Quando o seguro esbarra no excesso de burocracia Clarissa Carvalhaes Repórter Um dia que não dá para esquecer. Eram 11 horas quando o filho mais velho da dona de casa Sueli da Silva Ribeiro, 49 anos, foi atropelado por uma van escolar, às vésperas do Natal de 2004. Na época, ele tinha 10 anos e ficou internado por 13 dias. Um mês depois da morte do menino, Sueli e o marido entraram com o pedido para receber o seguro obrigatório por Danos Pessoais Causados por Veículos Automotores de Via Terrestre, o DPVAT. Porém, somente nesta semana, cinco anos depois de entrar com o pedido, ela conseguiu vencer a burocracia e receber o seguro. Responsável pelo pagamento do DPVAT, a Líder Seguradora afirma que casos como o de Sueli são exceções, mas admite que há ainda muita coisa para mudar. Um caso cruel. Para o diretor de Relações Institucionais da Líder Seguradora, Márcio Norton, a história de Sueli não pode ser mencionada de outra forma. Segundo ele, quando o acidente com o filho da dona de casa ocorreu, em 2004, o DPVAT era pago de duas formas. A primeira, por uma seguradora que integrava a rede, e que cobria exclusivamente acidentes que envolviam veículos de transporte coletivo, como ônibus e táxis. A outra cobertura do DPVAT era feita pela instituição que na época gerenciava a rede - e que cabia atender os demais veículos. Mas, em 2005, o DPVAT passou a ser pago de forma única, para todos os casos, e apenas pela gerenciadora da rede - não mais pela seguradora. O seguro para casos como o de Sueli, passou a valer sete dias depois do acidente. Além disso, ela também foi extremamente prejudicada por outro motivo: na época, quem deveria pagar o seguro para ela era a Inter Brasil, mas a seguradora, para piorar, faliu, afirma. A dona de casa só conseguiu receber o seguro porque contratou um advogado, que entrou com um processo judicial e, depois de vários recursos, venceu a causa. Para ela, ainda que as razões para não ter recebido o DPVAT em curto prazo sejam válidas, ter esperado por tanto tempo e só ter conseguido o seguro por intermédio de um profissional é lamentável. Me senti abandonada por uma Lei que diz garantir algo que não consegui sem auxílio de profissionais. 1 / 5
De acordo com Norton, 95% dos pedidos do seguro obrigatório saem em até 30 dias, a partir da entrega do último documento. Os 5% restantes ultrapassam esse período por suspeita de fraude ou documentação que não está muito clara. Revemos tudo detalhadamente antes de liberar ou não o DPVAT, diz. Atualmente, é garantida uma indenização de R$ 13.500 por morte. Esta mesma quantia pode ser paga a vítimas de acidentes que tenham ficado inválidas. O valor é definido pelo perito de acordo com o tipo de sequela. Mas, afinal, você sabe se tem ou não direito de receber esse seguro? O diretor destaca que toda a população brasileira tem sim direito de receber o DPVAT. Toda e qualquer pessoa que possa estar envolvida, esteja embarcada ou não em um veículo, está segurada, diz. Números da Polícia Rodoviária Federal revelam que, apenas no mês de abril, foram registrados nas estradas mineiras 1.663 acidentes, com 985 feridos e 87 mortos. Em Minas Gerais são mais de 5,7 milhões de veículos compondo a frota do Estado, mas 35% circulam sem o pagamento do seguro obrigatório. Segundo o diretor de Relações Institucionais da Líder Seguradora, Márcio Norton, não estar em dia com o DPVAT prejudica diretamente o proprietário do veículo. Caso o dono do automóvel esteja inadimplente e se envolva em um acidente, ele não recebe o seguro porque não pagou por ele. Mas é preciso frisar que apenas o proprietário irregular não tem direito de receber. Todos os outros beneficiados, ainda que sejam filhos ou esposas, por exemplo, de quem não pagou o DPVAT, não são prejudicados em hipótese alguma, garante. Para pedir o seguro é imprescindível levar o boletim de ocorrência, feito no momento do acidente. É ele sua prova documental, diz o diretor. Em caso de morte, é preciso apresentar o atestado de óbito, os documentos dos beneficiários, que são os herdeiros legais, como esposa, pais e filhos. Caso não sejam casados legalmente, é preciso apresentar testemunhas ou documentos que comprovem a união. Norton disse que se o indivíduo não se separou legalmente, o seguro é dividido entre a ex-mulher, a atual e os filhos (caso existam). 2 / 5
Todas essas alternativas são para ajudar os beneficiários e fazer com que tudo se resolva em menor tempo possível e da forma mais justa, diz. Para as pessoas que tiveram lesões temporárias é necessário um laudo do Instituto Médico Legal (IML), além de comprovantes de despesas médicas, como remédios e fisioterapia. Todas as pessoas envolvidas em acidentes de trânsito, que provocaram traumas físicos ou óbitos, têm direito de receber individualmente o DPVAT, disse Norton. Se existem cinco pessoas dentro de um carro, cada uma delas receberá o seguro, completou. Segundo o diretor, todos os documentos que são exigidos pela seguradora são necessários para a agilidade do processo. Aliás, quando são solicitados, o atendente informa onde e como receber esses papéis. As pessoas não são entregues à sorte, mesmo porque a própria situação é constrangedora e traumática. Vida de Maria repleta de dramas Para a professora primária aposentada Maria Otoni Matildes de Leão, de 59 anos, o trauma e a decepção foram ainda maiores. Quando o marido dela morreu, em um acidente automobilístico, há 24 anos, os três filhos do casal ainda eram crianças. Mas a notícia sobre a existência do seguro obrigatório chegou tarde demais, precisamente com 21 anos de atraso. A professora, que precisou criar sozinha os três filhos, não sabia, na época, sobre a existência do seguro, nem mesmo que tinha direito de recebê-lo. 3 / 5
A desinformação me fez perder meus direitos. Ele (o marido) morreu no dia 30 de janeiro de 1985, mas só fui saber sobre o seguro em 2006. Ninguém me disse nada, acho também que ninguém realmente sabia. Foi um dinheiro que precisei muito mesmo, porque passei por um sufoco danado. Teria vindo em ótima hora, recorda. Maria conta que tentou ser ressarcida, mas nenhuma solução foi encontrada, até que ela desistiu. Fui a tantos lugares que nem lembro mais. Ouvia: senhora, você não tem mais direito; senhora deixa isso pra lá. No fim das contas, uma advogada bem jovem me convenceu. Disse que estava perdendo meu tempo porque já tinha perdido o prazo para recorrer. Desisti, lamenta. O diretor de Relações Institucionais da Líder afirma que casos como o da professora são corriqueiros. Ainda hoje muitas pessoas não conhecem seus direitos. Há quem ache que o DPVAT é um direito de quem tem carro, afinal, apenas ele quem paga. Mas não tem nada a ver uma coisa com a outra. Márcio Norton destaca que não é necessário contratar um advogado ou de um procurador para solicitar o seguro. A presença de um intermediário é totalmente dispensável. Se o advogado entrar com um processo judicial as coisas podem se complicar e o seguro pode demorar a sair. "Às vezes, o beneficiado está fragilizado, emocionalmente abalado e impossibilitado de tomar quaisquer decisões. Por isso é válido e coerente que ele eleja um irmão, uma amigo, ou até mesmo um advogado da família para tratar do acidente, resolver tudo, afirma. Para o advogado Délio Malheiros, muitas vezes a presença de um advogado é fundamental para decidir o processo. "Os empecilhos são muitos. A burocracia, a lentidão e tantos outros fatores prejudicam e 4 / 5
confundem o beneficiário. Por isso, muitas vezes, é impossível receber o seguro sem a ajuda de um profissional, acrescenta o advogado, que já foi coordenador do Procon Municipal, em Belo Horizonte. Segundo Malheiros, há vários artigos da Lei, criada em 1974, que estão sendo modificadas ano a ano, prejudicando os beneficiários. As seguradoras, por exemplo, deveriam cobrar por escrito o que elas querem do beneficiado. Outro fator que lesa os segurados, de acordo ainda com o advogado, é o estabelecimento do teto máximo do DPVAT em R$ 13.500. Quando foi criado o valor era definido em 40 salários mínimos, agora ele é fixo. Se fizermos os cálculos, o valor a ser recebido hoje seria R$ 19 mil. Mas, para Norton, o DPVAT vem se aprimorando ano a ano. Precisamos melhorar certos aspectos, mas as modificações feitas até agora só chegaram para aperfeiçoar o seguro. Fonte: Jornal Hoje em Dia (http://www.hojeemdia.com.br) - 24/05/2009 5 / 5