Descrição acústica das fricativas sibilantes em coda silábica em Porto Alegre/RS e Florianópolis/SC

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Transcrição:

Descrição acústica das fricativas sibilantes em coda silábica em Porto Alegre/RS e Florianópolis/SC Ana Paula Correa da Silva Biasibetti 1 Este trabalho apresenta a metodologia utilizada para a descrição acústica das fricativas sibilantes em coda silábica em dados recentemente coletados em Porto Alegre/RS e Florianópolis/SC. Para tanto, alguns resultados preliminares são apresentados. Ainda que ambas as localidades tenham sido colonizadas por açorianos, o desenvolvimento histórico-cultural alterou significativamente o aspecto fonético do português falado nas referidas localidades, em especial no que tange à consoante /s/ em posição de coda silábica. Estudos sociolinguísticos indicam que os falantes florianopolitanos tendem a produzir as variantes palatoalveolares (BRESCANCINI, 2002), enquanto que os falantes porto-alegrenses optam pelas variantes alveolares em coda (CALLOU; MORAES, 1996). Além disso, a análise acústica realizada por Bassi (2016) revela que as variantes ápico-alveolares também ocorrem entre os falantes florianopolitanos. O objetivo aqui é identificar os correlatos articulatórios dos parâmetros acústicos verificados em dados recentemente coletados nas duas cidades. Assim sendo, a descrição acústica dos dados constitui a etapa inicial desse plano de investigação. O presente estudo foi realizado sob as premissas teórico-metodológicas da Fonética Acústica (STEVENS, 2000; KENT; READ, 2002). Em consonância com Forrest et al. (1988), Jongman et al. (2000), Maniwa et al. (2008), Oliveira (2011) e Cristofolini (2013), a análise acústica desenvolvida apresenta resultados referentes aos quatro momentos espectrais, a saber, centro de gravidade, desvio padrão, assimetria e curtose. Fricativas sibilantes Os sons fricativos são produzidos através da passagem forçada da corrente de ar egressiva através de um estreitamento do trato oral, isto é, através do canal formado pela aproximação de um 1 Doutoranda em Linguística (PUCRS). Bolsista CNPq. E-mail: biasibetti.ana@gmail.com. 43

articulador ativo e um articulador passivo. A passagem de ar por essa constrição produz turbulência no ponto de constrição ou imediatamente após a constrição, gerando ruído ou fricção (LADEFOGED; MADDIESON, 1995, p. 138), daí a denominação fricativa para o referido modo de articulação. O Alfabeto Fonético Internacional (IPA, 2005) revela que os sons fricativos são produzidos nos mais diferentes pontos do trato vocal, contemplando desde o ponto mais anterior do trato, a saber, o ponto bilabial, até o ponto mais posterior, a saber, o glotal. Em português brasileiro, a exemplo, há fricativas labiodentais [f, v], alveolares [s, z], palato-alveolares [ʃ, ʒ], velares [x, ɣ] e glotais [h, ɦ]. As fricativas dividem-se em dois grandes grupos, a saber, as fricativas sibilantes e as fricativas não sibilantes. A sibilância pode ser definida em termos de propriedades acústicas e aerodinâmicas, sendo consideradas sibilantes as fricativas alveolares e as palato-alveolares. Em termos acústicos, a sibilância caracteriza-se como (...) um espectro de ruído com energia comparativamente forte em altas frequências 2 (MADDIESON, 1984, p. 42). Observa-se que a energia espectral das fricativas sibilantes alveolares concentra-se acima de 5kHz, enquanto que a energia das palato-alveolares se concentra a partir de 3kHz, ambas consideradas faixas de frequências altas quando comparadas às demais fricativas. Definida sob o ponto de vista aerodinâmico, a sibilância é caracterizada pelo choque da corrente de ar contra um obstáculo localizado após o ponto de constrição. Para tanto, a corrente de ar que acabou de passar em alta velocidade pela constrição choca-se contra os dentes incisivos superiores, no caso de [s] e [z], e contra os dentes incisivos inferiores, no caso de [ʃ] e [ʒ] (LADEFOGED; MADDIESON, 1995, p. 139) 3. Segundo essa definição, as fricativas sibilantes podem também ser denominadas fricativas de obstáculo 4. A articulação das fricativas sibilantes implica na formação de duas cavidades dimensionadas 2 (...) a noise spectrum with comparatively strong energy at high frequencies. 3 Para esses autores, a sibilância equivale ao traço fonológico [estridente] que distingue, em língua inglesa, fricativas interdentais ([-estridente]) de alveolares ([+estridente]), fricativas palato-alveolares ([+estridente]) de palatais ([- estridente]) e africadas ([+estridente]) de oclusivas ([-estridente]) (CHOMSKY; HALLE, 1968). 4 Há diferentes entendimentos sobre o termo sibilância. Para Chomsky e Halle (1968), por exemplo, a sibilância equivale ao traço fonológico [estridente] que distingue, em língua inglesa, fricativas interdentais ([-estridente]) de alveolares ([+estridente]), fricativas palato-alveolares ([+estridente]) de palatais ([-estridente]) e africadas ([+estridente]) de oclusivas ([-estridente]). 44

em relação ao ponto de constrição. O que ocorre em termos aerodinâmicos na cavidade posterior à constrição em pouco define as características da fricativa sibilante 5. Contudo, o espaço da cavidade que se forma à frente da constrição até os dentes incisivos é determinante, pois a dimensão dessa cavidade, menor no caso das alveolares e maior no caso das palato-alveolares, tem como principal consequência acústica altas frequências de ressonância, no caso das primeiras, e baixas frequências, nas últimas 6. Análise espectral A análise espectral das fricativas pode ser implementada através da extração de picos espectrais e de momentos espectrais. Apresentamos aqui a análise por momentos espectrais, os quais são definidos como descritores estatísticos que projetam a distribuição das frequências que constituem os sons fricativos. Para tanto, extraímos os valores dos quatro primeiros momentos espectrais, a saber, Centro de Gravidade (ou Centroide), Desvio Padrão, Assimetria e Curtose. O Centro de Gravidade revela o ponto em que há maior concentração de energia espectral. Assim sendo, valores altos são indicativos de que o ponto de constrição é mais anteriorizado, ou seja, sugerem o ponto de articulação alveolar no caso das fricativas sibilantes. O Desvio Padrão projeta a dispersão espectral em relação ao Centro de Gravidade. Dessa forma, quanto maior a dispersão das frequências, mais anterior tende a ser a articulação. A Assimetria, por sua vez, indica o formato da distribuição das frequências: a assimetria negativa é indicativa da predominância de frequências altas, enquanto que a assimetria positiva representa a predominância de frequências baixas. Portanto, a assimetria positiva indica uma articulação mais posteriorizada. Por fim, a Curtose trata do grau de achatamento da distribuição, em que valores positivos ou próximos de zero representam a articulação alveolar e valores negativos representam a articulação palato-alveolar. A análise das fricativas através de momentos espectrais foi inicialmente implementada em língua inglesa por Forrest et al. (1988), Jongman et al. (2000) e Maniwa et al. (2008), entre outros. 5 Áreas de antirressonância estão relacionadas à cavidade posterior à constrição das fricativas sibilantes. Antirressonância é definida por Crystal (2008, p. 28) como (...) a term in acoustic phonetics for a particular frequency range which absorbs acoustic energy because of the resonance characteristics of a part of the vocal tract. 6 Há de se considerar, ainda, a formação de uma cavidade secundária sublingual na articulação das fricativas palatoalveolares. 45

Quanto ao português brasileiro, Berti (2006), Oliveira (2011) e Cristofolini (2013), entre outros, realizaram a análise momentos espectrais nas variedades faladas em Campinas/SP, Curitiba/PR e Florianópolis/SC, respectivamente. Apresentamos brevemente a seguir a metodologia de coleta e tratamento de parte dos dados recentemente coletados em Porto Alegre/RS e Florianópolis/SC. Metodologia Foram coletados através de instrumento de leitura e repetição de palavras cerca de 1000 dados de fricativa sibilante em posição de coda silábica 7. Para tanto, foram contempladas sibilantes surdas e sonoras localizadas em codas de sílabas tônica, pretônica e postônica de palavras e pseudopalavras que contemplavam em contexto precedente todas as vogais do português. Apresentamos aqui os dados referentes apenas às fricativas sibilantes surdas: Tab. 1: Informantes e número de ocorrências. LOCAL INFORMANTES OCORRÊNCIAS TOTAL FLN 5 mulheres 193 355 FLN 4 homens 162 POA 3 mulheres 129 253 POA 3 homens 124 Os dados informados na Tab. 1 foram segmentados no Praat (BOERSMA; WEENINK, 2016) e submetidos à análise espectral do tipo Time Averaging (SHADLE, 2012) através de script implementado no MatLab (2012). A análise estatística foi realizada no programa R Studio. Resultados Em relação aos quatro momentos espectrais, foram obtidas as seguintes médias em Porto Alegre: 7 Também foram coletados dados de fala espontânea obtidos através da entrevista de experiência social que não serão aqui apresentados. 46

Tab. 2: Médias dos momentos espectrais Porto Alegre/RS. SEXO VARIANTE CENTROIDE (em Hz) DESVIO PADRÃO (em Hz) ASSIMETRIA CURTOSE feminino alveolar 9796 2552-1,99 1,54 masculino alveolar 7160 3033-0,69 1,90 A inspeção manual através do espectrograma não revelou a ocorrência de coda palatoalveolar nos dados coletados em Porto Alegre. Os valores extraídos para os momentos espectrais e apresentados na Tab. 2 corroboraram esse fato, sendo que o centroide apresentou valores altos tanto para homens quanto para mulheres. O desvio padrão também se mostrou alto, sendo que a dispersão é maior entre os homens. Quanto à assimetria, os valores negativos confirmam a configuração mais anteriorizada da constrição. Por fim, a curtose positiva também sugere a configuração anteriorizada, isto é, alveolar, no caso das fricativas sibilantes. Quanto aos dados de Florianópolis, foram detectadas 138 ocorrências da variante palatalizada (cerca de 39% do total de dados). Apresentamos na Tab. 3 a seguir as médias obtidas pelas duas variantes em relação aos quatro momentos espectrais: Tab. 3: Médias dos momentos espectrais Florianópolis/SC. SEXO VARIANTE CENTROIDE (em Hz) DESVIO PADRÃO (em Hz) ASSIMETRIA CURTOSE feminino alveolar 8779 2992-0,57 1,18 feminino palatalizada 6387 2346 0,35 1,92 masculino alveolar 7420 3588-0,36 0,14 masculino palatalizada 4935 2689 0,70 0,94 Entre os homens, observa-se que o centro de gravidade, o desvio padrão, a assimetria e a curtose apresentaram os valores esperados para as variantes alveolares e palatalizadas. No entanto, o valor de curtose obtido para a variante palatalizada entre as mulheres diverge do esperado, uma vez que o valor 1,92 fortemente sugere uma articulação mais anteriorizada. O tratamento estatístico apontou que a diferença entre fricativas palatalizadas e alveolares foi estatisticamente significativa (p <.05) para todos os momentos espectrais, com exceção da 47

curtose entre as mulheres (p =.70). Em outras palavras, os momentos espectrais mostraram-se capazes de diferenciar as variantes sibilantes produzidas por homens e mulheres em posição de coda silábica, com exceção do quarto momento espectral entre as mulheres. A fim de explorar o comportamento divergente do quarto momento espectral entre as mulheres, reproduzimos a seguir o diagrama de caixa do referido momento espectral, o qual contempla as produções alveolar e palatalizada: Gráfico 1: Distribuição das ocorrências por curtose Florianópolis/SC. Observa-se que a mediana de ambas as variantes se encontra acima de zero, caracterizando um comportamento não esperado para a variante palato-alveolar. Além disso, há inúmeros valores atípicos associados à curtose nas duas variantes, sendo todos positivos no caso da variante palatalizada, o que também não é esperado. A ocorrência de valores atípicos e a distribuição pouco consistente das observações podem ser evidências de que informações importantes sobre a natureza dos dados estão sendo ignoradas. Assim sendo, a coleta complementar de dados e sua posterior incorporação ao corpus aqui analisado permitirá verificar se a curtose de fato apresenta os valores destoantes preliminarmente obtidos. Se o resultado se repetir, será possível propor a hipótese de que alguns dos valores 48

apresentados pela curtose estão refletindo, possivelmente, os valores de uma terceira variante. A variante ápico-alveolar caracterizada por Bassi (2016) através de picos espectrais é uma possibilidade. Assim, a caracterização acústica da variante ápico-alveolar em termos de momentos espectrais terá que ser realizada com o intuito de subsequentemente identificar se a referida variante está, de fato, coocorrendo com as variantes alveolar e palato-alveolar em coda nos dados analisados. Mais do que isso, há de se investigar se a curtose é um parâmetro seguro para a caracterização dessa terceira variante. Considerações finais Este estudo apresentou resultados preliminares relacionados à análise acústica das fricativas sibilantes em coda silábica produzidas em Porto Alegre e Florianópolis. As próximas etapas da investigação incluem a coleta de mais dados e seu devido tratamento estatístico com vistas a testar a hipótese apresentada e, consequentemente, validar seus resultados. Referências BASSI, Alessandra. A realização da fricativa alveolar em coda silábica no português brasileiro e no português europeu: abordagem geolinguística. 2016. 436 fls. Tese (Doutorado em Linguística) Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2016. BOERSMA, P.; WEENINK, D. Praat: doing phonetics by computer [Computer program]. 2016. BRESCANCINI, Cláudia Regina. A fricativa palato-alveolar e sua complexidade: uma regra variável. 2002. 362 fls. Tese (Doutorado em Linguística) Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2002. CALLOU, D.; MORAES, J. A. de. A norma de pronúncia do S e R pós-vocálicos: distribuição por áreas regionais. In: CARDOSO, S. A. M. (Org.). Diversidade lingüística e ensino. Salvador: EDUFBA, 1996. p. 133-147. 49

CRISTOFOLINI, Carla. Gradiência na fala infantil: caracterização acústica de segmentos plosivos e fricativos e evidências de um período de refinamento articulatório. 2013. 300 fls. Tese (Doutorado em Linguística) Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2013. FORREST, K.; WEISMER, G.; MILENKOVIC, P.; DOUGALL, R. N. Statistical analysis of wordinitial voiceless obstruents: Preliminary data. Journal of the Acoustical Society of America, n. 84, p. 115-124, 1988. JOHNSON, K. Acoustic and auditory phonetics. 2. ed. Oxford: Blackwell, 2003. JONGMAN, A.; WAYLAND, R.; WONG, S. Acoustic characteristics of English fricatives. Journal of the Acoustical Society of America, v. 108, n. 3, 2000. KENT, R.; READ, C. The acoustic analysis of speech. Madison: Singular/Thomson Learning, 2002. LADEFOGED, P.; MADDIESON, Ian. The sounds of the world s languages. Nova Jersey: Wiley, 1995. MADDIESON, I. Patterns of sounds. Cambridge: Cambridge University Press, 1984. MANIWA, K.; JONGMAN, A. Perception of clear fricatives by normal-hearing and simulated hearing-impaired listeners. Journal of the Acoustical Society of America, v. 123, n. 2, 2008. MATLAB and Statistics Toolbox Release 2012b. The MathWorks, Inc. Natick, Massachusetts, United States. OLIVEIRA, Flávio Ricardo Medina de. Análise acústica de fricativas e africadas produzidas por japoneses aprendizes de português brasileiro. 2011. 133 fls. Dissertação (Mestrado em Linguística) Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2011. SHADLE, C. H. The Acoustics and Aerodynamics of Fricatives. In: COHN, A.; FOUGERON, C.; HOFFMAN, M. K. (Eds.). The Oxford handbook of laboratory phonology. Oxford: Oxford University Press, 2012. p. 511-526. STEVENS, Keneth N. Acoustic phonetics. Cambridge, MA: MIT Press, 2000. 50