CONSIDERAÇÕES SOBRE A DEFINIÇÃO DOCUMENTAL DAS FRONTEIRAS COLONIAIS NA AMÉRICA: UM OLHAR SOBRE A PORÇÃO SETENTRIONAL DA BACIA PLATINA



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CONSIDERAÇÕES SOBRE A DEFINIÇÃO DOCUMENTAL DAS FRONTEIRAS COLONIAIS NA AMÉRICA: UM OLHAR SOBRE A PORÇÃO SETENTRIONAL DA BACIA PLATINA 1 Bruno Mendes Tulux * brunotulux@hotmail.com RESUMO: Neste ensaio examinar-se-á brevemente a constituição da fronteira entre Espanha e Portugal no interior do continente americano durante o século XVIII, especialmente a região meridional da bacia platina. Analisando-a como fator de povoamento da região, palco do processo de colonização do interior do continente, este fenômeno histórico foi de fundamental importância para a consolidação dos limites nacionais no século XIX. Neste breve estudo foi utilizado material bibliográfico que apresente relações com o objeto de estudo e contexto aplicado à região. PALAVRAS-CHAVE: Fronteira colonial, América Platina, Evolução documental. A questão limítrofe entre a América Espanhola e a América Portuguesa 1 esteve intimamente ligada às condições das relações político-diplomáticas que envolveram Portugal e Espanha, potências econômicas à época das grandes navegações que dispunham de vastos territórios sob seus domínios no Novo Mundo. Relativo à fronteira mais pobre da parte espanhola e da potencialmente estratégica fronteira portuguesa 2 é possível entender que a defesa do território localizado entre os atuais limites do Paraguai e Bolívia com o Brasil foi recíproca. A definição dos limites coloniais 3 teve correspondência e similaridades em outras localidades como, por exemplo, nas cidades e vilas ibéricas localizadas no continente asiático. 4 * Mestrando em História pela UFGD (Universidade Federal da Grande Dourados). 1 Aplica-se este conceito de América Portuguesa e analogicamente de América Espanhola extraídos de Dicionário do Brasil Colonial de direção de Ronaldo Vainfas, cuja referência completa encontra-se no final deste artigo. A preferência em utilizar estes termos em detrimento de expressões derivadas de Paraguai colonial ou Brasil colonial, por exemplo, é fundamentada no desconhecimento que colonos e metropolitanos pudessem ter sobre constituir-se um dia em estado independente a colônia portuguesa na América. Cf. NOVAIS. Fernando A. Condições de privacidade na Colônia. In: SOUZA. Laura de Mello e. (org.) História da vida privada no Brasil: cotidiano e vida privada na América portuguesa. São Paulo: Companhia das Letras, 1997, pág. 17. 2 Estas afirmações são elaboradas a partir do entendimento de que esta região não esteve inserida no contexto de comércio internacional das colônias, nem a porção espanhola nem a parte portuguesa. 3 Neste sentido é possível dizer que a disputa por territórios coloniais e a fixação de limites fronteiriços entre as coroas de Portugal e Castela foi um acontecimento histórico presente em todo o mundo colonial americano e asiático. 4 GIRALDO, Manuel Lucena. Reformar as florestas: o tratado de 1777 e as demarcações entre a América espanhola e a América portuguesa. Revista OCEANOS a formação territorial do Brasil. Lisboa: Núm.

A Europa setecentista, especificamente tratando dos casos de Espanha e Portugal, não dispunha de grandes contingentes humanos e nem de Exércitos Nacionais que pudessem ser enviados até a América para mútuos ataques e enfrentamentos. Esta condição histórica oferece às colônias ibero-americanas uma população rarefeita e concentrada especialmente nas regiões produtoras de riquezas 5. Neste sentido, entendemos que os primeiros passos para a definição das fronteiras espanholas e portuguesas na América dependeu muito mais de condições políticas internacionais para a consolidação dos limites do que do resultado de um natural avanço urbano partindo do litoral em direção ao interior do continente. Portanto, essa política para a definição territorial entre os séculos XVI e XVIII foi fundamentada especificamente em sucessivos Tratados e acordos que regulamentavam a divisão territorial entre Portugal e Espanha. A chegada aos novos territórios descobertos junto ao poente em relação à Europa, fruto das grandes navegações em busca de um caminho marítimo que levasse ao Oriente, fez com que Portugal e Espanha definissem qual seria a justa divisão das terras do Novo Mundo 6. A divisão dos territórios encontrados no além-mar pelas duas potências ibéricas teve como critério para definição dos limites o que mais interessava a cada uma dessas coroas no momento da chegada ao novo terreno. O Tratado de Tordesilhas, primeiro limite imposto às descobertas no além-mar, dividiu entre as possessões castelhanas e lusas as terras encontradas a oeste do Oceano Atlântico. Porém o Tratado de Tordesilhas, assim como todos os posteriores tratados de limites acordados entre Portugal e Espanha, nunca foi integralmente respeitado. A descoberta do ouro no interior do continente entre o final do século XVII e início do século XVIII, deu início a uma intensa busca pelo Eldorado no interior do continente. Esta corrida pela posse das minas auríferas aproximou os colonos portugueses cada vez mais da região das mineradoras espanholas, estendendo a influência lusitana até o vale do Guaporé, aos pés da Cordilheira dos Andes, limite físico que impedia o direto acesso às minas espanholas 7. A preocupação pela defesa territorial junto à descoberta das minas auríferas no planalto central do continente transformou o panorama colonial. A criação de mecanismos 40, Outubro/Dezembro de 1999, pág. 68. 5 No caso da América Portuguesa até o início do século XVIII grande parte da população concentrava-se no litoral nordestino canavieiro. Na América Espanhola a população estava concentrada basicamente nas regiões andinas e mexicanas exploradoras de metal precioso. Porém, é importante lembrar que as investidas para o sertão colonial sempre foram feitas tanto por colonos castelhanos quanto portugueses em busca de novas riquezas e com o objetivo de fundar novas cidades ou núcleos populacionais. 6 MARTINS, Gilson Rodolfo. Breve painel etno-histórico de Mato Grosso do Sul. Campo Grande: Ed. UFMS, 2002, pág. 09-12. 7 CORREA FILHO, Virgilio. Matto Grosso. Rio de Janeiro: Do Instituto Histórico de Matto Grosso, Publicação Official, Typ. Do Hornal do Commercio, 1922, pág. 09. 2

defensivos militares foi a resposta das autoridades castelhanas para a notável aproximação de colonos portugueses das minas andinas. A delegação de autonomia para defesa e ataque aos governos locais portugueses colaborou para o aumento da tensão entre os dois lados da fronteira 8. Objetivamente, a tentativa de implantar as bases para o que seria a fronteira colonial americana deu-se a princípio pelo constante incômodo paulista às missões jesuíticas castelhanas, tornando o confronto pelos limites desde início do século XVII entre lusos e espanhóis uma questão de tempo. Apesar de estratégica a fronteira platina entre Espanha e Portugal não obteve nenhum cuidado especial por parte de ambas as metrópoles até aquele momento. Somente após a aproximação de bandeirantes e a consequente destruição das reduções jesuíticas de Itatim, Guairá e Tapes e da cidade paraguaia Santiago de Xerez 9 é que houve a preocupação do governo espanhol em guardar e preservar o território castelhano, caminho que poderia dar acesso até as minas de prata de Peru e Bolívia. Mesmo sem poder afirmar categoricamente onde se encontrava, sabia o governo luso que a ultrapassagem da inicial delimitação do Tratado de Tordesilhas já havia sido transposta desde as primeiras visitas ao interior do continente 10. Os interesses espanhóis estavam voltados às minas extratoras de metal, não acreditando, portanto, na possível ocupação do centro da América por portugueses, pois se pensava que esta região apresentasse características pouco férteis, o que dificultava a fixação no território. Assim, o pouco esforço aplicado por Espanha para monitorar o território estava concentrado em uma pequena parcela de gentio que se manteve sentinela junto ao estuário do rio da Prata 11. Os terrenos auríferos descobertos no interior do continente representavam novas formas de exploração e enriquecimento tanto para lusos como para castelhanos, o que forçou um novo arranjo para a divisão destas terras entre as metrópoles ibéricas. No que diz respeito à fronteira colonial entre Espanha e Portugal na América, as propostas para a criação do Tratado de Madrid estavam relacionadas ao abandono do acordo firmado anteriormente que era baseado no meridiano de Tordesilhas. Este novo acordo teria como base a delimitação das 8 BELLOTTO, Heloísa Liberalli. Autoridade e conflito no Brasil colonial: o governo do Morgado de Mateus em São Paulo: 1765 1775. São Paulo: Conselho Estadual de Artes e Ciências Humanas, 1979, pág. 30 31. 9 Fatos que passaram a ser corriqueiros desde o início do século XVII com a intensificação da atividade bandeirante paulista que, além de procurar novas fontes de rápido enriquecimento, ainda encontrava no comércio da mão-de-obra indígena uma valiosa fonte de recurso já que todo o território paulista estava fora do contexto do comércio colonial. 10 GÓES, Synésio Sampaio. Alexandre de Gusmão e o Tratado de Madrid. Revista OCEANOS a formação territorial do Brasil. Lisboa: Núm. 40, Outubro/Dezembro de 1999, pág. 49. 11 BOUGAINVILLE, Louis Antoine de. Viajes al redor del mundo. In: BELLOTO, Manoel Lelo e CORRÊA, Anna Maria Martinez. A América Latina de colonização espanhola: antologia de textos históricos. 2ª Edição. São Paulo: HUCITEC, 1978, pág. 133. 3

4 terras o uti possedetis, princípio este que determinava o direito à posse e exploração da terra para quem já estivesse fixado nos sítios em questão, independentemente se fosse este colono de origem castelhana ou lusa. Assim em 1750 o Tratado de Madrid definiu como limites entre Espanha e Portugal na América do Sul recursos físicos e acidentes geográficos, finalizando, temporariamente, a discussão sobre onde ficavam os limites ibéricos americanos: a Amazônia, o Sul e o Oeste do Brasil foram incorporados aos territórios de Portugal. Esta nova organização política do território conferiu aos invasores lusos a posse destes territórios. Porém, devido às dificuldades em se concretizar o Tratado de Madrid 12 este acordo de limites foi, pouco mais de dez anos após sua criação, substituído pelo Tratado de El Pardo em 1761. Este novo acordo entre as coroas ibéricas revogava tudo o que foi confirmado por seu antecessor, assim como teoricamente desfeitas as possessões portuguesas em terreno espanhol. Com o desuso do princípio do uti possedetis que legitimava a ocupação portuguesa no interior do continente, voltou-se a América do Sul às incertezas iniciais de Tordesilhas, criando uma pausa no trabalho de definição das fronteiras intra-continentais. Passada a revogação do Tratado de Madrid e as incertezas do Tratado de El Pardo o próximo acordo, denominado Tratado de Santo Ildefonso e firmado no ano de 1777, consolidou limites e retomou a resolução do uti possedetis para confirmar as fronteiras, aos moldes de como havia sido pensado em 1750. O Tratado de Santo Ildefonso teve vigência até 1801, ano em que foi substituído pelo Tratado de Badajoz. De natureza bem menos reformadora e sim com um caráter confirmador, este último tratado legitimou as propostas do Tratado de Madrid, ratificadas por Santo Ildefonso, com exceção à região de Sacramento, que passou a ser de domínio espanhol e mais tarde acabou se transformando no Uruguai. Desta forma, podemos entender que a consolidação da fronteira platina não ocorreu de maneira pacífica, especialmente a porção setentrional. Os interesses diversos na região culminam para a defesa e consequente militarização de um sertão até então inabitado, inóspito e esquecido pelas coroas ibéricas. Mesmo com a perda de uma parcela significativa de seu território, a Espanha acabou povoando esta região através da fundação de cidades e vilas; os interesses portugueses voltaram-se para a exploração aurífera e fixaram cidades em toda a região limítrofe com o território castelhano. A consolidação de uma exploração econômica da região só foi possível através do 12 Pela vastidão do território que tutelava e pelos incessantes confrontos entre castelhanos e portugueses no sul através da Guerra Guaranítica, onde havia o litígio pela região de Sacramento e Sete Povos das Missões.

5 pastoreio de rebanhos nativos. A implantação desta economia foi possível graças aos missionários jesuítas que anteriormente habitaram estes sítios e introduziram gado bovino e equino nas pastagens naturais e que sem predadores naturais e com espaço de sobra acabaram multiplicando-se e constituindo matéria-prima para os próximos habitantes da região 13. O incremento do pastoreio foi visto com bons olhos pelo governo de Espanha à época, sendo responsável, como estímulo os habitantes do interior da América, por transformar a porção norte da bacia platina em uma próspera região onde a pecuária seria a maior fonte de exploração econômica 14. Portanto, este inicial ensaio teve como principal objetivo traçar um breve panorama da consolidação da fronteira colonial, especialmente na região onde hoje se encontra a fronteira entre o Brasil, o Paraguai e a Bolívia. Porém, é importante ressaltar que o litígio sobre este território não cessou com a proclamação do Tratado de Badajoz em 1801. A discussão política e documental sobre a localização dessa fronteira incentivou a formação de mecanismos de defesa territorial no sul da capitania de Mato Grosso e a consequente militarização da região durante a segunda metade do século XVIII 15. A consolidação da discussão dos Tratados e acordos entre Portugal e Espanha não determinou o fim das discussões sobre a fronteira. Este fato não deve ser tomado como um evento isolado da história da região platina. Pelo contrário, a militarização dessa região coloca em pauta uma série de outros questionamentos acerca da localização desta fronteira que também carecem de maiores esclarecimentos. BIBLIOGRAFIA ARECES, Nídia R.. Concepción peligrosa y descubierta de la frontera norte paraguaya. Espaço étnico socio-político (1773 1840). Revista de História Departamento de História da Universidade de São Paulo, São Paulo, Editora Laboratório COM-ARTE-ECA/USP, Número 133 (Terceira Série), 2º semestre de 13 ARECES, Nídia R.. Concepción peligrosa y descubierta de la frontera norte paraguaya. Espaço étnico sócio-politico (1773 1840). Revista de História Departamento de história da Universidade de São Paulo, São Paulo, Editora Laboratório COM-ARTE-ECA/USP, Número 133 (Terceira Série), 2º semestre de 1995, pág. 60-64. 14 AZARA, Félix de. Descripción del Paraguay y del rio de la Plata. In: BELLOTO, Manoel Lelo e CORRÊA, Anna Maria Martinez. A América Latina de colonização espanhola: antologia de textos históricos. 2ª Edição. São Paulo: HUCITEC, 1978, pág. 138-139. 15 TULUX, Bruno Mendes. A defesa do oeste colonial no contexto da segunda metade do século XVIII O sul da capitania de Matto Grosso. Mneme Revista de Humanidades. Caicó: V. 9, n. 24, Set./out. 2008, sem paginação. Disponível em www.cerescaico.ufrn.br/mneme/anais/

6 1995. AZARA, Félix de. Descripción del Paraguay y del rio de la Plata. In: BELLOTTO, Manoel Lelo e CORRÊA, Anna Maria Martinez. A América Latina de colonização espanhola: antologia de textos históricos. 2ª edição. São Paulo: HUCITEC, 1978. BELLOTTO, Heloísa Liberalli. Autoridade e conflito no Brasil colonial: o governo do Morgado de Mateus em São Paulo: 1765 1775. São Paulo: Conselho Estadual de Artes e Ciências Humanas, 1979. BOUGAINVILLE, Louis Antoine de. Viajes al redor del mundo. In: BELLOTTO, Manoel Lelo e CORRÊA, Anna Maria Martinez. A América Latina de colonização espanhola: antologia de textos históricos. 2ª edição. São Paulo: HUCITEC, 1978. CORREA FILHO, Virgilio. Matto Grosso. Rio de Janeiro: Do Instituto Histórico de Matto Grosso, Publicação Official, Typ. Do Jornal do Commercio, 1922. GIRALDO, Manuel Lucena. Reformar as florestas: o tratado de 1777 e as demarcações entre a América espanhola e a América portuguesa. Revista OCEANOS a formação territorial do Brasil. Lisboa: Núm. 40, Outubro/Dezembro de 1999. GÓES, Synésio Sampaio. Alexandre de Gusmão e o Tratado de Madrid. Revista OCEANOS a formação territorial do Brasil. Lisboa: Núm. 40, Outubro/Dezembro de 1999. MARTINS, Gilson Rodolfo. Breve painel etno-histórico de Mato Grosso do Sul. 2ª edição. Campo Grande: UFMS, 2002. NOVAIS. Fernando A. Condições de privacidade na Colônia. In: SOUZA. Laura de Mello e. (org.) História da vida privada no Brasil: cotidiano e vida privada na América portuguesa. São Paulo: Companhia das Letras, 1997. TULUX, Bruno Mendes. A defesa do oeste colonial no contexto da segunda metade do século XVIII O sul da capitania de Matto Grosso. Mneme Revista de Humanidades. V. 9, n. 24. Caicó: UFRN, Set./out. 2008. Disponível em www.cerescaico.ufrn.br/mneme/anais/. Capturado em 30/12/2010. VAINFAS, Ronaldo (dir.). Dicionário do Brasil Colonial (1500 1808). Rio de Janeiro: Objetiva. 2000.