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Transcrição:

Rev. Bras. Reprod. Anim., Belo Horizonte, v.40, n.2, p.79-85, abr./jun. 2016. Disponível em www.cbra.org.br Aspectos reprodutivos de Dinomys branickii (pacarana) em cativeiro - Relato de caso Reproductive aspects of Dinomys branickii (pacarana) in captivity - Case report Vânia Maria França Ribeiro 1,6, Ana Rita Souza Lopes 2, Vander da Rocha Melo 3, Diva Anelie de Araújo Guimarães 4, Rui Carlos Peruquetti 5 1 Professora Doutora da Universidade Federal do Acre, Rio Branco, AC, Brasil. 2 Médica Veterinária Residente da Universidade de Santo Amaro, São Paulo, Brasil. 3 Graduando em Medicina Veterinária, Universidade Federal do Acre, Brasil. 4 Professora Doutora da Universidade Federal do Pará, Belém, PA, Brasil. 5 Professor Doutor da Universidade Federal do Acre, Rio Branco, AC, Brasil. 6 Correspondência: vania.rib@uol.com.br Recebido: 28 de junho de 2016 Aceito: 25 de outubro de 2016 Resumo A pacarana (Dinomys branickii) é um roedor raro de hábito noturno, sendo a única representante da família Dinomyidae. A espécie é ameaçada de extinção em vida livre, e pouco se conhece sobre sua reprodução. Este trabalho teve por objetivo estudar as fases do ciclo estral por meio da citologia vaginal, associado aos sinais clínicos da genitália externa e o estabelecimento da primeira prenhez de uma única fêmea de pacarana. O animal era mantido em cativeiro no Parque Ambiental Chico Mendes, localizado em Rio Branco, Acre, Brasil. Foram realizados exames de citologia vaginal em uma fêmea pré-púbere (11 meses) cativa, durante sete meses. Os esfregaços foram corados pelo Método de Shorr, para a quantificação e observação de células do epitélio vaginal de acordo com a sua morfologia. Além disso, os sinais clínicos da genitália externa foram observados durante o ciclo estral. A fêmea iniciou a puberdade aos 14 meses, período no qual foi evidenciada uma maior diferenciação celular, sendo visualizadas células intermediárias, parabasais e superficiais anucleadas e nucleadas, além de leucócitos. Verificou-se que o período do ciclo estral para este espécime foi em média 30 dias. Aos 20 meses, a fêmea demonstrou sinais de gestação, sendo confirmada posteriormente por exame ultrassonográfico. Palavras-chave: ciclo estral, citologia vaginal, reprodução. Abstract The pacarana (Dinomys branickii) is a rare nocturnal rodent and the sole member of Dinomyidae family. The species is threatened in its distribution range and little is known of its reproduction. This study aimed to report the phases of the estrous cycle through vaginal cytology, related to the clinical signs of external genitalia and the establishment of the first pregnancy of a single female pacarana. The animal was kept in captivity at the Ambiental Chico Mendes Park, situated in the municipality of Rio Branco, Acre, Brazil. Vaginal smears were performed in a prepubescent female (aged 11 months). For vaginal epithelial cell morphology and quantification we used Shorr s staining. Besides, clinical signs of the external genitalia were observed during estrous cycle. The female turned into pubescent at 14 months, with significant cell type differentiation. We found intermediate, parabasal and superficial, nucleated and anucleated cells, besides leukocytes. Pacarana s estrous cycle lasted approximately 30 days. When aged 20 months the female exhibited pregnancy signs, which was confirmed through ultrasonography exam. Keywords: estrous cycle, reproduction, vaginal cytology. Introdução A pacarana ou paca de rabo (Dinomys branickii) é um roedor histricomorfo da América do Sul, pouco estudado, sendo o único representante da família Dinomyidae (Fig. 1), que anteriormente era altamente diversificada (Rinderknecht e Blanco, 2008). Sua denominação vem da língua Tupi, recebendo o significado de falsa paca, em virtude da presença da cauda ser mais alongada quando comparada a Cuniculus paca (Goeldi, 1904). Esta espécie possui atributos biológicos que a faz propensa à extinção, tais como: um tamanho corporal grande, baixa abundância, especificidade no uso de habitats e singularidade filogenética (Saavedra-Rodríguez et al., 2014). Segundo a União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN), esta espécie está em perigo de extinção em virtude da degradação do habitat e da exploração proveniente da caça ilegal (Tirida et al., 2008). Poucos zoológicos no mundo possuem a pacarana em seu plantel. Além disso, as fêmeas parecem ser pouco adaptáveis a criatórios, conforme pode ser observado por Collins e Eisenberg (1972) e pela administração do Parque ambiental Chico Mendes em Rio Branco Acre (comunicação pessoal). O comportamento sexual baseia- se em contato nasal e demarcação territorial com urina e fezes. O macho busca apoiar a cabeça sobre a fêmea, costuma confrontá-la e apresentar agressividade. A fêmea, na fase de receptividade sexual (estro), tolera o contato naso-genital, e geralmente mostra a cauda arqueada, como sinal de estro e aceite da monta (Collins e Eisenberg, 1972).

Figura 1. Dinomys branickii. Imagem do arquivo do Parque Ambiental Chico Mendes. Pouco se sabe sobre os fundamentos básicos do comportamento e da fisiologia reprodutiva da maioria dos animais silvestres (Wildt et al., 2010). A carência dessas informações e o aumento constante da lista de espécies ameaçadas de extinção têm impulsionado vários pesquisadores a desenvolverem estudos com estes animais (Wildt e Wemmer, 1999; Fickel et al., 2007). O exame de citologia vaginal permite estudar as alterações celulares do epitélio vaginal, as quais ocorrem durante o ciclo estral, podendo ser usado no monitoramento reprodutivo da fêmea, identificando as fases do ciclo estral e auxiliando no diagnóstico de patologias reprodutivas (Bastos et al., 2003). Em roedores, esta técnica tem por base a dinâmica da população de células epiteliais e a presença de leucócitos junto à mucosa vaginal, propiciadas pelas mudanças hormonais. Sendo bastante utilizada no estudo da duração e fases do ciclo estral, bem como no acompanhamento do período gestacional (Barbosa et al., 2007; Guimarães et al., 2008; Ribeiro et al., 2012). O presente trabalho objetivou estudar as fases do ciclo estral por meio da observação da citologia vaginal, os sinais clínicos da genitália externa relacionados às diferentes fases do ciclo estral e o estabelecimento da primeira prenhez, em uma única fêmea de pacarana. Até o presente momento, estes fatores biológicos são desconhecidos nesta espécie, não existindo na literatura nenhum relato científico. Manejo dos animais Material e métodos Este estudo foi realizado no zoológico do Parque Ambiental Chico Mendes, registro no IBAMA 0000000005/2009-AC, localizado no município de Rio Branco, Estado do Acre. O plantel utilizado inicialmente continha seis pacaranas, com apenas uma fêmea nascida em cativeiro. Os animais eram mantidos em recinto coletivo, sendo alimentados com legumes, frutas, castanhas, sal mineral e água ad libitum. Ao início da pesquisa, a fêmea estudada estava com 11 meses de idade e foi submetida a exame ultrassonográfico para descartar possível prenhez, apesar da mesma não apresentar histórico de estro ou parição. Descartada a prenhez, foi realizada a coleta de materiais para exames de citologia vaginal e coproparasitológicos, a everminação e suplementação com mineral. A fêmea foi mantida no setor de cambiamento, separado por tela do recinto onde estava anteriormente alocada com todo o plantel. Proporcionando a separação física dos machos, e evitando assim possíveis cópulas e prenhez ao início da fase reprodutiva. A captura da fêmea, para realização dos exames, foi realizada através da utilização de puçá (Figura 2A). O animal era conduzido para a sala de procedimentos veterinários, não sendo necessária a utilização de contenção química. Delineamento experimental Aos 11 meses de idade, no período de pré-puberdade, os exames de citologia vaginal foram realizadas em intervalos de 15 dias, durante um período de 90 dias. Entretanto, quando a fêmea se encontrava com 14 meses de idade as coletas passaram a serem efetuadas a cada 48 horas, pois observou-se mudança no padrão celular, durante o período de novembro de 2013 a março de 2014. Também foram observados os aspectos clínicos da genitália externa: presença ou não de hiperemia, secreção, edema e abertura do canal vaginal. Aos 16 meses de idade, a fêmea foi novamente alocada em companhia dos machos. Determinação do ciclo estral Para a coleta de material, após a contenção (Fig. 2A), foi realizada antissepsia da vulva e região Rev. Bras. Reprod. Anim., Belo Horizonte, v.40, n.2, p.79-85, abr./jun. 2016. Disponível em www.cbra.org.br 80

perineal, com solução de iodo (Fig. 2B). Após esta etapa, utilizaram-se swabs vaginais estéreis, umedecidos com soro fisiológico, os quais foram introduzidos no canal vaginal da fêmea cerca de 6 cm, movimentando-se a haste do swab de forma circular e delicada, para evitar lesões (Fig. 2C). Após a coleta, foram confeccionados esfregaços em lâminas histológicas, devidamente identificadas com a data do procedimento (Fig. 2D). A cada coleta uma lâmina era avaliada, totalizando 120 lâminas ao final da pesquisa. Figura 2. Procedimento de coleta de células vaginais de D. branickii. (A) Contenção física. (B) Antissepsia da vulva com solução iodada. (C) Introdução de swab estéril no canal vaginal. (D) Confecção de esfregaço para posterior coloração. As lâminas foram armazenadas em tubos contendo álcool 95% para fixação até o momento da coloração, sendo utilizado o método de Shorr. Em seguida, foram realizadas as leituras em microscópio óptico nas objetivas de 10x e 40x, para a identificação celular, de acordo com as suas características morfológicas, conforme observaram Guimarães et al. (2008) em Agouti paca. Em cada lâmina de esfregaço vaginal foram contadas 100 células e suas quantidades foram estimadas em termos percentuais. Este trabalho foi realizado com a permissão do IBAMA/SISBIO - Número: 41459-1 (Licença Permanente para Coleta de Material Zoológico) e do Comitê de Ética no Uso de Animais da Universidade Federal do Acre, processo número 23107013330/2014-86. Resultados e Discussão No período no qual a fêmea possuía entre 11 a 14 meses de idade, foram feitas seis coletas e observados a presença de leucócitos e pouco número de células de descamação. A diferenciação celular foi dificultada pela presença de aglomerados de células (Fig. 03). Das células visualizadas, cerca de 80% eram parabasais. No entanto, como descrito em cadelas, o número de células basais e parabasais, sediadas nas camadas mais profundas do epitélio, reduz-se à medida que o ciclo avança para o estro (Concannon e Digregório, 1986). Durante esse período, o animal não apresentou sinais clínicos visíveis relativos ao estro, sendo considerado dessa forma como impúbere (Fig.3). Figura 3. Citologia vaginal durante a fase prépúbere de D. branickii, caracterizada pela presença de aglomerados celulares e grande número de leucócitos. Rev. Bras. Reprod. Anim., Belo Horizonte, v.40, n.2, p.79-85, abr./jun. 2016. Disponível em www.cbra.org.br 81

Entre o 14º e o 18º meses de idade, o padrão de células mostrou-se morfologicamente diferenciado, sugerindo puberdade. Quando se compara ao início da puberdade de outros roedores histricomorfos, como a capivara (Hydrochoerus hydrochaeris) e a paca (Agouti paca) que atingem a puberdade com cerca de 10 a 12 meses e 8 a 12 meses, respectivamente, (Costa, 2002; Guimarães, 2008), a pacarana é tardia. É possível que o afastamento dos machos do grupo familiar possa ter influenciado o início desse período, semelhante ao que ocorre em cutias fêmeas (Dasyprocta prymnolopha), Guimarães et al. (2009). Todavia, são necessários estudos mais detalhados para que se entendam melhor os diferentes aspectos biológicos que possam influenciar a puberdade nessa espécie. Nesse período, as células do epitélio vaginal visualizadas foram: superficiais (nucleadas e anucleadas), parabasais e intermediárias (Fig. 4). Figura 4. Células do epitélio vaginal de D. branickii (A) Célula parabasal; (B) Célula intermediária; (C) Célula superficial nucleada; (D) Célula superficial anucleada. Tais aspectos da morfologia celular do epitélio vaginal de pacaranas, não diferem das informações descritas por Barbosa et al. (2007) em capivaras (Hydrochoerus hydrochaeris), Guimarães et al. (2008) em pacas (Agouti paca) e os de Guimarães et al. (2011) em estudo realizado com catetos (Pecari tajacu). A quantidade de células, assim como os tipos celulares, variou de acordo com a fase do ciclo estral conforme pode ser observado na Tab. 1 e Fig. 5. Onde as médias dos tipos celulares diferiram nas diferentes fases do ciclo estral. As diferenças são percebidas pela não sobreposição dos IC 95%. Tabela 01. Média e desvio padrão das células predominantes no epitélio vaginal em relação a fase do ciclo estral em pacarana e taxa leucocitária. Fase do ciclo estral Superficiais Intermediárias Parabasais Leucócitos(*) Proestro 42,77 +10,64 35,63 + 11,54 14,53 + 13,76 + Estro 58,19 + 11,88 29,43 + 9,70 4,28 + 3,3 + Metaestro 33,15 + 10,11 54,23 + 2,07 9,05 + 8,13 +++ Diestro 26,13 + 11,18 39,08 + 15,01 19,69 + 20,5 ++ Quantidade de leucócitos - + pouca ++ média +++ grande. Após acompanhamento de quatro ciclos, foram visualizadas quatro fases distintas do ciclo estral para a pacarana, sendo identificado: proestro, estro, metaestro e diestro. Porém, não foi possível determinar de forma concreta a duração de cada uma das fases, devido ao intervalo de coletas adotado neste trabalho. Desta forma, estudos futuros que utilizem a análise de hormônios sexuais podem contribuir mais efetivamente para o estabelecimento de cada uma das fases. Sobretudo o período do estro, conhecimento fundamental na aplicação de biotécnicas reprodutivas que visem a conservação da espécie. O proestro caracterizou-se pelo aumento do número de células superficiais e a diminuição dos demais tipos celulares, porém estes ainda estavam presentes. O período de estro foi determinado principalmente pela predominância das células superficiais, em especial as anucleadas. No metaestro, as células intermediárias aumentaram gradativamente, sendo observado também nessa fase um número considerável de leucócitos, confirmando os achados de Guimarães et al. (1997) em cutias, onde a taxa leucocitária encontrava-se abundante nesse período. Ainda no metaestro, foram observadas, células espumosas (foam cells), como as descritas por Rev. Bras. Reprod. Anim., Belo Horizonte, v.40, n.2, p.79-85, abr./jun. 2016. Disponível em www.cbra.org.br 82

Nogueira et al. (2005), em pesquisa com pacas. O diestro foi marcado pela presença de células parabasais em grande número, em relação as demais fases do ciclo. Figura 5. Médias de diferentes tipos celulares nas fases do ciclo estral em pacarana. As diferenças são percebidas pela não sobreposição dos IC 95%. A taxa leucocitária também é um importante aspecto presente nas amostras de citologia vaginal, podendo estar em maior número nas fases do metaestro na cutia (Guimarães et al., 1997) e na paca (Nogueira et al., 2005). Foi encontrada presença significativa de leucócitos nas citologias vaginais de D. branickii, com maior predominância no metaestro e diestro. Considerando o intervalo entre estros, o ciclo estral da pacarana teve duração aproximada de 30 dias. Os histricomorfos de maneira geral apresentam ciclos de 30 a 40 dias, caracterizado por uma fase luteína extensa (Weir, 1974). Esse resultado também foi observado por Guimarães et al. (2008) em Agouti paca, que apresentou em média ciclo estral de 32,5 dias. Fatores distintos, como a faixa etária, o fato de a fêmea ser mantida isolada ou em grupo familiar, a quantidade de indivíduos por recinto e o tipo de manejo utilizado, podem influenciar na duração do ciclo estral (Guimarães et al., 2011). Há que se considerar que, neste estudo, a fêmea passou um período isolada dos machos, o que pode ter influenciado nos resultados encontrados. Também foram observados durante as fases do ciclo estral, a abertura e o fechamento do canal vaginal, o qual se encontrava aberto sempre que o padrão celular demonstrava influência estrogênica. Segundo Weir (1974) e Lange e Schmidt (2006), nas fêmeas de roedores histricomorfos o orifício genital apresenta-se aberto apenas nas proximidades do estro, no pós-parto e em situações de infecções. Sendo que durante o restante do período, apresenta-se ocluso, podendo proceder sua abertura através da manipulação manual. Com relação aos aspectos clínicos da genitália externa, observou-se que durante o proestro e estro da pacarana, havia presença de maiores quantidades de muco cervical, a mucosa vaginal tornou-se mais hiperêmica e a vulva entumecida. Aos 20 meses, cerca de quatro meses após o pareamento, a fêmea apresentou aumento da massa corporal e alargamento abdominal, havendo suspeita de prenhez. Para o diagnóstico de gestação foi realizado exame de ultrassonografia (Fig. 6), confirmando assim a prenhez de aproximadamente 1/3 da duração do período gestacional, quando a mesma apresentava 23 meses de idade. Segundo Collins e Eisenberg (1972), a gestação desses animais varia de 223 a 283 dias. A massa corporal da fêmea tem aumento aos três meses de gestação, período este onde a fêmea apresenta grande irritabilidade. Geralmente, há nascimento gemelar. O acompanhamento da progressão do amadurecimento sexual desta fêmea pode ser observado na tabela 02. Rev. Bras. Reprod. Anim., Belo Horizonte, v.40, n.2, p.79-85, abr./jun. 2016. Disponível em www.cbra.org.br 83

A Figura 6. Ultrassonografia para confirmação da prenhez em pacarana. A- crânio fetal e B- placenta tipo discoidal. B Tabela 2. Determinação das fases reprodutivas da fêmea de pacarana em cativeiro. Idade (meses) Aspectos reprodutivos 11 14 Pré-púbere 14 18 Púbere 20 Maturidade sexual 23 Comprovação da gestação por ultrassom Considerações finais A pacarana é uma espécie rara e em risco de extinção, cuja maioria das informações biológicas sobre esse animal ainda não foram descritas na literatura. Dessa forma, os dados obtidos nessa investigação são de grande relevância para o conhecimento sobre os aspectos básicos da sua biologia reprodutiva. Sendo este o primeiro relato sobre a puberdade e o ciclo estral para essa espécie. Tendo esta fêmea ciclos estrais com duração de aproximadamente 30 dias, com fases definidas, embora não tenha-se observado com segurança a duração de cada fase. Além disso, foi possível observar mudanças na genitália externa nas fases estrogênica e progesterônica do ciclo, suspeita de prenhez aos 20 meses, e comprovação da mesma aos 23 meses de idade. No entanto, tornam-se necessários estudos hormonais e etológicos, com uma quantidade maior de fêmeas, para que se possam estabelecer programas de reprodução assistida que contribuam para a conservação da espécie. Referências Barbosa LP, Rodrigues MV, Neves MM, Morais DB, Melo BES, Balarini MK, Coelho CDP, Mendonça C. Caracterização da colpocitologia em capivaras ( Hydrochoerushydrochaeris ). Rev Bras Saúde Prod Anim, v.8, p.258-266, 2007. Bastos LV, Guimarães DA, Luz-Ramos RS, Ferreira ACS, Ohashi OM. Aspectos da citologia vaginal durante o cicloestral de Agouti paca criada em cativeiro. Rev Bras Saúde Prod Anim, v.27, p.294-295, 2003. Concannon PW, Digregório GB. Canine vaginal citology. In: TJ Burker. (ed). Small animal reproduction and fertility. Ed. Philadelphia: Lea and Febiger, 1986. p.96-111. Collins RL, Eisenberg JF. Notes on the behaviour and breeding of pacaranas in captivity. Int Zoo Yearb, v.12, p.108-114, 1972. Costa DS, de Paula TAR, Fonseca CC, das Neves MTD. Reprodução de Capivaras. Arq. Ciên. Vet. Zool. UNIPAR, v.5, p.111-118, 2002. Lange RR, Schmidt EMS. Rodentia-Roedores Silvestres. In: Cubas ZS, Silva JCR & Catão-Dias JA. (Eds), Tratado de Animais Selvagens: medicina veterinária. Roca, São Paulo. 2512p. Fickel J, Wagcher A, Ludwig A. Semen cryopreservation and the conservation of endangered species. Euro J Wild Res, v.53, p.81-89, 2007. Goeldi E. On the rare rodent Dinomys branickii Peters. Proceeding of the Zoological Society of London, 1904. Disponível em: http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/jzo.1904.75.issue-3/issuetoc. Acesso em 25 de Junho de 2016. Rev. Bras. Reprod. Anim., Belo Horizonte, v.40, n.2, p.79-85, abr./jun. 2016. Disponível em www.cbra.org.br 84

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