Prejuízos das moscas-das-frutas na exportação de citros

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Transcrição:

PRAGAS Ameaça Prejuízos das moscas-das-frutas na exportação de citros Roberto Antonio Zucchi, Aldo Malavasi, Antonio Souza do Nascimento e Júlio Marcos Melges Walder * Dano causado pela mosca-das-frutas heraldo negri/usp esalq 72

O tema de moscas-das-frutas é obrigatório em todos os países em que a produção de frutos é explorada comercialmente. Em razão da importância econômica, podem ser divididas em dois grupos: pragas nos países em que ocorrem e as quarentenárias. Do ponto de vista da globalização, as espécies consideradas quarentenárias são de grande expressão econômica pois, além dos danos ocasionados à fruticultura local, essas espécies inviabilizam a exportação de frutos in natura. No Brasil, as principais espécies de moscas-das- -frutas (tefritídeos) que atacam citros são Anastrepha fraterculus (Figura 1A), A. obliqua e Ceratitis capitata (mosca-do- -mediterrâneo) (Figura 1B), introduzida no Brasil no início do século XX (Zucchi, 2000; 2001). Além desses tefritídeos, as laranjas são infestadas também por outro grupo de moscas os lonqueídeos (Neosilba spp.) (Figura 1C). Essas moscas são consideradas pragas secundárias de citros, uma vez que só infestam frutos já danificados pelos tefritídeos. Todavia, vá rios pesquisadores verificaram que os lonqueídeos também podem ser pragas primárias de citros. Embora o termo moscas-das-frutas seja empregado normalmente para os representantes de Tephritidae, aqui será usado para incluir também as espécies de Lonchaeidae, cujas larvas são frugívoras. A mosca-do-mediterrâneo ataca principalmente as variedades tardias Pêra, Valência, Natal e Murcott de julho a novembro, nas regiões de Araraquara, São José do Rio Preto, Bebedouro e Presidente Prudente. A espécie A. fraterculus infesta as variedades precoces Lima, Hamlin, Baía, Cravo e Ponkan e também as variedades tardias Natal, Valência, Pêra e Murcott, nas regiões de Limeira, Conchal, Campinas, Jundiaí, Atibaia e Nazaré Paulista. Essa espécie pode atacar os frutos verdes, que atingirão apenas a metade do seu tamanho máximo (Souza Filho e Raga, 1998). Quando a fêmea introduz o acúleo no fruto para colocar os ovos, pode haver também a penetração de bactérias, que iniciam o processo de podridão do fruto. Em citros, a punctura produzida pelo acúleo origina uma mancha parda. As larvas, desenvolvendo-se na polpa do fruto, possibilitam também a penetração de microorganismos, tornando o fruto inaproveitável. Estima-se que a redução na produção de citros em razão do ataque das moscas-das-frutas possa ser de 30% a 50%. Os pomares próximos aos cafezais são mais suscetíveis ao ataque da mosca-do-mediterrâneo, que migra após a safra do café para os pomares de laranja. Os estudos com moscas-das-frutas no Brasil evoluíram muito nas últimas três décadas, em razão das pesquisas desenvolvidas a partir da década de 70, principalmente na ESALQ (identificação e distribuição das espécies) e no Instituto de Biociências (biologia e genética) da Universidade de São Paulo. A partir desses estudos, o número de interessados em moscas-das-frutas cresceu significativamente e, em razão disso, o conhecimento nos Estados brasileiros ampliou consideravelmente. Apenas no Estado de Sergipe ainda não há registros de moscas-das-frutas formalmente publicados. Por intermédio de projetos de cooperação internacional formalizados pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, a Bio fábrica Moscamed Brasil está sendo implantada em Juazeiro-BA, para a produção de machos estéreis de moscas-das-frutas e do parasitóide Diachasmimorpha longicaudata (Figura 2) Estima-se que semanalmente serão produzidos 200 milhões de insetos estéreis e dez milhões de D. longicaudata para serem liberados nos pólos de fruticultura irrigada do Nordeste brasileiro, visando à supressão populacional de moscas-das-frutas. Figura 1 Principais Espécies de moscas-das-frutas de importância econômica heraldo negri/usp esalq A B C A. Anastrepha fraterculus; B. Ceratitis capitata; C. Neosilba zadolicha visão agrícola nº2 jul DEZ 2004 73

PRAGAS heraldo negri/usp esalq Figura 2 Adulto de Diachasmimorpha longicaudata Armadilhas e monitoramento O modelo de armadilha mais utilizado para os estudos bioecológicos de moscas- -das-frutas é o frasco caça-moscas tipo McPhail de plástico, mas armadilhas com garrafas PET podem ser improvisadas. Para as espécies de Anastrepha, usa- -se na armadilha um atrativo alimentar, como proteína hidrolisada de milho a 5%, suco de frutos (uma parte de suco e quatro de água), melaço de cana a 7% etc. Para a mosca-do-mediterrâneo, usa-se a armadilha de Jackson com trimedlure (feromônio sexual específico para machos). As armadilhas são penduradas, à sombra, no 1/3 apical da árvore da periferia do pomar. O número de armadilhas e a distância entre elas ainda são motivo de controvérsia. Nas armadilhas, além das espécies-praga de citros, são também coletadas outras espécies de moscas- -das-frutas que não são pragas. Para evitar esse problema, devem-se coletar também amostras de frutos, para saber quais as espécies que realmente estão atacando as laranjas. A flutuação populacional de moscas- -das-frutas é baseada nos espécimes coletados durante determinado período, considerando-se a temperatura, a umidade relativa e a precipitação pluvial do local. Entretanto, nem sempre a ocorrência das moscas-das-frutas é explicada satisfatoriamente com base nesses parâmetros meteorológicos, pois a disponibilidade de frutos no local apresenta grande influência no nível populacio nal da praga. De fato, a sucessão de hospedeiros é o fator que mais influi no nível populacional das moscas-das-frutas. Para estimar a densidade populacional e o nível de controle, usa-se armadilha tipo McPhail com hidrolisado de proteína para as espécies de Anastrepha e trimedlure para a mosca-do-mediterrâneo (Malavasi et al., 1994). Entretanto, o uso de diferentes tipos de armadilhas e de atrativos dificulta a tomada de decisões para o momento do controle. O nível de controle é dado em número de moscas por armadilha por dia (MAD). Apesar de não haver estudos, considera- -se que o nível de controle seria, de um modo geral, MAD=1 para Anastrepha coletada em armadilhas tipo McPhail e MAD=0,5 para C. capitata em armadilha tipo Jackson (Nascimento et al., 2000). O controle de moscas-das-frutas tem se baseado principalmente no uso de iscas tóxicas com inseticidas organofosforados, associado às práticas culturais. Recentemente, uma isca à base de um produto do grupo naturalyte (spinosad) foi desenvolvida e registrada em alguns países. No Brasil, esse produto ainda está em fase de desenvolvimento e registro. Dentre os organismos de controle bio lógico de tefritídeos (bactérias, nematóides, fungos, vírus, predadores e parasitóides), os parasitóides são os que merecem destaque, do ponto de vista aplicado. Dentre as espécies nativas de parasitóides, Doryctobracon areolatus é mais abundante na maioria das regiões brasileiras, com freqüência variando entre 30% e 70%. Apesar de ser considerado o parasitóide nativo mais importante para o controle de espécies de Anastrepha, ainda não se obteve êxito na sua criação massal (Cancino e Ruiz, 2004). Em 1994, num esforço conjunto entre a Embrapa Mandioca e Fruticultura e a Embrapa Meio Ambiente, o parasitóide Diachasmimorpha longicaudata (Figura 2) foi introduzido no Brasil (Nascimento et al., 1996). A introdução dessa espécie vem sendo acompanhada em estudos de campo por pesquisadores da Embrapa Mandioca e Fruticultura (Carvalho e Nascimento 2000) e do Centro de Energia Nuclear na Agricultura (Cena). Graças à facilidade de criação, D. longicaudata tem sido a espécie mais empregada em programas de controle biológico, em várias partes do mundo. Entretanto, sete espécies de parasitóides têm potencialidade de uso e podem ser utilizadas de forma complementar, dependendo de suas características (Tabela 1). A Técnica do Inseto Estéril (TIE) é con- 74

paulo soares/usp esalq Figura 3 Irradiador gama de cobalto-60, utilizado para esterilização de moscas-das-frutas; USP/Cena, Piracicaba, SP. siderada um tipo de controle autocida ou genético, no qual a praga é utilizada em seu próprio controle, pois insetos estéreis competem no processo de acasalamento com os selvagens férteis e, assim, causam gradativamente uma redução populacional, podendo chegar até à erradicação da praga. Por definição, esterilidade é a inabilidade de produzir descendentes, podendo ser causada por infecundidade das fêmeas, aspermia ou inativação espermática de machos ou, ainda, mutação letal dominante em células reprodutoras, tanto em machos, como em fêmeas. O método de esterilização mais utilizado é o físico, por meio de radiação ionizante, proveniente de radioisótopos (cobalto-60 ou césio-137) (Figura 3) ou de equipamentos especiais (raios-x, elétrons acelerados). O tipo de esterilidade desejável na TIE é a causada por uma mutação letal dominante. A infecundidade é a interrupção da produção de ovos e é freqüentemente observada em trabalhos envolvendo irradiação das fêmeas de moscas-das- -frutas. A produção de ovos é dependente da diferenciação dos oócitos e da apropriada função das células nutrizes do ovário. A irradiação normalmente danifica essas células e o ovário se atrofia, não ocorrendo a produção de óvulos. Verifica-se também que quanto maior a dose de radiação aplicada, maior é o grau de atrofia. A aspermia causa esterilidade pela falta ou pela perda de motilidade dos espermatozóides. Essa forma de esterilidade foi muitas vezes citada como causa de insucesso de programas de supres são de pragas pela TIE. Para as moscas-das-frutas, a TIE é eficiente porque as fêmeas acasalam apenas uma vez (Walder, 2000). Toda a fase de acasalamento é normal e a interrupção do ciclo de vida ocorre durante o desenvolvimento embrionário, ou seja, na fase de ovo. Na Biofábrica Moscamed Brasil, uma linhagem termossensitiva da mosca-do-mediterrâneo será utilizada na TIE. Essa linhagem foi desenvolvida pelo Entomology Unit FAO/IAEA Agriculture and Biotechnology Laboratory. Essa tecnologia avançada, inédita no Brasil, permite a obtenção de apenas insetos machos na linha de produção massal. A utilização da linhagem termossensitiva ( Viena 8 ) reduz em mais de 30% os custos de produção, quando comparada com o processo convencional ( bissexual ). Transporte e quarentena No âmbito mundial, estima-se que as perdas diretas e indiretas causadas pelas moscas-das-frutas ultrapassem U$ 2 bilhões, tornando-as, portanto, o maior problema da fruticultura mundial e o principal fator que impede o livre comércio de frutas em todo o mundo. No Brasil, as perdas causadas diretamente na produção, no custo do seu controle e na perda de mercados de exportação, situam-se entre U$ 120 e 200 milhões anuais. Praticamente inexiste país com uma agricultura minimamente organizada que não tenha barreiras quarentenárias à moscas-das- -frutas na sua legislação. As espécies quarentenárias no Brasil são, por ordem de importância econômica, C. capitata, A. fraterculus, A. obliqua e A. grandis. No comércio internacional de frutas, as famosas barreiras não tarifárias devem ser traduzidas, em praticamente todos os casos, como presença de moscas-das- -frutas. Grandes disputas aconteceram e acontecem na arena internacional, incluindo principalmente a Organização Mundial do Comércio (OMC), tendo como foco as questões quarentenárias. Há uma concepção razoavelmente generalizada, em alguns segmentos, de que as barreiras quarentenárias são basicamente internacionais, entretanto há também barreiras Tabela 1 Parasitóides introduzidos e nativos com potencial de uso no controle biológico de moscas-das-frutas Família Condição Espécie características Braconidae Introduzido Diachasmimorpha longicaudata Parasitóide de larva mais utilizado em controle biológico Diachasmimorpha tryoni Parasitóide de larva específica para C. capitata em café em altitude elevada Fopius arisanus Único parasitóide de ovos com possibilidade de uso Nativo Diachasmimorpha crawfordi Parasitóide de larva; freqüente em altitude elevada (México e América Central) Diachasmimorpha areolatus Parasitóide de larva; mais freqüente na América do Sul Figitidae Nativo Aganaspis pelleranoi Penetra no fruto em busca da larva. Pode ter efeito complementar Diapriidae Nativo Coptera haywardi Alta especificidade para pupas de Anastrepha. Criação fácil visão agrícola nº2 jul DEZ 2004 75

PRAGAS nacionais. A Argentina, por exemplo, dispõe de um eficiente sistema de barreiras quarentenárias, com mais de 30 pontos de controle, para proteger as províncias patagônicas contra a introdução da mosca-do-mediterrâneo, que ocorre em outras províncias do Norte argentino; existem outras barreiras em outras províncias, com objetivo semelhante. Nos Estados Unidos, os citros produzidos na Flórida precisam ser tratados quarentenariamente para serem comercializados fora do Estado, devido à presença da mosca-do-caribe (Anastrepha suspensa). De forma similar, o Texas coloca sua produção do Vale do Rio Grande em outros Estados somente se forem seguidos protocolos para evitar o transporte da mosca-mexicana (Anastrepha ludens). No México, impõem-se barreiras às frutas produzidas no Estado de Chiapas o mais meridional do país pela presença intermitente da mos ca-domediterrâneo. No Chile, regiões ao norte do Deserto de Atacama estão proibidas de enviar sua produção frutícola para o sul do país, em razão da presença da mosca-do-mediterrâneo e espécies de Anastrepha no Vale de Tacna. No Brasil, cucurbitáceas produzidas fora da área livre de mosca-das-cucurbitáceas sul- -americana (Anastrepha grandis) de Mossoró-Açu, no Rio Grande do Norte, não podem trafegar dentro da área onde estão instaladas quatro barreiras fitossanitárias. Mas como essas barreiras quarentenárias contra as moscas-das-frutas podem ser derrubadas? Elas podem ser derrubadas na pré-colheita, através da produção em áreas comprovadamente reconhecidas como livres de moscas-das-frutas e em áreas de baixa prevalência de moscas- -das-frutas, seguindo um processo baseado em um enfoque sistêmico (systems approach) também chamado de sistema de mitigação de riscos. Na pós-colheita, deve-se realizar um tratamento quarentenário aprovado pelo país importador, especificamente desenvolvido para uma commodity e suas espécies de moscas- -das-frutas, e realizar o processamento, embalagem e transporte da fruta dentro de protocolos estabelecidos de enfoque de sistemas. Tais soluções requerem um longo processo de pesquisa, desenvolvimento, análise, aprovação e publicação do tratamento ou sistema. Os métodos acima objetivam impedir que a fruta contenha ovos ou larvas no seu interior. Dessa forma, as medidas pré-colheitas estão focadas em assegurar que não haverá oviposição nos frutos, enquanto ainda estiverem na planta. Para isso, é essencial o monitoramento da população de adultos de moscas-das-frutas através de armadilhas específicas, mostrando que a praga está ausente ou que ocorre numa densidade abaixo do nível considerado seguro (variando entre 0,01 a 0,5 MAD). Os tratamentos pós-colheita estão dirigidos para a eliminação dos estágios imaturos que porventura estejam no fruto. Esses tratamentos se baseiam fundamentalmente no uso do calor, do frio e de radia ção ionizante (Figura 4). Para se quebrarem as barreiras quarentenárias e se dispor de um sistema eficiente de trabalho, é absolutamente necessário que exista um bom entrosamento entre todos os setores envolvidos. Os governos federal e estaduais devem: inspecionar os pontos de entrada do país para tentar impedir a introdução de pragas exóticas; executar e/ou supervisionar o monitoramento das moscas nas áreas de produção e áreas adjcentes; inspecionar as frutas que chegam aos packing-houses para processamento e tratamento pós-colheita; emitir os certificados fitossanitários; estabelecer o marco regulatório (legislação, regulamentação, protocolos e planos de trabalho) para as atividades de quarentena. Algumas dessas funções são prerrogativas do governo federal, mas outras podem ser delegadas aos governos estaduais, dentro de convênios específicos firmados entre os órgãos envolvidos. O governo do país importador deve: determinar os parâmetros técnicos e logísticos em que permite a importação da commodity; analisar, aprovar e regulamentar os tratamentos quarentenários submetidos pelo governo do país exportador; inspecionar in loco os tratamentos pós-colheita, quando assim exigir o plano de trabalho firmado entre os participantes. Ao setor produtivo exportador cabe: produzir frutas dentro do conceito de boas práticas culturais ou da produção integrada de frutas (PIF) e dentro do Figura 4 Fluxograma de tratamento quarentenário 76

solicitado pelo país importador; aderir à regulamentação estabelecida pelos governos federal e estaduais. Os setores de pesquisa e desenvolvimento devem: desenvolver métodos, tratamentos e processos adequados para o monitoramento e controle das populações de moscas-das-frutas no campo, no processamento da fruta e no seu transporte; pesquisar alternativas para a produção da commodity com menor impacto ambiental e, ao mesmo tempo, com menor uso de agrotóxicos. As instituições e/ ou empresas importadoras devem, por seu turno: estabelecer informalmente ou através de contrato, os parâmetros de qualidade de produção, empacotamento e transporte das frutas a serem importadas; atuar perante os governos dos países importadores, mostrando seu interesse na importação da commodity e acompanhando seu processo de aprovação (Figura 5). As questões quarentenárias continuarão sendo um tema central na próxima década, em virtude da consolidação dos grandes blocos econômicos. Especificamente para moscas-das-frutas, trabalha- -se com alternativas ecologicamente aceitáveis e financeiramente praticáveis, como as áreas de baixa prevalência, uso de inseticidas orgânicos e TIE. As perspectivas de uso de marcadores genéticos para caracterização exata das populações, métodos físicos não destrutivos para verificar o status da fruta e identificação bioquímica de frutas tratadas são exemplos de avanços que se podem esperar para as próximas duas décadas. *Roberto Antonio Zucchi é professor do Departamento de Entomologia, Fitopatologia e Zoologia Agrícola da USP ESALQ (razucchi@ esalq.usp.br); Aldo Malavasi é professor do Departamento de Biologia do Instituto de Biociências da USP (malavasi@usp.br); Antonio Souza do Nascimento é pesquisador da Embrapa Mandioca e Fruticultura (antnasc@cnpmf.embrapa.br); Júlio Marcos Melges Walder é pesquisador do USP Cena (jmwalder@cena.usp.br). Referências bibliográficas CANCINO, J.; RUIZ, L. Especies de parasitóides com importancia en la aplicación del controle biológico de moscas de la fruta en America. Figura 5 Atividades quarentenárias relacionadas com moscas-das-frutas, tomando como exemplo o Brasil In: DÍAZ, J. L. C. (Ed.). Curso de Control Biologico de Mosca de la Fruta, 76. Programa Moscamed-Moscafrut. Metapa de Dominques, Chiapas, México: Centro Internacional de Capacitación en Moscas de la Fruta. 2004. p. 59-66. MALAVASI, A.; NASCIMENTO, A. S.; CARVALHO, R. S. Moscas-das-frutas no MIP-citros. In: DONADIO, L. C.; GRAVENA, S. (Eds.). Terceiro Seminário Internacional de Citros-MIP. Campinas: Fundação Cargill, 1994. p. 211-231. NASCIMENTO, A. S.; CARVALHO, R. S.; MALAVASI, A. Monitoramento populacional. In: MALAVASI, A.; ZUCCHI, R. A. (Eds.). Moscas-das-frutas de importância econômica no Brasil: conhecimento básico e aplicado. Ribeirão Preto: Holos, 2000. p. 109-112. SOUZA FILHO, M. F.; RAGA, A. Moscas-das-frutas. Citricultura Atual, v. 1, p. 12, 1998. WALDER, J. M. M. Técnica do inseto estéril: Controle genético. In: MALAVASI, A.; ZUCCHI, R. A. (Eds.). Moscas-das-frutas de importância econômica no Brasil: conhecimento básico e aplicado. Ribeirão Preto: Holos, 2000. p. 151-158. ZUCCHI, R. A. Taxonomia. In: MALAVASI, A.; ZUCCHI, R. A. (Eds.). Moscas-das-frutas de importância econômica no Brasil: conhecimento básico e aplicado. Ribeirão Preto: Holos, 2000. p. 13-24. ZUCCHI, R. A. Mosca-do-mediterrâneo, Ceratitis capitata (Diptera: Tephritidae). In: VILELA, E. F.; ZUCCHI, R. A.; CANTOR, F. (Eds.). Histórico e impacto das pragas introduzidas no Brasil. Ribeirão Preto: Holos, 2001. p. 15-22. Obs.: (1) Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento; (2) Departamento de Defesa e Inspeção Vegetal do MAPA; (3) Departamento de Agricultura dos Estados Unidos; (4) Serviço Nacional de Defesa Agropecuária e Sanidade Agroalimentária da Argentina; (5) Serviço Agrícola e Pecuário do Chile; (6) Ministério da Agricultura, Floresta e Pesca do Japão; (7) Secretarias Estaduais de Agricultura visão agrícola nº2 jul DEZ 2004 77