Pesquisa e Desenvolvimento com e para a agricultura familiar: a experiência do Projeto Silvânia
Estrutura da apresentação 1)Histórico e motivações. 2)Fase 1: Metodologia para pesquisa em sistemas de produção. 3)Fase 2: A importância de agregar o fortalecimento organizacional na metodologia. 4)Fase 3: Um projeto de apoio ao desenvolvimento local. 5)Fase 4: Consolidação do protagonismo das organizações dos agricultores. 6)Considerações finais.
Histórico e motivações Há limitada apropriação por parte dos agricultores familiares em relação às tecnologias geradas pelas instituições de pesquisa. Pesquisa Extensão Produtor Geração de Tecnologia Difusão de Tecnologia Adoção de Tecnologia Inquietação dos pesquisadores. Demanda da EMBRATER. PROJETO CONVIVÊNCIA COM OS CERRADOS
Histórico e motivações PROJETO CONVIVÊNCIA COM OS CERRADOS Princípios (EMBRATER, 1986): Comunicação horizontalizada em todos os níveis da ação. Participação da população rural em todas as etapas da ação. Intensificação do intercâmbio de informações entre agricultores e técnicos. Trabaho com a família rural, buscando desenvolver uma ação integrada na propriedade / comunidade. Intensificação da integração com outras instituições, particularmente as de pesquisa agropecuária. Áreas de atuação: Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Goiás. 5 municípios em cada Estado. Silvânia Estudo mais detalhado (Projeto Silvânia Parceria entre instituições de pesquisa e extensão rural).
Os Cerrados Fonte: EMBRAPA, 2010.
O município de Silvânia Município de Silvânia, Goiás 2 Área: 2680 km Precipitação anual: 1400 mm Brasília 220 km Goiânia 100 km Sede do Município Fonte: Bainville, 2000.
Silvânia: topossequência típica 1100 m 600 m Vegetação nativa Chapada a Vertente Cerrado Cerrado Mata Várzea Pedregosidade muito baixa muito forte forte - Fertilidade relativa baixa média alta média Uso típico pastos nativos vegetação nativa pastos formados culturas anuais culturas anuais forragens quintal Nome local terra de campo ou cerrado terra de meia cultura terra de cultura - Fonte: Bainville, 2000. Principais tipos de solos Latossolos Cambissolos Podzólicos cambissolos terra roxa, solos aluviais Gleissolos
Fase 1 (1986): Pesquisa em sistemas de produção Aspectos relevantes: Passar da visão de produto para a visão de sistema. Diagnóstico na escala municipal e o desafio para caracterizar os sistemas de produção. Projeto focado em uma rede de fazendas de referência (RFR) validação de tecnologias em escala real transferência de tecnologia desenvolvimento. CONSTATAÇÃO Embora a RFR permitisse uma boa compreensão da realidade, somente a melhoria dos sistemas de produção de forma isolada não era capaz de resolver os reais problemas enfrentados pela maioria dos agricultores.
Fase 2: Proposta metodológica e fortalecimento organizacional O enfoque de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D). Experimentação em escala real e em estreita colaboração com os agricultores dos melhoramentos técnicos, econômicos e sociais dos sistemas de produção e das modalidades de exploração do meio (JOUVE e MERCOIRET, 1992). Mudança de escala Fazendas Comunidades Associações. Proposta metodológica.
Fase 2: Proposta metodológica Análise e diagnóstico Recursos naturais Diagnóstico rápido Sistemas de produção Comunidade Experimentação de inovações Restituição Plano de ação da comunidade Extensão e transferência Rede de Fazendas de Referência Viabilização de ações comunitárias Ação Enfoque de P&D Avaliação dialogada Fonte: Gastal et al., 1997.
Tipologia de sistemas de produção Lógica de diferenciação das unidades de produção Tipos de sistemas de produção e trajetórias percorridas no processo de acumulação 5.Contratação de mão-de-obra assalariada ou aquisição de trator Idosos (-) V Idosos (-) Jovens III II I a a a Acumulação 1.Agricultura IV b b (+) (-) Recursos 4.Aquisição de terras 2.Aquisição de animais (+) Recursos c c (-) Incorporação progressiva ao mercado por meio da produção de leite (+) 3.Força de trabalho máxima Disponibilidade de força de trabalho Relação trabalhadores / dependentes Ciclo de Vida do Sistema de Produção Incorporação progressiva ao mercado por meio da produção de leite (+) Disponibilidade de força de trabalho Relação trabalhadores / dependentes Figura: Representação esquemática da diferenciação das unidades de produção em Silvânia-GO e dos tipos de sistemas de produção identificados em 14 comunidades / associaçãoes (BONNAL et al., 1992).
Resultados do diagnóstico: tipologia Tipo Ib Rebanho Tipo IV Rebanho Idade: 40 a 52 anos Idade: Variada Mão-de-Obra Familiar Dependentes 1,6 a 6 UTH Área da Propriedade 7 a 30 ha R$ 01 a 15 UA Mão-de-Obra Utilizada na Propriedade Mão-de-Obra Familiar Dependentes 2 UTH Área da Propriedade + de 38 ha Grande parte dos produtores possui triturador R$ 15 a 50 UA Mão-de-Obra Utilizada na Propriedade 04 a10 Transformação de Produtos Familiar Troca de Dias 03 a10 Leite (9000 a 27000 litros por ano) Familiar Troca de Dias Temporária Problemas diferenciados. Propostas diferenciadas para melhoria dos resultados.
Resultados do diagnóstico: cultivos Milho Destino das produções Arroz 14% 80% 6% 80% 20% Fonte: Bonnal et al., 1992.
Resultados do diagnóstico: tipologia de itinerários técnicos milho sequeiro Fonte: Bonnal et al., 1992.
Rede de fazendas de referência (RFR): objetivos Conhecer as práticas utilizadas pelos agricultores nos diferentes sistemas de produção. Conhecer os problemas que dificultam a produção. Testar, junto com os produtores, tecnologias que permitam contornar os problemas e melhorar os resultados dos sistemas de produção. Acompanhar e avaliar a evolução dos sistemas de produção. Retroalimentar a pesquisa.
Rede de fazendas de referência (RFR): acompanhamento baseado nas práticas Estrutura da fazenda: terras, equipamentos, benfeitorias, tamanho da família, rebanho. Vendas e despesas. Informações sobre os cultivos: preparo de solo, adubação, plantio, capinas, colheita. Manejo do rebanho: alimentação, vacinas, medicamentos. Uso da mão-de-obra. Informações sobre as chuvas.
Rede de fazendas de referência (RFR): raciocínio técnico X socioeconômico Litros/vaca/dia 80 4,5 70 60 50 40 30 Manutenção de pastagens 16% Manejo sanitário 1% Suplementação 18% 4,0 3,5 Mineralização 3,0 4% 2,5 2,0 1,5 20 1,0 10 0,5 0 Frete + Funrural 47% Out Nov Dez Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Meses Produção média de leite/dia (l) Nº de vacas em produção Média/vaca/dia (l) Alimentação 0,0 produzida 14% Figura: Produção Gastos para de produção leite diária, de número leite emde uma vacas fazenda em produção de referência e média do por município vaca e de porsilvânia-go, dia em uma fazenda no ano de agrícola referência 1992/1993. do município de Silvânia-GO, no ano agrícola 1992/1993.
RFR: propostas técnicas a partir dos problemas Agricultura Pouca utilização de práticas conservacionistas. Preparo de solo tardio (grade). Baixa qualidade do plantio (densidade, sementes). Adubação abaixo das necessidades dos cultivos. Realização do controle de invasoras após o período crítico. Agricultura Variedades de milho, arroz, mandioca. Manejo da fertilidade (calagem, adubação, adubação verde). Produção de arroz em tabuleiros. Produção de alimento para o gado: cana, milho para silagem, soja. Pecuária Deficiência de alimentação, sobretudo, na época seca. Baixo nível de mineralização do rebanho. Elevada mortalidade de bezerros. Pecuária Germoplasma forrageiro. Suplementação do rebanho na seca: cana + uréia, silagem, concentrado. Pastejo rotativo. Bancos de proteína.
Rede de fazendas de referência (RFR): dinâmica do uso da informação Estabelecimento acompanhado Coleta de dados mensal. Restituição mensal: Utilidade da informação. Qualidade da informação. Restituição anual: Discussão de lim. e pot. Planejamento de testes. Base de dados Síntese dos res. dos S.P. Identificação de problemas. Referências. Evolução dos resultados. Capacitação dos atores Comunidade Restituição anual. Ações de capacitação. Apoio aos grupos de agricultores. Município Compras coletivas. Corpo técnico.
PROJETO SILVÂNIA REDE DE FAZENDAS DE REFERÊNCIA Referência Milho Grão Sequeiro Reuniões técnicas: discussão de referências. Avaliação das parcelas. Planejamento de parcelas acompanhadas.
Fortalecimento do movimento associativo Organização das comunidades em associações. 1 a Associação Assentamento de reforma agrária. 3 comunidades Associações: Facilitar as relações entre os agricultores e as instituições de apoio para viabilizar a produção dos associados. Plano de ação: melhoria da produção de leite, acesso a maquinário para preparo de solo, melhoria da produção dos cultivos de milho, arroz e mandioca. FCO Alternativa para viabilizar o projeto das associações. Necessidade de articulação em nível estadual CAMPPO. Referencial para outras comunidades 1990 (4 associações) 1992 (14 associações).
Fortalecimento do movimento associativo A soma da força de trabalho das associações permitia o fortalecimento dos respectivos grupos sociais. Havia limitações para enfrentar individualmente problemas semelhantes nas áreas de infraestrutura, saúde, educação, e aspectos produtivos. CENTRAL DE Criação da Central de Associações dos Pequenos Produtores Rurais de Silvânia ASSOC IAÇÕ ES 1991/1992 14 Associações. Aproximadamente 280 famílias.
Fase 3: Apoio ao desenvolvimento local Fortalecimento do associativismo: trinta associações articuladas em uma Central de Associações. Acesso ao crédito: matrizes leiteiras, calcário e equipamentos (comissão de compra). Formação de um corpo técnico (uso das ferramentas do Projeto Silvânia). Planos de ação das associações consolidados em um plano geral. Melhoria na expressão de demandas em termos de infraestrutura e educação. Estruturação de compras coletivas de adubos, sementes, farelo de soja e mistura mineral: Adoção de tecnologias.
Tabela: Resultados das compras coletivas de farelo de soja efetuadas pela Central de Associações de Silvânia-GO no ano de 1998. Meses Quantidade comprada (saco 50 kg) Preço por saco de 50 kg (R$) Compra coletiva Mercado Jan 0 19,85 Fev 0 19,70 Mar 0 17,08 Abr 0 17,00 Mai 2040 9,53 11,05 Jun 700 9,70 13,43 Jul 2120 10,50 13,43 Ago 700 10,52 12,93 Set 799 10,50 13,68 Out 1093 10,65 16,68 Nov 0 13,83 Dez 0 13,32 Total 7452 Fonte: Central de Associações de Pequenos Produtores Rurais do Município de Silvânia-GO.
Tabela: Evolução dos diferentes sistemas forrageiros encontrados nas fazendas de referência em Silvânia-GO (1993/1995). Sistemas forrageiros Anos 1993 1994 1995 1) Pastagem durante todo o ano. 16 (64,0 %) 9 (36,0 %) 2 (11,8 %) 2) Fornecimento de cana e capineira durante dois a 4 meses na seca para as vacas paridas (10 a 15 kg/cabeça/dia). 3) Fornecimento de cana e capineira durante 4 a 6 meses na seca para as vacas paridas (20 a 30 kg/cabeça/dia), aliado ao fornecimento de concentrado. 4) Fornecimento de silagem durante a época seca para as vacas paridas, aliado à utilização de concentrado. 5) Fornecimento de silagem e concentrado para as vacas paridas durante o ano todo e utilização de volumoso para o gado solteiro na seca. 3 (12,0 %) 8 (32,0 %) 5 (29,4 %) 4 (16,0 %) 5 (20,0 %) 5 (29,4 %) 2 (8,0 %) 3 (12,0 %) 3 (17,6 %) 0 (0,0 %) 0 (0,0 %) 2 (11,8 %) Total 25 (100 %) 25 (100 %) 17 (100 %) Fonte: Figuié, 2001.
Fase 3: Apoio ao desenvolvimento local Planejamento municipal. Aprendizado a partir das compras coletivas Comissão do leite: 15% do frete pago pelo laticínio. Melhor preço da região acrescido de R$ 0,01. 15% de acréscimo na cota do leite. 1% sobre o valor comercializado para a Central. Apoio à gestão do crédito. Limitações da Central de Associações para comercializar o leite coletivamento
Fase 4: Consolidação do protagonismo CENTRAL DE ASSOC IAÇÕ ES Término do Projeto Silvânia (1998). Atuação no CMDRS. Cooperativa de crédito.
Fase 4: Consolidação do protagonismo CENTRAL DE ASSOC IAÇÕ ES Dinamização e diversificação da atividade comercial: 72.000 l/dia COOPERSIL CENTROLEITE. Administração da fábrica municipal de rações. Novos grupos de interesse (maracujá, frango caipira). Grupo de produção agroecológica.
Em 2010, a Coopersil produziu cerca de 100 toneladas de orgânicos, cultivados em uma área de 30 hectares. Fonte: http://www.go.agenciasebrae.com.br/noticia.kmf? Canal = 783 & cod =11508996.
Resultados de pesquisa Construção de um dispositivo de P&D fundamentado nos tipos de sistemas de produção, numa rede de fazendas de referência e no fortalecimento organizacional. Adaptação de método de planejamento participativo para apoiar as organizações de agricultores familiares. Caracterização funcional dos sistemas de produção. Validação técnica, econômica e social das tecnologias e registro da evolução dos sistemas de produção.
Resultados de pesquisa Fortalecimento da organização Diagnóstico Rápido e Dialogado Melhoria do processo produtivo Restituição Planejamento Estratégico Participativo (PEP) Reorientação dos ciclos de pesquisa e desenvolvimento Rede de Estabelecimentos de Referência Grupos de trabalho e planos de ação Produção Formação Estudos de Estudos e experimentação de sistemas técnicos Atividades Coletivas e Gestão da Organização Comercialização e Inserção no Mercado Mercado Relações favoráveis com o mercado Manejo dos recursos naturais e da fertilidade do solo Avaliação dialogada com os atores locais Fonte: Sabourin et al., 2009.
Considerações finais Foi estratégica a articulação entre inovações técnicas e sociais. O processo tecnológico teve como base as demandas identificadas e a utilização de referências locais. O desenvolvimento da agricultura familiar é também um processo de capacitação (tecnologia, gestão de dispositivos coletivos, parceria em políticas públicas). É necessária uma forte mudança na postura dos atores envolvidos. Um dos resultados mais importantes do Projeto Silvânia foi ter deflagrado o processo de conscientização coletiva da necessidade dos produtores buscarem soluções para os seus problemas, trazendo para si a responsabilidade dessa busca.
MUITO OBRIGADO!!! José Humberto Valadares Xavier Embrapa Cerrados (61) 3388-9878 jhumbert@cpac.embrapa.br Jose-Humberto.Xavier@embrapa.br