DIREITO À SAUDE: O ETNOCENTRISMO CLÍNICO EM RELAÇÃO À SAÚDE SURDA



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Transcrição:

DIREITO À SAUDE: O ETNOCENTRISMO CLÍNICO EM RELAÇÃO À SAÚDE SURDA Edmarcius Carvalho Novaes 1 Rua Sete de Setembro, 4935/05, B. Morada do Acampamento, Governador Valadares, CEP: 35030-510 Telefone: (33) 84086483 edmarcius@hotmail.com RESUMO O presente trabalho tem por objetivo discutir questões referentes ao tratamento dado às pessoas surdas no setor de saúde pública e/ou privada. Para tanto, pretende-se articular este tratamento caracterizado predominantemente pela ótica clinica com as diretrizes previstas no ordenamento jurídico pátrio. Palavras-chave: surdos, saúde, direitos. 1. INTRODUÇÃO: Vivemos num contexto onde a sociedade brasileira já se despertou para as necessidades vitais das camadas sociais que compõem as minorias, neste sentido, entendidas como as que estão à margem da sociedade tida dentro dos limites da normalidade. Minorias estas compostas por sociedades de risco, resultando em exclusão social de caráter não individual, mas sim uma situação de privação social coletiva. Dentre os segmentos que compõem as minorias estão as pessoas desempregadas, moradores de ruas, negros, prostitutas, portadores de doenças sexualmente transmissíveis e deficientes. Entre os últimos, notadamente, as pessoas surdas e deficientes auditivas, provavelmente em razão da 1 Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito do Vale do Rio Doce

disseminação do uso da Língua Brasileira de Sinais Libras, através de movimentos de cunho religioso e universitário. Certo é que nunca se falou tanto em inclusão de pessoas deficientes na sociedade em geral, e em especial, das pessoas surdas, seja na área trabalhista, esportiva e principalmente, educacional. Para se incluir as pessoas surdas na sociedade, desenvolveu-se nas ultimas décadas várias legislações com o fito de se estabelecer direitos e obrigações, obrigações essas quase sempre imputadas às instituições públicas e privadas. Não obstante, tais legislações em várias circunstâncias e contextos não são efetivadas corretamente, o que consequentemente acaba por excluir ainda mais tal segmento social, ferindo assim o fundamento constitucional da dignidade humana. No que tange ao campo da saúde as pessoas surdas são contempladas por legislações que se aplicam para proteção de direitos para todas as pessoas com deficiências, bem como por legislações de aplicação específica, como por exemplo, a Política Nacional de Atenção à Saúde Auditiva. Entretanto, quase sempre com uma análise clínica, visando à prevenção ou reabilitação das pessoas que apresentam deficiências diversas. O presente artigo pretende mostrar como a comunicação em Língua Brasileira de Sinais Libras, no setor da saúde, é importante para a eficácia do atendimento, bem como analisar as diretrizes previstas nas legislações pátrias a respeito da saúde em relação às pessoas surdas, a luz da Constituição da República e leis extravagantes, demonstrando a natureza clínica das mesmas, refletindo na prática de um atendimento precário aos cidadãos surdos. 2. A COMUNICAÇÃO COMO INSTRUMENTO A comunicação é um instrumento essencial para o desenvolvimento das atividades de todos os profissionais da saúde. Ela é o instrumento mais importante entre os quais estes profissionais possuem. A partir dela, todo o atendimento se processa. Sua qualidade afeta completamente a qualidade do serviço de saúde prestado. Neste sentido, em relação à enfermagem, sabe-se que mais de 70% do dia de trabalho do enfermeiro é voltado a atividades relacionadas à comunicação, que incluem, sobretudo ensinar, entrevistar, fazer anotações em prontuários e solucionar problemas (ATKINSON e MURRAY apud LIMA, 2007, p.25)

Certo é que, caso a comunicação entre o enfermeiro e o paciente não ocorrer efetivamente, o significado do cuidado prestado pode ser afetado profundamente. (LIMA, 2007, p.26). Destarte, levando em consideração as especificidades lingüísticas da Língua materna dos surdos brasileiros Libras, língua oriunda da comunidade surda, é correto afirmar que a falta de profissionais de saúde habilitados, bem como a ausência de tradutores-intérpretes no atendimento do usuário surdo, afetará consideravelmente a comunicação e, por conseguinte, o serviço de saúde prestado. 3. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA A interação de forma sistemática e indiscriminada de serviços públicos de saúde é garantia constitucional. A Carta Magna, em seu art. 196, prevê que a saúde é direito de todos e dever do Estado. Esta deve ser garantida mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doenças e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação (BRASIL, 2004, p. 145). Para que este direito de assistência à saúde seja exercido proficuamente, é necessário que os agentes públicos da área de saúde consigam se comunicar com todos os usuários (princípio da universalidade) e de forma isonômica, igualitária. Deve o Estado proporcionar a viabilização prática dessas políticas sociais que poderão formar profissionais aptos para agirem visando reduzir os riscos de doenças e outros agravos, de cidadãos ouvintes ou surdos. O conjunto integrado de ações e serviços de saúde, criado pela Constituição Federal de 1988, popularmente conhecido como Sistema Único de Saúde (SUS), visa proporcionar à população brasileira o acesso ao atendimento público de saúde. A Lei n 8.080/90, Lei Orgânica da Saúde, consolida a criação do Sistema Único de Saúde, reafirmando o texto constitucional que a saúde é direito de todos e dever do Estado (BRASIL, 1990). O Sistema Único de Saúde deve, portanto, ser dirigido por princípios conhecidos como ideológicos ou doutrinários: a universalidade, equidade e integralidade. A universalidade é a compreensão de que todas as pessoas têm direito ao atendimento independente de cor, raça, religião, situação de emprego ou renda. Já a equidade afirma que todo cidadão é igual perante o SUS e será atendido conforme suas necessidades. E por fim a

integralidade relata que as ações de saúde devem ser combinadas e voltadas ao mesmo tempo para os meios curativos quanto para os preventivos (LIMA, 2007, p. 21). Ressalta-se que a Constituição da República, em seu art. 199, afirma que a assistência à saúde é livre à iniciativa privada. Entretanto, seu parágrafo 1, determina que as instituições privadas poderão participar de forma complementar do sistema único de saúde, segundo diretrizes deste (BRASIL, 2004, p. 145). Isto significa afirmar que os princípios aos que se deve submeter o Sistema Único de Saúde em sua funcionalidade, devem ser também obedecidos pelo sistema privado de saúde. 4. PREVENÇÃO E REABILITAÇÃO À SURDEZ De forma genérica, o Decreto nº 3.298/99, que dispõe sobre a Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência e consolida as normas de proteção, em seus arts. 16 a 23, ao tratar do campo da saúde, determina a responsabilidade de órgãos e entidades da Administração Pública Federal direta e indireta, de tratar de forma prioritária e adequada, os assuntos objeto de tal legislação, viabilizando desta forma, medidas como a promoção de ações preventivas através do acompanhamento da gravidez, do parto e do puerpério; da nutrição da mulher e da criança, com o fito de controlar a gestação para evitar e imunizar doenças do metabolismo; bem como diagnosticar outras doenças causadoras de deficiência e detecção precoce de doenças crônico-degenerativas e outras potencialmente incapacitantes. (BRASIL, 1999). Além destas, outras medidas são tomadas (art. 16, III e IV), como por exemplo: a criação de rede de serviços regionalizados, descentralizados e hierarquizados em crescentes níveis de complexidade, voltada ao atendimento à saúde e reabilitação da pessoa portadora de deficiência, articulada com os serviços sociais, educacionais e com o trabalho; garantir o acesso da pessoa portadora de deficiência aos estabelecimentos de saúde públicos e privados e de seu adequado tratamento sob normas técnicas e padrões de conduta apropriados. (BRASIL, 1999). Uma vez diagnosticada a deficiência ou incapacidade através de uma equipe multidisciplinar de saúde, pode-se objetivar a concessão de benefícios e serviços (art. 16, 2º). O objetivo da análise clínica da prevenção em relação às deficiências, segundo o art. 16, parágrafo 3º, visa promover a qualidade de vida das pessoas com a deficiência, sempre no intuito de igualar as oportunidades no campo da saúde. (BRASIL, 1999).

Para que a assistência seja de forma integral à saúde e reabilitação, são concedidos ao deficiente, órteses, próteses, bolsas coletoras e materiais auxiliares. São equipamentos que complementam, segundo o art. 18, o atendimento, aumentando as possibilidades de independência e inclusão da pessoa portadora de deficiência. Aos deficientes auditivos, segundo o art. 19, inciso I, é concedida a ajuda técnica de próteses auditivas, com o objetivo de permitir-lhe superar as barreiras de comunicação, possibilitando sua plena inclusão social. (BRASIL, 1999). O tratamento de reabilitação auditiva das pessoas surdas, por aplicação específica do art. 21 do Decreto em tela, deverá ser acompanhado de orientação psicológica, prestados durante todas distintas fases do processo reabilitador, destinados a contribuir para que a pessoa portadora de deficiência atinja o mais pleno desenvolvimento de sua personalidade. (BRASIL, 1999). Surge a dúvida e crítica no sentido de que nem todas as Administrações Públicas possuem profissionais da psicologia aptos para atender pessoas surdas que só dominam como forma de comunicação a Língua Brasileira de Sinais, e que desta forma comunicativa desejam ter a experiência de entrar no mundo dos ouvintes, e conhecer a sensação estranha de ouvir. A visão clínica das pessoas surdas é também divulgada pelos meios de comunicação, em detrimento da percepção da existência de uma Língua de Sinais. Amparado pela concepção oralista, Oliveira afirma que a perda auditiva parcial ou completa pode manifestar-se em pessoas de qualquer idade e por motivos variados como infecções congênitas, reação a medicamentos, traumatismo craniano e meningite bacteriana. Em situações assim, deve-se procurar um especialista para que ele indique o tratamento mais adequado. Pode ser por meio de cirurgia de Implante Coclear (IC), medicação ou uso de aparelhos auditivos. Com isso pode-se iniciar o processo de reabilitação (OLIVEIRA, 2007). Ainda segundo Oliveira, o implante coclear multicanal é uma prótese computadorizada inserida cirurgicamente no ouvido interno que transforma energia em sinais elétricos. Esses sinais são codificados e enviados ao córtex cerebral. Esse tipo de implante é conhecido popularmente como ouvido biônico. A indicação do implante acontece em casos em que o deficiente auditivo neurossensorial bilateral profundo não se beneficia do aparelho de amplificação sonora individual (AASI). A indicação da cirurgia só é feita após um processo minucioso de avaliação do candidato ao implante coclear. A avaliação é feita por uma equipe interdisciplinar formada por médicos otologistas, fonoaudiólogos, psicólogos e assistentes sociais (OLIVEIRA, 2007).

Sobre a utilização de aparelhos auditivos, afirma que deve ser realizada imediatamente após o diagnóstico da deficiência auditiva. É o ideal, mas nem sempre o que ocorre. O trabalho envolve a participação dos familiares e das pessoas que se relacionam com a criança. Os pais precisam ser orientados em relação aos resultados dos exames realizados, grau da perda auditiva, a importância do uso correto do AASI e o ganho que a criança poderá alcançar usando a prótese (OLIVEIRA, 2007). Segundo o Manual de Atuação: Inclusão de Pessoas com Deficiência da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão do Ministério Público da União (2006) como espécie do gênero do processo de reabilitação, inclui-se a reabilitação profissional na qual se insere qualquer pessoa com deficiência, independentemente da origem de sua deficiência, sendo beneficiária ou não do Regime Geral de Previdência Social. Trata-se do processo no qual a pessoa com deficiência, a partir da identificação de suas potencialidades laborativas, passa a adquirir o nível suficiente de desenvolvimento profissional para ingresso, reingresso, manutenção e progressão no mercado do trabalho, e assim participar da vida comunitária. 5. POLITICA NACIONAL DE ATENÇÃO À SAÚDE AUDITIVA A Portaria nº. 2.073/GM, do Ministério da Saúde (2004), instituiu a Política Nacional de Atenção à Saúde Auditiva. Nesta portaria é previsto o atendimento integral a esses pacientes, com ações que englobam a atenção básica (trabalhos de promoção da saúde, prevenção e identificação precoce de problemas auditivos), de média e de alta complexidade (triagem em bebês, diagnóstico, tratamento clínico e reabilitação com o fornecimento de aparelho auditivo e terapia fonoaudiológica). Trata-se da primeira abordagem específica da questão da saúde auditiva das pessoas surdas ou com perdas auditivas. Antes desta política, os deficientes auditivos recebiam do SUS somente os seus aparelhos auditivos. Percebendo a necessidade de uma política que englobasse diferentes ações na assistência à saúde auditiva, hoje não se fornece apenas aparelhos auditivos, há também um trabalho de acompanhamento do uso desses equipamentos e de terapia fonoaudiológica. A normatização desta Política ficou a cargo da Secretária de Atenção à Saúde (SAS) do Ministério da Saúde, que editou portarias que tratam da organização das redes estaduais de serviços de atenção à saúde auditiva. Os documentos prevêem a descentralização do atendimento, com a presença dos serviços em todos os estados da Federação.

Os gastos do Ministério da Saúde com a atenção à saúde auditiva giram em torno de R$ 120 milhões de reais. Esse recurso é repassado fundo a fundo para os estados e municípios em gestão plena. É um recurso extra disponibilizado pelo Ministério da Saúde. A nova política também visa possibilitar um levantamento da situação do País em relação a essa deficiência, como o número de portadores de problemas auditivos, os tipos de perda auditiva, o fornecimento de aparelho e a satisfação dos usuários após o recebimento. 6. LEI N 10.436/2002 A Lei nº 10.436/2002 dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais LIBRAS, reconhecendo-a como a língua oficial da comunidade surda. (BRASIL, 2002). Em seu art. 3 fica evidente a necessidade das instituições de assistência à saúde utilizá-la para a prestação de um atendimento com qualidade, ao afirmar que as instituições públicas e empresas concessionárias de serviços públicos de assistências à saúde devem garantir atendimento e tratamento adequado aos portadores de deficiência auditiva. (BRASIL, 2002). O artigo trata tanto do serviço público de saúde, como o que se dá de forma complementar pelas instituições privadas, e determina a observância de toda e qualquer norma que trata da saúde em relação às pessoas surdas. 7. DECRETO Nº 5.625/2005 O Decreto nº. 5.625/2005, que regulamentou a Lei de Libras (10.436/2002), no capítulo VII, trata da Garantia do Direito à Saúde das Pessoas Surdas ou com Deficiência Auditiva dentro de uma visão bilíngüe, onde a Língua Brasileira de Sinais deve ser valorizada pelos profissionais da área da saúde, quando do atendimento de indivíduos da Comunidade Surda. (BRASIL, 2005). Em seu art. 25, caput, determina que a partir de um ano de sua publicação O Sistema Único de Saúde - SUS e as empresas que detêm concessão ou permissão de serviços públicos de assistência à saúde, visando uma inclusão plena das pessoas surdas ou com deficiência auditiva em todas as esferas da vida social, garantirão, com prioridade, aos alunos matriculados nas redes de ensino da educação básica, a atenção integral à sua saúde, nos diversos níveis de complexidade e especialidades médicas, efetivando diversas medidas, entre elas, ações de prevenção e desenvolvimento de programas de saúde auditiva, bem

como seleção, adaptação e fornecimento de prótese auditiva ou aparelho de amplificação sonora, quando indicado; acompanhamento médico e fonoaudiológico e terapia fonoaudiológica; atendimento em reabilitação por equipe multiprofissional, dentre outras. (BRASIL, 2005). Seu benefício em relação às pessoas surdas que utilizam como forma de comunicação a Língua Brasileira de Sinais, é que o inciso VIII determina como medida que deve ser tomada pelo Sistema Único de Saúde e empresas que detêm concessão ou permissão de serviços públicos de assistência a saúde, a obrigatoriedade da informação de orientações à família, sobre as implicações da surdez e sobre a importância para a criança com perda auditiva ter, desde seu nascimento, acesso a Libras e à Língua Portuguesa. (BRASIL, 2005). Percebe-se além do caráter educacional encarregado aos sistemas de saúde, a natureza legislativa defensiva do Bilingüismo, que é o uso das duas línguas pelas pessoas surdas, sendo a primeira a sua língua natural, Libras, e de forma secundaria a língua pátria, no caso, a Língua Portuguesa. Quanto ao atendimento das pessoas surdas ou com deficiências auditivas na rede de serviços do SUS e das empresas detentoras de concessão ou permissões de serviços públicos de assistência à saúde, o Decreto determina no inciso IX, que deva ser feito por profissionais capacitados para o uso da Libras ou para usa tradução e interpretação. (BRASIL, 2005). Exige ainda o Decreto como medida de atenção integral a saúde das pessoas surdas ou com deficiência auditiva, o apoio à capacitação e formação de profissionais da rede de serviços do SUS para o uso da Libras e sua tradução e interpretação (inciso X). Vale ressalvar que o parágrafo 1º garante os mesmos direitos dispostos em seu art. 25 aos alunos surdos ou com deficiência auditiva não usuários da Libras, ou seja, para as pessoas que adotam a postura do oralismo, a mesma defendida pela concepção clinica, que despreza o uso da Libras. (BRASIL, 2005). Destarte, a legislação regulamentadora da Lei de Libras (Lei nº. 10.436/ 2002), determina o seu uso nas repartições publicas da área da saúde e em concessionárias ou permissionárias de serviços públicos de assistência à saúde, através de profissionais em tradução/interpretação da língua de sinais, ou mesmo, por profissionais da rede de serviços do SUS aptos para tal. 8. CRIMINALIZAÇÃO DO ATENDIMENTO PRECÁRIO

Barrar ou retardar a comunicação do cidadão surdo em sua língua natural (Libras), no uso dos serviços públicos da saúde, pode caracterizar crime, conforme a Lei nº. 7.853/89, que prevê punição com reclusão de 1 (um) a 4 (quatro) anos e multa, o ato de recusar, retardar, dificultar internação ou deixar de prestar assistência médico-hospitalar e ambulatorial, quando possível, a pessoa portadora de deficiência (art. 8º, IV). (BRASIL, 1989). A falta de profissionais em tradução/interpretação da Libras nos serviços do SUS pode portanto caracterizar tal crime, em casos concretos, por dificultar a internação ou mesmo prestação de assistência médico-hospitalar e ambulatorial, em razão da barreira de comunicação. Por analogia pode-se caracterizar a mesma situação em relação ao setor privado, haja vista que este se dá de forma complementar a prestação do serviço público de saúde. 9. DIAGNÓSTICO DA PERCEPÇÃO SURDA SOBRE A SAÚDE Pesquisa elaborada por Daniel Hugo de Freitas Lima, em outubro de 2007, no município paraibano de Campina Grande, com 34 pessoas surdas de ambos os sexos, alunos do ensino médio, sobre a Percepção do Surdo Acerca do Processo de Comunicação na Assistência à Saúde, revela um diagnóstico, que apesar de ser elaborado em um contexto local, pode servir de parâmetro para detecção da realidade das pessoas surdas em todo o país. (LIMA, 2007, p. 36-42). Tal pesquisa demonstra que a) 91% dos participantes afirmaram encontrar dificuldades no atendimento à saúde; b) Acerca da necessidade de acompanhante no atendimento à saúde, 26% recorrem a intérpretes, 3% aos amigos, 68% aos familiares, quase sempre a presença materna, e apenas 3% afirmaram não precisar de acompanhante; c) Sobre o medo de uma possível interpretação errônea por parte dos profissionais da saúde acerca de seus sintomas, 82% afirmaram ter medo, em especial, no tratamento medicamentoso; d) 91% afirmaram nunca terem sido atendidos por profissionais de saúde conhecedores da Libras, e e) 94% afirmaram desconhecer os direitos da pessoa surda em relação à saúde. A conclusão de Lima (2007, p. 40) é que os surdos consideram falta de respeito com a comunidade surda o fato de não terem intérpretes ou até mesmo profissionais conhecedores da LIBRAS, e que acreditam que o intérprete ajudaria bastante no atendimento à saúde.

10. CONCLUSÃO O etnocentrismo ocorre quando há a tendência de postular a cultura dominante e vigente como padrão de essência para as demais culturas, baseado no princípio de que os seus valores e cultura são superiores, considerados mais esmerados e adequados. Percebe-se o etnocentrismo na área da saúde, tanto no setor público como no privado, quando de forma contínua, há a busca pela prevenção, através de campanhas educativas, onde se ensinam a evitar ter filhos com deficiências, e especificamente, com surdez. Trata-se do etnocentrismo clínico em relação à saúde surda, haja vista que através de uma analise clínica a pessoa surda é atendida, não se pensando na sua diferença lingüística. Isto se demonstra também nas buscas pela reabilitação dos indivíduos surdos ou com deficiência auditiva, através de ajudas técnicas, como aparelhos auditivos e implantes cocleares. Análises clínicas são baseadas na corrente filosófica do oralismo, que necessita da audição e não do uso de uma língua natural da comunidade surda. Posicionamento este, que deve ser respeitado e valorizado. Entretanto, não pode a legislador subestimá-lo em detrimento dos demais entendimentos, os quais valorizam a Língua e Cultura da Comunidade Surda. Os legisladores não podem esquecer da latente comunidade surda já existente, e que a cada ano cresce assustadoramente. Não há, por exemplo, previsão legal de produção de campanhas da área da saúde adaptadas em Língua Brasileira de Sinais. Falta adaptar as campanhas educativas de atenção a saúde, no que se refere à prevenção de gravidez indesejada, ao uso de drogas e de doenças sexualmente transmissíveis adaptadas na língua natural dos surdos. A Lei n.º 7.853/89, no seu artigo 2º, inciso II, garante o acesso de pessoas com deficiências em estabelecimento de saúde, público e privados, bem como um adequado tratamento nestes, sob normas e padrões de conduta apropriados. Entretanto, a camada de deficientes classificados como surdos não tem acesso à informações adequadas em Língua Brasileira de Sinais e ao atendimento com profissionais especializados em sua forma de comunicação, sejam em estabelecimentos de saúde publico ou privado, o que prejudica 16,7% dos 24,5 milhões de pessoas com deficiência no Brasil, de acordo com informativos da Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência. (BRASIL, 2004, p. 53).

Segundo o jurista Souza Cruz (2005, p. 259), é grave a falta de respeito aos direitos individuais, no que se refere à acessibilidade do deficiente aos meios de comunicação, presentes em vários setores da sociedade, entre eles, o da saúde, essencialmente vital para continuação da vida humana. Urge ressaltar que cabe ao Poder Público uma dupla obrigação: a de cuidado com toda pessoa humana hipossuficiente economicamente, e a prestação de serviços públicos adequados e eficientes, para permitir um nível mínimo de garantia da qualidade de vida. No caso das pessoas surdas, o nível mínimo exigido é a preparação para recepção e comunicação destas durante a prestação dos serviços públicos na área da saúde, em todas as suas etapas.

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