Correlações espaciais entre ocorrências de homicídios e concentração de aglomerados subnormais em Fortaleza, Ceará.

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Transcrição:

Correlações espaciais entre ocorrências de homicídios e concentração de aglomerados subnormais em Fortaleza, Ceará. Guilherme Marques e Souza Cleyber Nascimento de Medeiros Francisco Sérgio de Almeida Pinheiro Programa de Pós-Graduação em Geografia ProPGeo Universidade Estadual do Ceará UECE Av. Paranjana, 1700, Campus do Itaperi, CEP: 60.740-020. Fortaleza-CE guilhermesouzabr@gmail.com cleyber@gmail.com sergiouece@yahoo.com.br Abstract. The study aimed to find spatial correlations between the occurrence of homicides and the presence of subnormal agglomerations in the city of Fortaleza, Ceará. In the city of Fortaleza, the violence issue is increasingly the point of discussion and comments on the various social segments as well as in the media. The increase in crime, particularly homicides, has great social impact, with effects on the habits of life of the citizen. Studies show social inequalities, growing as one of the main constraints to increased crime. The maldistribution of income, poor living conditions, among other conditions, may be closely related to increased crime. Starting point was the assumption that areas with the highest number of subnormal agglomerations have higher homicide rates, since at these locations the interference from social inequality have repercussions more sharply on crime. From the use of kernel density estimator was possible to establish correlations between georreferenced data on homicides in Fortaleza in the period from January to August 2010 and the presence of subnormal agglomerations in the city. The results indicated a strong spatial correlation between the variables analyzed. Finally, it is considered to be fundamental in research on the topic of crime in urban areas, the study of spatial pattern in order to better understand this phenomenon. Palavras-chave: spatial correlations, homicide, substandard clusters, Fortaleza, correlações espaciais, homicídios, aglomerados subnormais, Fortaleza. 1. Introdução O município de Fortaleza, capital do Estado do Ceará, localiza-se na região Nordeste do Brasil, sendo a quinta maior cidade brasileira, contando com um contingente populacional de 2.452.185 habitantes (IBGE, 2010). A violência nas grandes cidades dos países em desenvolvimento, notadamente na América Latina, tornou-se algo comum na vida diária dos seus cidadãos. De fato, dados da Organização Mundial da Saúde para a América Latina registraram que em outubro de 2008, 25% (¼) de todas as mortes por violência no mundo ocorreram neste continente, embora sua população represente apenas 10% de toda a população mundial (SULIANO e OLIVEIRA, 2010). Na cidade de Fortaleza, o tema violência tem constituído, cada vez mais, ponto de comentários e discussão nos vários segmentos sociais, bem como nos meios de comunicação. O aumento da criminalidade, em especial os homicídios, tem grande repercussão social, com efeitos sobre os hábitos de vida do citadino. Estudos apontam as desigualdades sociais, cada vez maiores, como um dos principais condicionantes para o aumento da criminalidade. A má distribuição de renda, péssimas condições de habitação, dentre outros condicionantes, podem estar intimamente ligados ao aumento da criminalidade. Não obstante, o principal foco dessas pesquisas busca investigar as causas da criminalidade, porém poucos trabalhos dedicam-se ao estudo da distribuição e da dinâmica espacial do fenômeno. Esta última abordagem é de significativa relevância, posto que a violência apresenta-se concentrada espacialmente e neste sentido, busca-se saber se a 4451

distribuição de homicídios em Fortaleza apresenta correlação espacial com a presença de aglomerados subnormais (favelas). O estudo parte-se da hipótese de que os bairros com maior número de aglomerados subnormais apresentam maiores índices de homicídios, posto que, nesses bairros as interferências oriundas da desigualdade social repercutem de forma mais aguda sobre a criminalidade. Nessa perspectiva, busca-se cruzar dados de ocorrência de homicídios com dados referentes à distribuição de favelas na da cidade de Fortaleza no intuito de estabelecer padrões de correlação espacial. 2. Metodologia de Trabalho Para investigar a correlação espacial entre a ocorrência de homicídios e a concentração de aglomerados subnormais (favelas) na cidade de Fortaleza (CE) foram utilizadas ferramentas de geoprocessamento, mais especificamente a elaboração de mapas temáticos e o estimador de densidade de Kernel. 2.1 Base de Dados Dois tipos de dados foram utilizados nesse trabalho. O primeiro refere-se à malha de bairros georreferenciada de Fortaleza e a malha de aglomerados subnormais (arquivos shapefile) gerados no âmbito do Censo Demográfico 2010, disponíveis no site do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE (www.ibge.gov.br), permitindo a confecção dos mapas temáticos. O segundo consiste na base de homicídios ocorridos durante os meses de Janeiro a Agosto de 2010, extraída do site do Jornal Diário do Nordeste, (www.diariodonordeste.com.br), criada no contexto do projeto Mapa de Homicídios de Fortaleza. As duas bases de dados estão georreferenciadas no sistema de projeção UTM, zona 24 Sul, Datum WGS 84. O projeto do Mapa de Homicídios de Fortaleza refere-se a um levantamento feito pela equipe editorial do Jornal Diário do Nordeste, que georreferenciou o local de óbito das vítimas, coletando também informações sobre: nome, sexo, data, dia da semana, horário e tipo de arma utilizada. Os dados sobre o quantitativo de homicídios foram obtidos por meio do levantamento de registros catalogados pelo Instituto Médico Legal (IML), Coordenadoria Integrada de Operações de Segurança (CIOPS), Instituto Doutor José Frota (IJF-Centro), "Frotinhas" de Parangaba, Messejana e Antônio Bezerra; além de guias cadavéricas expedidas pelas delegacias (JDN, 2011). A plataforma de disponibilização dos dados consiste no sistema Google Maps, de onde foram extraídas as coordenadas geográficas do local de óbito, gerando um arquivo do tipo kml e posteriormente transformado para shapefile. Dessa forma, os dados de homicídios utilizados nesta pesquisa são oriundos de levantamento realizado pelo Jornal Diário do Nordeste, referindo-se a homicídios ocorridos no período analisado e publicados pelo jornal em 2011. Os mesmos podem, por conseguinte, apresentar divergências se comparados aos dados oficiais da Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social do Ceará (SSPDS CE). Não obstante, ressalta-se que durante os meses de Janeiro a Agosto de 2010 foram registradas 678 ocorrências em Fortaleza, sendo este considerado um quantitativo suficiente para empreender-se o estudo do padrão espacial dos homicídios na capital cearense, por meio do uso da técnica de densidade de Kernel, detalhada na próxima seção. 4452

2.2 Estimador de densidade de Kernel Os casos de homicídios estão inseridos no contexto da análise de processos pontuais (eventos pontuais). O principal interesse no estudo de dados contendo processos pontuais está no conjunto de coordenadas geográficas representando as localizações dos eventos, podendose observar o padrão dos mesmos no espaço. Conforme Bailey e Gatrell (1995), o objetivo da referida análise é estudar a distribuição espacial destes pontos, observando-se o padrão, ou seja, se existe agrupamento, se a distribuição dos eventos é aleatória ou se os mesmos possuem uma distribuição regular. A técnica de Kernel consiste em examinar o comportamento dos padrões pontuais, estimando a intensidade pontual do processo em toda região de estudo por meio de um ajuste de uma função bidimensional dos eventos considerados (no caso, 678 ocorrências de homicídios), compondo em uma superfície da qual o valor será proporcional das amostras por unidade de área. Essa técnica, Figura 1, realiza uma contagem de todos os pontos dentro de uma região de influência ponderando-os pela distância de cada um à localização de interesse (CÂMARA e CARVALHO, 2002). Figura 1: Estimador de intensidade de distribuição dos pontos. Fonte: (CÂMARA e CARVALHO, 2002). Se s é uma localização arbitrária na região R e s 1, s 2, s 3,..., s n, são localizações de n eventos observados, então a intensidade, λ(s), em s é estimada através da Fórmula 1, abaixo: (1) Em que: λ(s): intensidade em s; s: localização arbitrária; τ: raio de influência; k: função densidade de probabilidade bivariada; δτ (s): volume sob o Kernel centrado em s. Uma das funções mais utilizadas para função k( ) é a de quarta ordem, ou função quártica, cujo estimador de intensidade pode ser expresso como: 4453

Sendo hi = distância entre o ponto s e a localização do evento observado si. Para realizar-se a referida análise utilizou-se o programa TerraView, desenvolvido pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), e para a elaboração dos mapas temáticos e desenvolvimento do Sistema de Informações Geográficas (SIG) usou-se o programa ArcGIS, desenvolvido pela Environmental Systems Research Institute (ESRI), consentindo consultas e cruzamentos entre as bases de dados (arquivo shapefile), no caso: limites de bairros, das secretarias executivas regionais, dos aglomerados subnormais, sistema viário e os casos de homicídios. 3. Resultados e Discussão A partir dos dados disponíveis no Censo 2010 identificou-se um total de 194 aglomerados subnormais em Fortaleza, os quais abrigam uma população residente em domicílios particulares ocupados de 396.370 habitantes, representando 19,31% desse contingente populacional no município. Em relação à área territorial, tem-se 31,41 km² de aglomerados subnormais significando aproximadamente 10% do território da cidade. Na Figura 2 exibe-se a distribuição georreferenciada dos casos de homicídios sobreposta à malha de bairros e de aglomerados subnormais. Verificou-se que 137 homicídios foram cometidos dentro de áreas classificadas como favelas, equivalendo a 20,21% do total de eventos. Por sua vez, do total de 194 aglomerados subnormais registrou-se a ocorrência de homicídios em 52 deles, constituindo 26,81% dos aglomerados. (2) Figura 2: Mapa com a distribuição de homicídios segundo bairros e aglomerados subnormais de Fortaleza. 4454

Na Figura 3 apresenta-se um mapa contendo um raio de abrangência de 100 metros em relação a cada local do homicídio, no intuito de se identificar as áreas de entorno dos locais onde houve os assassinatos, ou seja, se há a presença de aglomerados subnormais, constatando-se que dos 678 raios de abrangência, existe no entorno a presença de favelas em 243 deles (35,84%). Se for considerado um raio de 500 metros, tem-se uma proporção de 77,29%, ou 524 raios de abrangência, reforçando a hipótese de que a maior parte dos homicídios ocorreu em áreas de favelas ou próxima às mesmas. Rivero e Rodrigues (2009) estudando a associação entre o local de homicídios e a localização de favelas na cidade do Rio de Janeiro empreendeu uma análise espacial considerando um raio de 1 km a partir do local do assassinato, obtendo como resultado que 68% dos eventos aconteceram dentro do mencionado raio. As autoras citam que o objetivo da análise é determinar a proporção de pessoas que moravam em favelas ou em lugares próximos, estando expostas a uma maior probabilidade de morte. No tocante a capital cearense, empregando um raio de abrangência de 1 km a partir do local do assassinato, verifica-se que 94,84% dos homicídios, contidos na base de dados estudada, ocorreram em áreas próximas a favelas, sugerindo uma forte correlação entre as áreas de menor renda e infraestrutura da cidade e o acontecimento de homicídios. Figura 3: Mapa contendo o raio de abrangência de 100 metros a partir do local do homicídio e a presença de aglomerados subnormais. Visando estudar o padrão espacial dos homicídios em Fortaleza para o período em cena, recorreu-se ao estimador de densidade de Kernel. A Figura 4 exibe o mapa de densidade sobreposto à malha de bairros e aos aglomerados subnormais, onde o mesmo foi gerado empregando a função quártica e o raio adaptativo, disponível no programa TerraView, que é calculado considerando o número de eventos e a área territorial. 4455

Visualizam-se quatro grandes áreas de Hot Spots no município, compostas pelos bairros: 1 - Granja Lisboa, Granja Portugal, Bom Jardim, Parque São José, Vila Pery e Siqueira; 2 - Jardim Guanabara, Jardim Iracema, Vila Velha, Barra do Ceará, Floresta e Quintino Cunha; 3 - Conjunto Palmeiras, Jangurussu e Barrosso; 4 - Vicente Pizon, Cais do Porto, De Lourdes e Praia do Futuro I. Figura 4: Mapa de homicídios com análise Kernel e a presença de aglomerados subnormais. Destaca-se que em todas as quatro áreas de Hot Spots mapeadas estão inseridos aglomerados subnormais, confirmando a correlação espacial existente em Fortaleza no tocante a ocorrência de homicídios e a presença de favelas. A partir do SIG elaborado podem-se consultar o nome dos aglomerados subnormais, quantitativo populacional, assim como o sistema viário presente em cada área. Almejando realizar um detalhamento das quatro áreas mapeadas, as figuras a seguir exibem os mapas de kernel e o arruamento presente nas mesmas, identificando em nível de ruas os locais com maior índice de homicídios na capital. 4456

Figura 5: Mapa de Kernel - Detalhamento da área 1. Figura 6: Mapa de Kernel - Detalhamento da área 2. Figura 7: Mapa de Kernel - Detalhamento da área 3. 4457

Outro ponto a ser citado é que a maior parte da população residente nestes bairros possui baixa condição de escolaridade e renda, inseridas num contexto de vulnerabilidade social, além de sofrer com a falta de serviços de infraestrutura urbana e de segurança pública. 4. Conclusões Este trabalho almejou estudar a correlação espacial existente entre a ocorrência de homicídios e a presença de aglomerados subnormais na cidade Fortaleza, visando identificar o padrão espacial deste tipo de crime na capital cearense, através de ferramentas de geoprocessamento. Foi identificada uma forte relação espacial entre o local de ocorrência dos homicídios e a existência de favelas nas proximidades do evento, uma vez que dos 678 homicídios georreferenciados constantes da base de dados estudada, 36% estavam a pelo menos 100 metros da existência de aglomerados subnormais, 77% a pelo menos 500 metros e a quase totalidade (95%) a menos de 1 km. Utilizando o estimador de densidade de Kernel foi possível identificar os pontos quentes (hot spots) no território da capital cearense, ou seja, os locais onde houve prevalência de homicídios. Os mesmos concentraram-se em quatro áreas: 1 - Granja Lisboa, Granja Portugal, Bom Jardim, Parque São José, Via Pery e Siqueira; 2 - Jardim Guanabara, Jardim Iracema, Vila Velha, Barra do Ceará, Floresta e Quintino Cunha; 3 - Conjunto Palmeiras, Jangurussu e Barrosso; 4 - Vicente Pizon, Cais do Porto, De Lourdes e Praia do Futuro I. Vale citar que se supõe uma forte relação entre os homicídios registrados e a presença da prática do tráfico de drogas nas áreas de periferia da cidade, seja pela disputa pelo controle de territórios ou por conflitos de vingança. Finalmente, considera-se ser fundamental em pesquisas sobre o tema da criminalidade em áreas urbanas o estudo do padrão espacial, de forma a se melhor entender este fenômeno, no intuito de se efetivar um planejamento mais eficaz que possa diminuir os índices de criminalidade em Fortaleza. Referências Bibliográficas BAILEY, T. C., GATRELL, A. C. Interactive spatial data analysis. Essex: Longman Scientific and Technical. 1995. CÂMARA, G.; CARVALHO. Análise de processos pontuais. São José dos Campos: Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais - INPE. 2002. Disponível na internet: <http://www.dpi.inpe.br/gilberto/livro/analise/cap2-eventos.pdf>. Acesso em: 04/06/2012. IBGE. Censo Demográfico de 2010. 2010. Disponível na internet: <www.ibge.gov.br>. Acesso em: 04/06/2012. JDN - Jornal Diário do Nordeste. Mapa de Homicídios de Fortaleza. 2011. Disponível na internet: <http://maps.google.com.br/maps/ms?ie=utf8&oe=utf8&msa=0&msid=202987194268260645512.00049a4c 2d80624857705>. Acesso dia 22/03/2012. RIVERO, P. S.; RODRIGUES, R. I. Favelas, pobreza e sociabilidade violenta no Rio de Janeiro: uma análise espacial. Latin American Studies Association. 2009. Disponível na internet: <http://lasa.international.pitt.edu/members/congress-papers/lasa2009/files/riveropatricia.pdf>. Acesso em: 08/05/2012. SULIANO, D.C.; OLIVEIRA, J.L. Polícia reduz crime? Um estudo de caso na RMF do Ceará. Texto para discussão do IPECE. 2010. Disponível na internet: <http://www.ipece.ce.gov.br/publicacoes/textos_discussao/td_88.pdf>. Acesso em: 18/06/2012. 4458