MIGRAÇÕES NO BRASIL: CONSIDERAÇÕES SOBRE O PERÍODO RECENTE

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Transcrição:

t =! ) ü í MIGRAÇÕES NO BRASIL: CONSIDERAÇÕES SOBRE O PERÍODO RECENTE Tanya M. de Barcellos* Com este texto, é nosso objetivo realizar uma síntese das principais questões que estão sendo discutidas pelos pesquisadores das migrações no Brasil. Devemos salientar o caráter fundamentalmente especulativo que tem marcado essas discussões, o que deriva do atraso na publicação das informações censitárias específicas sobre os movimentos populacionais, particularmente daquelas que permitem a caracterização dos fluxos migratórios, suas origens e destinos. A base empírica para as avaliações da década têm sido os números gerais sobre a população brasileira nos estados, nos municípios e nos distritos, a partir dos quais se pode dimensionar e espacializar os crescimentos. Não obstante, os dados do último Censo Demográfico permitem que sejam feitas algumas inferências acerca das tendências gerais do fenômeno migratório nos últimos 11 anos. Embora sem a divulgação das informações levantadas no questionário amostrai, foi possível demarcar alguns pontos: uma redução do ritmo de crescimento da população em termos globais e, particularmente, uma redistribuição espacial da população, que, em termos das grandes regiões do País, revela uma retração nas taxas de crescimento do Sudeste, em especial de São Paulo; paralelamente, uma redução menos importante no incremento demográfico de áreas tradicionalmente expulsoras de população, como o Paraná, Minas Gerais e o Nordeste; e um crescimento acima da média brasileira no Norte e no Centro-Oeste. São muito claros os sinais de declínio do incremento demográfico e de desconcentração da população, devendo ser destacado o aparecimento, ou Socióloga, Técnica da FEE.

crescimento da importância, de outros centros urbanos ao lado das grandes metrópoles (MARTINE, 1994). Essa desaceleração do crescimento demográfico das grandes cidades e, em parte, de áreas metropolitanas tem originado, inclusive, a formulação de hipóteses acerca da existência de um "êxodo metropolitano" (PATARRA, BAENINGER, s.d.). Nesse sentido, não podemos deixar de mencionar que foi estimado um saldo migratório negativo para o Município de São Paulo na última década (DORNELAS, 1995). Esses resultados refletem mais diretamente um conjunto de mudanças que se verificaram a partir de 1980. Em primeiro lugar, temos a crise econômica, que reduziu o poder de atração das grandes metrópoles, em função da diminuição drástica das chances de emprego urbano e das oportunidades de ascensão social para as camadas de baixa renda. Em segundo lugar, deve ser lembrada, enquanto fator relevante nesse novo quadro, a queda das taxas de fecundidade e, em conseqüência, dos "estoques" populacionais das áreas expulsoras. Em terceiro lugar, acompanhamos, nesta década, um processo de retração na ocupação de novas fronteiras agrícolas, envolvendo a falência dos projetos de colonização e o fim das grandes obras, o que vem contribuindo para o aumento da tensão social relacionada com a terra no País. Assistimos, ainda, à continuidade da modernização da produção agrícola, com todos os seus desdobramentos em termos de redução do emprego no campo e de concentração fundiária, e suas conseqüências na expulsão de população rural. Finalmente, vemos os movimentos sociais do campo, enquanto estratégias de resistência desenvolvidas pelos pequenos produtores face à desarticulação imposta pelo capital às suas condições de reprodução, atuando na direção oposta da tendência anterior, ou seja, agindo como fatores relevantes na redução da saída de população do campo para as cidades. Sendo assim, não podemos deixar de indagar acerca do surgimento de dimensões do fenômeno migratório, que podem requalificar o quadro já explicitado para os anos 60 e 70 onde a concentração demográfica metropolitana e o êxodo rural eram os aspectos mais destacados. Além do panorama sintetizado acima, é fundamental uma referência às novas condições, hoje dominantes, em termos do desenvolvimento dos meios de comunicação e da implantação de infra-estrutura no território nacional, que conduziram o País a um outro patamar de "fluidez do espaço", trazendo possibilidades extremamente ampliadas de mobilidade das populações (IBGE, 1988). Essa mobilidade, no entanto, vem mostrando características distintas, face ao que prevalecia nos anos 60 e, em parte, na década de 70.

A partir do exame dos dados do Censo de 1991 já divulgados, o fato que aparece mais claramente, ao lado da redução da concentração demográfica nas maiores cidades do País, é uma tendência de diminuição significativa dos deslocamentos populacionais entre os estados e, ao mesmo tempo, de aumento da importância, em termos relativos, da mobilidade intra-estadual e, no seu interior, dos deslocamentos intra-regionais. Embora essas características já estivessem esboçadas na década anterior, sobressaíam-se, naquela época, os movimentos de sentido rural-urbano e a migração inter-regional (CUNHA, 1995). Novas formas de mobilidade populacional começam a ganhar relevo e a merecer a atenção dos pesquisadores. Especialmente nas regiões metropolitanas, destacam-se os movimentos intra-regionais e a mobilidade pendular, enquanto fenômenos que estão expressando a dinâmica de crescimento dessas áreas, em grande parte referida ao processo de desconcentração das atividades econômicas, às características assumidas pelo uso e ocupação do solo e ao processo de periferização da residência dos segmentos mais pobres da população. Com isso, observa-se que, apesar de estar ocorrendo uma redução no crescimento populacional dos grandes centros urbanos do País, esse crescimento, ao que parece, em grande parte está se estendendo para os municípios periféricos das áreas metropolitanas. Outro fenômeno, inscrito nas novas formas de mobilidade relacionadas com a desconcentração populacional, mas cuja existência não se limita aos municípios das regiões metropolitanas, vem se manifestando de modo intenso em algumas áreas, sendo especialmente visível no sudeste-sul do País. Trata-se daquilo que foi descrito por Davidovich (1994) como os "redutos de classe média". O que define essas situações é a existência de articulações entre o mercado de trabalho de algumas cidades e localidades vizinhas que se subordinam a esse mercado através do deslocamento diário de mão-de-obra. Tal fenômeno se relaciona com alterações na organização espacial decorrentes de mudanças importantes na economia a nível local e regional: criam-se uma concentração de atividades e de recursos em certas localidades e um esvaziamento de funções em outras e no campo. Essa articulação espacial expressa uma espécie de segregação social, já que seria reflexo de estratégias de preservação do bem-estar e da qualidade de.vida de segmentos da população, em especial de classe média, dos centros concentradores de recursos, em detrimento da qualidade de vida das localidades subordinadas. Está envolvido, nessas configurações, um aumento de movimentos migratórios pendulares, ou

seja, de deslocamentos diários de áreas de residência para áreas de trabalho. É importante ressaltar que, no caso dos "redutos", a "periferização" está ocorrendo entre áreas descontínuas em termos territoriais, o que implica a criação de localidades cuja principal função é ser "dormitório" para centros de economia mais dinâmica, sem a facilidade que ocorre nas regiões metropolitanas. Nelas, o tecido urbano é contínuo entre as cidades-dormitório e as áreas que concentram atividades econômicas, o que permite, em tese, um maior acesso aos benefícios urbanos concentrados nas grandes metrópoles. Além das migrações de curta distância, outra modalidade migratória vem sendo destacada como uma tendência importante em meio ao processo de redistribuição espacial da população brasileira: a migração de retorno (DOR NELAS, 1995). Na realidade, já na década passada se expressava um interesse dos estudiosos em relação ao fenômeno do retorno de migrantes às suas áreas de origem, de tal modo que o Censo de 1980 introduziu questões específicas para dimensionar essa manifestação do processo migratório no Brasil. Embora de difícil contabilização, o aumento da migração de retorno tem sido levantado como mais um fenômeno no interior da redistribuição populacional que está ocorrendo no País. Levanta-se, especialmente, a possibilidade de um retorno significativo na avaliação do arrefecimento do ritmo de crescimento das metrópoles e de regiões metropolitanas, indicativo de migrações para fora dessas áreas, o que seria coerente com o desenvolvimento de uma crise das cidades em termos da oferta de emprego e de serviços urbanos. Também na análise da redução das perdas populacionais no Nordeste, essa hipótese é levantada. Da mesma forma, os problemas que acom^ panharam a implantação das políticas de colonização articuladas contra a reforma agrária, especialmente as do período que vai de 1970 até meados dos anos 80 (SANTOS, 1994), envolvendo importantes deslocamentos demográficos, podem ter interferido no aumento da importância da migração de retomo. Sabe-se, ainda, da existência de outras formas de retomo, que são parte das estratégias de sobrevivência de famílias camponesas, como é o caso das migrações temporárias, tão bem estudadas por Martins (1986): são os deslocamentos relacionados com os ciclos da produção agrícola e aqueles ligados ao emprego industrial e urbano temporário de membros das famílias do meio agrário. Igualmente devemos fazer menção ao retorno como reivindicação política, explicitado na situação dos chamados "brasiguaios", movimento surgido no período mais recente, tornando-se paradigmático em meio ao contexto da globalização da economia é da flexibilização das fronteiras entre os países (DORNELAS, 1995).

Em linhas gerais, verifica-se que o período recente experimentou mudanças consideráveis na direção e nas características dos movimentos migratórios, com perspectivas de crescimento de cidades de porte médio e dos deslocamentos de curta distância, bem como de aumento da importância de algumas modalidades migratórias. Além da crise econômica dos anos 80, que, como vimos, tem peso significativo no quadro de mudanças que caracteriza o período recente, e dos demais fatores já apontados, é necessário levantar, para entendermos mais profundamente essas transformações, fenômenos estruturais, que estariam engendrando uma maior capacidade de retenção, e até de atração, do Interior, bem como uma crescente complexidade relativamente à já conhecida mobilidade de populações do campo para as cidades. Não podemos desconsiderar, nesse sentido, a importância do processo de reestruturação das bases da produção industrial, alterando os requisitos da força de trabalho industrial e agrícola em função dos avanços tecnológicos e das alterações na organização da produção, o que estaria na base de um movimento de desconcentração da produção industrial. Igualmente devemos salientar, dentro desse processo mais amplo, as articulações econômicas relacionadas com o desenvolvimento do capital agroindustrial, as quais, em grande parte, funcionariam como elementos favorecendo a permanência de população no campo (BÓGUS, 1990). Como decorrência desse quadro, a década de 80 apresentaria, afora as novas direções e características dos movimentos migratórios já constatadas, uma diversidade maior de configurações em termos de conteúdo, onde, aos fluxos clássicos de "pobreza" envolvendo deslocamentos das áreas agrícolas para as grandes metrópoles, se somariam outros, abrangendo a classe média e trabalhadores qualificados atraídos pelas oportunidades de emprego em outras áreas, em setores dinâmicos da produção agrícola e industrial. Ao mesmo tempo, a complexidade que os primeiros dados estão manifestando nos coloca um grande desafio analítico, já que as hipóteses básicas acerca das tendências crescentemente concentradoras da industrialização devem, no mínimo, ser requalificadas (BARCELLOS, 1995). O "êxodo metropolitano", a migração de retorno e as possibilidades de atração populacional referidas à situação do Interior e mesmo das áreas rurais podem representar elementos de ruptura frente às abordagens sustentadas numa perspectiva de continuidade da importância dos deslocamentos campo cidade. Na base dos estudos sobre o processo migratório do País nas décadas passadas, encontramos, muitas vezes, uma visão de desenvolvimento centrada na dinâmica da

grande indústria e nas condições estruturais típicas das grandes aglomerações humanas. A nova etapa do capitalismo está produzindo mudanças econômicas, sociais e políticas profundas, impondo uma reflexão sobre os principais conceitos e pressupostos com que trabalhamos. Bibliografia BARCELLOS, Tanya M. (1995). Migrações internas: os conceitos básicos frente à realidade de última década. Ensaios FEE, Porto Alegre, v.l 6, n.1, p.269-309. BOGUS, Lúcia M. Machado et al. (1990). Processo migratório no estado de São Paulo: resultado de pesquisa. In: ENCONTRO NACIONAL DE ES TUDOS POPULACIONAIS, 7. Anais... v.l, p.427-460. CUNHA, José Marcos Pinto da (1995). A mobilidade intra-regional na metrópole: consolida-se uma questão. Travessia, São Paulo: CEM, v.8, n.23, p.5-10, set./dez. DAVIDOVICH, Fany (1994). Redutos de classe média, uma tendência da urbanização brasileira. In: ENCONTRO NACIONAL DA ANPUR, 4.. Anais... p.291-298. DORNELAS, Sidnei Marco (1995). Migração de retorno, o que é isso? Travessia, São Paulo: CEM, v.s, n.22, p.5-7, maio/ago. IBGE (1988). Brasil: uma visão geográfica nos anos 80. Rio de Janeiro. MARTINE, George (1994). Estado, economia e mobilidade geográfica: retrospectiva e perspectiva para o fim do século. Revista Brasileira de Estudos Populacionais, São Paulo: ABEP, v.11, n.i, jan./jun. MARTINS, José de Souza (1986). O vôo das andorinhas: migrações temporárias no Brasil. In:. Não há terra para plantar neste verão. Petrópolis/RJ: Vozes. PATARRA, Neide L., BAENINGER, Rosana (s.d.). Movimentos migratórios: novas características, novas implicações, (mimeo). SANTOS, José Vicente Tavares dos (1994). Os "retornados": gaúchos que voltaram da Amazônia. Travessia, São Paulo: CEM, v.7, n.19, p.26-28, maio/ago.