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Transcrição:

A região onde se desenvolveu uma das maiores concentrações urbanas do planeta foi predestinada por suas características naturais, relacionadas com a formação e o relevo do território onde se encontra. A cidade está situada num enclave de terrenos sedimentares e planícies fluviais chamado Bacia de São Paulo, em meio às formações rochosas do Planalto Atlântico, a uma altitude média de 750 metros. O sítio é separado do litoral pelas escarpas da Serra do Mar, ainda hoje uma formidável barreira para as ligações entre as terras altas do Planalto e as planícies costeiras. Entre as poucas possibilidades de travessia possível entre o litoral e o planalto em todo o Sudeste brasileiro, a que levava à Bacia de São Paulo era uma das mais utilizadas. Do interior do atual Estado de São Paulo para o litoral, são também poucas as passagens favoráveis entre os conjuntos de serras dos Cristais, do Japi e da Cantareira, cruzando a Bacia de São Paulo para a descida da Serra do Mar. Da mesma forma, essa região era passagem obrigatória das ligações entre o Rio de Janeiro e as regiões Norte e Centro-Oeste para as povoações ao sul do país, através do Vale do Paraíba. Essa localização peculiar tornou a região um entroncamento dos múltiplos caminhos percorridos há milênios pelos povos primitivos que circulavam no território, estabelecendo um ponto estratégico natural de passagem e de encontros.

No século XVI, o território paulista era ocupado por várias nações indígenas. Uma vasta rede de trilhas interligava a região dos Campos de Piratininga ao litoral e ao interior do continente, chegando aos Andes e a Amazônia. A faixa litorânea era dividida por duas tribos do grupo Tupi-Guarani: os Tupiniquins, desde o extremo sul do Estado até a região de Bertioga, e os Tupinambás, entre eles os Tamoios, que controlavam desse limite até a região de Cabo Frio. Por volta de 1500 já era conhecida a existência de povoados no litoral sul do país, como Cananéia, presente em mapas europeus dessa época. A costa brasileira era então percorrida freqüentemente por navios de vários países europeus. Sabia-se de vários europeus vivendo entre os índios. Entre eles encontravam-se dois comerciantes de escravos com grande influência entre os nativos: o Bacharel de Cananéia e João Ramalho. Senhor da região de São Vicente, João Ramalho era casado com a filha do cacique Tibiriçá (em tupi, o principal da terra), cuja aldeia ficava serra acima, no planalto, aproximadamente a 70 km do mar.

Trinta e dois anos após o desembarque de Pedro Álvares Cabral, tem início a colonização efetiva do país. Para o estabelecimento de engenhos de açúcar no litoral paulista, Martim Afonso de Souza travou diversos contatos com João Ramalho, resultando na fundação da primeira vila no Brasil, a Vila de São Vicente, em 1532. Primeiro núcleo regular de colonização portuguesa no mundo, a vila comunicava-se com o planalto por uma trilha indígena que passava por Paranapiacaba e Santo André da Borda do Campo, já no planalto, onde viviam João Ramalho e várias tribos tupiniquins e guaianases. O conhecimento de que a rede de caminhos do planalto, passando pelos campos de Piratininga, levava ao rio Paraná e à terra dos Incas, no Peru, fez com que Martim Afonso promovesse a fundação do povoado de Piratininga, em 1533, num local próximo à aldeia de Tibiriçá. Seu objetivo era inibir o acesso de portugueses ao local e impedir seus habitantes de partir para o interior, uma iniciativa que confirma as características de "boca-de-sertão" dessa região. O povoado dispersou-se em pouco tempo.

Em 1549, chega ao Brasil o padre Manoel da Nóbrega e, em 1553, o noviço José de Anchieta. Com os jesuítas, tem início a catequização dos índios, levando à criação de aldeias e colégios em diversos pontos da costa. Em 1554, buscando as povoações existentes nos Campos de Piratininga, sobem a serra pelo caminho conhecido posteriormente como Trilha dos Tupiniquins, um ramal do Peabirú, onde hoje passa aproximadamente a Via Anchieta, e instalam um colégio junto aos domínios de Tibiriçá, que os acolhe e ajuda. O lugar escolhido é estratégico, numa elevação entre os rios Tamanduateí e Anhangabaú, garantindo proteção contra ataques e ampla visibilidade dos caminhos que levavam até lá. Atualmente, o local é conhecido como Pátio do Colégio e mantém parte da colina histórica preservada. A data oficial reconhecida para a fundação do Colégio é a da conversão de São Paulo, 25 de janeiro, quando é rezada missa e assumido o nome de "Colégio São Paulo de Piratininga", dando origem ao povoado que se formou ao seu redor.

O povoado era constantemente atacado por índios hostis. Para fortalecê-lo, o governador geral Mem de Sá ordena a mudança da população da Vila de Santo André da Borda do Campo, onde vivia João Ramalho, para São Paulo de Piratininga. A vila era cercada por muros de barro socado, num processo conhecido como taipa-depilão, o qual delimitava o núcleo urbano em meio às plantações e à mata ao redor. Em seu interior, a igreja tornou-se maior e as casas iam se multiplicando, construídas com paredes de barro e cobertas com folhas de palmeira e posteriormente com telhas. Uma população formada por índios amigos, colonos portugueses e seus índios escravizados, padres e seus índios catequizadas consolidava a ocupação do local com o traçado das primeiras ruas. No terreno elevado, de forma triangular, essas ruas ligavam o Colégio à aldeia de Tibiriçá, no atual Largo de São Bento e aos caminhos que desciam aos vales em seu entorno, levando às lavouras. Nesses primeiros e difíceis tempos, Tibiriçá colocou seus irmãos Caiubi e Piquerobi estrategicamente aldeados nas regiões que hoje seriam Santo Amaro e São Miguel Paulista, visando a proteção da vila. Em 1562, um grande ataque dos tamoios, apoiados pelo mesmo Piquerobi, arrasou com a aldeia de Pinheiros e quase destruiu São Paulo de Piratininga.

Foram necessárias várias gerações, com miscigenação de portugueses e índios, para que se formasse o primeiro paulista autêntico, o mameluco. Sem ele seria impossível a grande aventura dos bandeirantes, que circularam pelo sertão brasileiro durante todo o século XVII. Os bandeirantes trilharam os caminhos indígenas que ligavam São Paulo ao continente, durante todo o século XVII, na busca de índios para as lavouras dos colonos, para vendê-los nas capitanias do nordeste, ou ainda na busca das sonhadas minas de ouro e prata escondidas pelo interior da colônia. Pelo sul, pela trilha Peabirú que os Jesuítas chamavam São Tomé, os bandeirantes entravam pelo Paraná e daí para a região do Guairá, onde os índios guaranis eram capturados nas reduções dos jesuítas espanhóis. Ao norte, avançando pelo Vale do Paraíba, até a garganta do Embaú, a única passagem pela serra da Mantiqueira, os bandeirantes atingiram as regiões de São João Del Rey, Ouro Preto e Sabará, onde descobriram ouro em tal quantidade que teve início um novo período econômico na colônia. A descoberta atraiu portugueses e aventureiros de todo o Brasil para a ocupação da região das minas. Logo os paulistas foram expulsos, na Guerra dos Emboabas. Outras expedições foram organizadas para o nordeste, seguindo a trilha dos caiapós. Estas expedições levaram à descoberta das minas de ouro de Goiás e, na direção oeste, às minas de Cuiabá. Para São Paulo, esse período teve duas conseqüências: uma ampla rede de vilas se formou no planalto, com acesso a partir da vila original; e houve um esvaziamento temporário da região em função da febre do ouro que tomou conta de seus habitantes. Após a derrota, São Paulo voltou a se tornar uma capitania independente, separando-se do Rio de Janeiro, ao qual tinha sido anexada.

Com a derrota e a perda do controle das minas, os paulistas passaram a abastecer a região das Minas Gerais com comida, produtos de suas lavouras e outros bens, dando início a um período caracterizado pelo constante movimento de tropas de mulas por todo o território nacional, o tropeirismo. Levando animais para uso nos pólos de mineração, e mesmo para os engenhos do nordeste, os tropeiros cruzavam o Brasil. As viagens seguiam desde o Rio Grande do Sul, onde mulas e muares eram encaminhados para comercialização na feira de Sorocaba, e então distribuídos para seus destinos. Nessas viagens, as rotas tropeiras iam estabelecendo pousos para descanso e troca de montarias, além de pernoite para os viajantes. Com o tempo, esses pousos se transformaram em núcleos de várias cidades, em todo o território paulista. São Paulo era a passagem obrigatória das tropas de mulas vindo de Sorocaba com destino para Minas, Rio de Janeiro e nordeste brasileiro. Elas avançavam pela várzea do Tietê e desviavam para a cidade no Caminho do Guaré, onde ficava o Convento da Luz, e entravam pelo vale do rio Anhangabaú até o ponto onde hoje está a Praça das Bandeiras (o Piques).

Por volta de 1822 (época da Independência do Brasil proclamada em São Paulo), o café que cobria a região fluminense desde o século anterior avança para território paulista, pelo Vale do Paraíba. A cultura cafeeira tomará praticamente todo o Estado nos 100 anos seguintes, criando a base de riqueza que permitirá o rápido e espetacular desenvolvimento da cidade, nas últimas décadas do final do século XIX. A necessidade de escoamento da quantidade crescente de sacas de café levou à implantação das estradas de ferro, primeiramente com a ligação fundamental do porto de Santos a São Paulo e, daí, às zonas produtoras. A São Paulo Railway foi inaugurada pelos ingleses em 1867 e mantida com o monopólio do acesso ao porto até a construção de um ramal da E.F. Sorocabana, no século seguinte. Através de investimentos de grupos privados de grandes fazendeiros, as ferrovias transportavam a produção para o porto enquanto traziam novidades e produtos estrangeiros para todas as cidades onde passavam. A partir de 1900, as ferrovias assumem um papel precursor na ocupação do extremo oeste do Estado, com suas estações funcionando como origem de muitas cidades, então denominadas "ponta-de-trilhos". A cidade de São Paulo, ponto de passagem obrigatório para a descida da serra e para o embarque do café para o exterior, se integra ao novo ciclo econômico, sediando bancos, escritórios comerciais e casas de exportação, ampliando seu comércio e serviços, e iniciando grandes transformações urbanas. Em pouco tempo, São Paulo abandona seu perfil colonial estagnado. Ocorre uma renovação arquitetônica, seguindo padrões europeus, e a vida urbana da cidade entra em crescente agitação.

A ocupação da região centro-oeste do Estado, a partir de 1850, levou a iniciativa governamental de utilização de mão-de-obra imigrante, em substituição aos escravos negros que até então eram utilizados maciçamente nas lavouras. A partir de 1870 o movimento de chegada de imigrantes torna-se intenso, atingindo o número de 2,74 milhões de estrangeiros em 1914, em grande parte italianos, espanhóis e alemães. Eles eram destinados às plantações de café, que então tomavam todo o Estado de São Paulo. As duras condições encontradas pelos colonos imigrantes levaram a uma crescente procura pela vida nas cidades, o que irá provocar o desenvolvimento de muitos núcleos urbanos formados nas regiões produtoras de café. Como capital, em pleno surto de desenvolvimento, São Paulo tornou-se pólo de grande número desses imigrantes, atraídos pelas inúmeras oportunidades que então se ofereciam. A cidade reflete de imediato essa situação, com a expansão urbana através de diversos bairros, alguns marcadamente identificados pelas comunidades neles predominantes, como os italianos no Brás e Belenzinho, os judeus no Bom Retiro, entre outros. São Paulo amplia sua área urbanizada e moderniza sua área central, incorporando diversos edifícios públicos monumentais, com o advento da República. Tem início um processo de expansão de sua área urbanizada através do retalhamento das chácaras em seu entorno para a implantação descontrolada de loteamentos por toda parte.

As exportações crescentes de café levaram a capitalização de recursos que permitiram a formação das primeiras indústrias de São Paulo, também favorecidas com o excesso de mão-de-obra imigrante disponível. Implantadas ao longo dos terrenos das várzeas dos rios, por onde passavam as ferrovias, as fábricas irão criar o novo perfil urbano e econômico da cidade, acelerando seu crescimento e ampliando a infra-estrutura de transportes e energia. O processo de industrialização vai se acelerar nos anos 30, com a crise do café em função da quebra da Bolsa de Nova York, consolidando sua importância na economia paulista. As ferrovias passam a articular uma rede de subúrbios operários constituídos no entorno de suas estações, dando início a um processo preliminar de metropolização. A cidade amplia velozmente sua mancha urbana atingindo os limites dos rios Tietê e Pinheiros, estruturada numa extensa rede de bondes elétricos e melhoramentos urbanos diversos, principalmente em sua área central, em início de verticalização. O Viaduto do Chá rompe a barreira do Vale do Anhangabaú e promove a expansão de bairros de elite na parte nova da cidade enquanto consolidam-se os bairros e vilas operárias nas proximidades das fábricas. O automóvel se torna comum na cena urbana, transformando praças tradicionais e espaços públicos em áreas de estacionamento.

Em 1954, São Paulo se coloca como uma das maiores cidades do mundo, e principal metrópole industrial latinoamericana, abrigando por volta de 2,75 milhões de habitantes. A verticalização intensa da área central, e a velocidade de seu desenvolvimento urbano eram motivo de orgulho para os paulistanos, que então viviam "na cidade que mais cresce no mundo". A estrutura urbana tornou-se complexa, com a pressão do aumento tráfego de automóveis nas áreas centrais, induzindo a transformações radicais em sua malha viária. Com o prefeito Prestes Maia, a cidade assume sua opção pelo rodoviarismo, implantando-se um anel de avenidas que envolvem o centro histórico e transformam o Parque do Anhangabaú em parte de um corredor viário que cruza a mancha urbana no sentido Norte-Sul, ligando a Av. Tiradentes com às recém-criadas avenidas 9 de Julho e 23 de Maio. O Rio Tietê é retificado em seu percurso urbano e recebe avenidas expressas em suas margens. Nesse ano a cidade ganha um de seus cartões postais e símbolo expressivo de modernidade, o Parque do Ibirapuera. Preenchendo seus vazios internos com loteamentos aleatórios, a mancha urbana se adensa, cumprindo a frase ufanista da época "São Paulo não pode parar". A cidade começa também a inchar em sua periferia como resultado do intenso movimento migratório iniciado após os anos 30, principalmente dos estados do nordeste brasileiro.

Nos anos 1960, inicia-se um processo de perda de qualidade ambiental e dos padrões urbanos vigentes. A corrida imobiliária para o Centro Novo, do outro lado do Vale do Anhangabaú, relegou ao Centro Velho uma lenta deterioração. Esse processo continuou com o surgimento de novas centralidades, como a Av. Paulista, a Av. Faria Lima e, mais recentemente, a Av. Luis Carlos Berrini, na zona sul da cidade. Por outro lado, a instalação de um pólo industrial automobilístico na região do ABC ampliou significativamente a migração de brasileiros para São Paulo, além de incrementar o uso do automóvel na cidade. A cidade possui hoje a taxa de 01 carro para quase 02 habitantes, numa população de 10 milhões de pessoas. O descaso com o transporte público faz de São Paulo uma cidade constantemente afetada por congestionamentos de enormes proporções. A falta de qualquer tipo de controle para o crescimento levou à invasão de áreas de mananciais, essenciais para o abastecimento de água da cidade, e à perda paulatina de áreas verdes e espaços públicos. Um cinturão periférico de sub-habitações abriga mais de um milhão de pessoas, ligadas por precários laços de infra-estrutura com a cidade convencional. A cidade de São Paulo encontra-se hoje em um fenômeno urbano específico: uma megalópole. A aglomeração de pessoas e problemas, compartilhados com os municípios reunidos ao seu redor, ultrapassa fronteiras estaduais. O preço desse gigantismo, aliado à falta de um planejamento urbano eficaz, é a perda de qualidade de vida para boa parte dos habitantes da cidade. Isso acaba se refletindo em uma série de questões, como os crescentes índices de violência urbana. Essa situação foi criada ao longo do tempo. Apenas a sociedade pode iniciar o processo de transformação dessa realidade. É hora de organizar o espaço urbano, valorizando as áreas públicas de convivência, e de reestruturar o transporte público. Assim, as várias cidades que compõem a Megalópole precisam ingressar no novo milênio de forma equilibrada. Tanto a cidade mundial, que se articula on line com os demais centros financeiros do mundo, até as periferias mais afastadas, com suas precariedades e culturas de resistência, necessitam fundamentalmente de organização para a viabilização da cidade como um lugar digno e justo para a vida de seus habitantes. Alcino Izzo Júnior