Ocupação humana na Amazônia: A articulação e o papel das localidades na rede urbana



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Nota Técnica n o 101/2005 SRC/ANEEL. Em 16 de setembro de 2005.

Transcrição:

07 Ocupação humana na Amazônia: A articulação e o papel das localidades na rede urbana Carolina Moutinho Duque de Pinho, Silvana Amaral, Maria Isabel Sobral Escada A dinâmica de ocupação humana na Amazônia recente, dentre várias características, destaca-se pelo processo de urbanização intenso que passou nos últimos 40 anos. O urbano Amazônico estende-se para além das cidades integrando também outras formas sócio-espaciais, as localidades - qualquer grupamento populacional, incluindo vilas, distritos, povoados, comunidades ribeirinhas etc- por meio de redes de transporte, financeiras e de informações insere-se na rede urbana Amazônica. Nesse trabalho propõe-se caracterizar a articulação das localidades com as cidades a partir da utilização de um conjunto de técnicas de análise de redes sociais aplicado à área de estudo das comunidades Ribeirinhas do Baixo Tapajós. A partir de dados coletados em campo em entrevistas com líderes comunitários foram analisadas seis redes: Educação, Posto de saúde, Hospital, Bens de Consumo, Produção, e Transportes. A partir da análise da estrutura destas redes concluiu-se que as linhas de transporte são de fundamental importância para a circulação de mercadorias e que nessas redes há uma hierarquização de centralidades, com algumas localidades emergindo como centros locais na região; que independentemente do nível de serviço é a distância que determina a escolha do hospital para os ribeirinhos e que as redes de educação e saúde são descentralizadas como é previsto pelo planejamento governamental. A dinâmica de mudança de uso e cobertura da terra pode ser melhor compreendida com o estudo da história recente de ocupação do território amazônico. Mesmo na Amazônia, a ocupação tem um caráter predominantemente urbano. A caracterização dos padrões sócio-espaciais desta ocupação constitui uma ferramenta importante para o planejamento territorial da região e políticas públicas para o seu desenvolvimento e conservação da biodiversidade e serviços ecossistêmicos. Atualmente classificar um lugar como urbano ou rural é uma tarefa complexa, pois os lugares podem assumir simultaneamente características 79

Pinho et al. e funções urbanas e rurais. Elementos característicos de ocupação rural, como por exemplo, a produção de hortaliças, podem ocorrer no perímetro urbano de cidades, assim elementos urbanos como indústrias e acesso à internet atualmente também podem ser encontrados em áreas rurais. Esta complexidade também se manifesta na Amazônia, só que com padrões de ocupação distintos dos observados em outras regiões do país. Na Amazônia - além da ocupação adensada em grandes cidades como observado em outras regiões do país, observa-se um padrão de ocupação mais difuso no qual pequenas localidades distantes das sedes municipais se articulam com as cidades da região a partir de redes de estradas, quase sempre muito precárias, e de rios. Assim, a ocupação na Amazônia é adensada em algumas cidades, é dispersa em um grande número de localidades, como comunidades ribeirinhas, assentamentos etc e articulada por estradas e rios 1. A complexa estrutura de ocupação da Amazônia impõe alguns desafios para o planejamento. Se grande parte da população vive a muitos quilômetros da sede do seu município, como planejar, priorizar políticas públicas que atendam localidades distantes a mais de 200, 300 km da sede do município? Onde construir uma nova escola ou posto de saúde em uma região de localidades ribeirinhas com acesso de transporte limitado à sede do município? Qual a localidade tem potencial de servir a um número maior de habitantes em localidades próximas? Estas são algumas das perguntas que o entendimento da ocupação urbana Amazônica pode ajudar a responder. O conceito de urbanização extensiva 2 se adequa bem à realidade amazônica, onde modos de vida urbanos podem ser identificados mesmo em áreas que seriam tradicionalmente classificadas como rurais. Nesta perspectiva, há diferentes formas sócio-espaciais dentro de um mesmo município que representam o urbano amazônico. Cidades (sede do município), comunidades ribeirinhas, agrovilas, projetos de assentamentos, reservas ambientais, reservas indígenas e até sede de fazendas, são exemplos de tipologias de ocupação do território que estão presentes nos municípios amazônicos 3. O entendimento da urbanização na Amazônia é ainda insipiente. Em parte, pela ausência de métodos adequados para endereçar as particularidades do urbano na região. A adoção do conceito de urbanização extensiva, incluindo sua proposição do local como foco de análise, abre a possibilidade de utilizar a rede urbana (Box 1) como instrumento de análise da ocupação humana na Amazônia. Para este estudo, aplicamos métodos derivados da análise de redes sociais para o estudo da articulação das localidades Amazônicas com as cidades da região como uma abordagem inovadora. Nesta nova abordagem caracterizamos as localidades e os fluxos 80

Ocupação humana na Amazônia BOX 1. REDES URBANAS Tradicionalmente, a rede urbana é definida como um conjunto articulado de cidades. Corrêa7, no entanto, introduziu uma maior flexibilidade para esta conceituação ao admitir espaços de diferentes naturezas em uma mesma rede urbana. No caso deste estudo as localidades podem ser inseridas na rede urbana como na figura abaixo. A rede urbana é definida pela existência de três características7: 1. A existência de uma economia de mercado na qual são realizadas trocas entre bens produzidos localmente e bens produzidos externamente; 2. A existência de pontos fixos no espaço, onde os negócios são definidos, mesmo que de modo não contínuo. Tais pontos tendem a concentrar atividades relacionadas a esses negócios, como comércio, serviço e atividades de produção industrial. Esses pontos também podem concentrar atividades de produção do setor primário. 3. A existência de uma articulação mínima entre os pontos da rede, articulação que se dá no âmbito da circulação da produção. Na rede urbana circulam pessoas, mercadorias, informação e dinheiro e cada um destes fluxos pode ser representado por uma rede diferente. Cada rede integra de maneira particular o mesmo conjunto de localidades e cidades. Assim, uma mesma localidade pode assumir posições diferentes em redes distintas, por exemplo, uma localidade com posto de saúde, pode assumir uma posição central, em uma rede que represente o fluxo de pessoas que se deslocam em busca de serviços básicos de saúde. Por outro lado, esta mesma localidade pode apresentar uma posição periférica na rede que representa a comercialização da produção de gado. 81

Pinho et al. entre elas e selecionamos um conjunto de técnicas de análise que permitiram a descrição da estrutura das diferentes redes observadas. Estas técnicas de análise foram aplicadas à área de estudo do Baixo Tapajós, uma das regiões da Amazônia com maior dinâmica populacional recente. As redes de acesso a Educação, Postos de saúde, Hospitais, Transporte, Bens de consumo e Produção foram analisadas para estabelecer conexões entre localidades e cidades. Analisando as redes dois padrões gerais de conexões muito distintos foram observados (Figura 1). O primeiro padrão refere-se às redes de Educação e Posto de Saúde (Figura 1A) que são menos densas e mais descentralizadas, com conexões se direcionando para cidades e localidades configurando sub -redes. O segundo padrão foi observado nas redes de Hospitais (Figura 1B), Transporte, Bens de Consumo e Produção que deram origem a redes mais densas, ou seja, com maior número de conexões, e centralizadas, concentrando dos deslocamentos em direção às cidades da região. REDES FRAGMENTADAS: EDUCAÇÃO E POSTOS DE SAÚDE O baixo grau de coesão é a característica mais marcante das redes de Educação e Postos de Saúde. Estas redes são caracterizadas pela ocorrência de sub-redes, ou componentes fracos (i.e. grupos de localidades conectadas entre si e desconectadas do restante do grupo). A estrutura dessas redes além de fragmentada é também descentralizada, confirmando a estratégia do planejamento governamental de descentralizar espacialmente os serviços de atenção básica de saúde e educação. Foram identificados centros locais que atendiam a outras localidades na vizinhança mais próxima, caracterizando principalmente deslocamentos de curta distância. Nestas redes, a maioria dos relacionamentos se dá entre as localidades. A rede de Posto de Saúde (Figura 1a) possui quatro sub-redes enquanto a de Educação possui sete. A primeira é mais coesa que a segunda devido ao menor número de comunidades servidas por posto de saúde do que por escola. REDES CENTRALIZADAS: HOSPITAIS, TRANSPORTES, BENS DE CONSUMO E PRODUÇÃO Enquanto Educação e Posto de Saúde apresentaram redes descentralizadas as demais redes tiveram comportamento oposto. Essa centralização teve a cidade como maior foco. No entanto, a cidade a que cada localidade se conectou, dependeu de critérios como proximidade e qualidade dos serviços oferecidos e variou de acordo com a rede em questão. Na rede de Hospitais (Figura 1b) os únicos pontos da rede que recebem conexões são as cidades, pois apenas 82

Ocupação humana na Amazônia (a) Postos de saúde Paraná do Moreira São Fco. Cach. do Americano Paraná Pixuna Nossa Sra. Aparecida Paraná-Mirim Ipaupixuna I Boim Vista Alegre do Muratuba Barreiras Santarenzinho Pauini Vista Alegre do Capixauã Ipiranga 2 Joarituba Suruacá Castanho Jaguarari Rurópolis Nova Vista Muratuba Nazaré Cametá Piquiatuba Independência II Nazaré (Belterra) Santarém Marai Lago do Pireira Pinhel Pedra Branca Pedreiro Itaituba Tauari Monte Cristo Escrivão Marituba Pini Belterra Itapaiúna Tumbira Prainha Cauçu-Epá Apacê Paraíso São Domingos Curitimbo Fordlândia Pindobal Brasília Legal Taquara Acaratinga Jutuarana Maguari Aveiro Uricurituba Jamaraquá Porto Novo Itapuama Cury-Teça Vista Alegre (Mucum) São Francisco do Godinho São Tomé (Lago do Araipá) Nova Esperança (Lago do Cupu) Santa Cruz Uruará Daniel de Carvalho Tavio (b) Hospitais Paraná do Moreira São Fco. Cach. do Americano Paraná Pixuna Nossa Sra. Aparecida Paraná-Mirim Ipaupixuna I Boim Vista Alegre do Muratuba Barreiras Santarenzinho Pauini Vista Alegre do Capixauã Ipiranga 2 Joarituba Suruacá Castanho Jaguarari Rurópolis Nova Vista Muratuba Nazaré (Rurópolis) Cametá Piquiatuba Independência II Nazaré (Belterra) Santarém Marai Lago do Pireira Pinhel Pedra Branca Pedreiro Itaituba Tauari Monte Cristo Escrivão Marituba Pini Belterra Itapaiúna Tumbira Prainha Cauçu-Epá Apacê Paraíso São Domingos Curitimbo Fordlândia Pindobal Brasília Legal Taquara Acaratinga Jutuarana Maguari Aveiro Uricurituba Jamaraquá Porto Novo Itapuama Cury-Teça Vista Alegre (Mucum) São Francisco do Godinho São Tomé (Lago do Araipá) Nova Esperança (Lago do Cupu) Santa Cruz Uruará Daniel de Carvalho Tavio Figura 1. Redes de acesso a (a) postos de saúde e (b) hospitais. As linhas representam conexões entre cidades (texto em vermelho) e localidades (texto em cinza). Cada região delimitada representa um município. Note que as conexões em qualquer uma das redes não respeitam limites municipais. 83

Pinho et al. elas possuem hospitais. O padrão de conexões dessa rede obedeceu mais fortemente aos critérios de proximidade espacial e facilidade de acesso. Os moradores das localidades, à procura de hospitais, deslocam-se para as cidades mais próximas e/ou mais acessíveis ao local de sua residência, mesmo que o hospital procurado não ofereça os melhores níveis de serviços. Assim ocorrem situações como a de Itaituba, a segunda cidade em nível de serviços que recebe o maior número de conexões desta rede mesmo possuindo indicadores de qualidade hospitalar muito inferiores à Santarém, a primeira cidade em nível de serviços. Isso porque pacientes de Itaituba, Rurópolis e Aveiro procuram preferencialmente hospitais em Itaituba. A rede de Transporte representa neste estudo uma aproximação das oportunidades e restrições de deslocamento às quais as localidades da região estão submetidas. Realizando-se a intersecção Hospital, Bens de Consumo e Produção, com valores de sobreposição variando entre 60 e 75% para estas redes (Figura 2). Para as redes de Educação e Posto de saúde essa sobreposição é da ordem de 50%. Esta diferença de padrão entre as redes é reflexo da natureza das redes. Nas últimas duas redes como os deslocamentos são mais curtos, boa parte deles é feito por meio de transporte próprio em rabetas, motos ou até mesmo a pé. Já para a compra, venda e deslocamento são realizados por meio de transporte de linha, o qual foi representado aqui pela rede de Transporte. Figura 2. Sobreposição entre a rede de Transporte e as demais redes. 84

Ocupação humana na Amazônia As redes de circulação de mercadorias (Bens de Consumo e Produção) são as mais centralizadas. Para elas foi possível observar padrões bastante claros de centralidade e dependência entre as localidades. Nessas redes a cidade é o destino preferencial das conexões, entretanto algumas localidades aparecem como centros locais sendo classificadas nas classes intermediárias do Índice de Conectividade (Box 2). Em outras palavras, apesar de ainda enviarem conexões a outros pontos das redes estas localidades já são pontos de referência de compras e venda de produção para algumas comunidades. Estas localidades com alguma centralidade aparecem em maior número na rede de Produção (Figura 3b) do que na rede de Bens de Consumo (Figura 3a), onde observa-se que apenas as cidades são exclusivamente destinatárias (Figura 3a). Nessa rede (Figura3a) as cinco localidades que são destino de compras possuem padrões diferentes de conexão. Brasília Legal, categorizada como predominantemente destinatária é a localidade que mais se destaca, pois polariza as compras de três localidades vizinhas e conecta-se a Itaituba e Santarém, os dois centros de compra mais importantes da Região. Boim, Barreiras e Nazaré (Belterra) estão na classe equilibrada. Elas recebem apenas uma conexão, proveniente de localidades próximas e enviam também apenas uma conexão, de saída para a cidade mais próxima. Fordlândia é predominantemente remetente recebendo conexões de Uricurituba e recorrendo a Santarém e Aveiro para compras. Na rede de Produção (Figura 3b), Rurópolis aparece inusitadamente como um ponto conectado. Este fato é explicado pelo papel de Fordlândia, que integra as demais localidades predominantemente remetentes e exporta seus produtos para todas as cidades da região, inclusive para Rurópolis, por via terrestre. As demais localidades predominantemente remetentes recebem produção de uma localidade vizinha e enviam para Santarém e Aveiro. Enquanto na rede de Bens de consumo as localidades predominantemente remetentes apenas enviavam e recebiam uma única conexão, na rede de Produção (Figura 3b) as localidades desta classe vendem seus produtos para mais de um destino. Barreiras e Brasília Legal se configuram como preferencialmente destinatárias na rede de Produção, sendo destaque nesta rede. Barreiras exporta sua produção para Itaituba e recebe produtos de duas localidades. E Brasília Legal além de vender seus produtos para Itaituba e Santarém recebe a produção de cinco localidades diferentes, estabelecendo-se como uma localidade central nas redes de circulação de mercadorias. Brasília Legal possui um dos maiores rebanhos bovino das localidades estudadas e recebe gado de corte de outras cinco localidades. O volume de comercialização de gado é pequeno e intermitente, os morado- 85

Pinho et al. BOX 2. CENTRALIDADE EM FUNÇÃO DO ÍNDICE DE CONECTIVIDADE (IC) O padrão de relacionamento entre localidades pode definir a centralidade de cada ponto. Essa centralidade pode ser hierarquizada por meio do Índice de Conectividade (Ic) 8 que é baseado na quantificação do número de conexões enviadas e recebidas pelos pontos das redes. Segundo o Ic as localidades podem ser classificadas em seis categorias: Isoladas: Não se conectam a outras localidades, acessando ou oferecendo produtos, serviços ou infraestrutura; Exclusivamente remetentes: Só enviam conexões, são localidades totalmente dependentes de outras localidades e/ou cidades. Predominantemente remetentes: Recebem algumas conexões mas predominantemente enviam conexões a outros pontos da rede. São localidades ainda dependentes de outros pontos da rede mas em um grau menor. Equilibradas: Possuem enviam e recebem a mesma quantidade de conexões, ou seja, utilizam uma quantidade de produtos, serviços ou infraestrutura igual a que oferecem a outras localidades. Predominantemente destinatárias: Enviam algumas conexões, mas predominantemente recebem conexões. Oferecem uma quantidade maior de produtos, serviços ou infraestrutura do que utilizam de outras localidades e/ou cidades. Exclusivamente destinatárias: Só recebem conexões, são localidades ou cidades que são independentes dos outros pontos da rede e que ao mesmo tempo oferecem melhores serviços públicos e condições de comercialização de mercadorias e transportes, centralizando as relações das redes. A aplicação desta categorização à redes geográficas, como as deste estudo, permite a hierarquização das localidades em uma escala que se inicia em localidades exclusivamente remetentes (i.e localidades que são completamente dependentes de serviços e comercialização de mercadorias) até o extremo da escala que são as localidades exclusivamente destinatárias (localidades e ou cidades com grande nível de centralização de serviços e comercialização de mercadorias e que são independentes das demais). Entre estes dois extremos, três classes definem centralidades com graus de dependência variados. 86

Ocupação humana na Amazônia Porto Novo Rurópolis Jamaraquá Monte Cristo Pedreiro São Domingos Marituba Santarenzinho Nazaré (Rurópolis) Lago do Pireira Ipiranga 2 Belterra Santa Cruz Taquara Jaguarari Pindobal Marai Maguari Acaratinga Tauari Jutuarana Cametá Paraíso Apacê Escrivão Pinhel Daniel de Carvalho Cury-Teça Paraná-Mirim Castanho Brasília Legal Itaituba Curitimbo Aveiro São Tomé (Lago do Araipá) Itapuama Uruará Nazaré (Belterra) Santarém Tumbira Itapaiúna Piquiatuba Uricurituba Pini Cauçu-Epá Pauini Barreiras Ipaupixuna I Pedra Branca Independência II Nossa Sra. Aparecida São Fco. Cach. do Americano Paraná do Moreira Prainha (a) Bens de consumo Vista Alegre do Muratuba Nova Vista Muratuba Vista Alegre (Mucum) Suruacá São Francisco do Godinho Nova Esperança (Lago do Cupu) Vista Alegre do Capixauã Boim Paraná Pixuna Joarituba Fordlândia Tavio Porto Novo Rurópolis Belterra Jamaraquá Monte Cristo Pedreiro São Domingos Marituba Santarenzinho Nazaré (Rurópolis) Lago do Pireira Ipiranga 2 Santa Cruz Taquara Jaguarari Pindobal Marai Maguari Acaratinga Tauari Jutuarana Cametá Paraíso Apacê Escrivão Pinhel Brasília Legal Daniel de Carvalho Cury-Teça Paraná-Mirim Castanho Curitimbo Itaituba Aveiro São Tomé (Lago do Araipá) Itapuama Uruará Santarém Nazaré (Belterra) Tumbira Itapaiúna Piquiatuba Uricurituba Pini Cauçu-Epá Pauini Barreiras Ipaupixuna I Pedra Branca Independência II Nossa Sra. Aparecida São Fco. Cach. do Americano Paraná do Moreira Prainha Vista Alegre do Muratuba Nova Vista Muratuba Vista Alegre (Mucum) Suruacá São Francisco do Godinho Nova Esperança (Lago do Cupu) Vista Alegre do Capixauã Boim Paraná Pixuna Joarituba (b) Produção Fordlândia Tavio Isolado Excl. Remetente Predom. Remetente Equilibrado Predom. Destinatário Excl. Destinatário Figura 3. Categorização das localidades e cidades segundo Índice de conexão para as redes de (a) Bens de Consumo e (b) Produção. 87

Pinho et al. res das localidades criam gado como uma espécie de poupança e só vendem o quando estão em dificuldades financeiras. Mesmo que sem um fluxo constante, Brasília Legal constitui-se em um centro local de escoamento da produção vendendo gado para Itaituba e Santarém. DIMENSÕES DO ESPAÇO URBANO NA AMAZÔNIA Estudos anteriores discutiram o papel das localidades mas partiam do pressuposto que estas eram um dos estágios de evolução para a formação de cidades 4,5. A localidade era entendida como uma futura cidade, tanto em um modelo teórico de transição rural-urbano 6 quanto em um modelo de ocupação com características urbanas 5. Diferentemente, este trabalho pressupõe um olhar para as localidades como parte integrante de uma rede urbana local que pode ser analisada a partir das diferentes redes de circulação de pessoas e mercadorias. O estudo da estrutura destas redes e da posição relativa das localidades em cada uma destas redes permitiu identificar as restrições e oportunidades que o tecido urbano local oferece a cada localidade. Neste contexto pode-se utilizar a análise como subsídio ao planejamento governamental para priorizar ações nos pontos mais vulneráveis das redes. RECOMENDAÇÕES A relação entre transporte e existência de conexão foi analisada a partir da simples interseção de redes. Recomenda-se que para trabalhos futuros seja realizado um teste estatístico para verificar se há tendência de multiplicidade de relações, ou seja, para verificar qual a probabilidade real de dois tipos de conexões acontecerem conjuntamente em uma rede 6. No presente estudo avaliaram-se as redes apenas sob a perspectiva das localidades. Seria interessante avaliar melhor o papel das cidades nas redes de localidades. Recomenda-se assim que em estudos futuros seja realizada coleta de dados nas cidades para verificar se há padrões de conexões partindo destas para as localidades. Não existem dados disponíveis por localidade nas bases do IBGE e nem em outras bases oficiais de dados do governo, como Ministério da Saúde e Educação. Na Amazônia, onde as informações por município são insuficientes para o entendimento do processo de urbanização estes dados precisam ser coletados por meio de trabalhos de campo em entrevistas a informantes chaves e representantes das lideranças locais, o que resulta em custos altos em planejamento, passagem, combustível, equipe etc. Seria interessante um esforço governamental para disponibilizar os dados no nível de localidade, uma vez que os dados são coletados, apenas não organizam e nem disponibilizam as informações nesse nível. 88

Ocupação humana na Amazônia REFERÊNCIAS 1. CORRÊA, R L (2006). In: Estudos Sobre Rede Urbana 336 2. MONTE-MÓR, R L (2004).A Relação Urbano-Rural no Brasil Contemporâneo. II Semin. Int. sobre Desenvolv. Reg. 3. CARDOSO, A C D & LIMA, J J F de. Tipologias e Padrões de Ocupação Urbana na Amazônia Oriental: pra que e para quem? In: CARDOSO, A. C. D. (Ed). O Rural e o Urbano na Amaz. Difer. olhares em Perspect. Belém: EDUFPA, 2006 p. 215 4. BECKER, B K (1978).Uma Hipótese sobre a Origem do Fenômeno Urbano numa Fronteira de Recursos no Brasil. Rev. Bras. Geogr. 40, 160 184 5. GUEDES, G, COSTA, S & BRON- DÍZIO, E (2009). Revisiting the hierarchy of urban areas in the Brazilian Amazon: a multilevel approach. Popul. Environ. 30, 159 192 6. SKVORETZ, J & AGNEESSENS, F (2007). Reciprocity, Multiplexity, and Exchange: Measures. Qual. Quant. 41, 341 357 7. CORRÊA, R L. A Rede Urbana. (Editora Ática, 1994). SOBRE AS AUTORAS Carolina Moutinho Duque de Pinho é Geógrafa, (UFRJ), mestre e doutora em Sensoriamento Remoto (INPE). Áreas de interesse em urbanização da Amazônia, geografia urbana e planejamento e gestão territorial com o subsídio de geotecnologias. Silvana Amaral é ecóloga, (UNES- P-RC), mestre em Sensoriamento remoto (INPE), e doutora em Informação Espacial (POLI-USP). Área de interesse em biodiversidade e ocupação humana na Amazônia Brasileira, por sensoriamento remoto, geoinformação e modelagem ambiental. Maria Isabel Sobral Escada Ecóloga doutorado em sensoriamento remoto. Área de interesse em geotecnologias, Ecologia da paisagem, Padrões espaço temporais de uso e cobertura da terra, Uso de recursos e serviços ecossistêmicos, Monitoramento de florestas. 89

Pinho et al. PARA SABER MAIS SOBRE O ASSUNTO Publicações AMARAL, S, ANDRADE, P R, ESCADA, M I S, ANDRADE, P R, ALVES, P A, PINHEIRO, T F, PINHO, C M D, MEDEIROS, L C C, SAITO, É A, RABE- LO, T N. Da canoa à rabeta: estrutura e conexão das comunidades ribeirinhas no Tapajós (PA). Pesquisa de Campo Jun/Jul de 2009. São José dos Campos: INPE, 2009. 30 p. (INPE-16574-RPQ/827). Disponível em: <http://urlib.net/8jmkd- 3MGP8W/3637K42>. ESCADA, M I S, DAL ASTA, A P, SOARES, F R, ANDRADE, P R, PINHO, C M D, MEDEIROS, L C C, CAMILOTTI, V L, DOS SANTOS, J N A, FER- REIRA, V C, AMARAL, S. Infraestrutura, serviços e conectividade das comunidades ribeirinhas do Arapiuns, PA. São José dos Campos: INPE, 2013. 121 p. (sid.inpe.br/mtc-m19/2013/04.29.14.32-rpq). Disponível em: <http://urlib. net/8jmkd3mgp7w/3e2nf9p>. PINHO, C M D de. Analise das redes de localidades ribeirinhas amazônicas no tecido urbano estendido: uma contribuição metodológica. Doutorado em Sensoriamento Remoto. Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais. INPE. São José dos Capos SP. 156p. (2012). Disponível em: <sid.inpe.br/mtc-m19/2012/04.19.04.13- TDI> Disponibilidade de dados Registros fotográficos georreferenciados das expedições de campo estão disponíveis em http://www.obt.inpe.br/fototeca/fototeca.html Os dados e mapas produzidos por este estudo podem ser consultados no site do projeto: http://cenariosamazonia.inpa.gov.br 90