Perfil clínico-ocupacional e resultados dos testes de contato dos pacientes atendidos em um ambulatório terciário de medicina do trabalho

Documentos relacionados
A non-randomized, controlled study evaluating the effect of patch tests position on reactivity of the antigens

Professora Adjunta da Disciplina de Dermatologia da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo (SP) 2

Conflito de interesses

INVESTIGAÇÃO. Frequency of occupational contact dermatitis in an ambulatory of dermatologic allergy

Dermatite de contato em idosos

Dermatite de contato em idosos * Contact dermatitis in elderly patients *

DERMATOSES OCUPACIONAIS

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS Faculdade de Medicina DULCILEA FERRAZ RODRIGUES

Dermatite de contato alérgica: prevalência dos agentes sensibilizantes em amostra de Porto Alegre, Brasil

Revista da SPDV 72(4) 2014; Pedro Vale Fernandes, Cristina Amaro, Jorge Cardoso; Dermite das pálpebras.

INVESTIGAÇÃO. Dermatite alérgica de contato a medicamentos de uso tópico: uma análise descritiva *

Artigo Original TRATAMENTO DO CÂNCER DE CABEÇA E PESCOÇO NO IDOSO ACIMA DE 80 ANOS

ESTUDO DA DESCARACTERIZAÇÃO DO NEXO TÉCNICO EPIDEMIOLÓGICO PELA PERÍCIA MÉDICA PREVIDENCIÁRIA

CENTRO DE INFORMAÇÃO SOBRE MEDICAMENTOS - CIM: AVALIAÇÃO DA INFORMAÇÃO PRESTADA VIVIANE DO NASCIMENTO E SILVA

Prevalência de transtornos mentais em pacientes com ulceração

AVALIAÇÃO DOS ACHADOS MAMOGRÁFICOS CLASSIFICADOS CONFORME SISTEMA BI RADS¹. Beatriz Silva Souza², Eliangela Saraiva Oliveira Pinto³

Avaliação do padrão e número de sítios de fosforilação (EPIYA) da proteína CagA de H. pylori e risco de carcinoma gástrico e úlcera duodenal

Doença Profissional devida a Exposição Ocupacional a Agente Químico: Papel do Técnico de Segurança no Trabalho (ICSLM16_16)

Faculdade de Medicina da Universidade do Porto

7. MORBILIDADE PROFISSIONAL

VARIAÇÕES FISIOLÓGICAS DA PRESSÃO DO LÍQUIDO CEFALORRAQUEANO NA CISTERNA MAGNA

PREVENÇÃO DE RECIDIVA DE ÚLCERA VENOSA: um estudo de coorte

COLOQUE AQUI SEU TÍTULO

IMPACTO DA RINITE SOBRE CONTROLE CLÍNICO E GRAVIDADE DA ASMA EM UM PROGRAMA DE REFERÊNCIA DO ESTADO DO MARANHÃO

Trata-se do(a) trabalhador(a) que já tem asma e que esta piora em função de estímulos presentes no ambiente de trabalho.

A Presença das Dermatites de Contato e o Perfil dos Agentes Sensibilizantes em Trabalhadores da Área da Saúde em Duas Instituições no Sul do Brasil.

Eczema de Contacto Alérgico na Infância. Revisão da Literatura

2 MATERIAL E MÉTODOS 1.1 OBJETIVOS DO TRABALHO

INQUÉRITO EPIDEMILOGICO NA FAVELA DE VILA NOVA, NO MUNICÍPIO DE DUQUE DE CAXIAS - RJ (Julho/1988) *

Recomendações: evidências e lacunas- Revascularização do Miocárdio. Lacunas

Provas. Diagnóstico. em Alergia

PERFIL NUTRICIONAL E PREVALÊNCIA DE DOENÇAS EM PACIENTES ATENDIDOS NO LABORATÓRIO DE NUTRIÇÃO CLÍNICA DA UNIFRA 1

DERMATITE DE CONTACTO ALÉRGICA PROFISSIONAL AO MERCAPTOBENZOTIAZOL

Alergia de Contacto a Metais num Período de 20 Anos no Centro de Portugal: Implicações das Directivas Europeias

Acesso e acessibilidade em dois centros de diagnóstico pneumológico de Lisboa*

Asma factor de risco para hipersensibilidade aos anti-inflamatórios não esteróides?

A FISIOTERAPIA DO TRABALHO NA CONSCIENTIZAÇÃO SOBRE O ESTRESSE EM UM SETOR ADMINISTRATIVO

ESCLEROSE AMIOTRÓFICA LATERAL: um protocolo para assistência de enfermagem na UTI

Avaliação crítica de artigos sobre diagnóstico

DERMATOSES OCUPACIONAIS

PERFIL EPIDEMIOLÓGICO DE HANSENÍASE NA CIDADE DE SOBRAL 2010

PROVA DE CONHECIMENTO EM METODOLOGIA CIENTÍFICA E INTERPRETAÇÃO DE ARTIGO CIENTÍFICO NÍVEL DOUTORADO PROVA A. Candidato:

Rogério Muniz de Andrade Gisele Mussi Ricardo Baccarelli Carvalho Lys Esther Rocha

Lucas de Assis Soares, Luisa Nunes Ramaldes, Taciana Toledo de Almeida Albuquerque, Neyval Costa Reis Junior. São Paulo, 2013

HOSPITALIZAÇÕES E MORTALIDADE POR ASMA: É POSSÍVEL EVITAR? DR. GUILHERME FREIRE GARCIA ABRA MAIO DE DIA MUNDIAL DA ASMA

Especificidade das lesões dos membros inferiores

RETALHOS ÂNTERO-LATERAL DA COXA E RETO ABDOMINAL EM GRANDES RECONSTRUÇÕES TRIDIMENSIONAIS EM CABEÇA E PESCOÇO

UTILIZAÇÃO DO ML FLOW PARA AUXÍLIO DIAGNÓSTICO E CARACTERIZAÇÃO DO TIPO DE HANSENÍASE NO RIO GRANDE DO SUL. UM ESTUDO DE CUSTO-EFETIVIDADE

AVALIAÇÃO DO DESEMPENHO DA TÉCNICA DE PCR EM TEMPO REAL EM DIFERENTES AMOSTRAS BIOLÓGICAS UTILIZADAS PARA O DIAGNÓSTICO DA TUBERCULOSE EXTRAPULMONAR

Testes epicutâneos a corticosteróides num período de dez anos

Instrução de Trabalho. Rotina de Exames

AVALIAÇÃO DA QUALIDADE DO ATENDIMENTO FONOAUDIOLÓGICO DE PACIENTES TRATADOS DO CÂNCER DE CABEÇA E PESCOÇO

Introdução: O transplante renal é a melhor forma de substituição da função. renal em termos de esperança de vida e qualidade de vida.

LUVAS CATÁLOGO 2017 LINHA DESCARTÁVEIS SPUR LINE. spur-solutions.com -

ASSOCIAÇÃO ENTRE ASMA E RINITE ALÉRGICA EM ESTUDANTES DE MEDICINA DO NORDESTE

Melanoma maligno cutâneo primário: estudo retrospectivo de 1963 a 1997 no Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo

Data Imagem Nº total de vagas e obs 09/12/2013- Ascom Nº de Vagas / Ocupações e localização

Atributos de satisfação como determinantes da lealdade de clientes de academias no Brasil

Diagnóstico e Tratamento do Eczema de Contato

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL FACULDADE DE ODONTOLOGIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ODONTOLOGIA DOUTORADO EM PRÓTESE DENTÁRIA

DESENVOLVIMENTO MORAL NAS ORGANIZAÇÕES: UM ESTUDO NA ASSOCIAÇÃO DE ALCOÓLICOS ANÔNIMOS

Autores: Sousa RD ¹*, Almeida NDF ², da Silva HFF ³ Instituição: UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS.

PROVA DE CONHECIMENTO EM METODOLOGIA CIENTÍFICA E INTERPRETAÇÃO DE ARTIGO CIENTÍFICO NÍVEL MESTRADO PROVA A. Candidato:

FACULDADE DE MEDICINA DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA DERMATITE DE CONTATO ALÉRGICA EM IDADE PEDIÁTRICA ESTUDO RETROSPECTIVO DE 10 ANOS NO SERVIÇO DE

UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE CIÊNCIAS DEPARTAMENTO DE QUÍMICA E BIOQUÍMICA

Epidemiologia Analítica. AULA 1 1º semestre de 2016

CLASSIFICAÇÃO GOLD E SINTOMAS RESPIRATÓRIOS EM IDOSOS ESTUDO GERIA

PROMERGAN (prometazina) BELFAR LTDA. Creme dermatológico 20 mg/g

PERFIL EPIDEMIOLÓGICO DE ACIDENTES OFÍDICOS EM MACHADO/MG NO TRIÊNIO E SUA RELAÇÃO COM A ESCOLARIDADE DOS ENVOLVIDOS.

Prevalência da Asma em Portugal:

COMPLICAÇÕES NEUROLÓGICAS PÓS-CIRURGIA BARIÁTRICA: UMA REVISÃO DE LITERATURA

Prevalência do temperamento ansioso em usuários do Centro de Referência em Hipertensão Arterial e Diabetes Mellitus de Rio Verde, GO.

PERFIL EPIDEMIOLÓGICO DO PACIENTE IDOSO INTERNADO EM UMA UNIDADE DE TERAPIA INTENSIVA DE UM HOSPITAL UNIVERSITÁRIO DE JOÃO PESSOA

Proposta de Lei de Investigação Clínica nº 146/XII

Journal Club. Setor Abdome. Apresentação: Lucas Novais Bomfim Orientação: Dr. George Rosas

LOMBALGIA E ACIDENTES DE TRABALHO

O IMPACTO DE CONDIÇÕES CRÔNICAS NA QUALIDADE DE VIDA RELACIONADA À SAÚDE (SF-36) DE IDOSOS EM ESTUDO DE BASE POPULACIONAL ISA-SP.

BOLETIM MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO O EMPREGO NO SEU TERRITÓRIO: RELATÓRIO DE MOVIMENTAÇÃO

I Workshop dos Programas de Pós-Graduação em Enfermagem PERFIL DAS INTOXICAÇÕES EXÓGENAS EM UM HOSPITAL DO SUL DE MINAS GERAIS

BOLETIM MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO O EMPREGO NO SEU TERRITÓRIO: RELATÓRIO DE MOVIMENTAÇÃO

DIVULGAÇÃO - VAGAS DE EMPREGO SINEs PBH. Data: 15/07/2013

BOLETIM MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO O EMPREGO NO SEU TERRITÓRIO: RELATÓRIO DE MOVIMENTAÇÃO

Emergência HUAP. Daniel Garbin Diogo Costa Diogo Murtinho Fernanda Boldrini Juliana Guerra Juliana Santos

Ensaio Clínico Randomizado: Prevenção de radiodermite em pacientes com câncer de mama utilizando o chá de camomila e extrato de brassica oleracea.

ESTUDO EPIDEMIOLÓGICO DOS TRAUMATISMOS BUCOMAXILOFACIAIS NA REGIÃO METROPOLITANA DE MARINGÁ-PR ENTRE OS ANOS DE 1997 E 2003

Análise da demanda de assistência de enfermagem aos pacientes internados em uma unidade de Clinica Médica

Organização Descrição Quantificação de variabilidade Identificação de valores típicos e atípicos

OCORRÊNCIA DE ANTECEDENTES FAMILIARES EM PACIENTES COM DISTÚRBIOS DO MOVIMENTO DO HOSPITAL DAS CLÍNICAS NO ESTADO DE GOIÁS

Estudo comparativo sobre a prevalência de alergias entre idosos e não idosos

Impacto no Estado Nutricional

GLICEMIA DE JEJUM NA AVALIAÇÃO DO METABOLISMO GLICÍDICO

RESUMO DOS 120 ANOS DA EEAP ACIDENTE DE TRABALHO COM MATERIAL BIOLÓGICO ENTRE PROFISSIONAIS DE SAÚDE

Parte. Acesso a Bens de Saúde e a Outros Bens Sociais

PESQUISA DE CARGOS E SALÁRIOS JUNHO/2012

Determinação do grau de incapacidade em hansenianos não tratados *

Produção e gestão hospitalar: o caso das ciências laboratoriais

Study of Personal Dosimetry Efficiency in Procedures of Abdominal Aortic Aneurism in Interventional Radiology

PREFEITURA MUNICIPAL DE ARTUR NOGUEIRA SP

Anais do 38º CBA, p.0882

Transcrição:

ARTIGO ORIGINAL Perfil clínico-ocupacional e resultados dos testes de contato dos pacientes atendidos em um ambulatório terciário de medicina do trabalho Occupational and clinical profile and results of patch tests of patients from a tertiary outpatient clinic of occupational medicine Felipe Rovere Diniz Reis 1, José Inácio de Oliveira 2, Fernando Simões Festino 3 RESUMO Contexto: A análise do perfil clínico-ocupacional e dos resultados dos testes de contato aprimoram o atendimento dos pacientes com suspeita de dermatite de contato. Objetivos: Definir o perfil clínico-ocupacional e os resultados dos testes de contato dos pacientes atendidos no Ambulatório de Medicina do Trabalho da Universidade Estadual de Campinas (SP) com suspeita de dermatite de contato ocupacional. Métodos: Foi realizada uma análise descritiva transversal retrospectiva de 180 prontuários de pacientes atendidos entre 01/01/1999 e 31/12/2008. Resultados: A maioria dos pacientes tem idade entre 35 e 50 anos, é branca, mulher, e refere início dos sintomas nas mãos. Sulfato de níquel, cloreto de cobalto, bicromato de potássio, carba mix, timerosol e tiuram mix apresentaram os maiores índices de sensibilização e a frequência de testes com três ou mais reações positivas foi de 68%. Discussão: As características clínico-ocupacionais e os índices de sensibilização são semelhantes aqueles referidos na literatura, mas a frequência de testes com três ou mais reações positivas é cinco vezes maior. Essa frequência elevada pode ser explicada por um viés de seleção, pois a maioria dos pacientes veio encaminhada pelos serviços de dermatologia e imunologia para definição do nexo causal, ou por um viés de classificação, pois as sensibilizações não foram confirmadas. Conclusões: O perfil clínico-ocupacional e os resultados dos testes de contato foram definidos, mas devem ser interpretados com ressalva, pois os testes não foram repetidos quando três ou mais reações positivas foram observadas. Na área de saúde ocupacional, confirmar a sensibilização e a relevância com o quadro clínico e com o trabalho permite ao médico orientar tanto o trabalhador quanto o empregador em relação às medidas de proteção. Palavras-chave: dermatites alérgicas de contato; testes cutâneos; dermatite ocupacional. Recebido em: 15/02/2011 Aprovado em: 13/03/2011 Trabalho realizado no Ambulatório de Medicina do Trabalho do Hospital de Clínicas da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) Campinas (SP), Brasil. 1 Mestre em Saúde Coletiva; Médico do trabalho colaborador no Ambulatório de Medicina do Trabalho do Hospital de Clínicas da UNICAMP Campinas (SP), Brasil. 2 Professor Titular da Faculdade de Ciências Médicas da UNICAMP; Responsável pelo Ambulatório de Medicina do Trabalho do Hospital de Clínicas da UNICAMP Campinas (SP), Brasil. 3 Médico residente em Medicina do Trabalho do Hospital de Clínicas da UNICAMP Campinas (SP), Brasil. Endereço para correspondência: Felipe Rovere Diniz Reis Ambulatório de Saúde do Trabalhador do Hospital das Clínicas da Universidade Estadual de Campinas Rua Vital Brasil, 100 Cidade Universitária CEP: 13083-888 Campinas (SP), Brasil E-mail: medicoperitojudicial@yahoo.com.br Fonte de financiamento: nenhuma.

Perfil clínico-ocupacional e resultados dos testes de contato dos pacientes atendidos em um ambulatório terciário de medicina do trabalho ABSTRACT Background: The analysis of clinical and occupational profiles and results of patch tests improve the care of patients with suspected contact dermatitis. Objectives: to define the clinical-occupational and results of patch tests of patients in the Outpatient Occupational Medicine, State University of Campinas (SP) with suspected occupational contact dermatitis. To define the clinical and occupational profiles and the results of patch tests of patients attending at the Clinic of Occupational Medicine at the Universidade Estadual de Campinas (SP) with suspected occupational contact dermatitis. Methods: We conducted a descriptive cross-sectional retrospective analysis of 180 charts of patients treated between 1/1/1999 and 12/31/2008. Results: Most patients are aged between 35 and 50 years old, white, woman, referring to the onset of symptoms in hands. Nickel sulfate, cobalt chloride, potassium dichromate, carba mix, thiuram and thimerosol mix showed the highest levels of sensitization. The frequency of tests with three or more positive reactions was 68%. Discussion: The clinical and occupational characteristics and rates of sensitization are similar to those reported in the literature, but the frequency of tests with three or more positive reactions is five times higher. This difference can be explained by a selection bias, because that most of the patients was referred by the departments of dermatology and immunology to define the causal relationship, or by a classification bias, because the sensitivities were not confirmed. Conclusions: The occupational and clinical profiles and results of patch tests have been defined but should be interpreted with reservation, since the tests were not repeated when three or more positive reactions were observed. In the area of occupational health, to confirm the sensitization and the relevance with the clinic and the work allows the physician to guide both the employee and the employer in relation to protective measures. Keywords: dermatitis, allergic contact; skin tests; dermatitis, occupational. INTRODUÇÃO As dermatoses ocupacionais representam 30% das doenças do trabalho e 90% delas são dermatites de contato 1, que podem ter prognóstico ruim 2, gerar perda da qualidade de vida 3. No entanto, a exposição solar, ainda é o principal agente causador de dermatoses ocupacionais, principalmente entre trabalhadores rurais 4. Diversos agentes químicos manipulados nas atividades de trabalho podem gerar sensibilização cutânea e, após exposições exógenas habituais e repetidas, desenvolver eczema ou dermatite, do tipo alérgico 5. Os alérgenos cutâneos ocupacionais mais comuns são níquel, borracha, resina epóxi, cromo, agentes antimicrobianos e tinturas de cabelo 6. No entanto, a maioria das dermatites ocupacionais é causada por agentes irritantes, como solventes e detergentes, especialmente em atividades úmidas 7. O principal exame complementar para diagnóstico das sensibilizações cutâneas é o teste de contato que consiste na reexposição controlada aos agentes suspeitos 8. Após identificar um resultado positivo no teste, o médico deve definir se o resultado é relevante 9. No entanto, podem ocorrer resultados falso-positivos. A Síndrome da Pele Excitada (SPE) é caracterizada pela presença de múltiplas reações falso-positivas e tem várias causas, entre elas, a realização do teste na presença de dermatite na fase ativa 10. Dessa forma, devem ser adotados métodos para confirmação dos resultados positivos, especialmente nos casos ocupacionais 11, dada a influência do diagnóstico na vida laboral. Confirmadas três ou mais sensibilizações, o paciente será polissensibilizado 12. Os objetivos deste trabalho foram analisar o perfil clínico-epidemiológico e os resultados dos testes de contato dos pacientes com suspeita de dermatite alérgica de contato ocupacional atendidos no Ambulatório de Medicina do Trabalho (AMT) do Hospital de Clínicas da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). MÉTODOS O AMT do Hospital de Clínicas da UNICAMP atende, em nível terciário, pacientes encaminhados por diversos serviços de saúde da região metropolitana de Campinas (SP) e dos outros ambulatórios do próprio hospital, em especial os ambulatórios de imunologia e dermatologia. 2

Reis FRD, et al. / Rev Bras Med Trab.2012;10(1):95-9 Tabela 1. Perfil clínico-ocupacional por frequência relativa nos 180 pacientes avaliados entre 01/01/1999 e 31/12/2008 no Ambulatório de Medicina do Trabalho do Hospital de Clínicas da Universidade Estadual de Campinas Idade em anos (%) 14 a 20 4 20 a 35 35 35 a 50 46 50 a 65 13 Mais de 65 1 Cor da pele (%) Branca 79 Parda 15 Negra 6 Amarela 0 Sexo (%) Masculino 42 Feminino 58 Ocupação (%) Serviços de limpeza 17 Enfermagem 6 Pedreiro 14 Florista 11 Metalúrgico 9 1 33 * 9 Tempo na ocupação, em anos (%) 0 a 2 17 2 a 3 8 3 a 5 11-5 a 10 11 mais de 10 27 * 28 Agentes referidos (%) Produtos de limpezas 19 Luvas 9 Cimento 11 Flores 8 Óleos e solventes 7 2 28 * 19 Local principal do eczema (%) Mãos 49 Cabeça, face e pescoço 7 Punhos e braços 14 3 25 * 5 Procedência (%) Imunologia 33 Dermatologia 9 AMT 8 Outros 45 Prejudicado 5 AMT: Ambulatório de Medicina do Trabalho *Não foi possível extrair o dado dos prontuários analisados A legenda abaixo especifica o número observado para cada variável: 1: costureira, marceneiro e ceramista (5 cada); cabeleireira, cozinheira e químico (3 cada); coletor de laranja, farmacêutico, frentista, gari, laminador, pintor (2 cada); lavador de carros, manicure, montador de andaimes, pasteleiro, prensista, desidratadora de frutas, detonador, encanador, estudante, caixa de supermercado, abatedor, acabador de marmoraria, atendente, auxiliar de laboratório, auxiliar de química, tecelão, técnico judiciário, telefonista, tipógrafo, veterinário, zelador, serralheiro, cromador, prensista (1 cada) 2: bijuterias (15), cosméticos (12), tinta (5), resina epóxi e cera (3 cada), formol, madeira, fertilizantes, plástico, borracha (2 cada) 3: todo o corpo (12), membros inferiores (6), abdome (3), dorso e genitália (2 cada) Nesse ambulatório, os pacientes com suspeita de dermatites ocupacionais passam por uma avaliação médica e os casos suspeitos de dermatite alérgica de contato realizam testes de contato. Utilizando a bateria de testes padronizada no Brasil 13, as substâncias são aplicadas, no alto do dorso, utilizando-se contensores do tipo FINN CHAMBERSR (Epitest Ltd, Oy, Finland). As leituras são realizadas em 48 e 96 h, de acordo com os critérios estabelecidos pelo International Contact Dermatitis Research Group (ICDRG). Para aqueles que apresentarem testes positivos relevantes, é entregue um relatório médico indicando o diagnóstico, as substâncias às quais o paciente está sensibilizado, e as medidas de proteção. Todos os dados das avaliações clínicas e os resultados dos testes de contato ficam arquivados nos prontuários individuais dos pacientes. Este estudo descritivo analisou retrospectivamente 180 prontuários de pacientes que realizaram teste de contato no AMT entre 01/01/1999 e 31/12/2008. As variáveis coletadas neste estudo foram: idade, cor da pele, gênero, ocupação, tempo na ocupação, agentes ocupacionais, local do eczema, resultados dos testes de contato e procedência do paciente. Os dados foram analisados utilizando-se o programa Microsoft Office Excel 2003. O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Ciências Médicas da UNICAMP. RESULTADOS Conforme podemos observar na Tabela 1, a maioria dos pacientes tem idade entre 35 e 50 anos, é branca, mulher, referindo início dos sintomas nas mãos, ocupada na profissão atual há mais de 10 anos e procedente dos ambulatórios de imunologia e dermatologia do próprio hospital. As ocupações mais prevalentes foram: os serviços de limpeza, serviço de saúde, pedreiros, floristas e metalúrgicos. Os principais agentes sensibilizantes referidos foram relacionados às ocupações: produtos de limpeza, luvas, cimento, flores e óleo e solventes. Os resultados dos testes de contato, apresentados na Tabela 2, indicam que as seis substâncias que apresentaram maiores índices de sensibilização foram, respec- 3

Perfil clínico-ocupacional e resultados dos testes de contato dos pacientes atendidos em um ambulatório terciário de medicina do trabalho Tabela 2. Índices de sensibilização às substâncias testadas nos 180 pacientes na leitura de 96 horas entre 01/01/1999 e 31/12/2008 pelo Ambulatório de Medicina do Trabalho do Hospital de Clínicas da Universidade Estadual de Campinas Substância % Substância % Sulfato de níquel 30 Butilfenil-para-terciário 8 Cloreto de cobalto 27 Hidroquinona 8 Bicromato de Potássio 23 Mercapto mix 8 Carba mix 19 Neomicina 8 Timerosol 19 Nitrofurazona 8 Tiuram mix 19 Terebentina 8 Banzocaína 14 Bálsamo do Peru 6 Etilenodiamina 14 Colofônia 5 Paraben mix 14 Formaldeído 5 Perfume mix 14 Propilenoglicol 5 Parafenilenodiamina 13 Quaternarium 15 5 PPD mix 12 Lanolina 4 Resina epóxi 12 Antraquinona 3 Prometazina 11 Kathon CG 3 Quinolina mix 10 Irgasan 2 PPD (mix): N-isopropil, N-fenil e N-difenil parafenilenodiamina tivamente: sulfato de níquel, cloreto de cobalto, bicromato de potássio, carbamatos, timerosol e tiuram mix. Na leitura de 96 h, observamos que: 18% dos testes tinham uma reação positiva; 14% duas; 25% três; 12% quatro; 10% cinco e 21% dos testes tinham seis reações positivas. Portanto, 85% dos testes tiveram pelo menos uma reação positiva e 68% dos testes tiveram três ou mais reações positivas. DISCUSSÃO O perfil clínico-ocupacional dos pacientes atendidos no AMT, segundo as variáveis analisadas, é semelhante aos descritos na literatura nacional 13. Os resultados dos testes de contato indicaram que todas as 30 substâncias presentes na bateria de teste padronizada apresentaram índices de sensibilização mais elevados do que os índices referidos na literatura brasileira e internacional 12-14. As populações atendidas em serviços de saúde terciários de outros países apresentam índices de sensibilização que variam de 34 a 60% e que a frequência de testes com três ou mais reações positivas varia entre 5% a 12% 14. Portanto, tanto o índice de sensibilização, quanto a frequência de testes com três ou mais reações positivas encontrados nesse serviço foram significativamente maiores. Diversas causas podem explicar a elevada frequência de reações positivas numa população, entre elas: intensidade, tipo, frequência, e persistência da exposição 15, ruptura da barreira cutânea, envelhecimento 16, sensibilizações comuns 17 e sensibilizações específicas 18 e a dermatite de mãos 19. No entanto, ainda não foi determinado se a polissensibilização é mais frequente entre pacientes com dermatite alérgica de contato ocupacional 14. Serviços de saúde terciários recebem pacientes referenciados por outros serviços de saúde, com agravos mais complexos, cornificados, de difícil diagnóstico e tratamento. Assim, as diferenças nos índices de sensibilização encontrados nos serviços de saúde podem ser decorrentes do viés de seleção inerentes aos serviços especializados 20. Um estudo envolvendo 1.532 pacientes atendidos em uma clínica de dermatologia ocupacional mostrou uma frequência de 77% dos testes com pelo menos uma reação positiva 21, frequência mais elevada que a referida nos estudos envolvendo serviços de saúde não ocupacionais. O AMT do Hospital das Clínicas da UNICAMP é um serviço de saúde terciário especializado em patologias ocupacionais e os pacientes atendidos nesse serviço passaram por uma seleção prévia feita por outros serviços de saúde, inclusive pelos Ambulatórios de Dermatologia e Imunologia do próprio hospital. Assim, a elevada frequência de pacientes sensibilizados atendidos e o elevado percentual de testes com três ou mais reações positivas realizadas nesse serviço, poderiam ter sido causados pela seleção prévia dos pacientes, mas também pela ausência de padronização das avaliações 22, especialmente quanto à confirmação das reações positivas quando ocorreram três ou mais reações simultâneas não correlacionadas. Diretrizes de atendimento clínico foram propostas na literatura nacional 23,24 e podem auxiliar na diminuição do viés de classificação dos serviços de saúde que atendem pacientes com suspeita de dermatite alérgica de contato ocupacional. CONCLUSÕES O perfil clínico-ocupacional dos pacientes atendidos no AMT do Hospital das Clínicas da UNICAMP é semelhante aos descritos na literatura, mas os índices 4

Reis FRD, et al. / Rev Bras Med Trab.2012;10(1):95-9 de sensibilização e a frequência de testes com três ou mais reações positivas são significativamente maiores. Essa diferença, no entanto, deve ser interpretada com cautela, pois as avaliações clínicas e os testes de contato não seguiram uma padronização previamente definida, especialmente quanto à confirmação das sensibilizações. Na área ocupacional, é imprescindível confirmar as sensibilizações antes de estabelecer a relevância clínico-ocupacional. Uma vez caracterizada a relevância ocupacional, ou melhor, o nexo causal com as atividades de trabalho, o médico do trabalho poderá orientar, tanto o trabalhador, quanto o empregador, quanto às medidas de proteção. REFERÊNCIAS 1. Keegel TMM, Dharmage DMM, Nixon RKF. The epidemiology of occupational contact dermatitis (1990-2007): a systematic review. Int Journal Dermatol. 2009;48(6):571-8. 2. Cahill J, Keegel T, Nixon R. The prognosis of occupational contact dermatitis in 2004. Contact Dermatitis. 2004;51(5-6):219-26. 3. Shoet R, Zachariae R, Agner T. Contact dermatitis and quality of life: a strutured review of the literature. Br J Dermatol. 2003;149(3):452-6. 4. Hayashide JM, Sgura RM, Camilo OA, Mayumi JS, Mie NS, Albuquerque CZ, et al. Doenças de pele entre trabalhadores rurais expostos à radiação solar. Estudo integrado entre as áreas de Medicina do trabalho e Dermatologia. Rev Bras Med Trab. 2010;8(2):97-104. 5. Shumunes E. Predisposing factors in occupational skin diseases. Dermatol Clin. 1998;6(1):7-13. 6. Diepgen TL, Kanerva L. Occupational skin diseases. Eur J Dermatol. 2006;16(3):324-30. 7. Belsito VD. The diagnostic evaluation, treatment, and prevention of allergic contact dermatitis in the new millennium. J Allergy Clinic Immunol. 2000;105(3):409-20. 8. Beltrani VS, Bernstein L, Cohen DE, Fonacier L. Contact dermatitis: a practice parameter. An Alergy Asthma Imunol. 2006:97(suplem):1-38. 9. Le Coz CJ, Sasseville D. Interpretation and relevance of patch testing: false-positive and false-negative test reactions, compound allergy, crosssensitivity. An Dermatol Venereol. 2009;136(8-9):610-6. 10. Duarte I. Síndrome da Pele Excitada: revisão da literatura. An Bras Dermatol. 1995;70(2):153-62. 11. Marrakchi S, Maibach HI. What is occupational contact dermatitis? An operational definition. Dermatol Clinic. 1994;12(3):477-84. 12. Schnuch A, Geier J, Uter W, Frosch PJ, Lehmacher W, Aberer W, et al. National rates and regional differences in sensitization to allergens of standard series. Population adjusted frequencies of sensitization (PAFS) in 40000 patients from a multicenter study (IVDK). Contact Dermatitis. 1997;5(37):200-9. 13. Grupo Brasileiro de Estudos em Dermatite de Contato (GBDEC). Estudo multicêntrico para elaboração de uma bateria-padrão brasileira de teste de contato. An Bras Dermatol. 2000;75(2):147-56. 14. Carlsen BC, Menné T, Johansen JD. 20 years of standard patch testing in an eczema population with focus on patients with multiple contact allergies. Contact Dermatitis. 2007;57(2):76-83. 15. Schnuch A, Brash J, Uter W. Polysensitization and increased susceptibility in contact allergy: a review. Allergy. 2008;63(2):156-67. 16. Basketter DA, Jefferies D, Safford BJ, Gilmour NJ, Jowsey IR, Mcfadden J, et al. The impact of exposure variables on the induction of skin sensitization. Contact Dermatitis. 2006;55(3):178-85. 17. Moss C, Friedmann PS, Shuster S, Simpson JM. Susceptibility and amplification of sensitivity in contact dermatitis. Clin Exp Immunol. 1985;61(2):232-41. 18. Carlsen BC, Menné T, Johanses JD. Associations between baseline allergens and polysensitization. Contact Dermatitis. 2008;59(2):96-102. 19. Carlsen BC, Andersen KE, Menné T, Johansen JD. Sites of dermatitis in patch test population: hand dermatitis is associated with polisensitization. B J Dermatol. 2009;61(4):808-13. 20. Carlsen BC, Klaus EA, Menné T, Johansen JD. Characterization of the polysensitized patient: a matched case-control study. Contact Dermatitis. 2009;61(1):22-30. 21. Slodownik D, Willians J, Frowen K, Palmer A, Matheson M, Nixon R. The addititve value of pacth testing with patients own produts at an occupational dermatology clinic. Contact Dermatitis. 2009;61(4):231-5. 22. Andersen KE. Multicentre patch test study: are they worth the effort? Contact Dermatitis. 1998;38(2):222-3. 23. Duarte IAG, Lazzarini R. Diagnóstico e tratamento do eczema de contato. In: Associacão Médica Brasileira (Org.). Projeto Diretrizes, SP. 2002;1:249-59. 24. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Dermatoses ocupacionais. Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Brasília: Editora do Ministério da Saúde, 2006. 92p. 5