2ª ed. São Paulo: Atheneu 2002 4- Soares Flores JMR et al. Métodos Diagnósticos. 1ª ed. Porto Alegre : Artmed 2002. p. 597-600. 5- Wallace, J. Interpretation of diagnostic tests. 7ª ed. Lippincott Wilkins, 2000. 6- Batista RS et al. Medicina Tropical: Abordagem atual das doenças infecciosas e parasitárias. 1ª ed. Rio de Janeiro: Cultura Médica, 2001.p. 571-578. 7- Schettini AP Mel al. Sífilis simulando Hanseníase Boderline- Tuberculóide: Interfaces quanto ao contexto Histórico, Clínico e de Saúde Pública. Jornal Brasileiro de Doenças Sexualmente Transmissíveis 16(1): 67-72, 2004.

17 8- Andriolo Adagmar. Medicina Laboratorial, in Guias de Medicina Ambulatorial e Hospitalar. 1ª Edição. São Paulo: Manole 2005. p.159.