ANOMALIAS MAIS CORRENTES E CAUSAS POSSÍVEIS NA CONSTRUÇÃO EM TERRA

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Transcrição:

ANOMALIAS MAIS CORRENTES E CAUSAS POSSÍVEIS NA CONSTRUÇÃO EM TERRA Hugo Nunes a21230732@alunos.isec.pt Resumo A construção em terra (crua) é uma técnica milenar, utilizada em todo o mundo. Neste artigo abordam-se as suas anomalias mais comuns, estruturais e não estruturais, e apresentam-se as causas possíveis. Palavras-chave: construção em terra; terra crua; patologias; causas; taipa; adobe; BTC. Abstract Earth building is a construction technique that has been used for thousands of years, all around the world. This article touches on its most common structural and non-structural pathologies, while presenting possible causes. Keywords: earth building; pathologies; causes; rammed earth; adobe; compressed earth block. 1 Introdução A terra é um material de construção tão antigo quanto a própria humanidade, utilizado em todos os continentes. Na atualidade, cerca de 30% a 50% da população mundial vive ou trabalha em construções de terra [1]. Este material apresenta-se como uma das possíveis soluções futuras na busca da sustentabilidade na indústria da construção: a facilidade de reciclagem e o baixo consumo de energia associado ao fabrico e transporte dos materiais permitem a cada vez mais procurada e necessária redução da pegada de carbono. Contudo, fatores como a fraca resistência que este tipo de construção apresenta especialmente à ação da água e às ações horizontais, assim como a exigência de uma elevada incorporação de mão de obra, dificultam a sua adoção mais generalizada na execução de novos edifícios. Ainda assim, o conhecimento das anomalias comuns neste tipo de construção e a identificação das respetivas causas são fundamentais para que se consiga proceder à eficiente reparação e manutenção das construções existentes. 2 Técnicas de construção em terra Hoje em dia, são aplicadas essencialmente três técnicas construtivas em terra: o adobe, a taipa e o BTC (blocos de terra comprimida). 2.1 Adobe Os adobes são blocos de terra argilosa e areia, moldados sem compactação e secos ao sol, normalmente no próprio local da construção. Na forma mais rudimentar, os tijolos de adobe podem ser moldados à mão, adquirindo uma forma arredondada. Os adobes também podem ser moldados artesanalmente em formas de madeira, que é o processo mais comum [1]. 1

2.2 Taipa A taipa é um sistema monolítico que utiliza geralmente terras arenosas com agregados mais ou menos grosseiros e baixo teor de água. O material é compactado entre cofragens que se chamam taipais. A compactação pode ser feita manualmente, com um pilão de madeira ou, mais recentemente, com equipamentos pneumáticos. As paredes de taipa são construídas por camadas sucessivas. A partir do primeiro nível, os taipais vão sendo fixos à camada antecedente, através de peças que se denominam agulhas [1]. 2.3 BTC Os BTC são obtidos a partir de terra estabilizada com certa percentagem de cal ou, mais comummente, cimento. O método de fabrico mais simples usa prensas manuais. Existem muitas máquinas de fabrico de BTC, manuais, a gasóleo ou gasolina, incluindo equipamentos verdadeiramente industriais [1]. 3 Anomalias não estruturais Os principais problemas a nível não estrutural na construção em terra estão relacionados com a presença da água, com a ação de agentes biológicos e com as soluções de revestimento adotadas fatores apresentados neste capítulo. Com a ausência de ações de manutenção e conservação ao longo do tempo, estas anomalias podem agravar-se e desenvolver patologias estruturais. 3.1 Ação da água O desenvolvimento de patologias nas construções de terra por ação da água começa com o humedecimento do material, que ocorre por: Capilaridade subida de água a partir do solo, podendo chegar aos 1,5 m de altura [2]; Erosão pela água da chuva pode atuar incidindo diretamente, escorrendo sobre as superfícies, penetrando através de fugas ou infiltrações, ou incidindo junto à base das paredes, por salpico [3]; Condensações de vapor de água, seja no exterior ou no interior dos elementos em terra [4]. As patologias que normalmente se desenvolvem nos elementos construtivos como resultado da presença da água são: Aparecimento de fungos e bolores; Redução do isolamento térmico; Descolamento do revestimento; Diminuição da coesão e resistência mecânica; Perda de material. Fatores como amplitudes térmicas elevadas (responsáveis por ciclos de expansão e contração), a ação mecânica do vento com partículas em suspensão, ou a ação dos sais solúveis higroscópicos contribuem para o agravamento destas anomalias tomando estes últimos uma especial relevância. Os sais solúveis higroscópicos existem em grande parte dos materiais de construção, como a terra. Surgem na forma de: Cloretos em ambientes costeiros, onde o cloreto de sódio proveniente do mar contamina os materiais de construção, como a areia da praia; Sulfatos em zonas com elevada poluição atmosférica. São provenientes da combustão nos veículos automóveis e penetram nos materiais por difusão gasosa. Estão também presentes nalguns materiais, como cimentos ou gessos; Nitratos em situações onde tenha havido contaminação por dejetos humanos (roturas em sistemas de drenagem de águas residuais) ou de animais (utilização de terra contaminada). 2

Figuras 1 e 2 Biodegradação de muro de taipa por crescimento das raízes de uma oliveira, Golegã: à esquerda, visão abrangente; à direita, pormenor (fotografias: Hugo Nunes, 2014) Os sais são transportados pela água e cristalizam quando esta se evapora, aumentando de volume. Provocam então contrações internas no seio dos materiais envolventes. A ocorrência de ciclos repetidos de dissolução/cristalização dos sais destrói a microestrutura das paredes de terra, facilitando o destacamento e queda do material [5]. Quando a cristalização se dá antes de os sais chegarem à superfície da parede de terra, diz-se que ocorrem criptoflorescências a cristalização e a degradação ocorrem no interior do material ou na interface material-revestimento, especialmente se houver incompatibilidade química entre a argamassa de revestimento e o suporte. Se, por outro lado, a cristalização ocorre à superfície do elemento de construção (eflorescência), a erosão do paramento é também superficial degradação do revestimento por caiação ou pintura e não danifica a parede propriamente dita. É possível remover estes sais cristalizados por escovagem [4], contudo, se não forem tomadas medidas complementares no sentido de eliminar a fonte de água nas paredes, esta é apenas uma medida temporária [6]. 3.2 Biodegradação A biodegradação é outro dos agentes de deterioração mais relevantes na construção em terra. A sua ação dá-se através do ataque biológico de plantas, animais e fungos. As plantas retêm água nas suas raízes e provocam tensões internas, Figuras 3 e 4 Biodegradação em muros de taipa por nidificação de animais, Golegã (fotografias: Hugo Nunes, 2014) 3

fendilhação e desprendimento de materiais ao crescerem (Figuras 1 e 2). Os animais podem nidificar em pequenas cavidades e contribuir para o seu alargamento (Figuras 3 e 4) [5], ou contribuir, no caso dos insetos, para o apodrecimento dos elementos de madeira ação também característica dos fungos [3]. Estas construções estão também sempre sujeitas à ocorrência de choques acidentais de pessoas ou animais. 3.3 Revestimentos Como principais requisitos de um revestimento para elementos de construção em terra, têm-se a impermeabilidade à água da chuva (para impedir a sua infiltração até ao interior), a permeabilidade ao vapor de água (para reduzir a ocorrência de condensações no interior das habitações) e a correta aderência ao suporte, que depende da compatibilidade química, física e mecânica entre os materiais. Os principais motivos de anomalias verificadas nestes revestimentos devem-se à errada escolha do material a aplicar, que deve conciliar os referidos requisitos, ou a uma execução deficiente. A utilização de argamassas de base cimentícia em revestimentos é um dos erros mais frequentes neste tipo de construção. Estas têm resistência mecânica superior à do suporte de terra, e transmitem-lhe tensões para as quais não foi concebido. São também pouco permeáveis ao vapor de água, e, por isso, dificultam a evaporação da humidade do interior da habitação ou da água infiltrada nas paredes. Esta humidade ou água pode conter sais solúveis higroscópicos, e concentra-se sob a camada de revestimento, na interface com a parede. Nas situações em que a evaporação da água se consegue desenvolver, a degradação da construção dá-se por destacamento do revestimento (Figuras 5 e 6), pela ocorrência repetida de ciclos de molhagem/secagem e dissolução/cristalização dos sais [6]. Nos casos em que não se dá a evaporação, por falta de permeabilidade do revestimento, a acumulação de água na interface degrada a parede de terra, por ser este o elemento mais poroso. O desenvolvimento desta patologia não é evidente porque o aspeto exterior do revestimento se mantém intacto durante muito tempo. Caso as paredes de terra sejam revestidas por elementos impermeáveis ao vapor (como lambris de azulejo ou socos de pedra), podem verificar-se cotas mais elevadas de subida da água do solo por capilaridade, e a consequente degradação dos elementos construtivos [5]. A caiação consiste na aplicação em várias demãos cruzadas de leite de cal, que solidifica por cristalização dos componentes. É resistente aos sais solúveis higroscópicos e apresenta permeabilidade ao vapor de água. Se um elemento de terra for pintado diretamente por caiação, mesmo que este processo seja repetido anualmente, o revestimento é facilmente degradável e tem uma fraca aderência ao suporte [2]. Contudo, se a caiação for aplicada sobre outros revestimentos, consolida-os e confere-lhes proteção [6]. Figuras 5 e 6 Destacamento de revestimento em parede de taipa por utilização de argamassas de base cimentícia, Quinta da Cardiga, Golegã: à esquerda, visão abrangente; à direita, pormenor (fotografias: Hugo Nunes, 2014) 4

4 Anomalias estruturais Os principais problemas estruturais verificados na construção em terra prendem-se normalmente com questões de má conceção estrutural, implantação incorreta do edifício (construção em terreno com fraca resistência), falta de controlo da qualidade da terra empregue ou dos processos construtivos (terra demasiado argilosa ou secagem excessivamente rápida, por exemplo), solicitações exteriores muito fortes (sismos, tufões, etc.) e agravamento das patologias não estruturais (Figura 7) [7]. Apresentam-se neste capítulo as anomalias mais frequentemente observáveis nos principais elementos estruturais das construções em terra, e respetivas causas. Relativamente à ação do fogo, pode-se afirmar, de um modo geral, que os elementos construtivos executados em terra (paredes) são resistentes, por se tratar de um material incombustível, que pode ser reutilizado. Ocorrendo, o colapso estrutural deve-se normalmente à combustão dos elementos executados em madeira (portas, janelas, coberturas). Contudo, em situações excecionalmente longas de elevada exposição térmica, a passagem dos gases da combustão pelas juntas entre os tijolos ou blocos de terra pode causar a perda de ligação entre estes, afetando a sua resistência mecânica [6]. Quanto ao efeito da ação sísmica, esta é das ações mecânicas mais gravosas e passíveis de provocar danos estruturais nas estruturas das edificações em terra, especialmente quando o contraventamento da construção é deficiente. Estas anomalias podem ir desde a simples fendilhação até à rotura e colapso da construção. O sismo de 26 de dezembro de Figura 7 Várias patologias estruturais comuns nas construções em terra (imagem:[2]) 2003, com magnitude de 6,6 na escala de Richter, destruiu 70% dos edifícios da cidade de Bam (Irão), construídos com terra crua (Figuras 8 e 9) [8]. A reduzida resistência sísmica destas construções deve-se à sua elevada massa, ao seu comportamento frágil e à sua reduzida resistência mecânica, principalmente a esforços horizontais [6]. 4.1 Fundações As fundações nas construções tradicionais com terra eram executadas através de um lintel contínuo em pedra, para evitar a subida da água do solo por capilaridade. Utilizavam-se pedras pouco porosas, assentes em argamassa de cal ou apenas Figuras 8 e 9 Vista da fortaleza e habitações em terra crua na cidade de Bam, no Irão: à esquerda, antes do sismo; à direita, depois do sismo (fotografias:[8]) 5

Figuras 10 e 11 Desligamentos de panos de parede por rotação da fundação (fotografias:[2]) aparelhadas à mão, que criavam uma barreira capilar entre o arranque da parede e o solo. Sendo as paredes os elementos resistentes da edificação, estas fundações eram contínuas, abrangendo todo o perímetro. No caso de existirem paredes-mestras no interior, estas teriam também fundações semelhantes. Em zonas secas, de baixa precipitação, este embasamento podia já não ser executado. Na construção nova, é frequente a execução das fundações em betão, contudo é igualmente necessária a criação de uma barreira capilar ou corte hídrico entre o betão e o início da parede [6]. As anomalias estruturais mais frequentes relacionadas com o mau funcionamento das fundações são a ocorrência de assentamentos da fundação devidos à falta de rigidez na maior parte das vezes, a fundação de pedra era excutada sem qualquer ligante ou às vibrações provocadas pela circulação de máquinas agrícolas. Estem provocam a fissuração nas paredes e, em casos mais extremos, a rotação e fendilhação contínua vertical das estruturas (Figuras 10 e 11) [5]. Outras situações também comuns dizem respeito à erosão da fundação pelos agentes atmosféricos, caso fique exposta por qualquer escavação periférica [2]. 4.2 Paredes As paredes em terra são os elementos resistentes da construção. Para além das anomalias estruturais que manifestam relacionadas com o deficiente comportamento das fundações, pavimentos e coberturas, duas outras situações particulares de patologia devem ser consideradas. A primeira diz respeito à abertura de vãos e janelas nas paredes. Esta é sempre uma operação delicada, uma vez que interferem na estabilidade estrutural do elemento ao interromper a sua continuidade. Verificam-se por isso grandes concentrações de esforços nessas zonas singulares, passíveis de causar situações reais de colapso. A utilização de tijolos de barro cozido nas zonas problemáticas é um modo de procurar evitar este problema [6]. A segunda situação refere-se à falta de travamento das paredes da construção ao nível dos cunhais. Qualquer rotação ou assentamento da fundação de uma parede origina por isso o desligamento de dois panos ortogonais [2]. 4.3 Pavimentos O tipo de pavimento a adotar numa construção em terra depende do local da edificação onde é aplicado. Os pavimentos em pisos elevados são normalmente constituídos por elementos de madeira encastrados nas paredes laterais ou em elementos cerâmicos ou de pedra, simplesmente apoiados por arcos, abóbadas ou abobadilhas. A degradação dos pavimentos de madeira pode ocorrer nas zonas de ligações entre peças, entregas de vigas ou barrotes em paredes, devido ao apodrecimento por ataque de parasitas ou fungos, 6

Figuras 12 e 13 Situações de colapso da cobertura em edificações de taipa, Vila Nova da Barquinha (fotografias: Hugo Nunes, 2014) principalmente em zonas pouco ventiladas e propícias à acumulação de humidade, visíveis pela ocorrência de condensações. Também alterações na ocupação e funcionalidade ou a aplicação de cargas excessivas (não previstas no dimensionamento) podem provocar deformações irreversíveis com perda de estabilidade nos pavimentos de madeira. Nos pavimentos de alvenaria de pedra ou cerâmicos, a degradação poderá manifestar-se pelo aparecimento de fissuração, fendilhação ou deformação excessiva. O desenvolvimento destas anomalias pode ter origem em movimentos das paredes que apoiam a estrutura, concentrações excessivas de cargas ou movimentos térmicos dos materiais aplicados. Os pavimentos térreos das construções em terra são geralmente de constituição bastante simples: são aplicados ladrilhos de cerâmica cozida sobre terra batida. Por vezes apresentam-se até sem qualquer acabamento só em terra compactada. A ocorrência de patologias neste tipo de pavimentos deve-se à presença de humidade por ascensão da água do terreno, por vezes com a ação dos sais solúveis higroscópicos [6]. 4.4 Coberturas As coberturas normalmente utilizadas na construção em terra são as coberturas tradicionais inclinadas, de telha, com elementos estruturais de madeira, e terminando num beirado que deve ser suficientemente saliente para afastar a queda da água das paredes. A anomalia estrutural mais comum relacionada com estes elementos construtivos é a fendilhação das paredes devida a tensões de compressão elevadas, podendo ser provocada pela carga distribuída do impulso da cobertura fenómeno agravado pela falta de contraventamento no topo das paredes ou por cargas concentradas, como o apoio de lajes de esteira com recurso a vigotas préesforçadas. Outras patologias derivam da degradação mecânica da cobertura. Quando esta deixa de impedir o acesso da água e da humidade ao interior da construção ou ao topo das paredes, acelera-se todo o processo de degradação, podendo resultar em colapso estrutural (Figuras 12, 13 e 14) [2]. 5 Considerações finais De modo a prevenir o desenvolvimento de patologias nas construções em terra, e a promover a sua durabilidade, deve-se procurar a correta conceção e execução das edificações, seguida de adequadas e atempadas ações de manutenção e conservação ao longo do seu tempo de vida útil. Como príncipio geral de uma boa construção em terra, é habitual dizer-se que esta precisa de umas boas botas, uma boa gabardina e um bom chapéu de chuva, ou seja, um bom corte de capilaridade nas fundações e uma boa proteção do soco das paredes exteriores, um revestimento das paredes que efetivamente as proteja, e uma boa cobertura se possível, inclinada, com prolongamento em beiral, afastando da superfície da parede os planos de queda da água da chuva, e do soco, os respetivos salpicos de água que bate no solo. 7

Figura 14 Edificação em taipa, abandonada, que acabou por colapsar, S. Caetano, Golegã (fotografia: Hugo Nunes, 2014) Referências [1] GONÇALVES, T. & GOMES, M. Construção de terra crua: potencialidades e questões em aberto, Jornadas LNEC, Lisboa, 18 a 20 de junho de 2012. [2] TORGAL, F., EIRES, R. & JALALI, S. A Construção em Terra. Guimarães: Edição TecMinho, 2009. ISBN 978-972-8692-40-7. [3] CÓIAS, V. Inspecções e Ensaios na Reabilitação de Edifícios. 2ª ed. Lisboa: IST Press, 2009. ISBN 978-972-8469-53-5. [4] RODRIGUES, P. Construções em terra crua. Tecnologias, potencialidades e patologias. Musa. ISSN 1646-0553. 2:6 (2007) 149-155. [5] BRUNO, P. Patologias e reparação de paredes de taipa, Seminário sobre Construção e Recuperação de Edifícios de Taipa, Almodôvar, 4 e 5 de abril de 2008. [6] TRINDADE, V. Construção Tradicional do Algarve - Caracterização Construtiva, Análise de Anomalias e Propostas de Intervenção. Monte da Caparica: Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa, 2008. Dissertação para obtenção do Grau de Mestre. [7] LOURENÇO, P., BRITO, J. & BRANCO, F. Novas tecnologias na aplicação de terra crua na construção. Companhia de Arquitectura e Design. [8] GOMES, M., BRITO, J. & LOPES, M. Segurança das construções em terra crua face à ação sísmica. 8