RESENHA RESENHA. Clínica psicanalítica com bebês uma intervenção a tempo. Daniele de Brito Wanderley. TEPERMAN, Daniela Waldman

Documentos relacionados
PSICOPATOLOGIA NA INFÂNCIA E NA ADOLESCÊNCIA MANUAL DO CURSO

CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM TEORIA PSICANALÍTICA Deptº de Psicologia / Fafich - UFMG

Carga horária total: 04 Prática: 04 Teórico Prática: Semestre Letivo 1º/2012 Ementa

7. Referências Bibliográficas

Aspectos neurológicos da deficiência mental (DM) e da paralisia cerebral (PC) - IV Congresso Paulista da ABENEPI - VI(s1)

EMENTAS DAS DISCIPLINAS

CURSO: PSICOLOGIA EMENTAS º PERÍODO

Sofrimento e dor no autismo: quem sente?

Número de inscrição dos candidatos requisitantes: ; ; e

Programa da Formação em Psicoterapia

PSIACANÁLISE: UM MÉTODO ÉTICO DE INVESTIGAÇÃO DO AUTISMO

8. Referências bibliográficas

Psicanálise e Saúde Mental

Sinais Precoces do Transtorno do Espectro Autista. Autora: Thamara Bensi

recomendações Atualização de Condutas em Pediatria

Detecção Precoce de Sinais Clínicos de Risco para um Desenvolvimento Psíquico Sustentável

APRESENTAÇÃO... ARTETERAPIA E PSICANÁLISE COM FAMÍLIAS NA UNIVERSIDADE...

FORMAÇÃO DE VÍNCULO ENTRE PAIS E RECÉM-NASCIDO NA UNIDADE NEONATAL: O PAPEL DA EQUIPE DE SAÚDE

CURSO: PSICOLOGIA EMENTAS º PERÍODO

Fracasso Escolar: um olhar psicopedagógico

Doutora em Psicologia e Educação USP, Mestre em Psicologia da Educação PUC-SP, Neuropsicóloga, Psicopedagoga, Psicóloga, Pedagoga.

6 Referências bibliográficas

Coordenação de Psicologia

QUADRO DE VAGAS 2018/1 ESTÁGIO CURRICULAR PSICOLOGIA

MÉTODO PSICANALÍTICO EM OBSERVAÇÃO DE BEBÊ 1 PSYCHOANALYTIC METHOD IN BABY OBSERVATION

Qual a relação entre a singularidade e a configuração do sintoma? Qual o lugar destinado ao sintoma escolar no contexto da clínica?

HIPERATIVIDADE E DÉFICIT DE ATENÇÃO NA CLÍNICA COM CRIANÇAS

MPE5751 Metodologia de Investigação da Subjetividade em Pediatria

EU VIM PORQUE O DOUTOR MANDOU! : A TRANSFERÊNCIA IMPLICADA NO ENCAMINHAMENTO MÉDICO

ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL SECRETARIA DA SAÚDE HOSPITAL PSIQUIÁTRICO SÃO PEDRO DIREÇÃO DE ENSINO E PESQUISA

DESCRIÇÃO DE DISCIPLINA

INTRODUÇÃO À PSICOPATOLOGIA PSICANALÍTICA. Profa. Dra. Laura Carmilo granado

INTERVENÇÕES CLÍNICAS NA ABORDAGEM PSICANALÍTICA

TG D Fon o t n e t : e : CID 10 1

O Psicótico: aspectos da personalidade David Rosenfeld Sob a ótica da Teoria das Relações Objetais da Escola Inglesa de Psicanálise. Expandiu o entend

A PSICOLOGIA COMO PROFISSÃO

UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE

INTRODUÇÃO - GENERALIDADES SOBRE AS ADICÇÕES

a condição para o surgimento de um verdadeiro símbolo não é de natureza intelectual, mas afetiva. Ferenczi (1913) - Ontogenese dos Símbolos

O NÃO LUGAR DAS NÃO NEUROSES NA SAÚDE MENTAL

EMENTAS DAS DISCIPLINAS

CURSO: PSICOLOGIA EMENTAS º PERÍODO DISCIPLINA: INTRODUÇÃO AO PENSAMENTO PSICOLÓGICO EMENTA:

Estrutura Curricular do Curso de Graduação em Psicologia Ano 2019 Disciplinas 1º semestre Semestre Carga horária

PSIQUIATRIA E RESPONSABILIDADE SOCIAL PROGRAMAÇÃO 23 E 24 LOCAL: CERTIFICADO: 20 HORAS AUDITÓRIO DO CRM NOVEMBRO2018 SÃO LUÍS - MARANHÃO

29º Seminário de Extensão Universitária da Região Sul ORIENTAÇÃO FAMILIAR E ATENDIMENTO PSICOLÓGICO CAPSI/ NUPEBI- FURG

ANALISTAS E ANALISANDOS PRECISAM SE ACEITAR: REFLEXÕES SOBRE AS ENTREVISTAS PRELIMINARES

Podemos dizer que a Pediatria se preocupa com a prevenção, já na infância, de doenças do adulto.

Referências Bibliográficas

UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE

Quando o inominável se manifesta no corpo: a psicossomática psicanalítica no contexto das relações objetais

PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU ESPECIALIZAÇÃO AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA

Uso de Medicação Psicotrópica em uma Grande Instituição para Deficientes Mentais - I(1)

EDUCAÇÃO TERAPÊUTICA UMA PROPOSTA DE TRATAMENTO De 21 a 24/1/2008

CRONOGRAMA DE AULAS CURSO PREPARATÓRIO PARA RESIDÊNCIAS EM PSICOLOGIA 03/10 PSICOLOGIA HOSPITALAR 9/10 PSICOLOGIA DA SAÚDE 5/10 SAÚDE COLETIVA

QUADRO DE VAGAS 2017/2 ESTÁGIO CURRICULAR PSICOLOGIA

6 Referências bibliográficas

CURSO DE CAPACITAÇÃO EM PSIQUIATRIA DA INFÂNCIA E DA ADOLESCÊNCIA 2017

Componente Curricular: Psicoterapia I Psicanálise Professor(a): Dalmir Lopes Período: 8º TURNO: Noturno Ano:

PROJETO AIMEE: A CLÍNICA DA PSICOSE E SEU EFEITO NO SOCIAL

PETRI, R. Psicanálise e educação no tratamento da psicose infantil: quatro experiências institucionais. São Paulo, SP: Annablume, 2003

VICTOR ROBERTO CIACCO DA SILVA DIAS GABRIEL AUGUSTO A. S. DIAS PSICOPATOLOGIA E PSICODINÂMICA NA ANÁLISE PSICODRAMÁTICA VOLUME VI

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE A PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO

Ciências Genéticas. Atividades Complementares 20. Ciências Humanas Ciências Sociais Ciências Biológicas. Atividades Complementares 20

CURSO DE GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA HORÁRIO DAS DISCIPLINAS 2º SEMESTRE DE º SEMESTRE CURRICULAR NOTURNO. Psicologia da.

UNIVERSIDADE LUSÍADA DE LISBOA. Programa da Unidade Curricular OPÇÃO 1 - PSICOPATOLOGIA DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE Ano Lectivo 2010/2011

MEDICALIZAÇÃO DA INFÂNCIA: REFLEXÕES NECESSÁRIAS

Centro de Estudos Psicanalíticos. Possibilidades diagnósticas em psiquiatria e psicanálise. Patrícia T. Tenguam Ciclo 3 Terça à noite

1º SEMESTRE FUNDAMENTOS EPISTEMOLÓGICOS DA PSICOLOGIA II 60 HISTÓRIA DA PSICOLOGIA: CIÊNCIAS E PROFISSÃO 60 LEITURA E PRODUÇÃO TEXTUAL 60

Curso de Psicologia - Rol de Disciplinas Optativas. HP363 A Clínica da Psicanálise HP338 2

1. Introdução é preciso aproximar-se da verdade e olhar uma criança como ela é. A invenção pode vir antes ou depois, mas não se deve reinventar uma cr

Curso de Atualização em Psicopatologia 2ª aula Decio Tenenbaum

Faculdade Pernambucana de Saúde PSICOLOGIA. Detalhamento da Matriz Curricular

CEP - CENTRO DE ESTUDOS PSICANALÍTICOS DE SÃO PAULO. São Paulo, 31 de Maio de A DIFERENÇA ENTRE O DIAGNÓSTICO FENOMENOLÓGICO E O

7 Referências Bibliográficas

UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE Decanato Acadêmico

Sumário. Parte I VISÃO GERAL. Parte II COMUNICAÇÃO E RELAÇÃO. Introdução A medicina da pessoa...31

PROJETO CONSULTA PUERPERAL DE ENFERMAGEM FRENTE À DEPRESSÃO PÓS-PARTO

CRONOGRAMA SESAB 19/ 09 PSICOLOGIA HOSPITALAR 25/09 PSICOLOGIA DA SAÚDE 21/09 SAÚDE COLETIVA

VI Congresso de Neuropsicologia e Aprendizagem de Poços de Caldas

Saúde Mental e Pré-Escola

A disciplina apresenta as principais teorias do desenvolvimento biopsicossocial infantil, com ênfase na abordagem psicanalítica.

ABORDAGEM INTERDISCIPLINAR DA EQUIPE DE SAÚDE DA FAMÍLIA NO ACOMPANHAMENTO DAS CRIANÇAS BENEFICIÁRIAS DO PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA

Núcleo Clínica Psicanalítica de Crianças: Atendimento terapêutico individual e em grupo

Residência Médica 2019

O menor F.P., de 08 anos, foi submetido a avaliação psiquiátrica à pedido da psicopedagoga que o acompanha. Segundo a genitora, desde os 04 anos de

CCC Sereia Miolo:CCC Sereia Miolo 7/24/13 5:06 PM Page 1

O DIAGNÓSTICO DAS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM NA CLÍNICA ESCOLA DE PSICOLOGIA

UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE Decanato Acadêmico

AVALIAÇÃO DE RISCO PSIQUIÁTRICO

Carta de princípios do Movimento Psicanálise, Autismo e Saúde Pública

Relatório de Currículo Pleno

por que Winnicott? Leopoldo Fulgencio Coleção Grandes Psicanalistas Coordenação Daniel Kupermann z Zagodoni Editora

Juventude e saúde mental: a especificidade da clínica com adolescentes

Relatório de Atividades

DIRETRIZES SOBRE COMORBIDADES PSIQUIÁTRICAS EM DEPENDÊNCIA AO ÁLCOOL E OUTRAS DROGAS

Transtornos de Aprendizagem visão geral do curso

Matriz Curricular NOME CÓD.

Transcrição:

TEPERMAN, Daniela Waldman Clínica psicanalítica com bebês uma intervenção a tempo São Paulo, SP: Casa do Psicólogo, 2005 Daniele de Brito Wanderley Clínica psicanalítica com bebês - uma intervenção a tempo é um gostoso convite a partilhar com a autora Daniela Teperman suas tantas indagações acerca da polêmica clínica do infans. Situar essa clínica precoce no seu contexto atual em que tantos são os modelos de atendimento não é tarefa simples; tanto mais quando a autora se propõe, ao longo de todo o texto, dialogar com os diversos autores, lançando mão de questões muito pertinentes para quem já trabalha com bebês ou já começa a sentir-se fisgada por essa prática, mas ainda não a exerce. É assim que Daniela Teperman traz à tona as diferentes contribuições no campo da observação de bebês. Passando por Esther Bick e Winnicott, analisa o trabalho de autores que se dedicam à psicoterapia mãe/ bebê como Cramer, Palácio Espasa e Rosine Debray, destacando que estes últimos focam sua práxis na interação mãe-bebê, enquanto autores como Françoise Dolto, Caroline Eliacheff, Myriam Szejer e Catherine Mathelin dão um enfoque maior à palavra e à simbolização. Ainda em torno das modalidades de atendimento, a autora investiga a clínica da Estimulação Precoce, numa rica discussão entre o instrumental e Psicanalista, especialista em psicopatologia do bebê e psiquiatria infantil (França). Docente do curso de pós-graduação da FBDC - Salvador, dirige a Coleção De Calças Curtas, da editora Ágalma, e integra o GNP Grupo Nacional de Psicanálise com a pesquisa multicêntrica sobre indicadores clínicos de risco para o desenvolvimento infantil. 110 Estilos da Clínica, 2006, Vol. XI, n o 20, 110-115

Resenha o estrutural, tomando como referência essencial as produções teórico-clínicas dos Centros Lydia Coriat, em contraponto com práticas de estimulação do discurso médico-científico, em que o sujeito aparece foracluído. Seguindo sua investigação em torno dessa nova modalidade clínica na psicanálise, Daniela Teperman levanta muitas indagações Uma intervenção precoce pode ser preventiva? Quando é precoce tratar? O que prevenimos? A psicanálise pode ser uma prática preventiva? e, para respondê-las, oferece-nos um debate com diversos autores para, enfim, concluir que Lançamos mão da prevenção na clínica com bebês quando os pais não puderam pré-venir (tomando emprestado um termo usado por Cláudia Hohenkhol) um sujeito em seu bebê (p. 84). Mais adiante, nas suas reflexões acerca do papel do psicanalista e da função da estimulação na clínica com bebês, distingue as duas práticas fazendo a seguinte ressalva: Propomos então que devemos estimular os pais em seu saber inconsciente sobre o bebê, em sua possibilidade antecipatória, e acreditamos que o bebê, recebendo os efeitos diretos a partir da nova posição ocupada pelos pais, torna-se mais estimulante para estes... sugerimos, assim, que o analista leve adiante essa estimulação que os pais não puderam pilotar (p. 103). Ainda com uma busca questionadora a respeito da prática do psicanalista com os bebês, Daniela Teperman indaga: De que lugar o bebê é tomado? Que tipo de intervenção a escuta psicanalítica permite efetuar diretamente com o bebê? E a resposta está na clínica, uma clínica cada vez mais a tempo, iniciada na Escola Terapêutica Lugar de Vida, um Núcleo de Intervenção Precoce, de onde retira os fragmentos clínicos que nos apresenta ao final do livro. A autora parece concluir, refletindo sobre sua posição teórica nesse campo das intervenções precoces: Entendemos que, na clínica psicanalítica com bebês, a ênfase não recai sobre o bebê ou sobre os pais, não se trata de intervir na relação ou na interação entre estes, mas de voltar o olhar para a estrutura simbólica na qual o bebê está inserido, para o lugar em que o Outro se coloca ou é colocado pelo bebê: a intervenção ocorre no laço do bebê com o Outro. (p. 151). Atualmente os psicanalistas têm se dedicado mais a essa temática da intervenção pais-bebês, embora ainda haja muito questionamento a respeito da sua indicação, da sua pertinência e da própria prática, já que a psicanálise se faz através da escuta, e um bebê se caracteriza justamente pela ausência de linguagem. Nesse caso, concluem: trata-se de uma clínica dos pais e, portanto, de adultos. Também não se trata de analisar no bebê um sujeito do 111

inconsciente, haja vista que um bebê é apenas um sujeito suposto, a se constituir. Poderíamos então sustentar a idéia de um sofrimento psíquico num psiquismo em constituição? E, nesse caso, seria pertinente a intervenção de um psicanalista? Seria necessária uma mudança de enquadre para atender essa nova demanda sem perder a ética e os princípios da psicanálise? Formular essas perguntas é essencial para que os profissionais da área de saúde que atendem a primeira infância possam reconhecer a pertinência de um encaminhamento para tratamento psicanalítico nessa fase da vida. Sabe-se que as crianças antes da idade escolar dificilmente chegam aos consultórios de psicanálise. Entretanto, também acompanhamos o percurso dos pais cujos filhos apresentam dificuldades de ordem psíquica desde cedo, percebendo que eles detectam as situações de sofrimento e buscam orientação, principalmente com pediatras ou neurologistas. Atualmente, com o avanço da farmacologia, tem sido comum diagnosticar o TDAH (transtorno do déficit de atenção com hiperatividade), ou mesmo o transtorno bipolar, em crianças muito pequenas, que logo iniciam o uso de medicação psiquiátrica para supressão dos sintomas, sem ao menos serem encaminhadas para tratamento psicológico. Essas condutas têm não só impedido que sintomas como agitação, birras ou transtornos do sono possam ser reconhecidos como manifestações da criança inseridas num discurso familiar, como também impossibilitado 112 Estilos da Clínica, 2006, Vol. XI, n o 20, 110-115

Resenha que os pais se impliquem mais no sofrimento de seus filhos. Por outro lado, as equipes multidisciplinares que atendem o bebê e sua família começam a indagar-se sobre fenômenos que aparecem em sua clínica e resistem às condutas médicas que têm se iniciado com uma vasta investigação diagnóstica que comporta uma série de exames, muitas vezes invasiva para uma criança tão pequena. Entre esses fenômenos destacamos as intolerâncias alimentares, diarréias e /ou obstipações recorrentes, transtornos de sono ou mesmo crises de perda de fôlego. Apesar de constatarem a impotência diante de tais situações, os profissionais raramente associam tal sintomatologia a um aspecto psíquico. Mesmo entre aqueles que reconhecem um componente emocional, poucos são os que encaminham esses casos para tratamento psicológico, a não ser depois de alguns anos de persistência dos sintomas. O mesmo acontece com os quadros de caráter mais evidentemente relacional como as recusas alimentares precoces, as apatias e depressões nas crianças pequeninas, ou mesmo quadros reconhecidamente psicossomáticos. Quando nos detemos no campo da psicopatologia, percebemos que os quadros de grandes dificuldades de ordem psíquica permitem o avanço teórico-clínico da concepção mesma do aparelho psíquico. Assim, foi em 1943 que Kanner (apud Lopes, 1995) descreveu o autismo infantil precoce, enfatizando um fracasso na interação e na comunicação com o outro desde a mais tenra idade (antes dos três anos de idade). O 113

autismo surge, desde então, como entidade nosográfica, e tem impulsionado inúmeros estudos, todos inconclusivos do ponto de vista da etiologia ou de uma clara determinação orgânica. Os pesquisadores têm concordado mais com o fato de se tratar de uma multifatorialidade (Laznik, 2004, Assunção 2004). Apesar de sua pequena prevalência, o autismo tem promovido amplas discussões, tanto no meio médico como no psicanalítico, advindo daí inúmeras contribuições, entre elas, as de detecção cada vez mais precoce. Da mesma maneira, o campo da saúde mental encontra hoje o desafio de intervir mais cedo, diminuindo assim o impacto da patologia para o sujeito, para a família e para a sociedade. Surge mundialmente o conceito de psiquiatria, psicologia ou psicopatologia perinatal, que designam, segundo Golse (2002), os mecanismos que permitem ao adulto influenciar o bebê ou ao bebê influenciar o adulto e até a constituírem juntos círculos viciosos psicopatológicos. Voltada para o período anterior e para o período subseqüente ao nascimento, essa especificidade clínica tem se concentrado, nas últimas décadas, em pesquisas, estudos e na clínica orientada para bebês, no sentido de compreender patologias no início do seu aparecimento, para que a terapêutica seja mais eficaz e os efeitos patológicos menos graves. Se, para Freud (1933), o desafio era pensar uma clínica com crianças já que o infantil ele tratou nos adultos, o caso Hans tendo sido uma primeira aproximação com a criança, a nós talvez caiba a tarefa de determinar a natureza e os limites da clínica com bebês, o que exigirá um trabalho mais extenso e cuidadoso. Sabe-se que os aportes da teoria lacaniana muito contribuíram para o avanço na clínica psicanalítica, especialmente no que se refere à clínica das psicoses, um limite para Freud, mas que atualmente tem levado a muitas teorizações a respeito da clínica do autismo e das psicoses infantis. Neste momento, a clínica com o bebê e sua família surge então como um próximo desafio em que podemos nos concentrar nos anos a seguir. 114 Estilos da Clínica, 2006, Vol. XI, n o 20, 110-115

Resenha REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Assunção, F. (2004). Comunicação no Congresso de Neurologia e Psiquiatria Infantil Vitória/ES. Texto não publicado. Freud, S. (1933). Esclarecimentos, orientações e aplicações. Novas conferências introdutórias. Vol XXII. Rio de Janeiro: Imago. 1969, pp. 167-91. Golse, B. (2002). O que temos aprendido com os bebês. In: Corrêa, L. F.; Corrêa, M. H. G. e França, P. S. Novos olhares sobre a gestação e a criança até os 3 anos. Saúde perinatal, educação e desenvolvimento do bebê. Brasília: L. G. E., p. 118. Laznik, M-C. (2004). A voz da sereia. Salvador, BH: Ágalma. Lopes, A, G. (1995). O autismo segundo Leo Kanner. Letra Freudiana. Rio de Janeiro: Revinter. 1995. pp. 3-8. Recebido em março/2006. Aceito em abril/2006. 115