UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO ESCOLA DE COMUNICAÇÃO E ARTES



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Transcrição:

UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO ESCOLA DE COMUNICAÇÃO E ARTES CARLOS ALBERTO DA COSTA E SOUSA JUNIOR Expressões de exibicionismo no Facebook: uma análise com base nas Ciências Sociais São Paulo Setembro/2014

CARLOS ALBERTO DA COSTA E SOUSA JUNIOR Expressões de exibicionismo no Facebook: uma análise com base nas Ciências Sociais Monografia apresentada ao Departamento de Relações Públicas, Propaganda e Turismo da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, em cumprimento às exigências do curso de pós-graduação lato sensu, para obtenção do título de Especialista em Gestão Integrada da Comunicação Digital nas Empresas. Orientadora: Professora Mestre Elizabeth Saad Corrêa São Paulo SP Setembro/2014

Autorizo a divulgação e reprodução total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio convencional ou eletrônico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada a fonte. Sousa, Carlos Alberto da Costa Junior Expressões de exibicionismo no Facebook: uma análise com base nas Ciências Sociais. Carlos Alberto da Costa e Sousa Junior: orientadora Prof a. Ms. Elizabeth Saad Corrêa. - São Paulo, 2014. 58 fls. Monografia (Especialização Lato Sensu) Escola de Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo, 2014. 1. Exibicionismo. 2. Cibercultura. 3. Comportamento Humano. 4. Visibilidade Digital. 5. Facebook.

Nome: SOUSA, Carlos Alberto da Costa Junior Título: Expressões de exibicionismo no Facebook: uma análise com base nas Ciências Sociais Monografia apresentada ao Departamento de Relações Públicas, Propaganda e Turismo da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, em cumprimento às exigências do curso de pós-graduação lato sensu, para obtenção do título de Especialista em Gestão Integrada da Comunicação Digital nas Empresas, sob orientação da Prof a. Ms. Elizabeth Saad Corrêa. Aprovado em: Banca Examinadora Prof. Julgamento: Instituição: Assinatura: Prof. Julgamento: Instituição: Assinatura: Prof. Julgamento: Instituição: Assinatura:

Dedico este trabalho aos meus pais, por todo apoio, fé e força que me sustentaram durante toda minha jornada até este momento.

AGRADECIMENTOS Aos meus pais e à minha irmã, a quem nunca conseguirei agradecer o suficiente por tudo, tudo, tudo. Vocês são a razão para continuar e o motivo pelo qual eu sou o que sou. Por toda compreensão e pelo perdão nas ausências durante esta etapa da minha vida, obrigado de coração. À professora Beth Saad. A escolha em fazer um trabalho transdisciplinar é culpa sua, que gerou o interesse por esta perspectiva desde o primeiro dia de aula e eu só tenho a lhe agradecer por isso. Ok, não só por isso, tenho de agradecer também pela sabedoria, pelo ouvido, pela orientação, paciência, coração e por ter me aceitado como discípulo. À Bianca Marder, por seu apoio imprescindível para todos os alunos do curso durante esses dois anos. À Val, sempre presente e disposta a nos auxiliar em tudo. Aos professores, Mauro Wilton, Magda David, Bruno Scartozzoni, Ivan Paganotti, Kleber Markus, Daniela Bertocchi e Rodolfo Araújo, por suas mentes brilhantes e a capacidade de inspirar a continuar aprendendo. À Clarissa e Nathalie, colegas de jornada sem as quais o caminho teria sido muito mais difícil. Obrigado pela parceria, amizade e risadas. À Isis, Gláucio, Camila, Vivian, Larissa, André, Marcus e Alê, meus amigos e companheiros de trabalho que me deram todo o suporte nas vezes em que precisei sair mais cedo para estudar. À Thaís, Marcelo e Dudu, por terem ajudado a distrair a cabeça nas poucas pausas para respirar. E por último, mas não menos importante, ao meu cão Farofa, por toda sua paciência aos finais de semana em que não o levei para passear para ficar estudando e pelo amor incondicional mesmo nessas situações.

No futuro, todos serão famosos por quinze minutos. Andy Warhol

RESUMO SOUSA, Carlos Alberto da Costa Junior. Expressões de exibicionismo no Facebook: uma análise com base nas Ciências Sociais. 2014. 58 fls. Monografia (Especialização Lato Sensu) Escola de Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo, 2014. Validação social e reconhecimento por meio de capital simbólico acompanham o homem desde tempos remotos. Com o advento das mídias sociais (notadamente o Facebook) e as facilidades para publicação de conteúdo, as condições atuais favorecem a demonstração cada vez mais recorrente de comportamentos de natureza exibicionista. A cultura dominante capitalista, por sua vez, exerce papel preponderante de influência nessas expressões de exibicionismo, pela necessidade das pessoas em demonstrar para suas redes de contatos o capital simbólico por elas detido. Ao mesmo tempo em que a situação é reflexo de um momento atual e único, as ferramentas de conhecimento mais atuais não parecem ser suficientes para chegar à compreensão do fenômeno dos comportamentos exibicionistas no Facebook na atualidade. É nesse contexto que o presente trabalho busca analisar o exibicionismo no Facebook, contando com o apoio dos campos de conhecimento das Ciências Sociais. Palavras-chave: Exibicionismo. Cibercultura. Comportamento Humano. Visibilidade Digital. Facebook.

ABSTRACT SOUSA, Carlos Alberto da Costa Junior. Expressions of exhibitionism on Facebook: an analysis based on the Social Sciences. 2014. 58 fls. Monografia (Especialização Lato Sensu) Escola de Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo, 2014. Social validation and recognition through symbolic capital has been following the mankind since remote times. With the advent of social media platforms (notably Facebook) and easy content publishing, present conditions make it easier for the public to demonstrate behaviors of an exhibitionist nature in a more frequent way. The dominant capitalist culture, on its turn, plays a role of major influence over these exhibitionism expressions through people s need to show to their contact lists the symbolic capital owned by yourselves. At the same time in which the situation reflects a unique and contemporary moment, the most recent tools of knowledge don t seem to be enough to reach comprehension of these behaviors. Under this given scenario the present paper tries to analyze exhibitionism on Facebook with the support of the Social Sciences. Key-words: Exhibitionism. Cyberculture. Human Behavior. Digital Visibility. Facebook.

i LISTA DE FIGURAS Figura 1 - Postagem A...26 Figura 2 - Postagem B...26 Figura 3 - Postagem C...27 Figura 4 - Postagem D...27 Figura 5 - Postagem E...28 Figura 6 - Postagem F...29 Figura 7 - Postagem G...30 Figura 8 - Postagem H...30 Figura 9 - Postagem I...31 Figura 10 - Postagem J...31 Figura 11 - Postagem K...33 Figura 12 - Postagem L...33 Figura 13 - Postagem M...34 Figura 14 - Postagem N...34 Figura 15 - Postagem O...35 Figura 16 - Postagem P...37 Figura 17 - Postagem Q...38 Figura 18 - Postagem R...38 Figura 19 - Postagem S...39 Figura 20 - Postagem T...39

ii LISTA DE QUADROS Quadro 1- Análise de conteúdo da categoria Globetrotters...28 Quadro 2 - Análise de conteúdo da categoria Sociáveis...32 Quadro 3 - Análise de conteúdo da categoria Vida Saudável...36 Quadro 4 - Análise de conteúdo da categoria Gourmet...40

iii SUMÁRIO I. INTRODUÇÃO...1 1.1. Contextualização do tema...1 1.2. O objeto de estudo...2 1.3. Justificativa...3 1.4. O problema...4 1.5. Pressupostos...4 1.6. Objetivos...4 1.7. Metodologia...5 II. CONCEITUANDO O EXIBICIONISMO...6 2.1. Origem etimológica e conceituação...6 2.2. O exibicionismo sob a perspectiva das Ciências Sociais...6 III. EXPRESSÕES DE EXIBICIONISMO NO FACEBOOK...20 3.1. O porquê da escolha do Facebook como veículo de análise...20 3.2. Visibilidade digital...21 IV. ANÁLISE DE CONTEÚDO...24 4.1. Categoria 1: Globetrotters...26 4.2. Categoria 2: Sociáveis...29 4.3. Categoria 3: Vida Saudável...33 4.4. Categoria 4: Gourmet...37 V. CONCLUSÕES...41

1 I. INTRODUÇÃO Durante o processo de escolha do tema a ser desenvolvido neste estudo, o autor buscou algo que fosse próximo à sua vivência. Pensando nisso, a curiosidade em entender melhor postagens que denotam um comportamento exibicionista de sua rede de contatos no Facebook chamou atenção de forma determinante. Dessa maneira, iniciou-se uma produção de caráter misto, que transita entre aspectos opinativos e ensaísticos, ao mesmo tempo em que se recorreu a bases teóricas que pudessem melhor fundamentar o trabalho. 1.1. Contextualização do tema O termo exibicionismo por muito tempo esteve ligado exclusivamente a um desvio de comportamento sexual em que o prazer tem origem na exibição de órgãos sexuais em público ou na prática pública de atos sexuais (HOUAISS e VILLAR, 2009). Com o tempo, o termo ganhou outras conotações, como a autopromoção do indivíduo mediante aspectos que julga serem dignos de admiração e reconhecimento, sejam atributos físicos ou condição financeira. É este aspecto do termo exibicionismo que será trabalhado neste estudo. A necessidade de validação social e reconhecimento são características que parecem permear a natureza humana desde sempre. O advento da era digital trouxe consigo recursos para que essas necessidades ganhassem um novo nível de visibilidade e alcance: poucas teclas separam uma postagem de um possível estrelato virtual. Um dos maiores impactos da era digital dentro da sociedade tem a ver com a chamada liberação do polo de emissão, assim chamada por André Lemos (2003) quando discorre sobre as leis da cibercultura. Em um contexto em que todos são produtores de conteúdo, o papel de filtro ou censor daquilo que se expõe tem sido exercido pelo próprio autor da postagem. Tal empoderamento do indivíduo, em virtude da facilidade de publicação, abriu espaço para que as pessoas reivindicassem os holofotes e atenção para si mesmas. Em uma sociedade que valoriza cada vez mais padrões de beleza e de sucesso pré-concebidos, o indivíduo muitas vezes se vê obrigado a mostrar que atende a esses estereótipos, fazendo jus, em sua cabeça, ao reconhecimento público.

2 O exibicionismo encontrou terreno fértil na era digital por meio de inúmeras plataformas de relacionamento, como o Facebook, o Instagram e o Foursquare, por exemplo, cada uma com suas características próprias. Ao mesmo tempo em que novas ferramentas surgem, é preciso voltar alguns passos e lançar mão de conhecimentos anteriores para compreender o fenômeno do exibicionismo nas mídias sociais. É nesse contexto que o presente trabalho busca analisar o exibicionismo nas mídias sociais 1 (em especial no Facebook), sob as lentes das Ciências Sociais, campo de conhecimento que fornece subsídios para uma análise atual do tema. 1.2. O objeto de estudo O estudo tem como foco a análise de expressões de exibicionismo no Facebook sob o ponto de vista das Ciências Sociais, sobretudo a Filosofia, a Sociologia e a Psicologia. O uso da Filosofia como apoio para análise do tema em questão justifica-se por ser um campo que oferece um conhecimento sistematizado sob a natureza humana. Por meio de seus conceitos, espera-se encontrar ferramentas capazes de facilitar e ampliar o entendimento das motivações que levam o ser humano a praticar comportamentos exibicionistas. Mesmo sendo conceitos bastante anteriores à era digital, seus fundamentos dizem respeito à essência da condição humana e entende-se serem passíveis de perfeita aplicação para o entendimento de fenômenos atuais. A Filosofia, como meio para análise do tema, possibilita um instrumento racional para entender a manifestação comportamental classificada como exibicionismo. A Sociologia, por estudar o comportamento humano em função do meio, possibilita examinar o exibicionismo no Facebook como um fenômeno social, levando em consideração as relações de interdependência entre os indivíduos. Espera-se que os conceitos da Sociologia ajudem a formular análises cruzadas que ampliem o entendimento desse fenômeno, como, por exemplo, sua relação com a cultura capitalista dominante na sociedade. A sociedade contemporânea passa por um momento em que cada vez mais as relações acontecem no meio digital e talvez ainda haja carência de recursos suficientes para compreender todas as transformações que essa mudança envolve. É justamente por essa razão que o apoio da Sociologia se faz necessário e torna-se mais que bem-vindo neste estudo. 1 De acordo com Terra (2010), podemos definir a mídia social como aquela utilizada pelas pessoas por meio de tecnologias e políticas na web com fins de compartilhamento de opiniões, ideias, experiências e perspectivas. A autora considera como mídias sociais os textos, imagens, áudio e vídeo em blogs, quadro de mensagens, podcasts, wikis, vlogs e afins que permitam a interação entre os usuários. Ela acrescenta que o compartilhamento de conteúdos e estabelecimento de diálogos são as bases das mídias sociais.

3 A Psicologia é uma disciplina de bastante importância no desenvolvimento deste trabalho por estudar o indivíduo em sua singularidade, seu comportamento e processos mentais. Mesmo ao refletir sobre comportamentos de grupos, a Psicologia tem seu olhar voltado para o indivíduo. Como processos mentais não podem ser observados, mas apenas inferidos, torna-se o comportamento o alvo principal dessa observação. Para analisar comportamentos exibicionistas, foco deste estudo, é primordial o apoio da Psicologia nas análises. A escolha pela plataforma Facebook como veículo de análise recaiu por fatores como seu tamanho e impacto na cibercultura, sua característica integradora de plataformas e a pluralidade de formatos e mídias por ela suportados. Este estudo contará à frente com um item específico dedicado a explanar de forma mais aprofundada o porquê da escolha do Facebook como veículo de análise. 1.3. Justificativa O termo selfie designa um autorretrato, geralmente feito por meio de um smartphone ou webcam e compartilhado em uma das mídias sociais existentes. Recentemente, o mundo on-line conseguiu um marco poderoso no mundo off-line: um dos mais renomados dicionários da língua inglesa, o Dicionário Oxford, elegeu a palavra selfie como a palavra do ano, segundo informou a Oxford University Press em seu blog, em novembro de 2013 2. Se o termo selfie já circula livremente na internet desde 2002, há um termo mais novo e ainda não catalogado pelo Dicionário Oxford em seus compêndios. Trata-se do termo braggie. A expressão é derivada do verbo to brag, que traduzido para a Língua Portuguesa seria o equivalente a gabar. Dessa maneira, braggie pode ser interpretado como um autorretrato que carrega a intenção de seu autor em gabar-se de algo. Aqui, propõe-se conduzir a análise de um fenômeno social contemporâneo em uma perspectiva transdisciplinar e sob o ponto de vista dos relacionamentos sociais. Tais manifestações poderiam indicar que vive-se hoje em uma era de egolatria digital? Fazer esta pergunta indica que a análise do exibicionismo no Facebook encontra validade no contexto atual. 2 Oxford Dictionaries. Disponível em: <http://blog.oxforddictionaries.com/press-releases/oxford-dictionaries-word-of-theyear-2013/>. Acesso em: 18 set. 2014.

4 1.4. O problema Mudanças econômicas podem favorecer o surgimento de comportamentos exibicionistas? E o acesso a novas tecnologias, exerce influência sobre o quanto de suas vidas privadas as pessoas exibem na atualidade? O que leva as pessoas a exercerem comportamentos exibicionistas no Facebook? Elas estão de fato se exibindo ou apenas registrando seus bons momentos? 1.5. Pressupostos I. O exibicionismo percebido no ambiente digital na atualidade é favorecido pelas facilidades de acesso a novas tecnologias, que democratizaram a publicação de conteúdos pessoais. II. O Facebook, por suas funcionalidades técnicas, é um dos ambientes que mais favorecem o desenvolvimento de comportamentos exibicionistas on-line na atualidade. III. O Facebook, por sua liderança em termos numéricos absolutos, tornou-se o ambiente padrão no mundo digital para o registro de momentos memoráveis na vida de seus usuários. 1.6. Objetivos I. Identificar se uma possível predisposição das pessoas em exibir o capital simbólico que possuem pode favorecer comportamentos exibicionistas no ambiente digital, em especial, no Facebook. II. Analisar as condições e os recursos da plataforma Facebook que favorecem o desenvolvimento de comportamentos exibicionistas on-line.

5 1.7. Metodologia O presente estudo conduziu-se mediante levantamento bibliográfico, que fundamenta uma observação não participante da plataforma Facebook. O material observado será analisado por meio da técnica de análise de conteúdo (BARDIN, 2011). Pela união do referencial teórico levantado com a análise de conteúdo espera-se chegar à formatação de indicadores para detecção de comportamentos de natureza exibicionista em postagens feitas no Facebook.

6 II. CONCEITUANDO O EXIBICIONISMO 2.1. Origem etimológica e conceituação exibicionismo \z\ s.m. (1913) 1 mania de ostentação ou de exibição <muita gente se veste bem por puro e.> 2 PSICOP forma de perversão sexual que consiste em exibir a própria nudez, esp. as partes sexuais. ETIM exibição sob a f. rad. exibicion-+ismo, talvez por infl. do fr. exhibitionisme id.. (HOUAISS e VILLAR, 2009) O termo exibicionismo, segundo sua própria definição no dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, apresenta duas definições bastante distintas entre si. É necessário, portanto, identificar a definição de interesse neste estudo. O objeto deste estudo restringe-se ao exibicionismo enquanto mania de ostentação, estando de certa forma bastante próximo do domínio conceitual da vaidade. O prisma a ser explorado sobre o exibicionismo neste projeto relaciona-se a comportamentos autocentrados e que buscam a autopromoção, sejam eles praticados consciente ou inconscientemente. Consideram-se, para efeito de análise, expressões de exibicionismo mostradas de forma a ostentar aspectos da vida pessoal, como acesso a lugares exclusivos, viagens, incursões gastronômicas, boa forma física e eventos, mas o exibicionismo não se restringe somente a essas manifestações. 2.2. O exibicionismo sob a perspectiva das Ciências Sociais É possível traçar um panorama bastante amplo sobre o exibicionismo a partir dos conceitos de diversos estudiosos das Ciências Sociais, desde filósofos, psicólogos, antropólogos, sociólogos, entre outros. Mesmo quando não discorrem especificamente sobre o tema, tais pensadores fornecem subsídios para analisar o assunto. O exibicionismo no ambiente digital traz à tona a mudança no paradigma da liberdade nos tempos atuais. Se há algum tempo atrás ser livre significava se desconectar do cotidiano, das mesmas pessoas, das rotinas e das preocupações, hoje, quando o indivíduo possui um tempo para viver a vida, o termo desconectar definitivamente não pode mais ser aplicado.

7 Os juristas Samuel Warren e Louis Brandeis já falavam, em 1890 3, sobre a privacidade, definido-a como o direito que o indivíduo tem de ser deixado em paz. Contextualizando esta afirmação, é preciso lembrar que à época novas tecnologias de comunicação de massa, como fotografias e jornais, estavam mudando padrões de comportamento. Da mesma maneira, hoje há um cenário em que a era digital está transformando e remodelando comportamentos e relações interpessoais na sociedade. O que se vê no contexto atual muitas vezes indica o indivíduo abdicando de sua privacidade: ele não deseja, na realidade, ser deixado em paz. Ele não quer perder a conexão com seu grupo, nem naqueles momentos em que busca sair de sua rotina, em momentos de lazer. Ao discutir sobre abdicação de privacidade, é possível recorrer ao filme 1984. A película, dirigida por Michael Radford, é uma adaptação do livro homônimo escrito por George Orwell. Após uma guerra atômica, o mundo é dividido em três estados, sendo Londres a capital de um deles, dominado por um partido com controle total sobre os cidadãos. Um personagem acaba por se apaixonar em um contexto em que emoções são consideradas ilegais. O filme se desenvolve com o casal tentando escapar da vigilância do Grande Irmão. A grande ironia é que, 30 anos depois, aquele futuro desenhado por Orwell é, na realidade, o extremo oposto: em 2014, em plena era de consolidação da plataforma Facebook, o que se encontra não é um ambiente no qual emoções são reprimidas, mas sim o contrário. Hoje, parece quase uma heresia não se expressar na rede, contudo, o papel de Grande Irmão ainda pode ser encontrado em prática de duas formas distintas. A primeira situação é considerar a própria plataforma Facebook como o Grande Irmão da atualidade. Detentora de acesso irrestrito a todas as informações pessoais que se decide compartilhar por vontade própria, o Facebook se aproveita de nossos instintos exibicionistas para lucrar com a venda de publicidade. A cada novo aplicativo integrado com a plataforma, aumenta seu conhecimento sobre os hábitos de seus usuários. Já na segunda situação, é possível considerar todos os usuários do Facebook em um status de Pequenos Irmãos. Não se detém a totalidade de informações sobre os demais usuários da forma como a plataforma possui, porém os usuários têm a capacidade de monitorar e observar de forma qualitativa cada exibição ostentada na rede. Torna-se quase imediata a associação ao conceito do panóptico do filósofo e jurista inglês Jeremy Bentham. Na concepção de Bentham (1995), o panóptico era um projeto arquitetônico dedicado a observar e assim controlar detentos em um centro penitenciário a partir de um ponto de 3 WARREN, Samuel; BRANDEIS, Louis. O direito à privacidade. Harvard Law Review, v. IV, n. 5, Dec. 15, 1890. Disponível em: <http://groups.csail.mit.edu/mac/classes/6.805/articles/privacy/privacy_brand_warr2.html>. Acesso em: 11 ago. 2014.

8 observação central. A autoridade fica no centro de um círculo de celas, vigiando a todos. É possível usar esse conceito para analisar a questão do exibicionismo e da visibilidade no Facebook. A lógica do panóptico aplicada a este contexto estaria subvertida: quando o indivíduo se exibe no Facebook, ele se coloca no centro do círculo, porém não na posição de observador, mas sim de observado, assim como verificado por Foucault, em Vigiar e Punir (1987). Retomando o que foi dito anteriormente sobre abdicar da privacidade, hoje liberdade parece ser gozar da vida e dar visibilidade ao prazer que se tem enquanto estes momentos são desfrutados. Isso ocorre ao compartilhar pelas mídias sociais (notadamente o Facebook) e divulgar para onde se viaja, o que se bebe ou o que se come. Sem dúvidas, o Facebook tornou-se uma zona de autoexposição da humanidade, a arena perfeita para publicar retratos de nossas vidas de forma controlada e editada. O comportamento de pessoas que ao se desconectarem de suas rotinas permanecem conectadas ao Facebook leva a acreditar que a vida virtual está cada vez mais deixando de ser uma segunda vida para se tornar a vida de fato ou ainda uma extensão da vida como ela é, em todas as suas dimensões e sob todas as suas modalidades, como afirma o sociólogo espanhol Manuel Castells (2003, p. 100). Ao analisar o comportamento de jovens sul-coreanos, o sociólogo polonês Zygmunt Bauman destaca, por exemplo, que tais jovens não têm escolha quanto a levar uma vida social eletronicamente mediada, trata-se de uma necessidade do tipo pegar ou largar (BAUMAN, 2008). Se o ambiente on-line for de fato essa extensão da vida como afirmou Castells, devese discutir então se os bits e bytes não estariam apenas refletindo comportamentos já existentes na vida off-line anteriores à era digital. Pode-se tomar como exemplo o mecenato, que contribuiu para o florescimento das artes durante a Renascença na Europa, entre fins do século XIV e início do século XVII. O que se via era um contexto de mudanças dramáticas, com a fim da Idade Média e a transição do feudalismo para o capitalismo, um momento de grande ruptura nas artes, na filosofia e nas ciências. A burguesia passa a ganhar maior importância econômica, mas ainda carecia de validação social. Entra em cena então a figura dos mecenas, burgueses financiando a produção artística com o intuito de melhorar a própria imagem perante a sociedade na qual estavam inseridos. Guardadas as devidas proporções, é possível comparar com os dias de hoje. Assim como naquela época, a sociedade passa por um momento de transição econômica que, desenrola-se há pelo menos 16 anos, desde a crise russa, mas que teve seu estopim com a bolha imobiliária do mercado norte-americano em 2007, até desembocar em um novo formato de economia criativa que vem se desenhando na atualidade. A ciência e a tecnologia seguem

9 um ritmo de desenvolvimento sem precedentes. A conectividade entre as pessoas nunca foi tão grande. Smartphones, tablets, banda larga e plataformas de interação social on-line: os recursos tecnológicos atuais geram um impacto direto na sociedade contemporânea e conferem aos indivíduos um poder de emissão de informação jamais visto. E o que esses indivíduos têm feito com tal poder? Do ponto de vista do autor do presente estudo, talvez um dos maiores impactos tenha sido a autopromoção. Com a facilidade de captar conteúdo e transmiti-lo à suas redes de contatos digitais, muitos indivíduos têm usado plataformas como o Facebook para exibirem suas conquistas pessoais ou profissionais para o grupo. Por um lado, pode parecer um tanto ingênuo acreditar que essa iniciativa tenha apenas o intuito de dividir bons momentos com bons amigos. Por outro, é de se questionar se o que esses indivíduos estão fazendo não seria praticar a busca por uma validação social, assim como os mecenas da Renascença. Com efeito, pesquisadores da Universidade de Queensland, na Austrália, conduziram um experimento no qual descobriram que quanto mais curtidas ou comentários uma pessoa recebe no Facebook, melhor ela se sente a respeito de si mesma (TOBIN et al., 2014). No experimento, cujas conclusões foram publicadas em março de 2014, os pesquisadores dividiram 79 estudantes em dois grupos. Para o primeiro grupo, os pesquisadores providenciaram para que suas postagens no Facebook ficassem invisíveis ao público, garantindo assim que tivessem zero curtidas ou comentários. Para o segundo grupo, foi providenciado para que tivessem inúmeras curtidas ou comentários. Os pesquisadores então perguntaram aos participantes sobre as sensações de inclusão, pertencimento, autoestima e interesse percebido. O segundo grupo obteve notas mais altas em todas as categorias, tendo se sentido mais aceito socialmente que o primeiro. Não há como garantir que os participantes desse estudo fossem pessoas com conduta exibicionista. Porém, usando as conclusões do experimento em questão, é possível aplicá-los aos indivíduos de comportamento exibicionista, retomando a analogia ao mecenato: o exibicionista do Facebook nada mais seria do que um mecenas de si próprio, patrocinando e valorizando, perante seu grupo, a sua própria produção, quer seja de textos, opiniões, viagens ou seus atributos físicos. Ao dar visibilidade a essas situações, ele espera uma reação de seu público para se sentir bem, assim como no experimento relatado acima. O que esse exibicionista busca seria apenas e tão somente o reconhecimento do grupo no qual está inserido, o que, como demonstrou-se, é um comportamento registrado desde a Renascença, período escolhido para tecer a comparação. As pessoas sentem necessidade de fazer parte de

10 sociedades e comunidades digitais e de expor por vezes de forma excessiva sua vida, opiniões e participação na rede. Com essa conduta excessiva, o privado torna-se público como forma de afirmação pessoal, inerente ao ser humano, que encontra no ciberespaço uma forma, ou melhor, uma nova forma, de expor suas ideias, valores e opiniões. A cada vez que se autoriza o acesso a dados pessoais a um novo aplicativo capaz de compartilhar tudo aquilo que é realizado, pensado, lido, ouvido, assistido ou comprado, os produtos e serviços da web aumentam a visibilidade sobre nossas vidas e tornam normal níveis avançados de exibicionismo. Por meio de perfis no Facebook, o indivíduo, talvez até inconscientemente, mostra detalhes de sua vida particular, tentando causar uma melhor impressão em seus contatos na rede. As pessoas passaram a ter o costume de publicar textos e fotografias que destaquem características que elas gostariam de mostrar sobre elas próprias ou mesmo características que gostariam de possuir. Com isso, informações de locais frequentados, atividades pessoais ou aquisições recentes, por exemplo, passaram a ser divulgadas publicamente. Mais que vivenciar experiências, exibi-las passou a fazer parte do cotidiano da grande maioria das pessoas que acessam a internet, pouco importando se para isso a quebra da privacidade e a exposição de informações e momentos íntimos se dê de maneira cada vez mais excessiva. Talvez um conceito de Aristóteles ajude a ampliar e compreender melhor essa situação. O filósofo grego demonstra em sua obra Política como o homem busca a comunidade em função de ser, essencialmente, uma criatura carente e imperfeita, ao que ele arremata com a definição de que o homem é por natureza um animal social (ARISTÓTELES, 1997). Gozar de sua liberdade, de sua alegria de viver, e compartilhá-la com a rede de amigos no Facebook poderia parecer então meramente uma vantagem que esta plataforma proporciona para a prática da condição sociável do homem, mais antiga que o próprio Aristóteles. Esse aspecto desperta um questionamento essencial: a sociedade muda por causa da tecnologia ou seria a tecnologia que muda por causa da sociedade? O nascimento da cibercultura sofreu grandes influências da contracultura americana dos anos 1970, que se posicionava contra o poder tecnocrático. Sob esse ponto de vista, a popularização dos computadores pessoais na década de 1980 parecia finalmente começar a trazer para a realidade o power to the people. Era a luta contra a centralização e a posse da informação dando passos concretos e viabilizados pela tecnologia. A sociedade, que criou meios tecnológicos para isso, certamente mudou, mas, ao mesmo tempo, as novas tecnologias aceleraram as mudanças da sociedade em um processo de mão dupla. Com as tecnologias digitais e a miniaturização de componentes, vieram também o aumento da capacidade de

11 armazenamento de dados e da velocidade de processamento, o que gerou uma popularização da microinformática. Não se deve deixar de mencionar o contexto da época, já que essa movimentação coincidiu com uma fase fértil em condições técnicas, apenas para resgatar toda a efervescência dos progressos da matemática e das ciências naquele período. Assim, a tecnologia acelerou a democratização do acesso à informação, ultrapassando o significado de evolução técnica e conquistando status de uma espécie de movimento social. Essa democratização trouxe a reboque desafios, uma vez que a sociedade entende que os computadores não devem servir apenas como máquinas de calcular, mas também ferramentas de criação, prazer e comunicação, ou em outras instâncias, ferramentas de convívio, tornandose assim uma apropriação social para além de sua funcionalidade inicial. Certamente, quando o Facebook foi criado, seus idealizadores não o projetaram com o intuito de fornecer uma plataforma trampolim para comportamentos exibicionistas. Em uma escala maior ainda, certamente não imaginavam que esse ambiente se tornaria uma extensão da própria vida, retomando o conceito de Castells. Contudo, a recorrente postagem de conteúdos triviais no Facebook levanta mais um questionamento: dar visibilidade para o que até então era particular poderia confirmar uma tendência exibicionista no comportamento do homem atual no Facebook? A análise torna-se mais complexa quando se verifica que essa exibição não tem se dado apenas sob o pretexto de compartilhar momentos singulares de uma viagem, por exemplo. Na cibercultura, o ser humano é beneficiado com o que Lemos (2003) chamou de liberação do polo de emissão: não é apenas espectador, mas também produtor de conteúdo. Esta característica acabou por favorecer o compartilhamento livre do cotidiano e de situações banais. Assim, os novos emissores de conteúdo, empoderados com toda a autoridade que um aparelho de telefone celular com câmera e conexão a internet lhe proporcionam, podem usar de sua liberalidade para compartilhar uma foto na frente do espelho de um elevador, se assim o desejarem. Este exemplo, por si só, não mostraria a carência que o homem enquanto animal social possui. Porém, se a mesma foto no espelho for tirada por um homem com a camiseta levantada de modo a mostrar seus músculos abdominais, aí sim detectam-se indícios de exibicionismo. Via de regra, os pontos positivos são exibidos em preferência aos pontos negativos. Há então diversas convenções de felicidade partilhadas no senso comum. Algumas estão ligadas a condições materiais, como frequentar lugares exclusivos, bons restaurantes, clubes, viagens ou bens materiais, como roupas e gadgets. Outras convenções estão ligadas a condições imateriais, como o amor, a inteligência e o senso de humor. A ocorrência ou abundância dessas condições, materiais ou imateriais, costumam compor aquilo que se chama de

12 felicidade. No entanto, em uma conjuntura espaçotemporal marcada pelas tecnologias digitais, qual o significado de felicidade no mundo virtual, já que é possível ser o produtor e o editor de como sua vida se apresenta? Segundo Bauman (2009, p. 91), se aceitarmos que a modernidade passou de uma fase sólida na qual as identidades eram projetos para toda a vida, para uma fase líquida, onde os sujeitos têm a sensação de poder sempre começar do zero e mudar tudo. Este conceito esclarece a volatilidade das expressões exibicionistas no Facebook. Os exibicionistas podem ter hoje símbolos de sucesso e felicidade e, por qualquer motivo, amanhã terem que se adaptar, começar do zero, e buscar novos símbolos mais em alta em seus círculos sociais que os anteriores. Por meio de um silogismo, é possível criar uma relação entre o exibicionismo e as condições materiais. Se, para a sociedade atual, felicidade é ter sucesso, ter sucesso hoje em dia é ter dinheiro. Logo, quem possui dinheiro, é feliz. Talvez essa conexão ajude a entender o porquê de as pessoas buscarem exibir sinais materiais de felicidade no Facebook: elas estariam registrando para o mundo o quanto são bem-sucedidas e, portanto, felizes. Fica mais fácil perceber que, de certo modo, existe alguma ligação entre alegria e consumo, já que muitas das referências são elementos da indústria cultural, da cultura de consumo. Como consequência, o ser humano sente a necessidade que o outro sempre legitime essa felicidade e, no Facebook, essa legitimação pode estar em um comentário ou no botão curtir. Para Luli Radfahrer, mestre e Ph.D. em comunicação digital pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, a perda de espontaneidade faz crescer uma bola de neve. Em entrevista à Revista TPM, o estudioso cita uma das mídias sociais com integração ao Facebook, o Instagram, afirmando que tal recurso foi feito para mostrar as coisas legais que você achou. O erro é ficar carente do curtir. Se dependo do aplauso dos outros, começo a fazer qualquer coisa para garantir isso. Radfahrer vê ainda as pessoas tratando a própria vida como uma mídia. A vida não é cinza nem colorida. Mas, quando vira entretenimento, o indivíduo se sente obrigado a fazer uma programação florida todos os dias. É um Show de Truman voluntário (BOPP e GONZÁLEZ, 2012). Ao explorar ainda mais o conceito aristotélico do homem enquanto animal social, na vida em comunidade uma parcela de indivíduos existe fora de si mesmo. Isso quer dizer que as pessoas necessitam dos olhos dos outros e de validação social. Claro que isso não acontece de forma homogênea, mas sim em diferentes níveis, que variam de indivíduo para indivíduo. Clay Shirky (2011) afirma que o social se tornou o ambiente padrão da internet. Assim, seu status de ferramenta, que expõe recortes da vida, tem migrado cada vez mais para um status

13 progressivamente mais central na vida real. Dessa forma, padrões de comportamento que objetivam validação social no off-line ganham suas versões digitais no mundo on-line. Contudo, a vida exposta no Facebook surge por meio de recortes que parecem ser altamente seletivos, mostrando apenas as partes que interessam ser mostradas: as que exibem felicidade e validam o indivíduo como bem-sucedido (e consequentemente, feliz). Katie Roiphe, professora da Universidade de Nova York observa que o Facebook é o romance que todos estamos escrevendo (ROIPHE, 2010). Usando uma referência mais próxima do universo brasileiro, é possível recordar o episódio em que o então Ministro da Fazenda, Rubens Ricupero, afirmou, em áudio vazado em uma entrevista, que o que é bom a gente fatura, o que é ruim, a gente esconde 4. É possível encontrar diversas razões para explicar a necessidade do indivíduo em perseguir a construção e a divulgação de uma imagem favorável no Facebook. Espelhar-se nos outros para avaliar a sua própria vida é um comportamento comum há séculos. A psicanalista Maria Lucia Homem, especializada em estética e literatura, afirma que estamos marcados por uma divisão de milênios, na linguagem e no imaginário. Essa busca de um plano ideal, diferente de tudo o que é feio, sujo, mal, é muito antiga. Para embasar sua afirmação, ela recorre a Platão e sua Teoria das Ideias, que apresenta uma divisão entre a vida como ela é e o mundo perfeito (BOPP e GONZÁLEZ, 2012). Sem dúvidas, o Facebook fornece condições que favorecem o estilo de vida alheio parecer mais interessante que o nosso próprio estilo, transformando pessoas e situações em ideais. Ele está repleto de imagens de plenitude, em que predomina o hedonismo, verdadeiros simulacros de vidas perfeitas. A narração de nossas existências, as histórias registradas para a posteridade no Facebook, poderiam levar a conclusão de que as pessoas, hoje em dia, são muito mais felizes do que as de ontem. Afinal de contas, em seus diários digitais é possível ver uma fartura de indícios que registram vidas regadas a shows espetaculares, pés nas areias de praias paradisíacas (sempre sob a ótica do melhor filtro disponível, claro) e festas em família eternizadas em vídeos. Tudo registrado e tornado público pelo Facebook. Essas experiências compartilhadas em rede cumprem a missão de provar ao mundo o quanto se é feliz. O exibicionista vende no Facebook, acima de tudo, sua felicidade. Sob certo aspecto, o exibicionista do Facebook pode ser considerado vítima desse processo. Talvez, ao ver postagens de estilos de vida interessantes para seu ponto de vista, sinta-se estimulado a mostrar ao mundo seus atributos e conquistas. Aí então, após ser 4 Rubens Ricupero. WIKIPÉDIA, a enciclopédia livre. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/rubens_ricupero>. Acesso em: 22 out. 2014.

14 estimulado a fazer uma postagem exibicionista, ele renuncia temporariamente ao papel de plateia e passa a exercer o papel de estrela. Assim, o exibicionista do Facebook apresenta-se à sua rede por meio de uma persona construída de acordo apenas com os recortes que deseja exibir ao público. Entra aí o papel e a importância das métricas. Se no mundo off-line a medida do sucesso ainda pode ser considerada algo subjetivo, o Facebook oferece condições para que a exposição seja medida e comparada pelos botões curtir, compartilhar, e também pela quantidade de comentários que uma postagem pode gerar. Hoje, no Facebook, a busca pela face de sucesso se repete com imagens e vídeos: desejos universais por trás de fotos capturadas em celulares mostram os melhores momentos e ângulos. Tudo pode ser um motivo para se exibir: animais domésticos, pratos de comida, taças de vinho etc. Ao comentar sobre o Instagram, atualmente uma das mídias sociais mais utilizadas para o exibicionismo on-line em conjunto com o Facebook, Polyana Inácio, da Pós- Graduação em Comunicação Social da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC/Minas), diz que o exagero nas autorepresentações está relacionado à maneira como se escolhe ser visto em sociedade algo anterior a qualquer rede social. Desde sempre, ao nos apresentarmos publicamente, tendemos a criar uma estratégia sobre como queremos ser vistos. De modo geral, em função desta visibilidade, queremos ser bem vistos, queridos e aceitos. É nesta hora que as pessoas podem se distrair quanto ao que estão fazendo, ao invés de pensar: o que realmente quero comunicar sobre mim?. (apud MORAES, 2012) Nessa abordagem, o Facebook tornou-se uma vitrine pensada para exibir. Ser visto, reconhecido e curtido a todo custo é uma necessidade real para muitas pessoas. Ao ver amigos questionarem a própria vida depois de navegar pelas mídias sociais, o psicólogo Alexander Jordan, da Universidade de Stanford, na Califórnia, pesquisou o assunto com profundidade. Em 2010, publicou uma série de estudos sobre como universitários avaliavam as emoções dos seus amigos (JORDAN et al., 2010). Sua conclusão foi de que a maioria superestima a felicidade dos outros e subestima sentimentos negativos. Ao mesmo tempo, quanto menos os estudantes enxergavam experiências negativas na vida dos outros, mais reportavam solidão e tristeza na sua. Na apresentação do estudo, ele cita o filósofo iluminista Montesquieu: Se quiséssemos apenas ser felizes, seria fácil. Mas queremos ser mais felizes que os outros, o que quase sempre é difícil, já que pensamos que eles são mais felizes do que realmente são (apud EDWARDS, 2008). Tal afirmação, ainda que feita séculos atrás, permanece válida e atual, e dá peso à

15 suposição de que o exibicionismo no Facebook carrega em si um grande viés de competitividade, o que torna necessário debater sobre a sociabilidade em rede nos dias de hoje. As análises de Manuel Castells sobre este tópico trazem pontos de discussão bastante válidos. Em A Galáxia da Internet, o autor dedica um capítulo ao tema, intitulado Comunidades virtuais ou sociedade em rede? (CASTELLS, 2003). Nesta obra, o autor inicia o capítulo lembrando que, em determinado momento, foi sugerido que a Internet induziria as pessoas a fugirem do mundo real e viverem suas fantasias on-line. Desse modo, novos padrões de sociabilidade estariam emergindo em nossas sociedades. Se essa proposição fosse tomada em análise de forma isolada, seria possível interpretar o exibicionismo testemunhado atualmente no Facebook como um sinal de que as pessoas possam estar negando as partes difíceis de suas vidas em detrimento da vivência de uma fantasia on-line de felicidade perene. Felizmente, o bom senso impede tais generalizações. Assim, não seria correto afirmar que 100% dos indivíduos presentes no Facebook são adeptos da ostentação on-line. Porém, entre aqueles que a praticam, o que se observa é um estilo de vida mostrado através de filtros: os recursos tecnológicos possibilitam agora edições que minimizam imperfeições ou amplificam sensações. Assiste-se a construção de biografias on-line em que as pessoas parecem estar quase o tempo todo alegres, bonitas e frequentando os lugares da moda. Parecer feliz no mundo virtual para alguns grupos tem se mostrado tanto ou até mais importante do que efetivamente sê-lo no mundo real. É preciso, portanto, um aprofundamento maior no texto de Castells. O autor segue o capítulo falando sobre como em sua visão a representação de papéis e a construção de identidade na web seriam praticamente um fenômeno isolado e típico de adolescentes, uma vez que estes estariam em um processo de experimentação e consolidação de suas personalidades. Apesar de a obra citada ser extremamente rica em conceitos, é importante destacar de que se trata de um material criado no ano de 2001. Se naquele contexto as observações poderiam conferir bases para essa afirmação, ao observar postagens atuais no Facebook nota-se que a construção de uma identidade por meio de comportamentos exibicionistas não parece ser mais privilégio de grupos adolescentes, dada a reconfiguração da estrutura de redes e suas práticas de comunidades. Em Vida para Consumo, Bauman (2008), por exemplo, defende que seria um erro grave supor que o impulso que leva à exibição pública do eu interior e o pendor pela confissão pública fossem explicados por fatores específicos da idade. Para isso ele recorre a Eugene Enriquez:

16 Desde que não se esqueça que o que antes era invisível a parcela de intimidade, a vida interior de cada pessoa agora deve ser exposto no palco público (principalmente nas telas de TV, mas também na ribalta literária), vai-se compreender que aqueles que zelam por sua invisibilidade tendem a ser rejeitados, colocados de lado ou considerados suspeitos de um crime. A nudez física, social e psíquica está na ordem do dia. (ENRIQUEZ, 2004, p. 49) Ainda sobre a sociabilidade em rede, é preciso ter em mente que estar sozinho hoje não significa mais necessariamente estar isolado. A reconfiguração da estrutura de rede possibilita a qualquer indivíduo emitir e receber informações em tempo real e em diferentes formatos para qualquer lugar do planeta, uma autonomia sem precedentes: nossa realidade atual é de uma comunicação bidirecional e sem controle de conteúdo. A internet vem se revelando um celeiro de instrumentos de comunicação, no qual o número de possibilidades tende a ser virtualmente inesgotável e, até o presente momento, capaz de responder com diferentes soluções a diferentes desafios. Dessa forma, quando se leva em conta as práticas de comunidade e as novas relações eletrônicas, a cibercultura fica cada vez mais repleta de novas maneiras de se relacionar com o outro e com o mundo. Não se trata de substituição de formas estabelecidas de relação social (face a face, telefone, correio, espaço público físico), mas do surgimento de novas relações mediadas (LEMOS, 2003). O computador pessoal agora é um computador conectado, cheio de consequências para as novas formas de relações sociais, do comércio e entretenimento, passando pelo trabalho e educação, até a forma como o indivíduo se apresenta para a sociedade. Isso fatalmente leva ao seguinte raciocínio: que a mobilidade das tecnologias viabiliza uma conexão generalizada, ou seja, o caminho para uma autonomia ainda maior. No contexto dessa conexão generalizada, outro tipo de reconfiguração parece ocorrer. Por muito tempo, os meios de comunicação de massa (em especial, a televisão e o cinema) foram responsáveis por vender ideais e ditar padrões. Ainda que essa influência permaneça forte, o Facebook estabeleceu uma plataforma perfeita para que a rede de contatos passasse também a exercer esse tipo de influência. A liberação do polo emissor na comunicação, talvez como um dos maiores expoentes da autonomia que vem sendo conquistada, revela um empoderamento da sociedade por meio da intercomunicação individual. A rede proporciona ao indivíduo a oportunidade de expressar suas opiniões particulares e também de se conectar com aqueles que partilham de posições similares, ou seja, afinidades. E quando um grupo partilha de valores e referências comuns, é

17 possível que comportamentos exibicionistas aconteçam como forma de atestar pertencimento ou destaque dentro deste grupo. A sociabilidade baseada em lugar sempre foi uma fonte de apoio e interação social, porém, mais do que fatores geográficos, os laços são formados com base em afinidades. De acordo com Barry Wellman: Comunidades são redes de laços interpessoais que proporcionam sociabilidade, apoio, informação, um senso de integração e identidade social (WELLMAN, 2001, p. 1). O digital traz para esse contexto o deslocamento da comunidade para a rede como a forma central de organizar a interação. Explorando mais a questão da autonomia, observa-se a ascensão do individualismo como tendência dominante na evolução das relações sociais. Discute-se então sobre comunidades personalizadas, traduzidas em redes egocentradas, que tem tudo a ver com o exibicionismo. No livro A Era do Vazio, o filósofo Gilles Lipovestky (2005) aborda o comportamento da sociedade pós-moderna e fala do conceito de narcisismo coletivo, na qual os indivíduos se parecem porque são semelhantes, pelos mesmos objetivos conceituais. Nesse universo, o sucesso tem um significado psicológico: a busca da riqueza não teria qualquer outro objetivo a não ser excitar admiração ou inveja, e as relações humanas, públicas e privadas, tornaram-se relações de domínio e de conflitos baseadas na sedução fria e na intimidação. Pode-se fazer um paralelo com a sociedade de consumo atual e com as mídias sociais como o Facebook, em que é possível consumir a felicidade do outro enquanto se apresenta a própria. O botão de curtir seria como se o outro legitimasse o que se apresenta, dando sentido a essa vida que é apresentada e causa prazer, inveja e até desejo de obter o mesmo, em um ciclo de produção do desejo muitas vezes inconsciente. O psicólogo Elias Aboujaoude, em sua obra Virtually You (2011, p. 72), identifica a ascensão do que ele batizou Narciso on-line autoabsorvido. Segundo ele, a internet acaba por oferecer aos narcisistas a oportunidade de se apaixonar por eles mesmos repetidas vezes, criando assim um mundo digital de infinita promoção pessoal. Ao longo dos últimos dez anos, período na qual houve a maior popularização da Internet no Brasil, acompanhou-se alguns fenômenos de demonstração de exibicionismo nas mídias sociais e como as novas tecnologias afetaram o comportamento humano, com destaque para as mídias sociais/aplicativos como Orkut, Fotolog, Flickr, Twitter, Facebook, Sonico, Instagram, Foursquare, Vine e Last.FM. Em cada uma, a popularidade do usuário era medida de forma específica, como número de amigos e depoimentos no perfil (Orkut), número de likes e compartilhamentos (Facebook), número de likes nas imagens (Instagram) ou número de retuítes (Twitter) etc.

18 De acordo com Bourdieu (2001, p. 295), não existe pior esbulho, pior privação, talvez, do que a dos derrotados na luta simbólica pelo reconhecimento, pelo acesso a um ser social socialmente reconhecido, ou seja, numa palavra, a humanidade. O sociólogo defende ainda que existe uma concorrência em torno de um poder que só é obtido por meio do outro, de seu olhar, percepção e apreciação. Trata-se de um capital simbólico que proporciona ganhos para quem o conquista e tem o poder de nos livrar de uma suposta insignificância, como a ausência de importância e sentido. Ainda que os pensamentos de Bourdieu não tenham sido construídos tendo em mente a plataforma Facebook, esse raciocínio talvez ajude a entender em parte a luta solitária por visibilidade que os exibicionistas travam nessa mídia social em busca de uma representação favorável deles próprios. Isso porque o Facebook oferece em sua interface condições favoráveis para que haja uma concorrência por atenção e, consequentemente, pelo capital simbólico que a atenção conquistada representa. É curioso como é possível relacionar a cultura dominante capitalista com a aparente moda de exibicionismo no Facebook. Essa cultura carrega em sua essência o estímulo à competitividade. A sociedade digital contemporânea parece levar instintos competitivos a sério até mesmo quando o tema é um assunto tão subjetivo quanto a felicidade. Ao se supor que as pessoas tenham para si que ser feliz não é o bastante, para elas seria preciso fornecer ao mundo provas concretas de que se é feliz. A plataforma Facebook oferece condições para manifestações como textos, fotos e vídeos de seus usuários. Assim, o caminho para compartilhar as provas perante um círculo social fica facilitado, ao mesmo tempo em que fica mais acirrado, já que as facilidades de exposição beneficiam a todos de forma indistinta. Isso acaba por gerar um círculo vicioso, que se retroalimenta cada vez que um exibicionista é impactado pela postagem de outro exibicionista. Um impacto dessa competição pela atenção é a busca constante por novidades e atualizações. Assim como no mercado de consumo, é natural que os clientes potenciais tenham o instinto de substituir objetos de consumo defasados por similares que apresentem novidades mais interessantes. Assim, cada postagem de caráter exibicionista já nasce com seu prazo de validade prescrito: sua expectativa de vida útil é tão efêmera quanto a próxima postagem. Por isso, para manter-se sempre em evidência, as atualizações constantes têm caráter obrigatório para o exibicionista do Facebook. A vida vai assim se ressignificando: se antes eram apenas as visitas, sentadas no sofá da sala, que olhavam e comentavam as fotos de aniversários e casamentos, agora o privado é consumido por muitos, por gente que não necessariamente faz parte do cotidiano, mas fica sabendo, de longe, do nosso sucesso. A imagem mostrada é que se está sempre ótimo, adaptados a um