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Transcrição:

A Cultura Popular Representada no Repórter Brasil 1 Allana MEIRELLES Vieira 2 Caio Cardoso de QUEIROZ 3 Iluska Maria da Silva COUTINHO 4 Resumo Este artigo tem como objetivo avaliar a relação entre cultura popular e massiva, a partir da análise da forma como o telejornal da emissora pública, TV Brasil, aborda a cultura popular e regional. A verificação do cumprimento com o compromisso de pluralidade do Repórter Brasil será feito a partir do ponto de vista da edição e dos textos construídos. A partir do referencial teórico de Iluska Coutinho e Nilda Jacks foi possível desenvolver um olhar crítico sobre o noticiário, Repórter Brasil. Palavras-chave Telejornalismo; TV pública; Cultura popular; Edição; Texto Manifestações culturais dos mais variados tipos acontecem por todo o Brasil, dando continuidade a uma série de ritos e costumes regionais que não são controlados ou mesmo pautados pela mídia. Sendo assim, as múltiplas manifestações desses costumes ficam, por vezes, sem espaço nos meios de comunicação de massa, que não os retratam. No telejornalismo de caráter comercial, tais manifestações aparecem, em geral, quando têm uma aparência de algo incomum e muito específico. O objetivo deste estudo é analisar de que forma o telejornal Repórter Brasil, veiculado em duas edições divididas entre manhã e noite na programação da TV Brasil, contribui para tornar públicas manifestações culturais diversas de variadas partes do Brasil. Por se tratar de telejornalismo de uma emissora pública, cuja preocupação deve 1 Artigo apresentado no GT 2 Folkcomunicação Midiática da XIV Conferência Brasileira de Folkcomunicação Juiz de Fora-MG, 04 a 07 de maio de 2011. 2 Estudante de graduação do 5º período da Faculdade de Comunicação Social da Universidade Federal de Juiz de Fora. Bolsista do projeto de Avaliação do Telejornalismo da TV Brasil. email: allanameirelles@hotmail.com 3 Estudante de graduação do 4º período da Faculdade de Comunicação Social da Universidade Federal de Juiz de Fora. Bolsista do Programa de Educação Tutorial Sesu/MEC. caiocardosode@yahoo.com.br 4 Orientadora do projeto de Avaliação do Telejornalismo da TV Brasil. Jornalista diplomada, doutora em Comunicação, professora do Curso de Jornalismo da Facom-UFJF e coordenadora dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação da UFJF, email: iluskac@uol.com.br 1

ser o interesse público, a responsabilidade social e a pluralidade, a investigação se faz necessária a fim de verificar em que medida o noticiário cumpre sua função no que diz respeito aos espaços destinados à cultura popular. A análise será feita a partir dos estudos sobre a edição e o texto das reportagens exibidas na Semana da Consciência Negra, no Repórter Brasil Noite, do dia 15 ao dia 20 de novembro de 2010, a fim de demonstrar como eles são retratados. A observação dos textos construídos em cada reportagem e da etapa de edição das matérias e do telejornal pode contribuir para a compreensão da maneira através da qual é representada esta cultura popular em um meio massivo, que é a televisão. A pesquisa completa foi realizada a partir da análise quantitativa de seis meses do noticiário, com a elaboração de relatórios que levam em conta variáveis como: editoria, duração das matérias, fontes presentes, formato do conteúdo, presença ou não do governo e seu enfoque e presença de partidos políticos. Além disso, em um segundo momento - nos últimos três meses - fez-se uma análise qualitativa, na qual cada membro do grupo de pesquisa ficou responsável por observar um aspecto do telejornal, sendo a edição e o texto as variáveis avaliadas por estes autores. A Empresa Brasil de Comunicação A Empresa Brasil de Comunicação (EBC) foi criada com o propósito de suprir uma lacuna do sistema de radiodifusão brasileira. Já que a Constituição de 1988 prevê uma complementaridade entre os sistemas de comunicação estatais, públicos e privados. E até então o que se tinha eram empresas ligadas ao estado ou comerciais. É da EBC a responsabilidade de gerir os quatro canais federais que compõem a TV Brasil, cuja finalidade é complementar e ampliar a oferta de conteúdos, oferecendo uma programação de natureza informativa, cultural, artística, científica e formadora da cidadania (http://www.tvbrasil.org.br/sobreatv/). A EBC, em sua Carta de Princípios, ao criar a TV Brasil, baseia-se no fato de que, sendo financiadas por empresas e instituições que se orientam pela lógica econômica ou política, as emissoras comerciais e estatais não possuem autonomia para 2

o desenvolvimento de seu conteúdo. Ou seja, estruturalmente, a emissora pública distingue-se da comercial (sustentada por empresas e pela publicidade) e da estatal (sustentada pelo governo) por questões orçamentárias que influenciam diretamente a sua programação. A diversidade cultural e a pluralidade temática, geográfica e ideológica intrínseca à busca pela objetividade, imparcialidade e isenção na produção das notícias, o diálogo com o receptor, ou seja, a audiência, almejando a formação crítica para o exercício da cidadania, a democratização da comunicação e a representação do interesse público são aspectos que devem ser levados em consideração como ponto de partida nesse estudo. O Repórter Brasil: O Repórter Brasil (RB), principal telejornal da TV Brasil, teve sua primeira transmissão no dia três de dezembro de 2007. O noticiário, desde então, é exibido em duas edições, a partir das 8 horas e das 21 horas. O RB manhã é veiculado de segunda a sexta e é apresentado por uma âncora em Brasília. Já a edição noturna vai ao ar de segunda a sábado e tem, nos dias úteis, três apresentadores cada um em uma das capitais: Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília; e aos sábados apresenta apenas uma âncora no estúdio do Rio de Janeiro. O caráter público do noticiário implica independência comercial e política. Apesar do veículo público ser responsabilidade do Estado, aquele não pode agir como ferramenta de propaganda deste. O objetivo principal deve ser o interesse público e a preocupação social. Em sua carta de apresentação, o Repórter Brasil se propõe a ser reflexo da diversidade social, cultural e étnica do país (http://tvbrasil.ebc.com.br/reporterbrasil/flat/sobre/). Tal intenção pode ser revelada na escolha de matérias produzidas nas diversas regiões do país que apresentam características específicas do lugar, como o sotaque, por exemplo. Entretanto, ainda há 3

uma predominância de materiais elaborados nas principais capitais brasileiras, como Brasília, Rio de Janeiro e São Paulo. A descentralização pode ser percebida também na editoria de internacional, que inclui informações sobre países, geralmente, esquecidos do noticiário principalmente, aqueles que fazem parte do continente africano. Além disso, há grande presença de matérias produzidas sobre a periferia das grandes cidades. Outra característica do Repórter Brasil é a abordagem didática, explicitada no quadro Repórter Brasil explica, por exemplo. O telejornal se utiliza de uma linguagem explicativa e de fácil compreensão. Recursos gráficos que deixem as informações mais claras também são utilizados. Além disso, é feito o uso de entrevistas e comentários que aprofundam e esclarecem certos temas. A opção editorial por abordar temas de cunho educativo e social também é marcante no telejornal. Há uma preocupação em produzir matérias que discutam questões relacionadas a grupos historicamente excluídos como, por exemplo, negros e deficientes físicos. O texto jornalístico São muitas as regras na construção do texto jornalístico, em especial o texto destinado à veiculação televisiva. Os mais variados manuais de texto telejornalísticos estabelecem alguns princípios para que o texto da TV seja breve e de fácil entendimento pelo público. Ao assistir um telejornal, um telespectador não pode voltar para ouvir de novo o que o repórter disse, isso obriga que o texto construído e veiculado seja simples, claro e direto. As frases e orações devem se constituir de períodos curtos e de fácil entendimento para que possam servir de apoio à imagem mostrada. Segundo EMERIM (2010), há duas questões básicas na construção de um bom texto jornalístico televisivo. Em primeiro lugar, ele deve ser de fácil compreensão, que não seja descritivo e nem apresente frases de efeito que podem desconstruir o sentido e transformar a informação isenta num direcionamento de interpretação ou numa opinião. 4

Seguindo este ponto de vista, a segunda regra do texto telejornalístico diz respeito ao entendimento da mensagem transmitida, que deve ser imediato. Outras regras nessa elaboração textual, como a utilização preferencial da ordem direta nas orações, os verbos no futuro composto ou presente do indicativo, um texto com o máximo de informação no menor número de palavras (ou seja, conciso) e da restrição ao uso de adjetivos, pelo perigo de se cair em um tipo de juízo de valor, também são levadas em consideração. Sobre a linguagem telejornalística, COUTINHO (2005), citando Zourmer, lembra que a distração seria o maior inimigo da compreensão do texto jornalístico em televisão e poderia, inclusive, ser motivada por uma imagem espetacular cujo sentido ou significado concorram com o áudio. No fazer jornalístico para a televisão, A alternativa utilizada então pelo jornalista é apresentar o enunciado, sua tese e hipótese no começo da matéria, e desenvolver o conteúdo de forma a chegar ao final em um como queríamos demonstrar. Além disso, a utilização do recurso do personagem tornaria a narrativa televisiva mais concreta para os telespectadores por meio da identificação com o problema descrito na matéria, também segundo COUTINHO (2005). Itens como o ritmo, o encadeamento e o didatismo no texto jornalístico veiculado nas duas edições do Repórter Brasil foram levados em conta durante a análise dos mesmos. Há uma nítida diferença entre as construções dessas duas edições, sendo o RB Manhã mais didático e de características mais marcadamente de agenda diária do que a sua edição noturna. Durante o RB noite, o didatismo textual perde um pouco de força até mesmo pelos formatos usados, apesar de ainda ser mais marcado do que no telejornalismo comercial. O Processo de Edição O casamento entre texto e imagem é de suma importância no produto jornalístico televisivo. E é na edição que essa combinação se faz, criando significados e ideias que contribuirão na informação e na formação dos telespectadores. 5

A elaboração de uma matéria de televisão envolve diversas etapas, que vão da produção à edição. A fase final deste processo, a edição, é a responsável pela criação de sentidos, pela construção da narrativa a partir de elementos fragmentados. As informações, as imagens, os discursos coletados ao longo do processo produtivo devem ser organizados de modo a tornar a reportagem interessante, atrativa, ética e compreensível. Como Iluska Coutinho explicita o telejornalista lida com a necessidade de ordenar o aparente caos da fita bruta, em que imagens, entrevistas, passagens e o áudio do off são gravados de forma cuja lógica está ligada ao momento de captação dos registros e não à sua estrutura narrativa. Alia-se a isso a questão do tempo disponível, a possibilidade de alteração das informações até o momento de exibição, as diferenças em qualidade e adequação das entrevistas/depoimentos coletados e ainda a linha editorial do telejornal, e mesmo a marca ou padrão estilístico e/ou político da emissora em que aquele programa está inserido. (COUTINHO, 2003, p.167) A edição é a alma do processo telejornalístico, defende Sebastião Squirra. Esta importância se deve, não apenas ao fato de que a justaposição de duas cenas distintas, interligando-as, não significa apenas a simples soma de duas cenas, e sim, um ato de criação", como afirmou o cineasta russo Sergei Eisenstein, mas também porque a edição pode deturpar informações. É esta a etapa final de uma série de escolhas. Selecionar o que será publicado ou não, definir a ordem dos elementos, inserir um item em determinado tempo e em conjunto com outro são algumas das decisões a serem tomadas. Estas escolhas levam em si a linha editorial do veículo e do produto em que estão inseridas. Cultura Massiva e popular Há uma grande discussão em torno da relação entre indústria cultural e cultura regional. A primeira, com produções voltadas para o grande público e que de acordo com a visão frankfurtiana, massifica e homogeneíza o consumo. A segunda, marcada por tradições que permitem uma demonstração de autenticidade. Entretanto, não é possível fazer uma separação entre essas duas formas de cultura, pois cada uma influencia e é influenciada pela outra e por outras expressões culturais. Nilda Jacks, citando Oliven e Fadul, defende que 6

A cultura regional, entendida em um sentido amplo, abrange todos os níveis de manifestações de uma determinada região que caracterizem sua realidade sociocultural. Essas manifestações incluem as de caráter ``erudito'', ``popular'' e ``massivo'', por acreditar-se que estas instâncias do cultural estão historicamente imbricadas pelas determinações dos processos de industrialização e urbanização, às vezes mediados pela indústria cultural que é em princípio conseqüência e não causa destes dois fatores (OLIVEN, 1985 e FADUL, 1976. Apud JACKS, 2003, p.7). Jacks ainda afirma que O estudo da cultura nos dias de hoje requer uma reflexão no sentido de apreender o complexo processo cultural no multifacetado contexto histórico em que se encontra a sociedade. (JACKS, 2003, p.7) Desta forma, faz-se necessário analisar de que forma um telejornalismo de uma emissora pública cumpre sua função ao dar espaço à publicação de manifestações regionais e populares. Cultura popular no Repórter Brasil Os telejornais comerciais tendem a padronizar suas produções, feitas para um público médio e que reside principalmente nas áreas centrais do país. Desta forma, eles podem até veicular matérias que foram produzidas por emissoras afiliadas de outras regiões brasileiras, mas estas devem conter o mínimo de indícios regionais possíveis, como por exemplo, o sotaque. Neste aspecto, o Repórter Brasil se diferencia, primeiramente pelo estabelecimento de emissoras associadas, e não afiliadas. Isso dá, na prática uma diferenciação na forma com a qual as emissoras se relacionam, pois durante uma inserção de matéria regional no noticiário nacional, haverá uma interferência muito menor no seu conteúdo, reforçando justamente o caráter regionalista. Há uma busca por mostrar no seu noticiário os vários Brasis possíveis, portanto, os elementos particulares de cada região e cada cultura, são tratados não para serem escondidos, mas para serem exibidos. Este regionalismo é apresentado, prioritariamente, nas matérias da editoria de cultura e cotidiano. Pois são nelas, que o noticiário encontra sua abertura para a publicação de diferentes manifestações culturais. As notícias de caráter noticioso mais 7

urgentes, nas editorias de Política e Economia, por exemplo, ficam ainda restritas nos centros emissores destas matérias. Além disso, o RB se destaca pela abordagem de expressões culturais, não só de diversas partes do Brasil, mas também de vários grupos tidos historicamente como excluídos, fazendo uso de datas comemorativas e lançamentos de iniciativas de estímulo às expressões culturais destes grupos, realizando, em alguns casos, coberturas especais com discussões e aprofundamento de algumas questões. A semana da Consciência Negra Entre os dias 15 e 20 de novembro de 2010, o Repórter Brasil Noite dedicou grande parte do seu noticiário a matérias que tratassem dos negros, como uma forma de celebração da semana da consciência negra. Denominada pelo telejornal como uma série especial, as reportagens vinham de diversas regiões do país e tratavam de diferentes aspectos, nem sempre contemplados pelos telejornais de emissoras comerciais. Além disso, o quadro Outro olhar, destinado a veiculação de matérias produzidas pelos telespectadores, foi inteiramente utilizado para produções sobre os negros, nesta semana. Este quadro tem a intenção de incluir o telespectador na programação do telejornal e dialogar, assim, com quem o assiste. Durante a semana analisada, este quadro fez mais do que somente este diálogo, ele serviu para dar voz a um grupo historicamente marginalizado e, assim, estimular algumas discussões, dar destaque a pontos de vista nem sempre divulgados. De segunda a sábado, foram apresentadas 17 matérias com esta temática. Destas, 12 se encaixam na editoria de cultura, uma na de cotidiano e quatro são produções do Outro Olhar. Apenas na segunda e na quinta, elas tiveram espaço na escalada de abertura do telejornal. Mas em todos os dias, foram anunciadas ao final do bloco anterior. Em três dias, elas foram apresentadas no segundo bloco do telejornal, em dois dias no terceiro bloco e no sábado, elas apareceram no início do primeiro. Geralmente, as matérias de cultura ocupam o último bloco, responsáveis por fechar o telejornal de forma mais leve. Nesta semana, outras matérias de cultura 8

continuaram finalizando o noticiário 5, porém as que tratavam especificamente dos negros foram colocadas em blocos diferentes, fugindo inclusive do costume editorial do telejornal. Uma maneira de expressar o caráter especial destas reportagens, de dar mais importância a elas e também de colocá-las não como leves, mas como matérias de reflexão. Apesar disso, textos e edição dessas matérias seguiram o padrão das outras matérias, mesmo as especiais, veiculadas no telejornal. No sábado, o Repórter Brasil foi encerrado com uma música de Clara Nunes, em homenagem à Semana da Consciência Negra. Tal opção revelou mais uma vez o destaque que o telejornal deu à comemoração, sendo este o momento de celebração e finalização desta cobertura que teve destaque durante as edições de toda a semana. As reportagens produzidas pelo RB e exibidas na semana foram: Data Bloco Retranca 15/11/2010 Segundo Bloco Faculdade que insere o negro no mercado de trabalho 15/11/2010 Segundo Bloco Caminhada de protesto contra o preconceito com as religiões vindas da África, feita por adeptos do Candomblé, em Salvador. 15/11/2010 Segundo Bloco Reforma do monumento do Zumbi dos Palmares para a semana de Consciência Negra, no Rio de Janeiro. 16/11/2010 Segundo Bloco Cultura e tradições negras conservadas nas comunidades quirambolas, no Paraná. 17/11/2010 Segundo Bloco Heranças africanas na culinária brasileira 5 De segunda a sexta, a última matéria do telejornal foi da editoria de cultura. No sábado, a última matéria foi de esporte, porém, depois dele uma nota e sobe som homenagearam a semana da consciência negra. 9

18/11/2010 Terceiro Bloco Projeto no Rio para manter a tradição das tranças afro 18/11/2010 Terceiro Bloco Conquistas de poder dos negros 18/11/2010 Terceiro Bloco Abandono das populações que vivem em quilombos 19/11/2010 Terceiro Bloco Influência dos ritmos africanos na música brasileira 19/11/2010 Terceiro Bloco Lançamento de cartilha que conta Revolta dos Malesespelo Olodum 20/11/2010 Primeiro Bloco Comemorações no Rio de Janeiro pelo dia da Consciência Negra 20/11/2010 Primeiro Bloco Festa da Consciência Negra em Manaus e Salvador 20/11/2010 Primeiro Bloco Brasil também influencia continente africano Já o quadro Outro Olhar teve vídeos sobre a criação da identidade negra no país; a situação do negro no mercado de trabalho; a cidade, proporcionalmente, com a maior população negra fora do continente africano Salvador; e a situação da mulher negra no Brasil. A tradição faz parte de várias matérias exibidas nesta semana. A forma como elas são preservadas, o modo como influenciaram a cultura brasileira e até como esta influencia a outra são temas de algumas reportagens. Nestas, texto e edição andaram de mãos dadas para uma produção de sentido quase didática, de valorização desses valores locais. Esta opção demonstra a forma como as culturas populares e regionais são tratadas na maior parte das vezes como manifestações de preservação da tradição. Entretanto, como Jacks citando Durhan defende 10

As culturas regionais, como tudo no âmbito da cultura, possuem elementos de inovação e elementos tradicionais, o que constitui a dinâmica cultural, que é tão móvel e ambígua quanto a sociedade em que está inserida. Assim, a morte de certos padrões culturais apenas significa que as situações que lhes deram origem não mais existem ou foram alteradas para enfrentar novas situações (Durhan, 1977, p.33. Apud JACKS, 2003, p.9). Por um lado, esta abordagem pode contribuir para a identificação e se diferenciar daquela vista em emissoras comerciais. Por outro, algumas vezes, a impressão que fica é que a cultura negra e a cultura brasileira são coisas diferentes, que podem até se influenciar. Porém, elas não apenas se influenciam - a cultura negra faz parte da brasileira e elas não podem ser separadas. Talvez o excesso desse didatismo de texto e edição ao tentar explicar e justificar a presença dessas matérias no noticiário reflita um pouco essa impressão de nítido deslocamento entre duas formas culturais que se interrelacionam o tempo todo, pois são partes de um mesmo todo. Outro aspecto abordado pelo telejornal foi o preconceito contra os negros e as conquistas que eles obtiveram. Uma forma de refletir sobre as mudanças que conseguiram se efetivar e sobre aquelas que ainda devem ser buscadas. Tais matérias trataram o tema sem que se pensasse a cultura e o movimento negro como algo separado do resto do Brasil, mas mostrando e refletindo exatamente a relação entre esses dois âmbitos da realidade cultural brasileira. A edição tanto do telejornal, como de cada matéria revela a preocupação que o Repórter Brasil tem em tornar conhecidas manifestações culturais que tenham pouco espaço na grande mídia. A busca pela inclusão e pela pluralidade é demonstrada nesta semana. Considerações finais O Repórter Brasil é um telejornal que se diferencia dos outros, devido a vários pontos, entre eles a busca pela expressão da diversidade cultural existente no Brasil. Esta diferenciação faz parte da sua responsabilidade, já que se trata de um noticiário de uma TV pública. 11

Em seu formato, alguns pontos podem ser destacados como diferenciais deste telejornal para os outros, das emissoras de caráter comercial. Nas duas edições, ele apresenta um cuidado maior com a explicação de alguns pontos e fenômenos que fazem parte da rotina diária dos seus telespectadores. Com isso, tanto o texto quanto a edição do telejornal ganham um ritmo diferente, mais lento e didático. Ainda assim, no tocante ao texto, o encadeamento não perde em agilidade ou clareza nas matérias, no caso do período analisado. Essa cobertura dada à semana da consciência negra é um exemplo da preocupação do telejornal. Religião, culinária, música são temas de matérias que valorizam a tradição negra e contribuem para torná-las conhecidas, possibilitando a identificação. Além de tratar do preconceito e das conquistas como forma de reflexão, tudo isso sem que o material produzido e veiculado perdesse ritmo, tivesse uma organização textual e uma edição confusas ou fosse menos coeso. Referências bibliográficas COUTINHO, Iluska. A busca por critérios editoriais em telejornalismo. Artigo apresentado no XXVI Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação. Belo Horizonte, MG. 2003. COUTINHO, Iluska. Cobertura do afundamento da P-36: uma novela exibida via Jornal Nacional. Artigo apresentado no XXIV Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação. Campo Grande, MS. 2001. COUTINHO, Iluska. Dramaturgia no telejornalismo brasileiro: a estrutura narrativa das notícias em televisão. São Bernardo do Campo, Umesp, 2003. Tese de doutorado apresentado ao Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da Umesp. COUTINHO, Iluska. Telejornalismo no Brasil: um olhar sobre os reflexos do padrão americano. Artigo apresentado no XXVIII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação. Rio de Janeiro, RJ. 2005. DURHAM, Eunice Ribeiro. A dinâmica cultural na sociedade moderna. In: Ensaios de Opinião. Rio de Janeiro: Ed. Inúbia, 1977. v.4. 12

EMERIM, Cárlida. O texto na reportagem de televisão. Artigo apresentado no XXXIII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação. Caxias do Sul, 2010. JACKS, Nilda. Mídia Nativa: indústria cultural e cultura regional. Porto Alegre, UFRGS, 2003. OLIVEN, Ruben George. Industrialização, urbanização e meios de comunicação de massa. In: MELO, José Marques de (org.). Comunicação e transição democrática. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1985. FADUL, Anamaria. Decadência da cultura regional: a influência do rádio e da TV. In: MELO, José Marques de (org.). Comunicação/incomunicação no Brasil. São Paulo: Loyola, 1976. SQUIRRA, Sebastião. A Força Monumental da Imagem. Observatório da Imprensa. 2008. Disponível em: http://www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos.asp?cod=510azl004. Acesso em: 03 de abril de 2011. TV Brasil. Disponível em: http://www.tvbrasil.org.br/. Acesso em: 22 de abril de 2011. Repórter Brasil. Disponível em: http://tvbrasil.ebc.com.br/reporterbrasil/flat/sobre/. Acesso em: 22 de abril de 2011. 13