1º modelo: doença degenerativa



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Transcrição:

2ª Aula de Biopatologia 18/09/2006 Medicina molecular: Da nova Biologia à Clínica Nesta aula vamos falar de três modelos de relevância entre a biologia básica e a clínica. 1º modelo: doença degenerativa Atrofia: termo usado para referir a diminuição da massa de um órgão. A PAF (polineuropatia amiloidótica familiar), também conhecida por doenças do pézinhos ou paramiloidose, é classificada como uma doença degenerativa que foi descrita pela primeira vez pelo Professor Corino de Andrade, um médico português, em 1952. Causa Genética. Foi estabelecida uma relação entre a presença da doença num determinado indivíduo e a sua origem familiar. Defeito metabólico A transtiretina é uma proteína transportadora de retinol para os tecidos. Nesta doença, o gene da transtiretina encontra-se mutado, por isso a sua função de transportadora de retinol vai estar prejudicada. Assim, vai haver uma acumulação de um modelo conformacional doente da transtiretina. Hipótese para o aparecimento da atrofia muscular A doença degenerativa de atrofia muscular é secundária a uma doença nervosa, isto é, trata-se de uma atrofia neuropática onde os músculos se encontram atrofiados porque não são estimulados. Para a confirmação realizaram-se diversas biópsias em nervos periféricos e foi constatada a presença de umas bolas de material eosinófilo constituído por uma acumulação de filamentos amilóides. A distribuição geográfica é caracterizada pela presença de vários focos (sendo o mais importante o da zona da Póvoa de Varzim). Aplicação clínica Diagnóstico. Diagnóstico pré-natal.

Apesar do conhecimento da causa e mesmo da alteração que ocorre neste tipo de doença, não é possível qualquer tipo de intervenção terapêutica. Resumindo: Estamos perante uma doença genética caracterizada por uma alteração degenerativa com atrofia do sistema muscular periférico, secundária a patologia do sistema nervoso periférico devido á deposição de substância amilóide. 2º modelo: doença inflamatória Características dos tipos de inflamação Aguda: presença essencialmente de polimorfonucleares neutrófilos. Crónica: presença principalmente de linfócitos. Gastrite crónica: Características A gastrite crónica é definida como a presença de alterações inflamatórias mucosas crónicas que, a longo prazo, levam à atrofia da mucosa e a metaplasia intestinal, isto é, o estômago vai sofrer uma alteração da sua forma e fica com uma aparência idêntica à do intestino (ocorre em 30% dos portadores de Helicobacter pylori). As alterações epiteliais podem tornar-se displásicas e constituir uma base para o desenvolvimento de carcinoma do estômago (em Portugal, apenas 7% das pessoas que têm helicobacter pylori atingem esta fase). Uma das grandes áreas de investigação em cancro gástrico é a tentativa de perceber quem são as pessoas que vão fazer este percurso, uma vez que tratar 90% da população portuguesa seria completamente inviável, para além de a bactéria poder ter algum efeito benéfico. Causa principal Bactéria Helicobacter pylori (é uma das raras bactérias que consegue viver no ambiente ácido do estômago) 90% da população portuguesa é portadora desta bactéria. Tratamento O tratamento efectivo com antibióticos tem revolucionado a maneira de tratar a gastrite crónica e a úlcera péptica.

Características da bactéria e do hospedeiro que predispõem ao desenvolvimento de cancro do estômago Temos na mucosa do estômago uma camada de muco ( uma camadinha de gel a revestir a mucosa ), enquanto que na pele temos queratina. Este tipo de barreira existe em todas as superfícies de interface entre nós e o meio externo. Há uma doença caracterizada pela incapacidade de produção de determinado tipo de mucinas que promove o aparecimento de infecções recorrentes, úlceras, etc. As mucinas são fundamentais à adesão dos microorganismos, sendo também variáveis de pessoa para pessoa. Por outro lado, as bactérias também não são todas iguais, havendo algumas mais agressivas. Um dos aspectos que a Prof.ª Céu Figueiredo estudou foi as diferentes estirpes da bactéria e os diferentes percursos que a doença poderia tomar, o que vai ser discutido em outras aulas. Uma das suas conclusões teve com base uma comparação: no norte da Europa, onde praticamente não há cancro do estômago, existe uma estirpe de bactéria bastante diferente daquelas que existem em Portugal e na América do Sul, onde a prevalência do cancro do estômago é bastante elevada. Assim, é evidente que existem bactérias que são muito mais agressivas do que outras. Falando agora do hospedeiro, vamos falar da variabilidade interpessoal das mucinas. Uma mucina é uma glicoproteína, ou seja, é uma proteína que está cheia de açúcar. Um dos aspectos que varia de pessoa para pessoa é a estrutura dessa proteína. No gene da proteína, existe uma unidade repetitiva que, de pessoa para pessoa, tem um número variável de unidades de repetição chamada região VNTR ( variable number of tandem repeats ). No caso das mucinas, as unidades de reptição localizam-se na região codificante da proteína. Assim, teremos pessoas com poucas unidades de repetição no gene, as quais vão ter proteínas pequenas, enquanto o contrário também se verifica. Este aspecto é muito importante na evolução da infecção por H. pylori. O exemplo referido na aula relaciona-se com o polimorfismo do gene MUC1: as pessoas que têm mucinas grandes, com muitas unidades de repetição, vão ter uma camada de muco que é mais protectora do que a das pessoas com mucinas pequenas, tendo assim maior resistência ao desenvolvimento de metaplasia intestinal. Indivíduos homozigóticos para mucinas pequenas (poucas unidades de repetição VNTR) têm maior risco de desenvolvimento de cancro gástrico e lesões préneoplásicas do estômago. Assim, enquanto que no primeiro modelo de doença, se uma pessoa tiver a mutação, então vai desenvolver a doença, neste modelo, dos polimorfismos genéticos, a pessoa vai ter variações, os próprios microorganismos com que ela vai entrar em contacto também vão ser diferentes, e quando se juntam duas variações que não são muito boas, temos então definido o perfil dos indivíduos em risco. Aplicação clínica Com este conhecimento poderemos vir a ser capazes de seleccionar hospedeiros que quando infectados por um determinado tipo de bactéria vão ter um maior risco de desenvolvimento de uma doença, e portanto, deverão ser submetidos a um controlo apertado, com todos os benefícios económicos que isto representa, quando comparado,

por exemplo, com a (im)possibilidade de fazer vigilância endoscópica a 90% da população portuguesa. Um outro exemplo de uma situação relativamente semelhante relaciona-se com o facto de diferentes tipos de vírus HPV (Vírus do Papiloma Humano) representarem um risco variável para o desenvolvimento em mulheres infectadas de cancro do colo do útero. 3º modelo: doença neoplásica Aqui é ao contrário. São descobertas da biologia molecular que chegaram à clínica. Para relembrar, muitas neoplasias matam porque são capazes de se disseminarem à distância num processo chamado metastização. Grande parte dos doentes oncológicos morre porque as neoplasias destroem estruturas vitais (cérebo, fígado, rins, pulmões, etc.) No que diz respeito ao cancro da mama, houve uma descoberta muito importante que tem a ver com a alteração de um gene com um papel de relevo no funcionamento das células. Numa célula normal, por exemplo, a ligação de um factor de crescimento a um receptor da membrana vai desencadear uma cascata de sinalização intracelular que vai fazer com que a célula se divida. Isto acontece em situações fisiológicas (exs:. endométrio, tubo digestivo). O que se verificou em algumas neoplasias (e isto é apenas um dos casos possíveis) é que existe uma amplificação do gene que codifica um determinado receptor (HER2), ou seja, em vez de a célula possuir uma cópia do gene, possui várias cópias do gene. Isto faz com que a célula fique repleta de receptores, ou seja, mesmo não havendo uma modificação quantitativa do factor de crescimento que actua sobre a célula, há muitos receptores, havendo, assim, uma hipersinalização. O que acabou de ser descrito exemplifica claramente um mecanismo oncogénico, uma vez que a célula irá crescer de uma forma desorganizada, dando origem a um tumor. Uma das formas possíveis de avaliar quantitativamente este fenómeno (amplificação génica) é a imunocitoquímica, usando-se para isso anticorpos contra o receptor em causa, o que nos permitirá a sua visualização. Uma das soluções apontadas para interromper este processo foi arranjar um anticorpo monoclonal contra este receptor, que impedisse a tal cascata de hipersinalização. Isso foi conseguido, sendo que a droga com esta função está neste momento a ser usada clinicamente. O objectivo é conter o crescimento da neoplasia, uma vez que não será este o fármaco a matar as células neoplásicas. Assim, para além deste fármaco, são também necessárias drogas que provoquem a morte celular, bem como estabelecer a terapia hormonal, quando esta se justifica. Porém, este não é um tratamento para todos os doentes. Só 25% das doentes com cancro da mama é que têm esta alteração genética, pelo que este medicamento só terá efeitos significativos nestas mulheres.

Tratamento do cancro da mama Terapia biológica: 25% das doentes Trastuzumab herceptina Anticorpos anti-her2 (HER2 é a abreviatura de "Human Epidermal growth factor Receptor-type 2", ou seja, receptor tipo 2 do factor de crescimento epidérmico humano). Terapia hormonal: 30 a 60% das doentes São moduladores dos receptores dos estrogénios Quimioterapia: Antraciclinas Aula desgravada por: João Ferreira dos Santos Ricardo Ladeiras Lopes