VULNERABILIDADE DOS COMANDANTES MILITARES DIANTE DO CÓDIGO DE ÉTICA E DISCIPLINA DOS MILITARES DE MINAS GERAIS. Resumo

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Transcrição:

1 VULNERABILIDADE DOS COMANDANTES MILITARES DIANTE DO CÓDIGO DE ÉTICA E DISCIPLINA DOS MILITARES DE MINAS GERAIS Bruno Simpson de Paula* Edson Tenório Gonçalves Filho** Resumo Em 19 de junho de 2002, foi publicada a Lei nº 14.310, instituindo o Código de Ética e Disciplina dos Militares do Estado de Minas Gerais (CEDM), época de grande comoção ainda em razão da greve da Polícia Militar de Minas Gerais (PMMG) ocorrida em 1997. Assim, CEDM constitui o novo ordenamento disciplinar da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros Militar, revogando o Regulamento Disciplinar da Polícia Militar, aprovado pelo Decreto n o 23.085, então m vigor desde 10 de outubro de 1983. A mudança visava a atender tanto a Polícia Militar quanto o Corpo de Bombeiros Militar, este criado após a greve de 1997 e que recepcionou os militantes anistiados em razão daquele movimento hostil. No caso, para uns foi um duro golpe na disciplina e na hierarquia militares, enquanto para outros foi um avanço na valorização dos policiais militares mineiros. Na verdade, à falta de um consenso entre essas correntes, não ainda se chegou a um acordo sobre as mudanças introduzidas, mormente quanto à extinção das penas disciplinares de detenção e prisão, residindo aí o maior conflito, eis que não se admite, em tese, a higidez de um regime militar em essência sem que os Comandantes disponham da força para controlar a força. Confundiu-se, naquela época, a inconstitucionalidade que poderia viciar os regulamentos impostos por decretos, cujo mérito a Supremo Tribunal Federal ainda não julgou, com a constitucionalidade das punições que foram recepcionadas pela Constituição Federal de 1988, entre elas a prisão e a detenção. PALAVRAS-CHAVE: Regulamento Disciplinar. Código de Ética. Instituição Militar. Hierarquia e Disciplina. Prisão. Detenção. Direitos Constitucionais. * ** Graduando do Curso de Graduação em Direito da Universidade Presidente Antônio Carlos UNIPAC/ Barbacena-MG. E-mail: simpson.pmmg@hotmail.com. Advogado. Mestre em Direito Público, Estado e Cidadania pela Universidade Gama Filho. Professor Titular do Curso de Direito Administrativo da Universidade Presidente Antônio Carlos UNIPAC Barbacena/MG.

2 1 Introdução Em 1997, ocorreu um levante dos policiais militares do Estado de Minas Gerais, cuja repercussão assombrou o país, manchando irreversivelmente o nome da Polícia Militar de Minas Gerais (PMMG), cuja tradição bissecular se sustenta na hierarquia e disciplina, princípios institucionais que são os baluartes de qualquer organização militar. No calor da crise, indubitavelmente mal gerenciada por todos que sobre ela tinham responsabilidades, um gesto político pode ter passado despercebido para a sociedade: a criação do Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais (CBMMG), cujo objetivo não foi outro senão abrigar as centenas de militares anistiados daquele movimento que a PMMG não aceitava nas suas fileiras. Assim, criada outra instituição militar no Estado, havia urgência na edição de um regulamento disciplinar que atendesse a ambas, estando aí a motivação política da criação do Código de Ética e Disciplina dos Policiais Militares de Minas Gerais (CEDM), instituído pela Lei nº 14.310, de 19/06/2002, com vacatio legis de 45 dias, portanto, com entrada em vigor no dia 02/08/2002. Não obstante as discussões que antecederam o envio do projeto de lei à Assembleia Legislativa de Minas Gerais, em regime de urgência discussão essa durou apenas 45 dias para assunto tão delicado, certo é que muitas propostas foram ignoradas e outras tantas prejudicadas, resultando na conversão em lei de um projeto muito emendado, o que ensejou a edição de vários atos normativos pelo Comando da PMMG para uniformização de procedimentos, bem como de súmulas por parte do Tribunal de Justiça Militar de Minas Gerais (TJMMG). No afã de primar pela valorização profissional dos militares estaduais afastou-se do ordenamento disciplinar as penas disciplinares de detenção e prisão, numa inusitada, ímpar e temerária providência, incluindo, em contrapartida, a pena de suspensão de até dez dias, com danos maiores ao servidor e à sua própria família, subtraindo das mãos dos Comandantes o poder de aplicar imediatamente sanções administrativas privativas de liberdade ante a prática de transgressões disciplinares graves que não configurem crime militar, necessárias à correção de homens que servem a uma polícia militar armada, sustentada nos pilares da hierarquia e da disciplina.

3 2 Constitucionalidade da prisão e da detenção disciplinares Uma das discussões que se arrastavam era a de que a prisão e a detenção militares, penas disciplinares em todos os regulamentos disciplinares castrenses, exceto no CEDM, constituía afronta à dignidade do policial militar, funcionando como arma poderosa para que comandantes inábeis delas fizessem uso para denegrir a imagem de seus subordinados e/ou impingir castigos exacerbados para os mais insolentes. Afastando a paixão e trazendo a questão para um debate isento, é público e notório que as penas disciplinares são aplicadas depois do devido processo legal, sob o crivo do contraditório e ampla defesa, sendo que para aquelas imposta de imediato, como a prisão e detenção disciplinares, o respectivo ato gravoso pode ser submetido ao controle judicial quanto à sua forma. E atacando mais a manifestação inconsistente dos apaixonados e pouco comprometida com a hierarquia e a disciplina, cite-se o mandamento constitucional, pouco lembrado nas lides da caserna: Art. 5º, inciso LXI, CF/88: ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei. Ora, se os regulamentos disciplinares militares foram recepcionados pela Constituição, as sanções disciplinares de prisão e detenção neles previstas são válidas perante a ordem jurídica. Rosa (2007), no artigo intitulado Extinção da prisão administrativa disciplinar militar uma nova visão em face de questões de natureza doutrinária e processual em busca da construção de novos paradigmas em face do Estado Democrático de Direito menciona que: [...] o militar é uma pessoa que deve estar preparada para o exercício de suas funções constitucionais. Segundo a doutrina espanhola, os militares são os responsáveis pela preservação dos direitos e garantias fundamentais do cidadão e por isso merecem a proteção do Estado para que possam desempenhar as suas atividades com independência e responsabilidade. Ainda segundo o predito e eminente magistrado, A punição deve ser uma realidade no sistema para se evitar o senso de impunidade que vem tomando conta de alguns países, como ocorre atualmente com a Colômbia, e porque não se dizer com o Brasil, onde todos os dias a mídia escrita ou falada

4 noticia fatos que depois de algum acabam sem solução, e mais, sem que os cofres do Estado sejam devidamente restituídos. Nenhum estudioso do direito castrense, seja civil ou militar, tem dúvidas que os princípios da hierarquia e disciplina são as bases institucionais das corporações militares. Nos últimos tempos, alguns deles têm apontado a ética como um terceiro princípio a ser observado pelos integrantes das instituições militares. Na verdade, ninguém questiona esses princípios. O que se busca é uma adequação das normas militares aos princípios e valores consagrados pela Constituição Federal de 1988. O que se questiona, então, é a prisão administrativa como um instrumento efetivo de controle por parte da Administração. A prisão administrativa pode e deve ser utilizada quando necessário, assim como ocorre com as prisões previstas na seara processual. Porém, questiona-se: será que a prisão administrativa, por si só, melhora o homem ou eventualmente corrige seus defeitos de formação? Não esqueça, ainda, contrariamente ao é afirmado por alguns estudiosos com o intuito de defender paradigmas anteriores ao vigente Estado de Direito, que o Estado de Minas Gerais, o Estado da liberdade, não foi o único a afastar a possibilidade de prisão administrativa na sua essência. Uma leitura atenta e sem tendência ideológica do Regulamento Disciplinar da Polícia Militar do Estado de São Paulo deixa evidenciado que aquela Corporação limitou e bem a possibilidade da prisão administrativa, criando institutos alternativos, entre eles a permanência disciplinar, com o intuito de construir novos paradigmas no âmbito disciplinar, o qual passou e vem passando por transformações em razão do advento da Constituição Federal de 1988. Essa citação merece cuidadosa atenção, pois que feita por Paulo Tadeu R. Rosa, um dos juízes de direito do juízo militar de Minas Gerais que mais insiste na atualização das práticas do direito, bem como seus decretos legais, de modo que nem ele condena a desnecessidade de punições mais severas nos quartéis. A disciplina militar pode ser denominada "disciplina qualificada" quando comparada à disciplina exigida de outros servidores, pois é orientada por institutos próprios e com a imposição de comportamentos absolutamente afinados aos imperativos da autoridade, do serviço e dos deveres militares, o que em regra não se exige do serviço público civil (MARTINS, 1996).

5 3 A grande impropriedade do CEDM Entre as várias inovações trazidas pelo CEDM acha-se a retirada das penas de detenção e prisão, o que, na opinião de muitos, descaracterizou a instituição, vez que os Comandantes perderam importante instrumento de controle da tropa e dos descomprometidos, descompromissados, indisciplinados contumazes e desordeiros fardados. Nesta ótica, Assis (2006) questiona algumas mudanças promovidas pelo CEDM, especialmente a retirada da pena de prisão disciplinar e a inserção do efeito suspensivo nos recursos disciplinares. O renomado doutrinador pontifica que as medidas adotadas culminaram por subverter os pilares constitucionais da hierarquia e da disciplina, e que o golpe mortal em complemento a tudo isto foi a inserção, no CEDM, do efeito suspensivo para todos os recursos disciplinares, inviabilizando a aplicação da imediata punição. Com recursos sendo decididos após um, dois ou mais anos, e as decisões publicadas em Boletim Reservado (BR), a solução e a eficácia da punição se perderam no tempo e a publicação ficou adstrita ao militar punido, pois a leitura dos BR nem sempre são feitas diante da tropa ou, pelos menos, com a presença dos pares e superiores do transgressor. 4 Confronto entre o regramento anterior e o atual No regramento anterior as punições disciplinares eram especificadas no Regulamento Disciplinar da Polícia Militar (RDPM), aprovado pelo Decreto nº 23.085, de 10/10/1983, enumeradas no artigo 24, assim descritas: Art 24. As penas disciplinares a que estão sujeitos os policiais militares, segundo a classificação resultante do julgamento da transgressão, são as seguintes, em ordem de gravidade crescente: I Advertência; II Repreensão; III Detenção; IV Prisão; V Reforma Disciplinar; VI Exclusão Disciplinar. Com o advento do CEDM, as punições disciplinares foram previstas no seu artigo 24 da seguinte forma:

6 Art. 24 Conforme a natureza, a gradação e as circunstâncias da transgressão, serão aplicáveis as seguintes sanções disciplinares: I Advertência; II Repreensão; III Prestação de serviços de natureza preferencialmente operacional, correspondente a um turno de serviço semanal, que não exceda a oito horas; IV Suspensão, de até dez dias; V Reforma disciplinar compulsória; VI Demissão; VII Perda do posto, patente ou graduação do militar da reserva. Para uma rápida comparação, considerando, principalmente o fato de que as Polícias Militares são reservas do Exército Brasileiro 1, é prudente mencionar os tipos de punições previstas no regulamento disciplinar daquela Força terrestre 2 : Art. 24. Segundo a classificação resultante do julgamento da transgressão, as punições disciplinares a que estão sujeitos os militares são, em ordem de gravidade crescente: I - a advertência; II - o impedimento disciplinar; III - a repreensão; IV - a detenção disciplinar; V - a prisão disciplinar; e VI - o licenciamento e a exclusão a bem da disciplina. Parágrafo único. As punições disciplinares de detenção e prisão disciplinar não podem ultrapassar trinta dias e a de impedimento disciplinar, dez dias. As mudanças ocorridas no escalonamento das punições disciplinares, entre outras inovações, descaracterizou a Corporação. Nesse sentido, Assis (2006) assevera que: Sem disciplina e hierarquia sólidas, e sem a potestade sancionadora imediata do Comandante, não existe instituição militar verdadeira, descaracterizando, inclusive a sua condição de força auxiliar do Exercito Brasileiro, que é uma imposição constitucional. Como se percebe, a discussão está longe de terminar e não se vislumbra um final de consenso, pois é sabido que a ampla defesa no processo administrativo disciplinar se concretiza com a possibilidade do acusado de se fazer representar por um defensor desde o início do processo, o que afasta qualquer dúvida sobre o devido processo legal no âmbito de uma instituição militar. 1 2 Decreto-Lei 667, de 02 de julho de 1969. Decreto nr 4.346, de 26 de agosto de 2002, que Aprova o Regulamento Disciplinar do Exército (R-4) e dá outras providências.

7 5 Controle judicial dos atos punitivos disciplinares Como visto, é desarrazoada a alegação de inconstitucionalidade das penas disciplinares de detenção e prisão, sob alegação de sua utilização por superiores para humilhar e prejudicar subordinados, tendo em vista o devido processo legal, com o exercício do contraditório e da ampla defesa que antecedem a decisão da autoridade administrativa disciplinar, a qual está sujeita a recursos internos e mesmo a controle judicial. Não bastassem os mecanismos garantidos pela Constituição 3, a Emenda Constitucional nº 45/2004 incluiu a apreciação judicial dos atos disciplinares pelo Poder Judiciário Militar 4, o que fulmina eventual discussão sobre possíveis abusos intramuros possivelmente existentes. Portanto, diante dessas medidas assecuratórias, não há por que descaracterizar uma instituição militar bicentenária, com disciplina exemplar e que, vitimada pelo movimento grevista de 1997, seguida de medidas e pressões eleitoreiras, sucumbiu, vulnerando toda sua estrutura de comando, deixando líderes e comandantes órfãos de mecanismos oportunos e eficientes para restauração da disciplina. Frise-se que a Constituição Federal assegurou o amplo acesso Judiciário ao dispor no seu art. art. 5º, XXXV, que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito. Assim, com base no sistema da jurisdição única adotado pelo Brasil desde a instauração da Primeira República, uma garantia fundamental, não subsistem os argumentos de possível abuso para se inviabilizar as punições de prisão e detenção, pois o interessado sempre poderá acionar o Poder Judiciário em defesa de seus interesses. 6 O futuro da disciplina militar Para fazer frente aos problemas que a nova ordem impõe e a contaminação políticoideológica que invade os quartéis país afora, com uma politização duvidosa de seus integrantes, há necessidade de reformas no Código Penal Militar e nos Regulamentos Disciplinares. Tem havido um enfraquecimento gradual e silencioso dos Comandantes, em todos os níveis, sendo que os disciplinados não se levantam contra para não causar problemas para a cúpula de suas instituições, até porque almejam ali estarem no futuro, tanto que prevista uma revisão do CEDM em 2007 ninguém levantou a hipótese de alteração, 3 4 Art 5º, LIV e LV, da CF/88. Art 125, parágrafo 4º, da CF/88.

8 certamente para não criar melindres e expor-se como alvo de manifestações políticoideológicas. Esta vulnerabilidade, expondo as autoridades responsáveis pela disciplina a um julgamento revisor e demorado de seus atos, tende a tornar o futuro ainda mais ameaçador que sonhador. Ameaçador pela desmilitarização da Polícia que sustenta e garante o Estado, e sonhador, pela utopia de se querer uma disciplina militar rígida e ao mesmo tempo que coadune com os princípios constitucionais garantidos e indisponíveis aos homens de bem. A propósito, Rosa (2007) preleciona que: A hierarquia e a disciplina devem ser preservadas por serem princípios essenciais das Corporações Militares, mas os direitos e garantias fundamentais previstos no art. 5º, da CF, são normas de aplicação imediata (art. 5.º, 1.º, da CF), que devem ser asseguradas a todos os cidadãos (civil ou militar, brasileiro ou estrangeiro), sem qualquer distinção na busca do fortalecimento do Estado de Direito, que foi escolhido pela República Federativa do Brasil, art. 1.º, da CF. 7 Conclusão Carta a El - Rei de Portugal - O Militar 5 Senhor, umas casas existem, no vosso reino onde homens vivem em comum, comendo do mesmo alimento, dormindo em leitos iguais. De manhã, a um toque de corneta se levantam para obedecer. De noite, a outro toque de corneta se deitam, obedecendo. Da vontade fizeram renúncia como da vida. Seu nome é Sacrifício. Por ofício desprezam a morte e o sofrimento físico. Seus pecados mesmo são generosos, facilmente esplêndidos. A beleza de suas ações é tão grande que os poetas não se cansam de celebrar. Quando eles passam juntos, fazendo barulho, os corações mais cansados sentem estremecer alguma coisa dentro de si. A gente conhece-os por militares... Militares são diferentes! A proteção da hierarquia e da disciplina exige das instituições militares um controle rígido, orientado por normas e regulamentos internos destinados a moldar a conduta de seus agentes. Nesta perspectiva, se de um lado há a hierarquia e a disciplina como conceitos de valor fundamentados na Constituição, de outro há o agente militar tendo em seu favor garantias constitucionais que lhe permitem questionar os atos da administração militar a que está subordinado. O rigorismo que expressa a diferença entre a disciplina dos servidores civis e a dos militares não pode ser confundido com autoritarismo (MARTINS, 1996). O rigorismo é a 5 Trecho da carta escrita por Moniz Barreto, em 1893, publicada no jornal do exército de Portugal, nº 306.

9 rigidez no cumprimento eficiente das tarefas militares. Não significa que a disciplina deve ser utilizada como método de incutir temor na tropa. A disciplina deve ser utilizada como instrumento de comando, visando corrigir o militar e redirecioná-lo para os objetivos da corporação. A interpretação dos princípios da hierarquia e disciplina militares e sua concretização somente é auferida quando desencadeado o processo administrativo disciplinar que leva à sanção ou absolvição do militar infrator. Fora disto é arbitrariedade e abuso de poder, eis que dissociado dos limites de obediência à lei (THOMAZI, 2008). O tema é polêmico e exige maior atenção por parte dos operadores do Direito Militar. As perspectivas são sombrias com a politização das forças policiais militares e não se vê, a princípio, uma preocupação maior com os novos rumos que os policiais estão seguindo, liderados por pessoas, fardadas ou não, que pouco ou nenhum compromisso têm com a história de uma corporação bicentenária e com a satisfação dos anseios sociais. Espero que o CEDM seja revisto e alterado para munir os comandantes com instrumentos disciplinares aptos a coibir o ilícito administrativo de forma efetiva e imediata, pois só assim os princípios da hierarquia e disciplina voltarão a ser plenamente respeitados e cultuados no âmbito dos quartéis.

10 VULNERABILITY OF MILITARY COMMANDERS BEFORE THE CODE OF ETHICS AND MILITARY DISCIPLINE OF MINAS GERAIS Abstract On June 19, 2002, was published Law No. 14,310, establishing the Code of Ethics and Discipline of the Military of the State of Minas Gerais (CEDAW), a time of great commotion yet due to the strike of the Military Police of Minas Gerais (PMMG) occurred in 1997. Accordingly, CEDAW is the new disciplinary order of the Military Police and the Fire Brigade, repealing the Military Police disciplinary Regulations, approved by Decree No. 23,085, then m force since October 10, 1983. changing aimed at meet both the Military Police and the Fire Brigade, this created after the strike of 1997, which welcomed the militants amnesty because that hostile move. In case, for some it was a hard blow in the discipline and military hierarchy, while for others it was a breakthrough in valuing miners military police. In fact, the lack of consensus between these currents, not yet reached an agreement on any changes made, particularly with respect to termination of disciplinary penalties of detention and imprisonment, residing there the greater conflict, behold, there may be, in theory, the healthiness of a military regime in essence without the Commanders are given the "power to control the force." Was confused at that time, the unconstitutionality which could vitiate the regulations imposed by decree, whose merit the Supreme Court has not yet ruled, with the constitutionality of punishments that were approved upon by the Federal Constitution of 1988, including the arrest and detention. KEYWORDS: Disciplinary Regulations. Code of Ethics. Military Institution. Hierarchy and Discipline. Prison. Detention. Constitutional rights. REFERÊNCIAS A Constituição e o Supremo. 2ª ed. Brasília, Distrito Federal, 2009. Código Penal Militar Decreto-Lei 1.001, de 21 Out 1969. São Paulo: RIDEEL, 2008. Decreto n. 23.085, de 10 de outubro de 1983. Aprova o Regulamento Disciplinar da Polícia Militar do Estado de Minas Gerais. Minas Gerais, Belo Horizonte, 10 out. 1983. Lei n. 14310, de 19 de junho de 2002. Dispõe sobre o Código de Ética e Disciplina dos Militares do Estado de Minas Gerais. Minas Gerais, Belo Horizonte, 20 jun. 2002. ASSIS, Jorge César de. O Código de Ética e Disciplina dos Militares de Minas Gerais: Avanço na Valorização dos PMs Mineiros, ou Duro Golpe na Disciplina e Hierarquia? 19 de Julho de 2006. Disponível em: www.jusmilitaris.com.br. Acesso em 14 Out. 2010. GOMES, Maria Paulina. Curso de Direito Militar: Metodologia da Pesquisa Jurídica. Rio de Janeiro: Fundação Trompowsky, 2008. MARTINS, Eliezer Pereira. Direito Administrativo Militar e sua processualidade. Leme: LED Editora do Direito, 1996.

11 ROSA, Paulo Tadeu Rodrigues. Extinção da prisão administrativa disciplinar militar uma nova visão em face de questões de natureza doutrinária e processual em busca da construção de novos paradigmas em face do Estado democrático de Direito. Revista Jus Vigilantibus, Segunda-feira, 1º de outubro de 2007. Disponível em: http://jusvi.com/artigos/28746. Acesso em 20 Out. 2010. SOUZA, Moisés Francisco de. Revista Estudos e Informações TJMMG, nº 06, de novembro de 2000, página 15. Minas Gerais, Belo Horizonte, 2000. THOMAZI, Robson Luis Marques. Hierarquia e a Disciplina Aplicadas às Instituições Militares: Controle e Garantias no Regulamento Disciplinar da Brigada Militar.2008. Disponível em: http://tede.pucrs.br/tde_busca/arquivo.php?codarquivo=1954. Acesso em 20 Out. 2002.