Anafilaxia à maçã. Anaphylaxis to apple CASO CLÍNICO. Natacha Santos, Ângela Gaspar, Graça Pires, Mário Morais -Almeida RESUMO

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CASO CLÍNICO Anafilaxia à maçã Anaphylaxis to apple Data de recepção / Received in: 30/10/201 Data de aceitação / Accepted for publication in: 23/11/2011 Rev Port Imunoalergologia 2011; 19 (4): 223-227 Natacha Santos, Ângela Gaspar, Graça Pires, Mário Morais -Almeida Centro de Imunoalergologia, Hospital CUF Descobertas, Lisboa RESUMO As rosáceas são uma importante causa de alergia alimentar no Sul da Europa, sendo o pêssego o fruto desta família mais implicado em casos de anafilaxia. Descrevem -se dois casos clínicos menos comuns de anafilaxia a maçã. Do estudo alergológico efectuado salientam -se testes cutâneos por picada positivos para pele de maçã e de pêssego, IgE específicas positivas para maçã, pêssego e proteína de transferência de lípidos (LTP) do pêssego (rpru p 3) e ImmunoCAP ISAC positivo para LTPs (npru p 3, rcor a 8 e rpar j 2). Confirmou -se sensibilização a LTPs, panalergénios termoestáveis e resistentes à degradação enzimática, presentes na pele da maçã e do pêssego. Realça -se o facto de as manifestações com a maçã terem sido de maior gravidade, colocando -se as hipóteses de tal se ter devido à quantidade de LTPs ingerida, bem como a possíveis cofactores como o jejum e o exercício. Palavras -chave: Anafilaxia, LTP, maçã, pêssego, Pru p 3, rosáceas. ABSTRACT Rosaceae fruits are an important cause of food allergy in the Southern Europe, being the peach the most commonly implicated in anaphylaxis. We describe two less usual case reports of anaphylaxis to apple. From the allergological study performed, we highlight positive skin prick tests to apple and peach peel, positive specific IgE to apple, peach and lipid transfer protein (LTP) of peach (rpru p 3), and positive ImmunoCAP ISAC to cross -reactive LTPs (npru p 3, rcor a 8 and rpar j 2). We confirm sensitization to LTPs, thermally stable and resistant to peptic digestion panallergens present in apple and peach peel. We emphasize the fact that clinical reactions to apple were of greater severity, and we hypothesize this may be due to the quantity of ingested LTPs or to cofactors that might amplify an anaphylactic episode as fasting and exercise. Key -words: Anaphylaxis, apple, LTP, peach, Pru p 3, Rosaceae fruits. 223

Natacha Santos, Ângela Gaspar, Graça Pires, Mário Morais-Almeida INTRODUÇÃO A maçã (Malus domestica) é um fruto da família das Rosaceae, que inclui as subfamílias Prunoideae (pêssego, alperce, ameixa, cereja e amêndoa), Pomoideae (maçã e pêra) e Rosoideae (morango e amora) 1. Segundo o Comité Internacional de Nomenclatura de Alergénios da IUIS (International Union of Immunological Societies), estão até à data identifi cados e caracterizados quatro alergénios da maçã 2 : Mal d 1, proteína de defesa (PR) homóloga da Bet v 1 (PR-10) Mal d 2, proteína semelhante à taumatina Mal d 3, proteína não específica de transferência de lípidos (LTP) Mal d 4, profilina. As LTPs são uma das causas mais frequentes de alergia alimentar grave em contexto de sensibilização primária no Sul da Europa, sendo o pêssego o alimento mais implicado na alergia a LTPs 3. Em Portugal, Morais -Almeida et al identificaram os frutos frescos como alimento causal em 9,8% das anafilaxias notificadas no período de um ano 4. Descrevem -se dois casos clínicos de anafilaxia a maçã por sensibilização a LTPs e discutem -se os possíveis mecanismos que levaram a uma reacção mais grave com este fruto do que com o pêssego. CASO CLÍNICO 1 Mulher de 29 anos, com asma e rinoconjuntivite alérgica desde a infância, sensibilizada a pólenes de gramíneas e parietária, ácaros (Dermatophagoides pteronyssinus, Dermatophagoides farinae, Blomia tropicalis, Euroglyphus maynei, Lepidoglyphus destructor e Tyrophagus putrescentiae) e epitélio de gato, sem antecedentes de alergia alimentar. Em Dezembro de 2010, após jejum de 8 horas, refere um Quadro 1. Resultado dos testes cutâneos por picada e sige para frutos da família Rosaceae Maçã Pêssego Pêra TCP (mm) Caso clínico 1 Caso clínico 2 TCPP (mm) sige (ku/l) TCP (mm) TCPP (mm) (pele) 3x3 7x6 3x3 4x3 0,48 (polpa) (pele) 5x4 14x6 11x7 0,51 (polpa) 4x3 (pele) (polpa) n.t n.t. sige (ku/l) Ameixa <0,10 3x3 n.t 8,36 Cereja <0,10 3x3 n.t 8,00 Morango <0,10 10x4 1,18 Amêndoa n.t. <0,10 3x3 n.t. 0,66 TCP: Testes cutâneos por picada com extractos Bial -Aristegui (Bilbau, Espanha); TCPP: Testes cutâneos por picada com o alimento em natureza; sige: Imunoglobulina E específica; : ativo; n.t.: não testado. Nos testes cutâneos foi considerado como cut -off de positividade a existência de um diâmetro médio da pápula 3mm. O doseamento de sige foi efectuado por UniCAP 100 (Phadia, Uppsala, Suécia), considerando -se como cut -off de positividade a existência de valores 0,35kU/L. <0,10 5x3 10,3 13,2 5,33 224

ANAFILAXIA À MAÇÃ / CASO CLÍNICO episódio de anafilaxia (prurido e sensação de aperto orofaríngeo, dificuldade respiratória e urticária generalizada) cinco minutos após a ingestão de uma macã Granny smith com pele. Efectuou tratamento em ambulatório com anti- -histamínico e corticóide por via oral e broncodilatador inalado, com regressão das queixas em cerca de uma hora. Posteriormente, em Maio de 2011, refere dois episódios de angioedema labial após ingestão de sumo de pêssego e de pêssego com pele. A doente a queixas com a ingestão de outras rosáceas e encontra -se actualmente em evicção de maçã e de pêssego, medicada com dispositivo para autoadministração de adrenalina 0,3mg por via intramuscular. Do estudo alergológico salientam -se os testes cutâneos por picada positivos para pele de maçã e de pêssego, imunoglobulina E específica (sige) positiva para maçã, pêssego e LTP do pêssego (rpru p 3) de 0,69kU/L (Quadro 1) e ImmunoCAP ISAC (Figura 1) com perfil de sensibilização a LTPs (npru p 3 e rpar j 2). CASO CLÍNICO 2 Adolescente do sexo masculino, 18 anos, com asma e rinite alérgica desde a infância, sensibilizado a pólenes de gramíneas e cipreste e a ácaros (Dermatophagoides pteronyssinus e Dermatophagoides farinae), sem antecedentes prévios de alergia a maçã. Em Dezembro de 2010, após ingestão de maçã Golden delicious com pele refere início imediato (5 minutos) de prurido orofaríngeo, com evolução para anafilaxia (prurido generalizado, angioedema dos lábios, mãos e pés e dificuldade respiratória) ao iniciar jogo de futebol. Recorreu a urgência hospitalar, tendo sido medicado com anti -histamínico intramuscular e corticóide endovenoso, broncodilatador inalado e oxigenoterapia, com regressão das queixas em cerca de 3 horas. Previamente, em 2006, refere um episódio de angioedema da face e lábios 15 minutos após ingestão de sumo de pêssego, com recurso a urgência hospitalar e regressão das queixas após anti -histamínico intramuscular e corticóide endovenoso. Desde então encontrava -se em evicção de pêssego. Caso clínico 1 Caso clínico 2 Pólenes de ervas Phleum pratense Parietaria judaica rphl p 1 rphl p 2 rpar j 2 1,1 ISU 9,7 ISU 2,2 ISU 4 ISU Pólenes de árvores Cedro Cipreste ncry j 1 ncup a 1 3,2 ISU 24 ISU Animais Gato rfel d 1 0,6 ISU Ácaros D.pteronyssinus D.farinae Euroglyphus maynei nder p 1 nder p 2 nder f 1 rder f 2 eeur m 2 14 ISU 24 ISU 5,8 ISU 21 ISU 13 ISU 74 ISU 54 ISU 40 ISU 43 ISU 8,1 ISU Alimentos Pêssego Avelã npru p 3 rcor a 8 0,8 ISU 8,3 ISU 0,6 ISU Figura 1. Resultados de ImmunoCAP ISAC (Phadia, Uppsala, Suécia). Os resultados estão expressos em ISAC Standardized Units (ISU), sendo o cut -off de positividade considerado 0,3 ISU. 225

Natacha Santos, Ângela Gaspar, Graça Pires, Mário Morais-Almeida O doente a queixas com a ingestão de outras rosáceas. Encontra -se actualmente em evicção de rosáceas, medicado com dispositivo para autoadministração de adrenalina 0,3mg por via intramuscular. Do estudo alergológico salientam -se os testes cutâneos por picada positivos para pele de maçã, pele e polpa de pêssego, pele de pêra, ameixa, cereja, morango e amêndoa, sige positiva para maçã, pêssego, pêra, ameixa, cereja, morango e amêndoa e LTP do pêssego (rpru p 3) de 8,3kU/L (Quadro 1) e ImmunoCAP ISAC (Figura 1) positivo para LTPs (npru p 3 e rcor a 8). DISCUSSÃO Na Europa do Sul, a sensibilização a LTPs, representada pelo alergénio Mal d 3 na maçã tem um papel dominante e é um factor de risco importante para reacção alérgica grave 5, contrastando esta situação com o que se encontra na Europa Central e do Norte, onde a alergia a maçã está principalmente associada à alergia ao pólen de bétula, por sensibilização ao alergénio major Bet v 1, uma PR -10 com reactividade cruzada com o alergénio Mal d 1 da maçã, manifestando -se tipicamente por síndrome de alergia oral. Nos casos apresentados confirmou -se a sensibilização a LTPs, que são proteínas de defesa PR -14 com estrutura altamente conservada e ubiquitariamente presentes nas plantas, incluindo os frutos em cuja pele se encontram em elevadas concentrações. São termoestáveis e resistentes à degradação enzimática, pelo que actuam como alergénios completos, sensibilizando pela ingestão e causando frequentemente reacções sistémicas graves 6. Na alergia a LTPs poderão ser distinguidos diferentes quadros em relação com o número de sensibilizações a LTPs identificadas. Assim, existem por um lado doentes com sensibilização apenas a LTPs da família das rosáceas, frequentemente apenas à subfamíla Prunoideae, ou mesmo só ao pêssego e, no extremo oposto, sensibilização a um vasto número de LTPs, não todos com significado clínico 6. O pêssego parece realmente ser o fruto desencadeante da sensibilização na maioria dos doentes alérgicos a LTPs, já que é habitualmente o primeiro a produzir sintomas (como aconteceu no caso clínico 2), raramente a sua ingestão é assintomática, sendo os níveis de sige habitualmente mais elevados para Pru p 3 que para outras LTPs 6. Nos casos apresentados, para além do alergénio Pru p 3 identificado, seria importante a determinação da sige ao alergénio Mal d 3 (LTP da maçã), mas este não está disponível na prática clínica; pode concluir -se da muito provável sensibilização a este alergénio, dada a sintomatologia apresentada e a elevada homologia entre os dois, superior a 90% 1. Realça -se, no entanto, que nos casos apresentados as manifestações com a maçã foram de maior gravidade do que com o pêssego, colocando -se a hipótese de tal se ter devido à quantidade de LTPs ingerida, bem como a possíveis cofactores, como o jejum e o exercício. A quantidade de LTPs nos frutos é influenciada pela época da colheita, método e tempo de armazenamento 5, com valores médios de 132,9ug/g de Pru p 3 na pele do pêssego 7 e de 66,8ug/g de Mal d 3 na pele da maçã, onde a quantidade de LTPs pode ter variações de cerca de 100 vezes, tendo em conta a espécie, sendo que maçãs como Granny Smith e Golden delicious, as ingeridas nestes casos, têm maior conteúdo em LTPs 5. Em relação à possível influência de cofactores, como o jejum referido no caso clínico 1, Arena relata provas de provocação oral com maçã positivas em 4 de 12 doentes alérgicos ao pêssego, mas sem sintomas prévios com a maçã, quando a prova é realizada em jejum, postulando que tal se possa dever à mais rápida absorção do alergénio ou a uma mais eficiente degradação da matriz do alimento pela pepsina, resultando numa maior concentração do alergénio purificado em contacto com a mucosa intestinal 8. No caso clínico 2, embora não se possa considerar uma anafilaxia induzida pelo exercício dependente do alimento, já que os sintomas se iniciaram antes da prática desportiva, podemos supor que o aumento da permeabilidade intestinal e a redistribuição da circulação sanguínea causadas pelo exercício possam ter aumentado a desgranulação 226

ANAFILAXIA À MAÇÃ / CASO CLÍNICO mastocitária e contribuído para uma maior gravidade da reacção com a maçã do que aquela que havia tido com o pêssego, embora os valores de sige sejam mais elevados com o pêssego 9. Embora sem sintomas prévios com outras rosáceas, dada a gravidade da reacção parece lícito recomendar também a evicção de todas as rosáceas para as quais existe sensibilização, como ocorre no caso clínico 2, sendo essencial a educação dos doentes na técnica de utilização do dispositivo autoinjector de adrenalina e na medicação a utilizar em caso de ingestão acidental. Para além da evicção alergénica, realça -se a possibilidade de realização de imunoterapia sublingual específica com Pru p 3 10, cujos resultados se têm revelado promissores. Financiamento: Nenhum Declaração de conflitos de interesse: Nenhum a declarar Contacto: Ângela Gaspar Centro de Imunoalergologia, Hospital CUF Descobertas Rua Mário Botas 1998-018 Lisboa E -mail: angela.gaspar@sapo.pt REFERÊNCIAS 1. Rodriguez J, Crespo JF, Lopez -Rubio A, De La Cruz -Bertolo J, Ferrando -Vivas P, Vives R, et al. Clinical cross -reactivity among foods of the Rosaceae family. J Allergy Clin Immunol 2000;106:183-9. 2. The official list of allergens (IUIS): www.allergen.org. 3. Asero R, Antonicelli L, Arena A, Bommarito L, Caruso B, Colombo G, et al. Causes of food -induced anaphylaxis in Italian adults: a multi- -centre study. Int Arch Allergy Immunol 2009;150:271-7. 4. Morais -Almeida M, Gaspar A, Santa -Marta C, Piedade S, Leiria -Pinto P, Pires G, et al. Anafilaxia Da notificação e reconhecimento à abordagem terapêutica. Rev Port Imunoalergologia 2007;15:19-41. 5. Sancho AI, van Ree R, van Leeuwen A, Meulenbroek BJ, van de Weg EW, Gilissen LJ, et al. Measurement of lipid transfer protein in 88 apple cultivars. Int Arch Allergy Immunol 2008;146:19-26. 6. García BE, Lizaso MT. Cross -reactivity syndromes in food allergy. J Investig Allergol Clin Immunol 2011;21:162-70. 7. Ahrazem O, Jimeno L, López -Torrejón G, Herrero M, Espada JL, Sánchez -Monge R, et al. Assessing allergen levels in peach and nectarine cultivars. Ann Allergy Asthma Immunol 2007;99:42-7. 8. Arena A. Anaphylaxis to apple: is fasting a risk factor for LTP -allergic patients? Eur Ann Allergy Clin Immunol 2010;42:155-8. 9. Barg W, Medrala W, Wolanczyk -Medrala A. Exercise -induced anaphylaxis: an update on diagnosis and treatment. Curr Allergy Asthma Rep 2011;11:45-51. 10. Fernández -Rivas M, Garrido Fernández S, Nadal JA, Díaz de Durana MD, García BE, González -Mancebo E, et al. Randomized double -blind, placebo -controlled trial of sublingual immunotherapy with a Pru p 3 quantified peach extract. Allergy 2009;64:876-83. 227