UM ESTUDO SOBRE O GESTO DE AUTORIA NA GRAMÁTICA DE JÚLIO RIBEIRO: A QUESTÃO DA LÍNGUA NACIONAL

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Transcrição:

UM ESTUDO SOBRE O GESTO DE AUTORIA NA GRAMÁTICA DE JÚLIO RIBEIRO: A QUESTÃO DA LÍNGUA NACIONAL Cristiane Pereira dos Santos 1 Amilton Flávio Coleta Leal Após a independência política, o Brasil busca agora, tornar-se culturalmente, socialmente e linguisticamente independente de Portugal. Este artigo, desenvolvido durante o Mestrado em Linguística, na disciplina de Estudos Gramaticais do Português, tem por objetivo discutir discursivamente, a partir da Análise de Discurso proposta por Eni Orlandi, no Brasil, o gesto de autoria na Gramática de Júlio Ribeiro (1881), que traz em seu prefácio marcas de autoria, bem como a inscrição de uma posição-sujeito autor de uma gramática frente à questão da Língua Nacional, visto que a noção de autor é fundamentalmente necessária para o processo de gramatização brasileira. Dessa forma, considerando Júlio Ribeiro um dos iniciadores do processo de gramatização brasileira do português, nos atentamos para a questão de denominação que marca a posição de uma identidade própria da/na língua nacional, visto que no Brasil, fala-se outra (s) língua (s): a brasileira. Esta escrita se inscreve no segundo momento do período de estudos sobre o processo de gramatização 2 do Português no Brasil, na qual ocorrem estudos e produções significativas sobre a Língua Nacional, ou seja, inauguram-se estudos para mostrar/evidenciar a diferença entre o Português do Brasil e o de Portugal. Essa diferença vem sendo discutida, atualmente, por Orlandi (2009) em seus estudos sobre a identidade da língua nacional, no que diz respeito às significativas diferenças existentes entre a língua brasileira e o português de Portugal. Em uma entrevista dada ao Jornal da Unicamp (JU) para falar sobre o seu livro recémpublicado Língua Brasileira e outras histórias: discurso sobre a língua e ensino no Brasil a autora (idem) ressalta que quando se trabalha a identidade da língua, no caso a brasileira, não podemos mais considerar apenas mudanças e/ou variedades em sua estrutura, mas em profundas e reais diferenças existentes entre o português do Brasil e o de Portugal, e que permite, portanto, falar em língua brasileira, conforme sugere o próprio título do seu presente livro. Nesse contexto acreditamos, conforme Orlandi (2002), que a língua possui uma intrínseca relação com a história e a memória, e é nessa perspectiva que buscaremos desenvolver este trabalho. Ancorados na teoria da Análise de Discurso (AD), pretendemos discutir o processo de autoria nas gramáticas produzidas no segundo período de estudos sobre o processo de gramatização do Português no Brasil (1850-1939). Em outras palavras, discutir discursivamente, o gesto de autoria na Gramática de Júlio Ribeiro (1881), 1 Mestrandos do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Linguística da Universidade do Estado de Mato Grosso-UNEMAT. 2 A gramatização é definida por Auroux como um processo de descrição e a instrumentalização de uma língua através de duas tecnologias: a gramática e o dicionário.

que traz em seu prefácio marcas de autoria, bem como a inscrição de uma posição-sujeito autor de uma gramática frente à questão da Língua Nacional. O referido período legitimou o imaginário de unicidade da língua portuguesa. Acreditamos que quase um século (1850-1939) de estudos, a língua nacional contribuiu significativamente as peculiaridades do português do Brasil e de Portugal e que confirma seu posicionamento a respeito da denominação língua brasileira. O que se discute no segundo período de gramatização no Brasil diz respeito à produção de gramáticas voltadas para os fatos da língua brasileira que, por sua vez, assegurariam, além da identidade linguística, um lugar de autoria 3, uma vez que, nesse momento de produção das gramáticas, já não basta mais saber a língua, mas é preciso, conforme Orlandi (2001) saber que temos uma língua, uma gramática e sujeitos brasileiros da nossa própria escrita, configurando assim, a gramática como o saber legítimo para a sociedade. Isso se constitui naquilo que Dias (1996) chama de os sentidos do idioma nacional, a partir dos discursos que permeiam a ideia de identidade da língua falada no Brasil em relação à constituição de uma identidade nacional. O segundo período do processo de gramatização brasileira é conhecido como o período gramatical, em decorrência da produção de diversas gramáticas, e acima de tudo, por serem estas as primeiras feitas por autores brasileiros, pois, até o presente momento (segundo período de gramatização) não se registrara estudos de Língua Portuguesa feitos no Brasil. Logo, o processo de gramatização surge como um movimento que visava ao afastamento linguístico de Portugal. Pode-se perceber, então, que o processo de gramatização foi importante para a autonomia da língua, propiciando aberturas para se estudar questões linguísticas que se refletem ainda hoje. Do período de gramatização do Português no Brasil, destacamos como essencial para este trabalho, a produção da Grammatica Portugueza de Júlio Ribeiro (1881) e a Grammatica da Língua Portugueza de Pacheco Silva e Lameira de Andrade (1887), que refletem um importante acontecimento linguístico e significativo para os estudos da língua no Brasil. Nesse II momento, dado a importância de se produzir ferramentas que pudessem corroborar para os estudos da identidade da língua nacional, tais gramáticas significaram um posicionamento primordial para elevar o caráter identitário da nossa língua, bem como o início de uma trajetória que culminaria em estudos recentes sobre a língua brasileira. As gramáticas produzidas nesse segundo momento do processo de gramatização no Brasil trazem um lugar de autoria em relação à língua, ou seja, a produção de tais ferramentas tecnológicas constitui um lugar de inscrição desses gramáticos numa posição de autoridade em relação à língua e, principalmente, a um lugar de saber sobre a língua e à singularidade do português do Brasil, isto é, produzir essas ferramentas, além de dar um lugar de autoridade em relação à, os inscrevem numa posição sujeito-autor gramático. E tal acontecimento só se dá quando a produção desses instrumentos (ferramentas) linguísticos começa a ser feita por autores brasileiros. 3 Para ORLANDI (2007) autoria implica em disciplina e organização, em unidade. Portanto, é a forma através da qual o sujeito se coloca na posição de autor, garantindo/assegurando assim, a sua identidade.

Quando afirmamos que esses autores ocupam um lugar de autoridade, estamos afirmando que os gramáticos Júlio Ribeiro e Pacheco Silva assumem uma posição-autor ao produzirem essas ferramentas tecnológicas no processo de gramatização, sobretudo a gramatização brasileira do português, que funcionou como forte elemento de identificação nacional. Em outros termos, Orlandi (2002, p.192) fala da posição-autor gramático brasileiro, relacionando-a à produção de tais instrumentos da/na língua brasileira. O processo de autoria ou posição sujeito-autor conforme Orlandi (2009) se dá na constituição do sujeito no discurso. E mais, a respeito do processo de autoria a autora afirma que é do autor que se exige: coerência, respeito às normas estabelecidas, explicitação, clareza, conhecimento das regras textuais, originalidade, relevância, unidade. Portanto, a questão de autoria, além daquilo que diz Orlandi, está no lugar de institucionalização do saber sobre a língua. E a gramática, nesse processo, é o lugar em que se institui e ao mesmo tempo dá visibilidade desse saber legítimo sobre a língua. Orlandi (2009, p. 111) que diz que, no processo de produção, a gramática significa o lugar de conhecimento e/ou de explicitação de normas. Ela (a gramática) no dizer da autora, é a forma da relação da língua com a sociedade na história, realizada por um sujeito também representado no modo como a sociedade se organiza. (idem, 2009). Nesse sentido, discutiremos, posteriormente, sobre essa relação da língua como um saber legítimo, concretizada por um sujeito social. Para falar de autoria, tomamos, como ponto de partida, o prefácio da gramática de Júlio Ribeiro, produzida em 1881 e reeditada em 1884, que nos diz: As antigas grammaticas portuguezas eram mais dissertações de metaphysica do que exposições dos usos da língua. Para afastar-me desta trilha batida, para expor com clareza as leis deduzidas dos factos e do fallar vernáculo, não me poupei a trabalhos. Creio ter ferido o meu alvo. (...) Abandonei por abstractas e vagas as definições que eu tomára de Burgraff: preferi amoldar-me ás de Whitney, mais concretas e mais claras. O que fica no discurso do autor é a sua preocupação em se colocar numa posição de distinção com os trabalhos propostos que seguiam uma unidade com Portugal. E tal inquietação, a princípio, se transformará em pesquisa para estudiosos, como Eni Orlandi e Eduardo Guimarães, que vêm trabalhando sobre a construção de uma identidade linguística do/no Brasil. De acordo com os teóricos mencionados, a língua possui sua historicidade. E é imerso nela (historicidade) que compreenderemos os processos históricos pelos quais passaram Brasil e Portugal, dado que esses são nodais e contribuíram significativamente para que o idioma falado nesses dois países se diferenciasse. Nota-se que há um gesto de autoria no prefácio, ou seja, o autor é responsável pelo que diz, legitimando que o autor é o sujeito no/do discurso. E quando se fala de autor/autoria remete-se à questão de identidade. Orlandi (2003, p.73) afirma que é a partir do gesto de autoria que se constrói a identidade, contudo, neste caso, Júlio Ribeiro, não constrói apenas sua identidade como autor de uma gramática, mas constitui, a partir de seu gesto, a voz de uma nação que é linguisticamente dessemelhante de Portugal. Esse gesto de autoria, por sua vez, constitui-se nos primeiros indícios de promover a língua brasileira no Brasil.

Nota-se que Júlio Ribeiro participa da construção do Estado brasileiro, pois é ele o gramático brasileiro que diz como é a língua. Para ele, a ideia do purismo linguístico funciona como forma política de controle social e isso é fator determinante em suas produções, pois o mesmo é um crítico sagaz e conhecedor das teorias gramaticais e linguísticas de sua época. Observa-se que Júlio Ribeiro, não foi apenas um dos nomes mais importantes, mas, sem dúvida alguma, uma figura inaugural dos estudos linguísticos no Brasil, mas um autor memorável para a demarcação do novo contra o tradicional: tornar-se, linguisticamente, independente de Portugal. No segundo período de gramatização, houve a necessidade de se fazer estudos da língua e da gramática por certos estranhamentos ocorridos entre intelectuais (gramáticos) de Portugal e do Brasil. É, portanto, nesse período que se fundam estudos brasileiros sobre o português do Brasil. Neste ponto, destacamos também a inauguração da Academia Brasileira de Letras (1897) que, entre outras finalidades, tais como a de preservação da cultura da língua e da literatura nacional, corrobora decisivamente com os acordos de unificação ortográfica da língua. Não menos importante, o Diccionario Brasileiro da Língua Portugueza, de Antônio Joaquim de Macedo Soares (1888), também significou um grande acontecimento/fato no processo de instrumentalização e descrição da língua, trazendo no título, a denominação brasileiro. O próprio autor diz que já é tempo dos brasileiros escreverem como se fala no Brasil e não como se escreve em Portugal. Isso configura certa legitimidade a respeito do distanciamento daquilo que se fala no Brasil em relação a Portugal. É dado um status de autoridade para a língua brasileira, uma vez que, os gramáticos, ao produzirem essas gramáticas no Brasil, legitimam um conhecimento sobre a língua capaz de assegurar uma identidade nacional. Deste modo, as gramáticas e dicionários produzidos no período de confluência de institucionalização da língua nacional foram, certamente, ferramentas que funcionaram como pilares nessa construção da diferenciação e singularização na constituição da identidade nacional, dando legitimidade e autoridade à língua. Essa função-autor-brasileiro significa dizer que as diferentes posições, ocupadas por aqueles que produziam as gramáticas no Brasil no período de gramatização, são maneiras de se referir à existência de uma função- autor-brasileiro de gramática brasileira que se diferencia, notadamente, daquela praticada em Portugal. O que chamaremos aqui de algumas considerações será apenas uma provocação que suscitará reflexões e problematizações outras acerca da proposição deste trabalho. A discussão acerca da questão da língua nacional e dos gestos de autoria nas gramáticas no II período de gramatização do português no Brasil, constituiu-se como mais um ponto a ser repensado e ressignificado nesse embate de construção da língua com a história. Observamos, a partir da análise, que o gesto de autoria é principiado desde a obra inaugural de Júlio Ribeiro sobre os estudos do português no Brasil. Esse gesto é constitutivo de uma memória de língua nacional que começa a ser construída por volta do século XIX momento em que se iniciam as produções sobre a nossa língua. Esse período, na história dos estudos linguísticos no/do Brasil, certamente será marcado como um verdadeiro tempo de construção e legitimação da identidade brasileira a partir da produção das gramáticas.

Para tanto, a proposição desse artigo em discutir sobre os gestos de autoria na gramática de Júlio Ribeiro, refere-se a um período marcado por inúmeras mudanças na história do português brasileiro, em que se buscava/almejava uma espécie de combate contra Portugal como metrópole e detentora da unidade da língua. Tal fato histórico coloca-nos, também, como protagonistas desse percurso que nos torna falantes de outra língua: a brasileira, (ORLANDI, 2009). Conclui-se, portanto, que no Brasil, fala-se outra língua: a brasileira. Língua essa falada, conforme Mariani (2004), deste o chamado processo de colonização linguística 4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AUROUX, Sylvain. A revolução tecnológica da gramatização. Campinas: Editora da UNICAMP, 1992. BRESSAN, Mariele Zawierucka. Sujeito e autoria: entre a unidade e a dispersão o efeito de fechamento. IN: IV SEAD - SEMINÁRIO DE ESTUDOS EM ANÁLISE DO DISCURSO 1969-2009: Memória e história na/da Análise do Discurso. Porto Alegre, de 10 a 13 de nov. 2009. (artigo). DIAS, Luiz Francisco. Os sentidos do idioma nacional: as bases enunciativas do nacionalismo linguístico no Brasil. (UFPB). Campinas, Pontes, 1996. EMÍDIO, Camila Lívio. (UEL). Uma análise da semântica nas gramáticas e em textos da imprensa no final do século XIX e início do XX. (artigo). FILHO, Manuel Alves. Reflexões sobre a história da língua brasileira. In: JORNAL DA UNICAMP. Campinas, 17 a 23 de ago. 2009. (entrevista). GUIMARÃES, Eduardo. Sinopse dos estudos do português no Brasil: a gramatização brasileira. In: GUIMARÃES, Eduardo; ORLANDI, Eni (Orgs.). Língua e cidadania. Campinas, SP: Pontes, 1996. p.127-138. LACERDA, Priscila Brasil Gonçalves. Notas sobre a constituição do saber sintático em gramáticas brasileiras. In: ESTUDOS LINGUÍSTICOS, São Paulo, 39 (2): p. 488-497, mai.-ago. 2010. (artigo). MARIANI, Bethania. Colonização linguística; línguas, política e religião (Brasil, sécs. XVI a XVIII e Estados Unidos da América, século XVIII). Campinas, Pontes, 2004. ORLANDI, Eni P. Língua brasileira e outras histórias: discurso sobre a língua e ensino no Brasil. Campinas: RG, 2009.. História das Ideias Linguísticas: construção do saber metalinguístico e constituição da língua nacional. 300p. Campinas, SP: Pontes; Cáceres, MT: Unemat Editora, 2001.. O Estado, a gramática, a autoria. In: Línguas e Instrumentos Linguísticos, 4/5. Pontes/Projeto HIL, 2001.. Interpretação: autoria, leitura e efeitos do trabalho simbólico. 5.ed. Campinas, SP: Pontes Editores, 2007. 4 Colonização Linguística é um a obra de Bethânia Mariani que discursa sobre o processo histórico de colonização e confronto entre as diferentes línguas existentes no Brasil. Para saber mais ver MARIANI (2004).

. Análise de Discurso: princípios e procedimentos. 7.ed. Campinas, SP: Pontes Editores, 2002. RIBEIRO, Júlio. Grammatica Portugueza. 9.ed. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves & C., 1910.. Grammatica portugueza. 5.ed. revista por João Vieira de Almeida. São Paulo: Miguel Melillo, 1899. 364 p. SILVA, Maurício. Júlio Ribeiro polemista: um capítulo da história das querelas linguísticas no Brasil. In: Polifonia, Cuiabá, MT, v.22, n.1, p.64-74, jan./jun., 2010. TFOUNI, Leda Verdiani. (FFCLRP-USP) e ASSOLINI, Filomena Elaine (FFCLRP-USP). Gestos de interpretação e de autoria em produções linguísticas orais e escritas: desafios e possibilidades. In: Alfabetização, Leitura e Escrita / n. 10. (artigo). Documento consultado: http://www.iel.unicamp.br/biblioteca/gramatica.php