A COMPETENCIA GRAMATICAL NAS AULAS DE ESPANHOL COMO LINGUA ESTRANGEIRA Bruna de Souza Fraga (UFS) Monize Batista de Jesus (UFS) INTRODUÇÃO A gramática, por muito tempo foi um dos instrumentos mais utilizados no âmbito escolar, devido ao fato de que muitos professores buscam nela somente ensinar a norma culta, ocultando as demais variedades. Desta maneira, a competência gramatical torna-se uma das habilidades mais exigidas dentro das salas de aula, e algumas vezes a única. Isto acontece devido a uma tradição em que o ensino é baseado fortemente na gramática e nos livros didáticos, não permitindo que as demais habilidades sejam desenvolvidas, assim como, não priorizam as outras competências. Com isso, acaba existindo uma dependência do professor em relação à gramática, ao fato de somente ensinar o conceito do que é língua, não passando para os alunos como deve ser utilizada esta língua, quais variedades existem. O presente trabalho tem como objetivo fazer uma análise de como esta competência influencia na aprendizagem dos alunos e como o professor atua diante desta questão. Nossa reflexão é como a competência gramatical pode ser tratada nas aulas de espanhol como língua estrangeira. Esta competência seria o conhecimento que temos sobre as regras e as características da língua meta, tendo o domínio do código lingüístico. O ENSINO DA GRAMÁTICA NO BRASIL Reconhece-se que é bastante comum ouvir pessoas falando mal da gramática, não levando em consideração sua grande importância para a língua, já que é a partir dela que aprendemos a norma culta. Muitos professores não dissociam o ensino sem a gramática, talvez por o trazer maior segurança. No entanto há outros que afirmam não ser necessário seu uso. Com isso podemos perceber o desafio dos profissionais de línguas estrangeiras, usar ou não usar gramática? Por isso, partiremos de diferentes conceitos sobre o que é gramática, para podermos realizar uma reflexão a respeito deste conceito, de como a gramática esta sendo trabalhada e como poderemos utilizá-la nas aulas de espanhol como língua estrangeira. E assim, tentando eliminar algumas definições errôneas que as pessoas costumam carregar consigo a respeito desse manual. De acordo com POSSENTI, 1996, é necessário que se reconheça fundamentalmente que existem três acepções muito diferentes para o conceito de gramática. 1
O primeiro e o mais conhecido pelos professores e alunos de língua portuguesa do ensino fundamental e médio é um manual com regras de bom uso da língua o qual nos ensina a arte de falar e escrever corretamente. Este conceito esta relacionado à gramática normativa, na qual o maior objetivo é passar para os leitores a variedade padrão da língua. Neste sentido as demais variedades lingüísticas não são aceitas e são consideradas erros da língua ou coloquialismos. O segundo conceito é o da gramática descritiva, onde existe um conjunto de regras que o cientista encontra nos dados que analisa á luz de determinada teoria e método (Neder Apud travaglia, 2001:27). Ou seja, a maior preocupação deste tipo de gramática não é a respeito do que é correto ou errado e sim o de descrever a estrutura e o funcionamento real da língua. A terceira definição e não menos importante corresponde à gramática internalizada, que de acordo com alguns lingüísticos, é denominada como competência lingüística ou principio de organização interna. /.../ qualquer falante de português possui um conhecimento implícito altamente elaborado da língua, muito embora não seja capaz de explicitar esse conhecimento. E veremos que esse conhecimento não é fruto de instrução recebido na escola, mas foi adquirido de maneira tão natural e espontânea quanto a nossa habilidade de andar. Mesmo pessoas que nunca estudaram gramática chegam a um conhecimento implícito perfeitamente adequado da língua. São como pessoas que não conhecem a anatomia e a fisiologia das pernas, mas que andam, dançam, nadam e pedalam sem problemas. (Perini, 2001:13) De acordo com Perini, 2001, todo e qualquer falante possui internalizado um conhecimento altamente elaborado da sua língua materna. Esse conhecimento do falante é desenvolvido gradualmente com as hipóteses que ele constrói a respeito da sua língua paralelamente com as suas atividades cotidianas lingüísticas. A COMPETÊNCIA GRAMATICAL A competência gramatical é uma subdivisão da competência comunicativa. Embora muitos autores já tenham abordado o termo competência comunicativa, muitos ainda vêem como um desafio seu uso para o ensino de línguas. Este termo sugere uma dinâmica que abranja muito mais do que o simples conhecimento de regras gramaticais e sua pretensa aplicação. Tem como foco principal o sentido, o significado e a interação, e não somente a manipulação de formas linguísticas. Hymes (1972, p. 282) a define como as capacidades de uma pessoa que dependem tanto de conhecimento quanto de uso e afirma que o falante deve além de dominar estruturas lingüísticas saber como a língua é usada por seus membros, se ele quiser ser comunicativamente competente. 2
Para Canale (1983, p.5) esta competência refere-se tanto ao conhecimento quanto à habilidade em usar esse conhecimento na interação em comunicação real. Já Brown (1994 a, p.227) resume a competência comunicativa como sendo umas das competências que o indivíduo possui e que o possibilita emitir e interpretar mensagens e negociar seus significados, interpessoalmente, em contextos específicos. Um conhecimento abstrato subjacente e a habilidade de uso não só de regras gramaticais (explícitas ou implícitas) como também de regras contextuais ou pragmáticas (explícitas ou implícitas) na criação de discurso apropriado, coeso e coerente. Esse conceito de competência comunicativa é para alguns teóricos distinto do conceito de desempenho comunicativo. (HYMES, 1972) Esta competência é subdividida em outras quatro competências: Competência Gra- matical, Competência Sociolinguística, Competência Estratégica, Competência Discursiva. Competência Sociolinguística: envolve as regras socioculturais de uso e regras de discurso. Seria o conhecimento de mundo do aluno. Competência Estratégica: relaciona-se às estratégias de comunicação verbal e não verbal que compensam a competência insuficiente e contribuem para tornar a comunicação mais eficaz. É uma compensação das falhas da comunicação devidas a uma limitação na comunicação real. Competência Discursiva: Segundo Canale (1980) é a capacidade de combinar formas gramaticais para formar um texto coerente e coeso. Competência Gramatical é o domínio do código lingüístico que uma pessoa possui para produzir enunciados gramaticais em uma língua, reconhecendo as características lexicais, morfológicas, sintáticas e fonológicas da língua alvo e manipulá-las para formar enunciados. Segundo Canale e Swain (1980), essa competência seria importante para qualquer tipo de abordagem comunicativa cujos objetivos fossem prover os aprendizes com o conhecimento de como se determina e se expressa com precisão o sentido literal dos enunciados. Por isso é importante termos presente no ensino de línguas a competência comunicativa, pois o ensino baseado somente na instrução clara de regras gramaticais não favorece o desenvolvimento da competência comunicativa, já que somente um aspecto é trabalhado. Porém a forma da língua não é rejeitada, o aluno deve ter presente o funcionamento da língua, já que, o mau uso da mesma não permite que a comunicação ocorra. O ideal é que o professor incentive o aluno a praticar a comunicação com os demais e que o aprendiz tenha uma autonomia no seu processo Ensino/Aprendizagem. Pois, se este não buscar no que está fora da gramática, ou seja, na cultura, no social, não terá um bom desempenho linguístico. 3
A COMPETÊNCIA GRAMATICAL NAS AULAS DE ESPANHOL COMO LÍNGUA ESTRANGEIRA Atualmente percebe-se que a gramática possui um papel de protagonista absoluta nos processos de ensino de espanhol como língua estrangeira. Sabemos que a língua não existe sem código, ou seja, sem uma gramática subjacente. No entanto, de acordo com Rocio Quintero, é preciso saber que para quem deseja ou necessita aprender uma língua estrangeira não significa que tenha unicamente que aprender somente a gramática, já que ela deve estar unida e inserida em outros elementos complementares que ajudam no ensino da língua estrangeira. Segundo os PCN-EM (p.28), ao pensar-se numa aprendizagem significativa, é necessário considerar os motivos pelos quais é importante conhecer-se uma ou mais línguas estrangeiras. Se em lugar de pensarmos, unicamente, nas habilidades lingüísticas, pensarmos em competências a serem dominadas, talvez seja possível estabelecermos as razões que de fato justificam essa aprendizagem. Dessa forma, a competência comunicativa só poderá ser alcançada se, num curso de línguas, forem desenvolvidas as demais competências que a integram [...]. Desta forma, as aulas de língua estrangeiras devem levar ao aluno além do domínio de habilidades lingüísticas, as competências comunicativas. O importante é que o aluno possa tirar proveito de cada competência para se expressar na língua alvo aproximando-se o mais possível de seu uso real. Com a competência gramatical o aprendiz pode adquirir o conhecimento sobre as regras e as características da língua meta, para obter o domínio do código lingüístico. Seu papel nas aulas deve ser o de mostrar a forma e as estruturas da língua ao aluno, a partir de amostras autenticas de uso. No entanto não deve ser a única competência abordada em classe. Antunes (2007) diz que Não são frases soltas nem listas de palavras que vão promover o desenvolvimento de uma competência comunicativa, a qual se desdobra, naturalmente, numa competência gramatical, numa competência lexical, numa competência textual e discursiva. Olivares (1988) diz que: ao contrário, um discurso que permita até onde seja possível a comunicação autêntica, ou seja, um discurso no qual os participantes elaborem sentido em conjunto sobre algo. Este algo, no caso que aqui nos ocupamos, é a mesma língua que se aprende e da qual se trata de falar, refletindo sobre ela. Somente assim não se chega a perde de vista uma meta fundamental, a de que a comunicar-se se aprende comunicando ( ORTEGA OLIVARES, 1988, p.20) 4
Logo, Trabalhar com a competência comunicativa significa aprender não somente sobre a língua, suas regras e conceitos, mas como essa língua é utilizada em diversos contextos comunicativos, dependendo da intenção do falante e do ambiente em que ocorre a fala. [...] os professores de línguas têm prestado pouca atenção à maneira como as sentenças são usadas em combinação para formar trechos de discurso com nexo. Eles tendem a tomar como exemplo o gramático e têm se concentrado no ensino de sentenças como unidades que se contêm em si próprias. (WIDDOWSON, 1991, p. 49) Almeida Filho (2008) destaca a importância de uma postura comunicativa que, segundo o ele, demanda atitudes como: atenção aos diferentes estilos de aprendizagem e às variáveis afetivas; esclarecimento sobre o papel de apoio da língua materna na aprendizagem de outras línguas; apresentação de temas do universo do aluno, em forma de problematização e ação dialógica focalizada no conteúdo dos textos; criação de condições para a aprendizagem consciente das regularidades linguísticas, especialmente quando o aluno solicita uma explicação; aceitação de exercícios mecânicos de substituição que embasam o uso comunicativo da língua, e por último, o uso de uma terminologia acessível ao grupo. CONSIDERAÇÕES FINAIS Ao analisarmos o uso da gramática nas classes de espanhol como língua estrangeira podemos perceber que muitos professores tem alguns preconceitos com relação ao seu uso. E outros que tem uma grande dependência seja por segurança ou pelo fato de querer ensinar somente a norma culta sem dar importância as variedades da língua. No entanto sabe-se que o papel da gramática nas aulas de línguas estrangeiras, no caso o espanhol, é bem mais amplo do que o ensino reduzido a regras gramaticais, é necessário observar aspectos discursivos, estratégicos e pragmáticos. Já que uma das funções da língua estrangeira é contribuir para a formação crítica dos alunos. Por isso o professor deve saber utilizar a gramática em classe, utilizá-la, mas mostrar outras coisas referentes a língua como sua cultura, suas variedades, seu uso. Mostrar ao aluno, não somente o que é essa língua, mas sim como ele pode utilizá-la nos diversos contextos em que poderá enfrentar. Com isso ele propiciará aos aprendizes meios de se tornarem conscientes e críticos ao usarem as estruturas gramaticais, e em que situações aplicá-las. A melhor maneira de ter todos estes aspectos numa aula de língua estrangeira, seria utilizando a competência comunicativa, que abrange muito mais do que gramática. Nela outros aspectos da língua são abordados, e todas as habilidades são trabalhadas. Desde que o professor não se prenda a competência gramatical, que está dentro da competência comunicativa. Neste tipo de 5
abordagem, o aluno aprende não somente sobre as características da língua, como aspectos fonológicos, sintáticos ou morfológicos. Mas aprende como deve utilizar esta língua, levando em consideração sua diversidade. Desta maneira, o aprendiz passa a ver a gramática não como algo a ser decorado, através de listas e tabelas verbais, mas como um suporte para conhecer mais sobre a língua estudada, com atividades que não reduzem a língua a regras e a conceitos. Sendo assim é necessário o ensino de gramática desde que este seja significativo, pois os alunos não devem ser apenas repetidores de palavras ou mesmo de sons, com exercícios que não o levam a refletir sobre o uso real da língua. Por isso este ensino deve ser contextualizado, priorizando o sentido, o uso, e não somente a forma. Com isso o aluno poderá desenvolver outras competências além da competência gramatical. Desta maneira estará mais incentivado para conhecer esta nova língua, REFERENCIAS ALMEIDA FILHO, J. C. P. de. (org.) O professor de língua estrangeira em formação. Campinas: Pontes, 1ª Ed. 1993. ALONSO RAYA, Rosario. Cómo cambiar tu vida con la gramática. Algunos consejos para tener éxito con los ejercicios gramaticales. In: ENCUENTRO PRÁCTICO DE PROFESORES DE E/LE, 12. Actas... Barcelona: International House/ Difusión Centro de Investigación y Publicaciones de Idiomas, 2003. Disponible en: <http://www.encuentro-practico/talleres-2003.html> ANTUNES, Irandé. Muito além da gramática- Por um ensino de línguas sem pedras no caminho. São Paulo: Parábola Editorial, 2007. BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003. BENVENISTE, E. Problemas de linguística geral II. Campinas: Pontes, 1989 BRASIL, Ministério da Educação, Secretaria de Educação Média e Tecnológica. Parâmetros curriculares nacionais: Ensino Médio. Brasília: MEC/SEMTEC, 1999 CANALE, M. & SWAIN, M. Theoretical bases of communicative approaches to second language teaching and testing. In: Applied Linguistics, 1(1), 1980. DI TULLIO, Ángela. Manual de gramática del español. Buenos Aires: La isla de la luna. 2006 GÓMEZ TORREGO, Leonardo, 2005, gramática didáctica del español, Madrid, SM ediciones. HYMES, D. H. On Communicative Competence. In: BRUMFIT, C. J. & JOHNSON, K. The Communicative Approach to Language Teaching. Oxford: Oxford University Press, 1979. MARCUSHI, Luiz Antonio. Produção textual, análise de gêneros e compreensão. São Parábola Editorial, 2008 Paulo: 6
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