ISSN: Resenha

Documentos relacionados
HALL, S. A identidade cultural na pós-modernidade. Tradução Tomás Tadeu da Silva, Guacira Lopes Louro. 11. ed., 1. reimp. Rio de Janeiro: DP&A, 2011.

A Teoria Crítica e as Teorias Críticas

Aula ao vivo 21/03/2014 Pensamento Sociológico

Cultura e Modernidade. Prof. Elson Junior. Santo Antônio de Pádua, julho de 2017.

Material de divulgação da Editora Moderna

HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. 9. ed. Rio de Janeiro: DP&A, RESENHA

10 Ensinar e aprender Sociologia no ensino médio

Teoria da Comunicação. Unisalesiano Aula 6: Estudos Culturais

MICHEL FOUCAULT ( ) ( VIGIAR E PUNIR )

Stuart Hall é professor da Open University, Inglaterra, foi um dos fundadores

Os Sociólogos Clássicos Pt.2

Foucault e a educação. Tecendo Gênero e Diversidade Sexual nos Currículos da Educação Infantil

SABER AMBIENTAL E AS PRÁTICAS EDUCATIVAS A CONTRIBUIÇÃO DE ENRIQUE LEFF 1. Janaína Soares Schorr 2, Daniel Rubens Cenci 3.

[T] Os contextos do saber: representações, comunidade e cultura

FUNDAMENTOS DA SOCIOLOGIA. A Geografia Levada a Sério

PSICOLOGIA SOCIAL I. Psicologia Geral e Psicologia Social. De que trata a Psicologia Social? 21/08/2016

EMENTÁRIO HISTÓRIA LICENCIATURA EAD

REFLETINDO O SUJEITO

POLÍTICAS DE CURRÍCULO PARA A EDUCAÇÃO INFANTIL NO BRASIL ( ): DISPUTAS DISCURSIVAS PARA A FIXAÇÃO DE UMA IDENTIDADE PARA O PROFESSOR

Produção de conhecimento: uma característica das sociedades humanas

Aula6 MATERIALIDADE LINGUÍSTICA E MATERIALIDADE DISCURSIVA. Eugênio Pacelli Jerônimo Santos Flávia Ferreira da Silva

Identificar comemorações cívicas e religiosas por meio de imagens e textos variados.

A IMAGEM DO OUVINTE SOBRE A CULTURA E IDENTIDADE SURDA

A identidade cultural na pós-modernidade 1

MATRIZ DE REFERÊNCIA PARA O ENEM 2009

O advento da sociedade pós-moderna

MATRIZ DE REFERÊNCIA DE HISTÓRIA - ENSINO FUNDAMENTAL

FILOSOFIA E SOCIEDADE: O TRABALHO NA SOCIEDADE MODERNA

ANÁLISE DE DISCURSO de origem francesa. Circulação e textualização do conhecimento científico PPGECT maio 2015 Henrique César da Silva

MARX, ENGELS E A DIVISÃO SEXUAL DO TRABALHO

HISTORICIDADE DA IDEOLOGIA: DE CONCEITO CRÍTICO A CONCEITO ADAPTADO

EMENTÁRIO DAS DISCIPLINAS DO CURSO DE SERVIÇO SOCIAL (Currículo iniciado em 2015)

KARL MARX -Vida, obra e contexto sociopolítico-

Metodologia do Trabalho Científico

10/06/2010. Prof. Sidney Facundes. Adriana Oliveira Betânia Sousa Cyntia de Sousa Godinho Giselda da Rocha Fagundes Mariane da Cruz da Silva

Disciplina: Política e Meio Ambiente

Paradigmas filosóficos e conhecimento da educação:

EMENTA OBJETIVOS DE ENSINO

Currículo Escolar. Contextualização. Instrumentalização. Teleaula 2. Refletir sobre currículo. Profa. Me. Inge R. F. Suhr

FILOSOFIA PÓS-MODERNA Século XX

A História da Psicologia Social

O CONTEXTO HISTÓRICO DO SURGIMENTO DA SOCIOLOGIA

Maria Helena da Silva Virgínio 1 Maria José Moreira da Silva 2 COMO ELABORAR RESENHA. João Pessoa/Pb 2012

COLÉGIO ESTADUAL VISCONDE DE CAIRU PLANO DE CURSO Disciplina: Sociologia Série: 3ª Ano Letivo: 2009

A ESCRAVIDÃO. O DISCURSO DA LIBERDADE É MÍTICO

Resenha / Critical Review

Trabalho e socialismo Trabalho vivo e trabalho objetivado. Para esclarecer uma confusão de conceito que teve consequências trágicas.

O esforço de análise aqui expressa buscou desenvolver de maneira dialética as determinações estruturais e o movimento conjuntural, bem como

Preocupações do pensamento. kantiano

ENESEB V ENCONTRO NACIONAL SOBRE O ENSINO DE SOCIOLOGIA NA EDUCAÇÃO BÁSICA. 23 à 25 de julho de 2017 PAINEL/POSTER

Comparação entre as abordagens de classe marxiana e weberiana

SIMPÓSIO: LITERATURAS AFRICANAS DE EXPRESSÃO PORTUGUESA: SUJEITO E IDENTIDADE COORDENADORA SILVIA HELENA PINTO NIEDERAUER

Capítulo 8 Proposição de dois de modelos para compreensão da história: Entendimento como o paradigma do social.

A Filosofia e a Sociologia: contribuições para a Educação

Mesa redonda: A política educacional e seus objetos de estudos Dia 20/08/2014 Quarta-feira Horário: das 10:30 às 12:30 Título

Processo Seletivo/UFU - Janeiro ª Prova Comum - PROVA TIPO 1 SOCIOLOGIA QUESTÃO 52

Linguagem em (Dis)curso LemD, v. 9, n. 1, p , jan./abr. 2009

LATIM ORIGEM E ABRANGÊNCIA CURSO, PERCURSO, ATO DE CORRER

1º Anos IFRO. Aula: Conceitos e Objetos de Estudos

Como a análise pode permitir o encontro com o amor pleno

Associação Catarinense das Fundações Educacionais ACAFE Concurso Público de Ingresso no Magistério Público Estadual PARECERES DOS RECURSOS SOCIOLOGIA

MOVIMENTOS SOCIAIS. Prof. Lucas do Prado Sociologia

Letramentos sociais: abordagens. críticas do letramento no. desenvolvimento, na etnografia e na. educação. BARROS, Raquel de Maria Queiroz.

RESENHA - ANÁLISE DO DISCURSO: PRINCÍPIOS E PROCEDIMENTOS REVIEW - DISCOURSE ANALYSIS: PRINCIPLES AND PROCEDURES

França: séc. XX Período entre guerras

PsicoDom, v.1, n.1, dez

A IMPORTÂNCIA DA CULTURA NA FORMAÇÃO DOCENTE 1

AGRUPAMENTO DE ESCOLAS D. JOÃO V ESCOLA SECUNDÁRIA c/ 2º e 3º CICLOS D. JOÃO V

Formação de grupos sociais diálogos entre Sociologia e Psicanálise

R e s e n h a SÁNCHEZ, Celso. Ecologia do corpo. Rio de Janeiro: Wak Editora, p.

O que é Sociologia?

PLANO DE CURSO DISCIPLINA: SOCIOLOGIA ANO: 2016 PROFESSORA: LILIANE CRISTINA FERREIRA COSTA

Teorias da Globalização

EDUCAÇÃO, IDENTIDADE E DIFERENÇA: POSSÍVEIS OLHARES.

sexo, sexualidade, gênero, orientação sexual e corpo

Educação, articulação e complexidade por Edgar Morin. Elza Antonia Spagnol Vanin*

Quem criou o termo e desenvolveu a sociologia como ciência autônoma foi Auguste Comte. Sua obra inicia-se no início do século XIX e é central a noção

MATERIAL DE DIVULGAÇÃO DA EDITORA MODERNA

Estratificação, Classes Sociais e Trabalho. Sociologia Profa. Maria Thereza Rímoli

RESENHA. CARDOSO, Francilene do Carmo. O negro na biblioteca: mediação da informação para a construção da identidade negra. Curitiba: CRV, p.

Hellen de Andrade Lira Márcia Maria de Carvalho

Linguagem e Ideologia

Caio Prado Junior ( ) Professor: Elson Junior Santo Antônio de Pádua, setembro de 2017

AGRUPAMENTO DE ESCOLAS D. JOÃO V ESCOLA SECUNDÁRIA c/ 2º e 3º CICLOS D. JOÃO V

REPRESENTAÇÃO IMAGINÁRIA DO SER PROFESSOR

Capítulo 10. Modernidade x Pós - Modernidade. O mal estar científico e o mal estar social

1 Introdução. 1 Foucault, M. O sujeito e o poder. In: Dreyfus, e Rabinow, P. Michel Foucault. Uma trajetória

IDENTIDADE E ESPAÇO: MUDANÇAS EM TEMPOS DE GLOBALIZAÇÃO

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PAMPA CAMPUS JAGUARÃO CURSO DE PEDAGOGIA

KARL MARX E A EDUCAÇÃO. Ana Amélia, Fernando, Letícia, Mauro, Vinícius Prof. Neusa Chaves Sociologia da Educação-2016/2

Tempos Modernos, Tempos de Sociologia Material desenvolvido pela Editora do Brasil, não avaliado pelo MEC.

SESSÃO 5 LITERATURA E IDENTIDADE

Curso Graduação. Eixo de Formação Eixo de Formação Fundamental. Docente: Prof. Dr. Edson Vieira da Silva Filho

Introdução de Sociologia

SOCIOLOGIA. Texto Elaborado por Rafael Barossi

EMENTAS DAS DISCIPLINAS

KARL JENSEN E OS MOVIMENTOS SOCIAIS

MARTINS, Carlos B. O que é sociologia. São Paulo: Brasiliense, Coleção Primeiros Passos.

PROVA DE INGLÊS PROVA DE FILOSOFIA

Transcrição:

ISSN: 2447-6498 HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Tomaz Tadeu da Silva; Guacira Lopes Louro (trad.). 12ª ed. Rio de Janeiro: Lamparina. 2015. Resenha feita por Joselle Maria Couto e Lima 1 e Luciano da Silva Façanha 2 O texto A identidade cultural da pós-modernidade busca discutir se de fato estamos atualmente em uma crise da identidade. Procura compreender o que esta crise significa, quais acontecimentos nas sociedades modernas desencadearam-na e quais suas principais consequências. O livro está dividido em duas partes: a primeira apresentará algumas mudanças ocorridas nos conceitos de identidade e de sujeito, na modernidade tardia e na pós-modernidade, e a segunda parte procura discutir como a identidade cultural, mais precisamente as identidade nacionais, se constituem no contexto da pós-modernidade, já que o sujeito encontra-se descentrado e fragmentado. Stuart Hall defende a ideia de que a identidade moderna está em um processo de descentramento e fragmentação. Inicialmente o autor se propõe a apresentar três concepções bem diferenciadas de sujeito que são: 1-o sujeito do Iluminismo que é compreendido como o sujeito da razão e da consciência, o que ocasionará uma compreensão centrada e unificada de sujeito, produzindo, assim, uma visão individualista de sujeito e identidade; 2-o sujeito sociológico que, por sua vez, surge de uma perspectiva interacionista de sujeito, advinda da sociologia clássica, que passa a ser compreendida dentro da cultura, interagindo com outros sujeitos, mediados por valores, sentidos e símbolos culturais; 3-o sujeito pós-moderno, compreendido conceitualmente como um sujeito instável, variável e fragmentado. É daí que surgirá toda a problemática que engendra a concepção de sujeito e de identidade na pós-modernidade. O caráter de provisoriedade devido às mudanças estruturais na sociedade pós-moderna tem afetado o processo de constituição das identidades culturais contemporâneas. As transformações ocorridas na modernidade tardia, com o processo de globalização, provocaram mudanças permanentes nas sociedades modernas. Hall cita Marx e Engels com a seguinte frase: tudo que é sólido se desmancha no ar para demonstrar que é devido à permanente transformação nos modos de produção da sociedade capitalista que a modernidade passará por um processo de mudança constante. Por esta razão, as sociedades modernas são definidas por seu caráter de transformação e transitoriedade, diferentemente das sociedades tradicionais, que são estáveis e fixas. Recorrendo ao pensamento de Giddens, Hall demonstra que a modernidade não é apenas a experiência constante em processo de transformação, mas envolve todo um processo de reflexividade que produz as práticas sociais modernas, onde tudo passa a ser examinado e reformado a partir de informações recebidas através destas mesmas práticas. Os processos de interconexões gerados pelo processo de globalização promovem transformações que atingem todos, globalmente. Outro aspecto importante demonstrado por Hall é que o processo de fragmentação e de pluralização das identidades tem suas consequências políticas. Por esta razão, acontecimentos políticos acabam provocando manifestações conflitantes por grupos que por vezes parecem se entrecruzar, mas, em outros momentos, podem estar em posições conflitantes. As identidades passam por um processo 1 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Cultura e Sociedade da Universidade Federal do Maranhão UFMA. Graduada em Filosofia. 2 Professor Doutor do Departamento de Filosofia e do Programa de Pós-Graduação em Cultura e Sociedade da Universidade Federal do Maranhão (UFMA). 133

Joselle Maria Couto e Lima Luciano da Silva Façanha de fragmentação que acaba afetando a composição do cenário político da modernidade tardia. As pessoas não se identificam unicamente pela classe, que também não possui mais um discurso unificado. Existem novos movimentos sociais cada vez mais estratificados que provocam uma multiplicidade de identificações. Hall demonstra que o surgimento do sujeito moderno possui sua história na ruptura com a tradição medieval, resultado de uma série de fatores históricos que foram de extrema importância para o surgimento de uma concepção de sujeito individualizada, autônoma e livre. A filosofia cartesiana e lockeana, o Iluminismo, foram acontecimentos fundamentais para a constituição do sujeito moderno. Aos poucos esta ideia de sujeito individualizado foi sendo substituída por uma concepção de indivíduo mais situada em uma sociedade, ou seja, uma visão mais social de sujeito. Isto se deu pelo surgimento das ciências sociais, que trouxe uma perspectiva mais interacionista do sujeito com a sociedade. A preocupação de muitos sociólogos neste momento era pensar como se dava o processo de interação e de formação do eu dentro destas relações sociais. Esta visão de sujeito é um modelo que predomina até metade do século XX que, aos poucos, vai ser abalado com o surgimento do Modernismo, quando vamos encontrar literaturas, como a de Baudelaire que abordará o homem que vagueia no espaço da multidão da metrópole, e tantas outras como a de Kafka e a de Walter Benjamin que irão fazer uma crítica ao homem imerso no mundo burocrático e impessoal da metrópole. Mas o que de fato irá provocar o descentramento do sujeito na segunda metade do século XX, que é o que Hall denomina de modernidade tardia, serão cinco rupturas fundamentais com o conhecimento moderno. O primeiro descentramento é ocasionado pelo marxismo, que, segundo Althusser, vai romper com qualquer concepção essencialista e universal de homem, quando coloca os modos de produção, a exploração das forças de trabalho e os circuitos do capital como conceitos fundamentais para a sua teoria. O segundo descentramento é ocasionado pela descoberta do inconsciente freudiano, quando atribui aos processos psíquicos inconscientes toda a nossa estruturação sexual. Além disso, a releitura de psicanalistas, como Jacques Lacan dos textos freudianos, trouxe acréscimos importantíssimos para novas teorias sobre a identidade. Um exemplo é a teorização sobre o estádio do espelho em Lacan, que trata da captura feita pela criança de sua própria imagem através do olhar do Outro, ou pelo próprio espelho. Lacan toma este acontecimento para tratar da entrada do sujeito nos sistemas de representação como sendo um processo ambivalente que envolve uma divisão entre aquilo que é exigido pelo Outro e o que é desejado pelo sujeito. A imagem refletida pelo olhar do outro é uma ficção que irá ser sempre almejada pelo sujeito. É daí que vem a falsa ideia de unidade da identidade, pois não passa de uma mera ficção. Para Lacan a identificação é um processo de contradição, por isso há sempre a busca por uma completude, o que revela o caráter de incompletude da identidade. A partir disso, pode-se perceber todo o abalo provocado pela teoria freudiana na noção moderna de sujeito, que dependia da noção de racionalidade e de identidades fixas e estáveis. Depois temos como terceiro descentramento a linguística de Ferdinand de Saussure, que compreende a língua como um sistema social, anterior ao sujeito. Os objetos não possuem significação própria, dependem da relação entre termos diferentes, nada significa por si mesmo, mas por sua relação. A influência de Saussure para filósofos como Derrida foi de extrema importância para uma nova 134

compreensão sobre a identidade, que também passa a ser compreendida como instável, assim como o nosso sistema simbólico, e pela sua relação com o diferente. O quarto descentramento é provocado por Michel de Foucault que, ao desenvolver um estudo genealógico do sujeito moderno, demonstra todo o processo de controle sobre os corpos e sobre os indivíduos a partir dos mecanismos de controle realizado pelas instituições que surgem no período moderno. Hall demonstra que Foucault vai denunciar a organização burocrática e administrativa das instituições modernas que desenvolvem mecanismos de poder disciplinares, provocando um processo de individualização e isolamento entre os sujeitos, pondo seus corpos, seus prazeres, sua sexualidade a serviço do funcionamento destas instituições. O último descentramento demonstrado por Stuart Hall são os movimentos sociais surgidos na década de 60, mais precisamente o movimento feminista. O caráter subversivo, antiburocrático, revolucionário, fortaleceu muitos movimentos sociais que acabaram enfraquecendo algumas organizações políticas da época e criando uma política de identidade para estes movimentos, como dos gays, lésbicas e negros. Outro aspecto importante são os abalos que a teoria feminista provocou quando colocaram em questão os alicerces do sujeito cartesiano. A segunda parte do livro se propõe a pensar como são constituídas as identidades culturais nacionais, com o processo de fragmentação do sujeito, na modernidade tardia. Hall procura pensar como se dá o processo de representação nacional entre as culturas pós-modernas inseridas no processo de globalização. Contrariando a ideia de que a identidade nacional seja algo naturalmente determinado, mas resultante de um processo de representação cultural, é que Hall pretende pensar sobre o processo de representação que dá origem à ideia de nação e sua relação com a constituição das identidades. O surgimento do estado-nação na modernidade deu origem às culturas nacionais. As representações culturais nacionais, como, por exemplo, a criação de um sistema educacional, a definição de uma língua vernácula, são formas de manter a unidade das identidades culturais nacionais. Porém, Hall vai demonstrar com o pensamento de Bhabha que toda nação tem sua ambivalência. Os símbolos e representações que permeiam uma identidade nacional se compõem nas narrativas que são criadas através de um processo de rememoração. É pela memória que a nação mantém relação com o seu passado, o que faz Hall afirmar que é nesta busca pela memória que se constrói algo de imaginário sobre o passado. Assim o autor prossegue com a seguinte questão: de que forma são imaginadas as identidades nacionais modernas? Hall demonstra algumas formas: 1-há o elemento das narrativas que cada nação constrói, seja através da literatura, seja pela mídia ou pelas narrativas populares; 2-há um recurso pela busca das origens, que é daí que vai se estabelecer a ideia de tradição que pretende se manter no tempo; 3-tem a estratégia da invenção de uma tradição. Muitas tradições que parecem ter uma origem remota são tradições inventadas e recentes; 4-outra forma de imaginação são os mitos fundacionais, que fazem parte do processo de invenção da tradição; 5-a invenção da ideia de um povo puro. Para Hall, embora exista sempre uma busca por unificação nas culturas nacionais, isto não é muito justificável, a não ser que se mantenha como uma estrutura de poder, que anula e subordina o diferente. 135

Joselle Maria Couto e Lima Luciano da Silva Façanha Analisando a história das nações modernas do ocidente, a maioria se constituiu através de um processo de conquista violenta e forçada sobre outras culturas. Além disso, a constituição dessas nações foi composta por grupos e classes diferentes. Outro fator considerado por Hall é que as nações ocidentais possuem uma origem imperial e um histórico de colonização que sempre exerceram hegemonia cultural. Então só se pode falar em unidade cultural nacional quando se considerar que este processo somente é possível como um dispositivo discursivo de poder cultural. Posteriormente, Hall demonstra que há algumas consequências para as identidades nacionais com a intensificação do processo de globalização a partir da década de 70. São elas: a desintegração das identidades nacionais em função da homogeneização cultural provocada pela globalização, a resistência de identidades locais e particularistas ao processo de globalização e, no lugar das identidades nacionais, surgem as identidades hibridas. Hall diz ainda que para alguns a globalização provoca o enfraquecimento das identidades culturais nacionais, devido à mediação do mercado global, dos sistemas de comunicação e do desenvolvimento tecnológico, visto que acaba proporcionando a difusão de uma cultura global que provoca um processo de homogeneização nas culturas locais. Por outro lado, há uma nova articulação entre o global e o local, pois, ao mesmo tempo em que há um processo de homogeneização, há também fascínio pela diferença e interesse por aquilo que é local, como uma nova forma de exploração e de estratégia de mercado. Desta forma, o local acaba por atuar no interior da globalização a serviço dos interesses globais. A globalização se desenvolve ao mesmo tempo em que reforça as identidades locais. Ao invés de substituir o local pelo global, produz novas identificações locais e novas identificações globais. Outro aspecto importante, o de que não existe somente um processo de homogeneização, justifica-se pelo fato de a globalização se distribuir de forma desigual entre as regiões do globo: há aquelas que estão no comando do processo da globalização e há regiões que sofrem seus efeitos em posições mais periféricas, de forma mais lenta e desigual. Além disso, o capitalismo global é um processo de ocidentalização, que atinge todas as identidades culturais de maneira relativa. As regiões mais periféricas, embora aceitem as influências da globalização ocidental, são atingidas de forma mais lenta, considerando que a preservação de culturas exóticas como etnias puras ainda é uma fantasia ocidental e uma forma colonizadora de lidar com a alteridade. Diante da complexidade que envolve a tensão entre o local e o global, Stuart Hall demonstra o surgimento de uma contradição entre tradição e tradução. O primeiro se refere ao fortalecimento de identidades locais, como reação à presença de outras culturas, ocasionadas, por exemplo, com o processo de migração. Geralmente parte de culturas dominantes que reagem na forma de um racismo cultural contra as possíveis experiências com culturas diferentes. Como reação ao processo de racismo, também pode ocorrer uma reidentificação com as culturas de origem que podem aparecer em forma de ortodoxia religiosa ou separatismo político. É visto como um processo de ressurgimento da etnia, numa tentativa de unificação das identidades culturais uma vez ameaçadas pelos processos da globalização. A tradução seria outra possibilidade para as 136

culturas que vivenciam as experiências diaspóricas, com o processo de migração existente na modernidade tardia do período pós-colonial. São experiências vivenciadas por pessoas obrigadas a deixar seus locais de origem, em razão de guerra, desemprego, pela busca do consumo global, pela fuga de conflitos regionais, enfim, situações que as dispersam de suas nações, para viverem em uma situação fronteiriça, ou seja, identificadas com suas culturas locais, são obrigadas a negociar com novas culturas, produzindo um processo de hibridização cultural. Como se vê, o texto revela uma preocupação de Stuart Hall em aprofundar sobre o problema da identidade na pós-modernidade. Há uma riqueza na obra em demonstrar as diversas possibilidades de se responder às questões que surgem em torno da crise que o conceito de identidade gera, não só pela compreensão da influência de novas teorizações que despontam em diversas disciplinas como a psicanálise, a linguística, a filosofia, mas pela explicação de novos processos que surgem na modernidade tardia, como é o caso do processo da globalização. O texto discute com muita precisão não somente os acréscimos teóricos que são colocados como pontuais para se pensar sobre a identidade como, por exemplo, o conceito de identificação na psicanálise freudiana e lacaniana, mas também nos oportuniza compreender as críticas, os limites do uso que se pode fazer destas teorias, para se pensar os problemas que surgem em torno da identidade. A contribuição maior está em nos instrumentalizar com conceitos e explicações sobre processos sociais que nascem na modernidade tardia para que se possa pensar com coerência qual é a forma adequada de entender o conceito de identidade, sem nos deixar levar por uma compreensão defasada sobre o conceito. Assim, ao invés de compreender a identidade pela ideia de unidade e estabilidade, introduz uma nova conceituação, agora baseada na ideia de instabilidade e fragmentação. A explanação de processos sociais como os processos migratórios e como os sujeitos se localizam dentro destas dinâmicas sociais são formas de explicar alguns fenômenos pós-modernos para demonstrar toda a complexidade que envolve a constituição de identidades. Outra questão importante trabalhada pelo autor são as formas de invenção possíveis para as identidades culturais nacionais como um recurso imaginário, ficcional, para a suturação necessária diante das fragmentações que os sujeitos e as identidades culturais nacionais sofrem com os processos de globalização na modernidade tardia. Sem dúvida que trata de trazer um esclarecimento profundo sobre as rupturas epistemológicas com os paradigmas da modernidade, de grande valia para uma compreensão mais clara e profunda sobre a cultura pós-moderna, bem como oferece uma base teórica mais consistente para se fazer uma análise mais coerente sobre a configuração dos processos culturais e subjetivos da pós-modernidade. Negar o caráter essencialista, unitário e indivisível de sujeito, assim como superar a ideia de que a identidade cultural seja homogênea, estável e unificada produz um entendimento fundamental para pensar as identidades. Além de ser uma compreensão necessária para o entendimento dos processos de identificação do mundo globalizado, também é importante para desmistificar alguns conceitos ideologicamente construídos, que de alguma forma deram suporte para a manutenção da imposição de poderes culturais sobre outras culturas. Superar estas compreensões tradicionais não deixa de ser um dispositivo político para combater ideologias que muitas vezes são camufladas com discursos que se sustentam em nome de um nacionalismo ou de um conservadorismo que só fortalece relações 137

Joselle Maria Couto e Lima Luciano da Silva Façanha de poder que, em grande parte, funcionam como um sistema de exclusão e segregação da diferença. Outro aspecto importante demonstrado por Stuart Hall é que, com o processo de globalização, as identidades culturais nacionais não terão como efeito apenas um processo de homogeneização cultural, mas admitem a possibilidade de uma reação a este processo, na busca de um fortalecimento das culturas de origem. 138

BIOGRAFIA Joselle Maria Couto e Lima Mestranda em Cultura e Sociedade pela UFMA, Especialista em Leitura e Práticas Educativas (UFMA), graduada em Filosofia (UFMA). Participante da Escola Brasileira de Psicanálise - Delegação Maranhão. Técnica em Assuntos Educacionais (UFMA). Luciano da Silva Façanha Pós-Doutorado em Filosofia pela PUC/SP. Doutor e Mestre em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Atualmente atua na Universidade Federal do Maranhão (UFMA), como professor no Departamento de Filosofia (DEFIL) e no Programa de Pós-graduação em Cultura e Sociedade (PPGCult). 139