A ENFERMARIA MILITAR DE JAGUARÃO (RS) E A CONSTRUÇÃO DO CENTRO DE INTERPRETAÇÃO DO PAMPA: UMA PROPOSTA DE MODIFICAÇÃO DO ESPAÇO FÍSICO.

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Transcrição:

A ENFERMARIA MILITAR DE JAGUARÃO (RS) E A CONSTRUÇÃO DO CENTRO DE INTERPRETAÇÃO DO PAMPA: UMA PROPOSTA DE MODIFICAÇÃO DO ESPAÇO FÍSICO. Alexandre dos Santos Villas Bôas Júlio Ricardo Quevedo dos Santos O presente trabalho tem por objetivo analisar o projeto de criação do Centro de Interpretação do Pampa (CIP), na cidade de Jaguarão (RS), onde utilizará como espaço físico o prédio em ruínas da antiga enfermaria militar construído em 1883 em estilo neoclássico, focando a modificação do espaço físico através de uma proposta arquitetônica pós-moderna. Patrimônio- Arquitetura- História O Centro de Interpretação do Pampa 1 (CIP) é um órgão complementar da Universidade Federal do Pampa 2 (UNIPAMPA), localizado na cidade de Jaguarão RS, e está sendo construído no local onde se encontra as ruínas de uma antiga enfermaria militar datada do final do século XIX, a qual foi tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), no ano de 2011. Figura 1 Vista Frontal das ruínas da antiga enfermaria militar Foto: Helyna Dewes. 1 O termo Pampa foi cunhado no idioma indígena quéchua, em tempos pré-colombianos, e significa região plana. Essa denominação estava ligada às paisagens de extensas planícies com topografia suave ou levemente ondulada, cobertas por vegetação baixa, predominante em uma área de clima temperado que se estende a partir da patagônia argentina, em seu limite sul, até as encostas do planalto sul - brasileiro no Rio Grande do Sul, em seu limite norte. No Brasil, o Bioma Pampa possui uma área de 178.243Km2 e está restrito ao Rio Grande do Sul, ocupando cerca de 63% do Estado e 2% do Brasil (Ribeiro, Maria de Fátima Bento. Melo, Alan Dutra de, 2011, pág. 10). 2 Criada pela lei 11.640/08 com atuação em 10 campi da fronteira oeste do Rio Grande do Sul.

A finalidade do CIP será a de agregar as funções de museu, centro de pesquisa e cultura, com exposições sobre a temática do bioma pampa, desde sua formação geológica até a sua ocupação humana, além de anfiteatro a céu aberto e auditório subterrâneo. Sua idealização foi feita pela Prefeitura Municipal de Jaguarão e viabilizada numa parceria entre a UNIPAMPA e o IPHAN, com recursos do Programa de aceleração do crescimento (PAC) cidades históricas. Atualmente o projeto está em fase de obras, com a consolidação das ruínas da antiga enfermaria militar e construção do prédio administrativo, sendo prevista a conclusão em dois anos desse importante aparelho cultural que será referência internacional. Figura 2 Projeto proposto. Brasil Arquitetura, 2009.

1 A CIDADE DE JAGUARÃO E A ENFERMARIA MILITAR A cidade de Jaguarão localiza-se no extremo sul do país, na fronteira com o Uruguai, a cerca de 380 km de Porto Alegre. Essa cidade originou-se de um acampamento militar 3 no ano de 1802, quando das constantes disputas entre Portugal e Espanha pela região do rio da Prata. O local tornou-se um importante centro de trocas entre uruguaios e brasileiros, com um comércio fronteiriço baseado na pecuária e agricultura, sendo fornecedor de matéria-prima para as charqueadas da cidade de Pelotas e posteriormente para os frigoríficos de multinacionais que se instalaram no Rio Grande do Sul no início do século XX, o que constituiu uma elite latifundiária que aplicou o excedente de capital em construções luxuosas. Desde muito cedo, as comunidades dos dois lados da linha divisória tenderam a prática de uma economia solidária e complementar, que as barreiras fiscais jamais conseguiram disciplinar. O famigerado contrabando, hostilizado pelos governos (nem sempre com muita sinceridade e coerência) e combatido pelas praças comerciais que ele prejudicava, sobreviveu a todas as perseguições (FRANCO, 2001, pág. 18). Por ser uma região de conflitos, a cidade de Jaguarão sempre teve importante efetivo militar, demandando uma estrutura de apoio como quartel e hospital. Nesse sentido, no final do século XIX foi erguido um hospital militar que ficou mais conhecido como enfermaria militar 4, apesar de seu porte e pessoal médico envolvido. Ponto de passagem de exércitos em trânsito, foco de incipientes charqueadas, entreposto comercial à beira da fronteira móvel de duas nações em gestação, a Guarda do Cerrito não poderia ter sido uma idílica aldeia camponesa, obediente ao sino da igreja e aos sermões do vigário. Era certamente um lugar de vida aventurosa, sujeita não somente aos respingos das refregas guerreiras, como ao impacto das ambições desatadas entre toda a espécie de pioneiros que se instalavam junto à fronteira (FRANCO, 2001, pág. 39). 3 Sabemos, através de inequívocos documentos, que a Guarda do Cerrito, origem primeira da cidade de Jaguarão, foi estabelecida pelo Coronel Manoel Marques de Souza entre 4 e 10 de fevereiro de 1802, com a força aproximada de 260 homens que acabavam de participar da expedição contra Cerro Largo. Franco, 2001, pág.33. 4 O prédio da enfermaria militar teve sua construção iniciada em 1880 e finalizada em 1881, sendo a construção dirigida pelo Capitão Carlos Soares, por ordem do Ministro da Guerra, Visconde de Pelotas. Este local servia de atendimento médico para os militares do 3º Batalhão de Infantaria Pesada, estacionado em Jaguarão (disponível em www. http://porteiras.r.unipampa.edu.br/portais/cip/historico/).

O prédio foi construído em estilo neoclássico e contava com quartos para oficiais, capela, necrotério, farmácia, alojamento para soldados e pátio interno, bem como depósito subterrâneo para mantimentos. Sua lógica seguia os projetos urbanísticos relacionados ao conceito sanitário vigente á época, ou seja, construções com porão de ventilação, grandes aberturas e pátio interno. A sua localização distante da cidade e numa elevação em que se tinha uma visão panorâmica foi importante para torná-la um marco para o imaginário da população local e alvo de inúmeras histórias e lendas, que passaram de geração em geração, constituindo um referencial de edificação e identidade. Sua importância para uma cidade do interior, periférica em relação a capital e carente de estruturas públicas foi enorme, visto que além de cuidar dos doentes também serviu como escola e local de instrução aos soldados que realizavam o serviço militar obrigatório. No final dos anos sessenta do século XX, houve a transferência da unidade militar estacionada em Jaguarão, ocasionando o abandono das instalações da enfermaria militar, que jogada a própria sorte foi depredada e transformou-se em ruínas que denotavam uma antiguidade não compatível com sua verdadeira idade. As ruínas a partir de então, serviram de abrigo a pessoas marginalizadas na sociedade, bem como local de visitação esporádica de viajantes que curiosos com a imponência das ruínas, tentavam decifrar o que ocorrera para ter chegado aquele estado. Em suas paredes foram feitas diversas inscrições de quem por lá passou, vestígios deixados na pedra onde outrora muitos sofrimentos testemunharam. Hoje em dia não há morador da cidade que não tenha uma história para contar relacionado ao prédio da enfermaria militar de Jaguarão, uma lenda que conheça de seus pais ou avós e sinta aquele patrimônio como algo inerente a comunidade e de valor afetivo inestimável, símbolo mesmo de parte da história da população jaguarense.

2 HISTÓRICO DO ARQUITETO IDEALIZADOR DO PROJETO DO CENTRO DE INTERPRETAÇÃO DO PAMPA Marcelo Ferraz nasceu na cidade de Carmo Minas Gerais no ano de 1955 e graduou-se em Arquitetura pela Universidade de São Paulo (USP) no ano de 1978. Ainda no ano de 1977 faz estágio com a arquiteta Lina Bo Bardi quando da construção da sede do Serviço Social do Comércio (SESC), conhecido como Fábrica Pompéia. Em 1979 funda o escritório Brasil Arquitetura S/C Ltda., com os arquitetos Francisco de Paiva Fanucci e Marcelo Suzuki, onde realiza projetos para os mais diversos fins. Entre os anos de 1986 a 1990 realiza com os arquitetos Lina Bo Bardi e Marcelo Suzuki, projeto de revitalização e recuperação do Centro Histórico de Salvador e em 1991, juntamente com os arquitetos Lina Bo Bardi, André Vainer e Marcelo Suzuki, o projeto para a nova sede da Prefeitura do Município de São Paulo, no Parque Dom Pedro II. No ano de 1994 exerce atividade didática como professor da disciplina de Projeto no curso de Arquitetura da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Bráz Cubas, Mogi das Cruzes. Em 1997 obtém o 1 º lugar no concurso internacional de projetos para recaracterização do Bairro Amarelo, em Hellersdorf, Berlim, e em 1999 é curador das exposições Mies van der Rohe e P.M. Bardi e a Arquitetura, na IV Bienal Internacional de Arquitetura de São Paulo. Em 2003 e 2004 coordena o Programa Monumenta (Ministério da Cultura) para recuperação dos sítios históricos urbanos em todo o país, e em 2006 exerce atividade didática como professor convidado Ruth and Norman Moore Visiting professor da Universidade de Washington, em Sant Louis, EUA. Em 2007 é vencedor da Exposição Geral de Arquitetos, da VII BIA - Bienal Internacional de Arquitetura de São Paulo com o projeto Museu Rodin Bahia..

3 ANÁLISE DO PROJETO DO CENTRO DE INTERPRETAÇÃO DO PAMPA O projeto do Centro de Interpretação do Pampa é tributário da tendência que podemos denominar de regionalismo crítico, preocupada em integrar o projeto arquitetônico as características geográficas e culturais da região em que está inserida. Segue a tradição da arquitetura moderna, mas desvincula-se do dogmatismo inicial do movimento modernista, utilizando seus postulados e moldando-os ao local. O termo Regionalismo crítico não pretende denotar o vernáculo do modo como este foi, outrora, produzido espontaneamente pela interação combinada de clima, cultura, mito e artesanato, mas antes pretende identificar as escolas regionais recentes, cujo objetivo principal tem sido refletir os limitados elementos constitutivos nos quais se basearam e servir a eles (FRAMPTON, 2012, p.381). A valorização da cultura local como elemento norteador do projeto arquitetônico do CIP, foi o eixo central proposto pelo arquiteto Marcelo Ferraz na constituição dos elementos tanto externos como também internos, presente também na concepção da exposição museológica. Baseado em dados históricos e culturais, desenvolve um percurso para o visitante imergir na temática do pampa gaúcho, sua motivação básica. Pode-se afirmar que o regionalismo crítico é regional na medida em que invariavelmente enfatiza certos fatores específicos do lugar, que variam desde a topografia, vista como uma matriz tridimensional à qual a estrutura se amolda até o jogo variado da luz local que sobre ela incide (FRAMPTON, 2012, p.396). Por outro lado, por se tratar de um projeto que privilegia a cultura local, tem também inserção no que se pode chamar de forma cívica, ou seja, o espaço público como lugar de convívio e expressão de poder da sociedade, a capacidade de aglutinação da cultura local tendo ares de sacralidade. Ciriane caracterizou de muito perceptiva a genealogia mista do museu como tipo na trajetória do movimento moderno: Os museus, como as igrejas, criam uma expectativa no público mais amplo. Espera-se que o projeto seja uma obra de arquitetura, e o arquiteto tem permissão para expressar-se com mais liberdade (FRAMPTON, 2012, p. 462). Os compartimentos internos à edificação segue uma lógica determinada de imersão na temática do pampa gaúcho a começar pela sala de recepção e

acolhimento contendo dois marcos de pedra, utilizados na fronteira com o Uruguai, a seguir, o corredor de pedra que leva para o auditório subterrâneo. Exposto em suas paredes, vitrines e estruturas de apoio iluminadas com variados aspectos da vida e cultura do pampa e ao fundo um som de vento simulando o vento Minuano. O auditório subterrâneo será de formato irregular, com projeção de imagens sobre a história e cultura local, introduzindo o expectador na singularidade da região do pampa. Retornando do auditório ao nível do museu, temos um corredor com mapas mostrando a localização geográfica da região do pampa. Ao término do corredor se chega a uma sala escura denominada de sala de arqueologia, contendo artefatos indígenas encontrados na região com iluminação focada. Saindo da sala da arqueologia, adentra-se um pavilhão denominado de salão da cultura, subdividido em várias seções interligadas pela ideia de demonstrar as características da população que habita o pampa. A primeira seção se chama sala da genética, circunscrita por uma cortina de fios plásticos de aspecto moderno e tecnológico, tendo ao centro uma mesa redonda e do teto pairando uma luminária com aspecto helicoidal simulando o DNA. Depois da sala da genética, entra-se na galeria do pampa, com espaços delimitados com nomes como a vida gaúcha, com vitrines de diferentes dimensões mostrando peças e símbolos referentes ao mundo do gaúcho. Outro espaço é chamado de lendas e histórias gaúchas onde terá um nicho com um lugar para sentar onde o visitante poderá assistir audiovisuais variados sobre lendas e histórias gaúchas e em outro nicho terá como mote as lendas indígenas no mesmo sistema de projeção audiovisual. No final do salão da cultura, haverá uma sala isolada chamada de poetas do pampa, dedicada a literatura e a música do pampa, onde o visitante poderá sentar-se em bancos para ouvir uma seleção de trechos clássicos da prosa e poesia gauchescas. Continuando o percurso dentro da edificação que era as ruínas de uma enfermaria militar e será um museu do pampa, chegamos a salas individuais com temáticas diferenciadas. A primeira delas é a sala da natureza, onde

haverá uma grande mesa circular estampada com a paisagem do pampa, aparentemente deserta, sobre a paisagem haverá botões que ao ser acionados disparam sons típicos de animais da região e na parede será projetada a imagem do animal. Na sala seguinte, as janelas estarão abertas a paisagem e vitrines mostrarão a biodiversidade da região do pampa. Quase terminando o percurso no interior da edificação, chegamos ao memorial da enfermaria militar, dividido em dois ambientes, um com as janelas vedadas e com bancos para o visitante diante de uma tela ver e ouvir cidadãos jaguarenses contar histórias sobre a enfermaria militar e no outro ambiente, as janelas estarão abertas onde uma linha do tempo contará de forma sucinta a história da enfermaria no contexto da cidade e região. Ao término dos compartimentos internos, temos duas salas, uma escura com projeção de audiovisual sobre guerras e conflitos históricos no pampa e sobre a criação de uma nova identidade supranacional e na última sala terá vitrines com relíquias dos antigos conflitos e também jogos interativos cujo tema central é a vida na fronteira. Figura 3 Vista Geral do Projeto. Brasil Arquitetura, 2009.

CONSIDERAÇÕES FINAIS A revitalização de uma edificação envolve aspectos que vão além do estrutural, abarcando o imaginário e a cultura imanentes na comunidade que utilizou e utiliza o prédio, com seus diversos usos ao longo do tempo, mesmo que seja como ruína. A enfermaria militar de Jaguarão, obra de arquitetos do século XIX destinada a um fim relacionado à saúde, adquiriu importância pela imponência de sua construção, em uma região de escassez de locais públicos destinados ao convívio da comunidade diferente da elite latifundiária. As linhas de estilo neoclássico evidenciavam a intenção de marcar a civilização ocidental em uma região inóspita e tipicamente rural, ao mesmo tempo em que atendia a pacientes das camadas mais humildes, que naqueles tempos serviam ao exército e participavam de combates na defesa da fronteira do pampa gaúcho. O espaço físico moldado pelo homem, artificialmente modificado, impondo a vontade de arquitetos e criando um espaço de convivência e enlaçamento de raízes de identificação na comunidade local. Passado mais de um século, a retomada do espaço físico com concepções pós- modernas de arquitetura, pretende que um novo uso se faça do local, que a comunidade se aproprie da nova identidade e que novamente a paisagem seja modificada pela vontade do homem, na tentativa de criar um espaço de convivência. O projeto do CIP vem ao encontro dessa premissa, conjugando a teoria do regionalismo crítico com preceitos do modernismo na arquitetura, valorizando a cultura e a topografia local e dinamizando os usos da edificação ora proposta. O presente artigo pretendeu mostrar a história do prédio e da cidade como forma de subsidiar a análise do projeto de revitalização de uma construção de estilo neoclássico e também falar um pouco da biografia do arquiteto responsável, para que a compreensão da obra de tal complexidade não se perca em apenas detalhar os pressupostos arquitetônicos, mas que a visão de sua historicidade possa servir de base para a apropriação do novo uso do espaço físico.

REFERÊNCIAS BRASIL ARQUITETURA. Concepção e Fundamentação das Bases Museológicas e Museográficas. Brasil Arquitetura, São Paulo, 2010. FRANCO, Sérgio da Costa. Gente e coisas da Fronteira Sul: ensaios históricos. Porto Alegre: Sulina, 2001. FRAMPTON, Kenneth. História Crítica da arquitetura moderna. Tradução de Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 2012. RIBEIRO, Maria de Fátima Bento. MELO, Alan Dutra de. Centro de Interpretação do Pampa em Jaguarão: Rio Grande do Sul Brasil. Rio de Janeiro: UFRJ/FAU/PROARQ, 2011. SITE BRASIL ARQUITETURA. www.brasilarquitetura.com acessado em 12/06/2012. SITE DO CENTRO DE INTERPRETAÇÃO DO PAMPA. www. http://porteiras.r.unipampa.edu.br/portais/cip/historico acessado em 12/06/2012.