CABECEIRAS DE DRENAGEM DO RIBEIRÃO DA MATA (MG) E SUAS RELAÇÕES COM AS SUPERFÍCIES DE APLANAMENTO DE KING (1956).

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Transcrição:

CABECEIRAS DE DRENAGEM DO RIBEIRÃO DA MATA (MG) E SUAS RELAÇÕES COM AS SUPERFÍCIES DE Chrystiann Lavarini Universidade Federal de Minas Gerais UFMG lavarini.c@gmail.com Antônio Pereira Magalhães Jr Universidade Federal de Minas Gerais UFMG magalhaesufmg@yahoo.com.br RESUMO --- As teorias sobre a evolução do relevo continental, que envolvem os conceitos de peneplanação e pediplanação têm sofrido importantes revisões. Todavia, os trabalhos de King (1956) ainda permanecem como um dos poucos que abordam em geomorfologia regional, a gênese e a evolução cíclica dos relevos da bacia do Ribeirão da Mata-MG. Sendo assim, este trabalho possui como objetivo geral verificar a espacialidade das cabeceiras de drenagem da bacia do Ribeirão da Mata-MG perante o modelado regional, considerando seus aspectos geológico-geomorfológicos gerais e, sobretudo, suas relações com a caracterização apresentada por King (1956). Através do software ArcGIS 9.3 mapeou-se as cabeceiras de drenagem e, associado ao MDE, os compartimentos do relevo em que se localizavam. Os resultados confirmaram que as cabeceiras de drenagem estão circunscritas, em maior quantidade, (i) às porções intermediárias referentes às bordas da Superfície Sul Americana; em menor amplitude, (ii) à transição entre esta última e a Superfície Pós-Gondwânica, nas altas elevações; e, com recorrência média, (iii) as cabeceiras localizam-se nas bordas das frentes de dissecação esculturadas pelo Ciclo Velhas, segundo a classificação de King (1956). PALAVRAS-CHAVE: Cabeceiras de Drenagem; Espacialização; Geomorfologia; Superfícies de Aplanamento; Ribeirão da Mata-MG; Brasil ABSTRACT --- Theories about the continental landforms wich involves peneplanation and pediplanation concepts have suffered serious revisions. However, the classical work of King (1956) still remains as one of few approaches in regional geomorphology. It concerns about genesis and cyclic evolution of landforms in Ribeirão da Mata watershed. Thus, this work aims to verify the spatiality of the headwaters of the Ribeirão da Mata watershed and its relations with geomorphological and geological contexts, especially to King (1956) s characterization. Through the software ArcGIS 9.3 were mapped the headwaters, and according to DEM, the landform units wich they are located. The results confirmed that headwaters are located, in majority, in (i) intermediate positions on relief, referring to the South America Surface s edges; (ii) transitions between the former and Post- Gondwana Surface at the higher elevations; and (iii) the headwaters are located at the edges of dissection fronts sculptured by Velhas Cycle, according to the King(1956) s classification. KEY-WORDS: Headwaters; Mapping; Geomorphology; Ribeirão da Mata-MG; Planation Surfaces; Brazil. 1. Justificativa e Problemática. As teorias geomorfológicas sobre a evolução do relevo continental, que envolvem os conceitos de peneplanação e pediplanação, cunhados por Davis (1899) e King (1953), têm sofrido importantes revisões, principalmente a partir dos princípios do equilíbrio dinâmico de Hack (1969) e da teoria 250

probabilística de Leopold e Langbein (1963). Apesar disso, ainda há estudos recentes que utilizam tais referências, considerando sua visível influência na geomorfologia nacional, e, principalmente, em função do impacto causado pelos trabalhos de King (1956) na caracterização dos ciclos de erosão do Sudeste do Brasil (VALADÃO, 1998). Ademais, mais especificamente na área de estudos, os trabalhos de King (1956) ainda permanecem como um dos poucos relatos que abordam no âmbito da geomorfologia regional, a gênese e a evolução cíclica dos relevos do Ribeirão da Mata e do Alto Rio das Velhas. Conforme esse autor, no Terciário Médio todo o bloco interfluvial representado pelo Planalto de Lagoa Santa era aplainado pela Superfície Sul Americana acima da cota dos 800-900 m atuais, com um clima quente e úmido. Posteriormente, durante o Plio-Pleistoceno, os diferentes Ciclos Denudacionais Velhas, comandados pelo rio homônimo teriam entalhado a Superfície Sul Americana e dado início à morfologia regional, marcada por diferentes escalonamentos da paisagem. Face ao exposto, este trabalho visa contribuir para um tema que, apesar de controverso, ainda permanece freqüente nas pesquisas geomorfológicas: as superfícies de aplanamento ou superfícies de erosão (JAPSEN et al., 2009). Entretanto, deve-se considerar que assim como muitos outros ramos do conhecimento, esse é um tema amplo, na qual este trabalho poderá refletir somente um fragmento de apreciação ou abordagem. Este trabalho se insere no conjunto de estudos sobre geomorfologia fluvial do Grupo de Pesquisa Geomorfologia e Recursos Hídricos (CNPq), sediado no Instituto de Geociências da UFMG. 2. Objetivos. Este trabalho possui como objetivo geral verificar a espacialidade das cabeceiras de drenagem da bacia do Ribeirão da Mata-MG perante o modelado regional, considerando seus aspectos geológicogeomorfológicos gerais e, sobretudo, suas relações com a caracterização apresentada por King (1956) em seu trabalho A Geomorfologia do Brasil Oriental. Em termos específicos, almeja-se (i) mapear todas as cabeceiras de drenagem do Alto Curso e todo o Vale do Ribeirão da Mata; (ii) situar, na bacia hidrográfica investigada, as descrições realizadas por King (1956) de forma direta e indireta, através de intervalos altimétricos; e (iii) estabelecer, dentro das limitações já mencionadas, as correlações da localização destas cabeceiras dentro de patamares altimétricos compreendidos como superfícies de aplanamento. 3. Materiais e Métodos. 3.1. Área de Estudos. 251

Em termos hidrográficos, a bacia do Ribeirão da Mata (Fig. 1) distingue-se como um dos importantes afluentes do Rio das Velhas, que corresponde por sua vez, a um dos principais tributários do Rio São Francisco em Minas Gerais. Não obstante, o Ribeirão da Mata possui em seu domínio hidrológico diversas sub-bacias. No extremo nordeste, próximo às cabeceiras de drenagem mais distantes do exutório, define-se a sub-bacia do Córrego Boa Vista, enquanto a jusante, ainda nas porções do Alto Curso, se distribuem as sub-bacias do Córrego Braúna e Maricota. No segmento que corresponde, grosso modo, ao Médio Curso Fluvial do Ribeirão da Mata, ocorrem as sub-bacias do Ribeirão Urubu e Ribeirão das Neves. E nos trechos terminais em direção ao Rio das Velhas, na porção referente ao seu Baixo Curso, distinguem-se as bacias dos Córregos Areais, Carrancas, Sujo e José Maria. Figura 1: Bacia Hidrográfica do Ribeirão da Mata e se entorno. Fonte: Elaboração do autor. Bases Cartográficas do Projeto Manuelzão. O padrão de drenagem predominante das sub-bacias é do tipo dendrítico, com uma nítida tendência no sentido SW-NE, constituindo a bacia do Córrego Maricota uma exceção, com drenagem orientada no sentido S-N. Nesta mesma perspectiva, a bacia do Ribeirão da Mata, como um todo, possui drenagem fluindo no sentido SE. Ademais, há uma densidade de drenagem nitidamente superior de afluentes na margem direita em relação à esquerda, onde prevalecem feições relacionadas à dinâmica fluviocárstica. A bacia do Ribeirão da Mata se insere na borda sudeste do Cráton São Francisco, entidade tectônica do Ciclo Brasiliano (ALMEIDA, 1977), uma das porções da Plataforma Sul-americana que não foram envolvidas nos processos orogênicos durante o Neoproterozóico (ALKMIM e MARTINS- 252

NETO, 2001). A paragênese mineral indica metamorfismo de baixo grau, na fácies xisto-verde (UHLEIN, 1991). Sobre esse compartimento, três unidades pré-cambrianas se destacam localmente: o embasamento granito-gnáissico do Complexo Belo Horizonte, seguido pela sequência vulcanossedimentar arqueana do Quadrilátero Ferrífero e pelos sedimentos neoproterozóicos do Grupo Bambuí. Em termos geomorfológicos, o cenário da paisagem cárstica atual do bloco interfluvial Ribeirão da Mata Rio das Velhas foi palco da atuação de múltiplos processos que, principalmente a partir do Terciário, modelaram a superfície local (KOHLER, 1989). Ademais, neste interflúvio (700-800m), denominado Planalto de Lagoa Santa, estão presentes quase todas as feições características de um carste tropical, como maciços, dolinas, uvalas, grutas, pítons, paredões e torres, além de numerosas microformas cársticas (TRICART, 1956 apud MAGALHÃES JR., 1993; KOHLER, 1989). 3.2. Metodologia. No software ArcGIS 9.3 foi realizado o mapeamento das cabeceiras e bacias hidrográficas inseridas nas unidades geomorfológicas investigadas. Dentro desta estrutura metodológica e conceitual foi realizado um Modelo Digital de Elevação (MDE), com base nas curvas topográficas extraídas do satélite ASTER, gratuitamente disponíveis pela NASA, realizando também observações em visada no módulo ArcScene para verificação de detalhes. Além disso, foram elaborados diversos perfis topográficos que auxiliaram decisivamente na visualização e interpretação destas superfícies, assim como o complexo quadro geomorfológico regional. No que concerne às descrições de A Geomorfologia do Brasil Oriental de King (1956) foram utilizadas as referências adotadas por este pesquisador apenas para a descrição da paisagem evitando, assim, referências fixas em relação à cronologia destas superfícies, haja vista, o número cada vez maior de severas restrições encontradas nesta obra (VALADÃO, 1999; SALGADO e VALADÃO, 2003). De forma paralela, foram discutidas categorias de análise mais recentes como o equilíbrio dinâmico (HACK, 1969), bem como suas aplicações e restrições no modelado regional. 4. Resultados e Discussões. Nesta pesquisa, através da análise de perfis geomorfológicos, foi possível representar, graficamente, onde se estruturariam tais superfícies no modelado regional e, assim, deduzir e correlacionar os padrões de dissecação e evolução da paisagem (Figs. 2, 3 e 4). No Planalto de Lagoa Santa as porções mais elevadas do relevo correspondem aos divisores da margem esquerda do Ribeirão da Mata (Fig. 2), onde se localizam as poucas cabeceiras de drenagem 253

provenientes deste compartimento. Estes divisores, marcadamente aplanados (820-800 m), corresponderiam a remanescentes da Superfície Sul Americana descrita por King (1956). 254

Fig. 2: Perfil entre o Ribeirão da Mata e o Córrego Jaguará. É possível distinguir a porção relativa ao Planalto de Lagoa Santa e sua função como bloco interfluvial regional. Fig. 3: Perfil entre o Ribeirão da Mata e o Córrego Jaguará, onde foram inferidas, a partir de superfícies somitais, as porções possivelmente ocupadas pela superfície Sul Americana e os segmentos Neoquaternários de atuação do Ciclo Denudacional Velhas. Fig. 4: Perfil topográfico das bacias componentes do Ribeirão da Mata. É possível distinguir a variação altimétrica entre a foz (lado esquerdo) e as cabeceiras principais (lado direito) do Ribeirão da Mata. 255

A nordeste (NE) deste bloco interfluvial, na vertente oposta ao Ribeirão da Mata, o Córrego Jaguará apresenta uma declividade acentuadamente menor, estruturando-se na cota dos 680-690 m de altitude. Esta porção do relevo estaria inserida na morfogênese dos Ciclos Denudacionais Velhas (KING, 1956), que teriam entalhado os metapelitos da Formação Serra de Santa Helena e exposto os carbonatos do Membro Lagoa Santa. Estas variações altimétricas foram representadas em perfil (Fig. 3), onde é possível constatar o padrão morfológico bidimensional entre o Ribeirão da Mata, o Planalto de Lagoa Santa e o Córrego Jaguará. Através das descrições de King (1956) foi possível reconstruir também a disposição descritiva da antiga superfície Sul Americana no modelado atual, e os segmentos esculpidos no Plio-Pleistoceno que corresponderiam aos Ciclos Desnudacionais Velhas (~ 650 m), do mesmo autor (Fig. 4). A análise das cotas altimétricas, da foz até a extremidade norte da bacia do Ribeirão da Mata, evidencia o escalonamento da paisagem, dominada por colinas alongadas entrecortadas por vales fluviais (Fig. 5). É notória a quantidade de cursos fluviais nestes segmentos e grande parte da área situa-se sobre rochas do Embasamento Cristalino, ao contrário da área anterior, estruturada sobre os carbonatos do Grupo Bambuí. Embora este transecto não seja transversal nem longitudinal, pode-se perceber que a bacia do Ribeirão da Mata possui a maior parte dos topos aplanados circunscritos às cotas entre 900 a 850 m de altitude, com segmentos a quase 1.000 m. Este valor representa cerca de 30 a 180 metros a mais de elevação em relação aos topos do Planalto de Lagoa Santa. Considerando os valores médios entre estes dois compartimentos e sua variação altimétrica, caso nesta cota tenha existido uma superfície de erosão, sua declividade média seria de 1, 1%, com inclinação para NE, seguindo o padrão contemporâneo. Neste trecho (Fig. 5) também foi possível reconhecer segmentos que corresponderiam, em termos altimétricos, a remanescentes da superfície Sul Americana, dentro dos valores descritos por King (1956), além de diversos outros trechos que estariam na interface entre a superfície Sul Americana e Pós- Godwânica (1200-1300 m). Esta transição possui seus possíveis remanescentes restritos aos topos graníticos dos afluentes da margem direita do Ribeirão da Mata, próximos aos lineamentos estruturais regionais, orientados segundo os esforços compressionais do trend regional que afetaram as margens cratônicas (KOHLER, 1989). 256

Figura 5: Mapa de Variações Altimétricas na Bacia do Ribeirão da Mata, do Planalto de Lagoa Santa e no Córrego Jaguará. Detalhe: as linhas verde e vermelha (A-B e C-D) correspondem aos perfis topográficos elaborados. A bacia do Ribeirão Urubu, que por sua vez é afluente do Ribeirão da Mata, detém os valores de altimetria mais elevados de toda a área pesquisada, ultrapassando inclusive a cota dos 1.050 m. Convém notar que esta bacia possui as cabeceiras mais próximas dos lineamentos estruturais compressionais localizados a W. Neste segmento também foram identificados possíveis remanescentes das superfícies Sul Americana, e a transição entre esta e a Superfície Pós-Gondwanica. De uma maneira geral, há predominância de superfícies somitais (sommital surfaces) no intervalo entre 925 e 1.000 m, não sendo possível inferir nenhuma superfície elaborada pelos Ciclos Denudacionais Velhas (~ 650 m). Estas informações levam a supor, segundo os registros de King (1956), que na elaboração Cenozóica do relevo regional, o Ciclo Denudacional Velhas não tenha esculpido uma superfície erosiva no Alto Curso do Ribeirão da Mata, fato este indiretamente mencionado por este autor em seu longo ensaio. Sendo assim, em termos regionais, possíveis segmentos da superfície Velhas teriam sua maior abrangência na bacia do Córrego Jaguará, situada morfologicamente no sopé cárstico do Planalto de Lagoa Santa e, em menor extensão, na proximidade da foz do Ribeirão da Mata com o Rio das Velhas. Por outro lado, no Médio e Alto Curso do Ribeirão da Mata, a gênese do relevo estaria condicionada à perspectiva de dissecação Terciária e Plio-Pleistocênica, tanto da antiga Superfície Pós-Gondwanica quanto da Superfície Sul Americana. Em relação às cabeceiras foi possível constatar, assim como em relação às bacias hidrográficas, que a maioria delas localiza-se nos remanescentes do que seria a Superfície Sul 257

Americana e, em determinados trechos, na interface dos resquícios da Superfície Pós-Gondwanica, nos segmentos mais elevados, e das superfícies dissecadas pelo Ciclo Denudacional Velhas, nos trechos mais rebaixados, próximo ao atual nível de base (Quadro 1). Altimetria Médias das Cabeceiras Bacia Hidrográficas Min Máx Ribeirão Urubu 860 937 Córrego José Maria 737 820 Córrego Braúna 813 895 Córrego Boa Vista 860 930 Ribeirão da Mata 797 889 Córrego Maricota 819 894 Quadro 1: Altimetria média das cabeceiras de drenagem das bacias hidrográficas investigadas. Pode-se sintetizar, que nas interpretações geomorfológicas regionais, confirmou-se a partir das cotas altimétricas - que as cabeceiras de drenagem estão circunscritas, em maior quantidade, (i) às porções intermediárias referentes às bordas da Superfície Sul Americana; em menor amplitude, (ii) à transição entre esta última e a Superfície Pós-Gondwânica, nas altas elevações; e, com recorrência média, (iii) as cabeceiras localizam-se nas bordas das frentes de dissecação esculturadas pelo Ciclo Velhas, segundo a classificação de King (1956). Deste modo, tais características demonstram que a localização dos canais fluviais de primeira e segunda ordem está circunscrita, primordialmente, às bordas das antigas superfícies de aplanamento propostas por King (1956). É importante considerar também que, face ao processo esculturador remontante, típico de cabeceiras de drenagem (COELHO-NETTO, 2003; SCHUMM, 1977), há uma forte tendência de continuidade de dissecação, podendo reduzi-las a vestígios ainda menores com o passar do tempo. 5. Conclusões. Através dos procedimentos metodológicos utilizados neste trabalho foi possível compreender uma série de implicações espaciais entre as cabeceiras de drenagem e os compartimentos morfológicos, considerados superfícies de aplanamento, do Alto Curso do Ribeirão da Mata e do Córrego Jaguará. Entretanto, como já mencionado, na análise das superfícies de aplanamento de King (1956) deve-se atentar, sobretudo, às descrições altimétricas e locacionais, tendo em vista que nos últimos anos suas cronologias de denudação têm sido severamente revistas, tanto no Brasil (VALADÃO, 1998; SALGADO e VALADÃO, 2003) quanto no exterior (GREGORY, 1992). 258

Apesar de tudo, esta teoria evidencia a relevância dos estudos de cabeceiras de drenagem na compreensão da geodinâmica e morfogênese da paisagem, explicitando, inclusive, que estes elementos são controladores da expansão das redes fluviais e dos fenômenos a ela subordinados (MONTGOMERY e DIETRICH, 1988). Por fim, espera-se que esta pesquisa tenha contribuído ao arcabouço literário da geomorfologia da região central de Minas Gerais, fornecendo elementos importantes ao estudo de um dos ambientes fluviocársticos mais expressivos do Brasil (KOHLER, 1989). 6. Referências Bibliográficas. ALKMIM, F.F.; MARTINS-NETO, M.A. A Bacia Intracratônica do São Francisco: arcabouço estrutural e cenários evolutivos. In: MARTINS-NETO, M.A.; PINTO, C.P. (Orgs.) A Bacia do São Francisco geologia e recursos naturais, SBG/MG, p. 9-30, 2001. ALMEIDA, F.F.M. O Cráton do São Francisco. Revista Brasileira de Geociências, v.7, p. 85-295, 1977. COELHO-NETTO, A L. Evolução de Cabeceiras de Drenagem no Médio Vale do Rio Paraíba do Sul (SP/RJ): Bases para um Modelo de Formação e Crescimento da Rede de Canais sob Controle Estrutural. Rev. Bras. Geomorfologia, vol. 4(2), p. 118-167, 2003. DAVIS W. M. O Ciclo Geográfico. São Paulo: Seleção de Textos: Davis & Martone. AGB 19. p:9-27, 1899. GREGORY, K. J. A Natureza da Geografia Física. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1992. HACK, J. T. Interpretation of erosional topography in Humid Temperate regions. American Journal of Science, 188, p 80-97, 1969. HUGGETT, R. J. Fundamentals of Geomorphology. Londres: Routledge, 2007. JAPSEN, P.; BONOW, J. M.; GREEN, P. F.; CHALMERS, J. A.; LIDMAR-BERGSTRÖM, K. Formation, uplift and dissection of planation surfaces at passive continental margins a new approach. Earth Surf. Process. Landforms 34, 683 699, 2009. KING, L.C. Geomorfologia do Brasil Oriental. Rev. Bras. Geog., vol. 18, n.2, pgs. 1-147, 1956. KOHLER, H. C. Geomorfologia cárstica na região de Lagoa Santa. Tese (Doutorado), Universidade de São Paulo, São Paulo, 1989. MAGALHÃES JR., A. P. Evolução da Dinâmica Fluvial Cenozóica do Alto-Médio Vale do Rio das Velhas na Região de Belo Horizonte. Dissertação (Geografia e Análise Ambiental). Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 1993. MONTGOMERY, D. R.; DIETRICH, W. E. Where do channels begin? Nature, v. 336, p. 232-234, 1988. 259

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