Morfe, alomorfe e morfema Luiz Arthur Pagani 1
1 Introdução recorrência: O interesse da depreensão dos morfemas resulta de seu caráter produtivo: são elementos recorrentes, reutilizados em centenas de vocábulos, e, portanto, vivos na língua. [4, p. 48] par mínimo (teste de comutação): é o par constituído de dois signos de sentido diferente e que, do ponto de vista do signicante, se diferenciam apenas por um elemento: o fonema (na análise fonológica): /pata/ /bata/; ou o morfema (na análise morfológica): /amamos/ /amais/. É com base nos pares mínimos que efetuamos as comutações, que nos permitem depreender os fonemas (nos exemplos acima: /p/ e /b/) e os morfemas (acima: /mos/ e /is/) da língua [4, p. 68] 2
2 Palavra diculdade para denir menor unidade para sintaxe maior unidade para morfologia: As duas unidades básicas da sintaxe são a sentença e a palavra. A sentença é a unidade maior da sintaxe: quando nos movemos para cima, além da sentença, passamos da sintaxe para a análise do discurso; a palavra é a unidade menor da sintaxe: movendo-nos para baixo, além da palavra, passamos da sintaxe para a morfologia. [3, p. 22; apud [6, p. 15]] 3
estrutura interna funções externas: segundo Matthews (1974: 154): Tradicionalmente, a morfologia estuda a estrutura interna das palavras e suas relações com outras palavras dentro do paradigma. A sintaxe, por sua vez, se ocupa com suas funções exteriores e com sua relação com outras palavras no interior da sentença. [6, p. 16] denição operacional (metodológica): relações morfológicas só ocorrem dentro da palavra relações sintáticas não ocorrem dentro da palavra 4
3 Morfe sequência fônica: O morfe é um segmento de enunciado, ou melhor, uma seqüência fônica, a que é possível atribuir signicado e que será posteriormente classicado num morfema. [5, p. 58] re-: recompor re- + compor refazer re- + fazer religar re- + ligar 5
-mento: armamento armar + -mento ligamento ligar + -mento treinamento treinar + -mento -o -a: fraco fraca gato gata menino menina -s: fracos fraco + -s gatas gata + -s meninas menina + -s 6
4 Alomorfe alomora: a alomora diz respeito às congurações que um morfema pode tomar [5, p. 61] diferentes realizações do mesmo morfema: No adjetivo infeliz, a comparação com feliz permite-nos depreender o morfema in-. Esse mesmo morfema realiza-se como i- antes de radicais iniciados por l-, m- e r-: ilegal. imoral, irreal. Essas diferentes realizações são designadas como alomorfes, em paralelismo com alofones. [4, p. 19] 7
condiciomento fonológico: compor (nasal bilabial, antes de consoante bilabial) contratar (nasal alvéolo-dental, antes de consoante alvéolo-dental) congelar (nasal alvéolo-palatal, antes de consoante alvéolo-palatal) morfema /kon-/ (com arquifonema nasal /N/) condicionamento morfofonológico: amável amabilidade -vel no nal da palavra (#) -bil- antes de -(i)dade 8
livre: armamento armação morfofonêmica: A morfofonêmica é o ramo da gramática que lida com a forma fonêmica de morfemas, palavras e construções, sem atenção ao signicado (Hockett, 1942: 107) [5, p. 62] (fonêmico = fonológico) 9
5 Morfema conjunto de alomorfes: o morfema é, por conseguinte, uma abstração em relação ao morfe, do mesmo modo que o fonema o é em relação ao fone: um morfema é uma classe de morfes, isto é, cada morfe, ou alternante morfêmica, é um elemento de um conjunto (que pode ser unitário) formador de uma unidade estrutural, que é o morfema. [5, p. 58] /i(n)-/: impossível: [im-] + possível intratável: [in-] + tratável incontável: [in-] + contável ilegal: [i-] + legal 10
eixo paradigmático: a morfologia encontra seu objeto de estudo nas relações paradigmáticas ou do eixo vertical da linguagem, nas relações que se podem estabelecer entre elementos que não estão todos simultaneamente presentes numa frase ou texto. [6, p. 16] relações paradigmáticas: como diriam Jacobson (1971: 40), invocando Saussure, (... ) o segundo (modo de arranjo) une os termos in absentia como membros de uma série mnemônica virtual. Chamamo-las, pois, relações paradigmáticas, relações entre elementos ausentes, entre elementos lexicais que integram o estoque de unidades que é o léxico. [6, p. 17] 11
morfotática: a morfotática dá conta das restrições à combinação de morfemas, ou melhor, estuda a sua distribuição. [5, p. 61] recompor re- + com- + por * comrepor com- + re- + por mas então a morfotática pertence ao eixo sintagmático desfazer [7, p. 150]: des- + fazer descolar deslocar descoser etc. fazer refazer contrafazer etc. 12
forma recorrente mínima com signicado: um morfema é uma forma recorrente (com signicado) que não pode, por sua vez, ser analisada em formas menores recorrentes (com signicado). [2, p. 48] regularidade morfofonológica sem regularidade semântica: conceber concepção colocar colocação perceber percepção perfurar perfuração receber recepção religar religação revisão: forma recorrente mínima sujeita a alguma regularidade linguística 13
Referências [1] Leonard Bloomeld. A set of postulates for the science of language. Language, 2(3):153164, 1926. [2] Leonard Bloomeld. Um conjunto de postulados para a ciência da linguagem. In Marcelo Dascal, editor, Fundamentos Metodológicos da Lingüística - Volume I: Concepções Gerais da Teoria Lingüística, pages 4560. Global, São Paulo, 1978. Tradução de [1]. [3] Rodney D. Huddleston. Introduction to the Grammar of English. Cambridge University Press, Cambridge, 1984. [4] Valter Kehdi. Morfemas do Português. Ática, São Paulo, 1990. [5] Maria Carlota Rosa. Introdução à Morfologia. Contexto, São Paulo, 2000. [6] Antônio José Sandmann. Morfologia Geral. Contexto, São Paulo, 1991. [7] Ferdinand de Saussure. Curso de Lingüística Geral. Cultrix, São Paulo, terceira edition, 1971. Traduzido por Antônio Chelini, José Paulo Paes & Izidoro Blikstein. 14