Encontro Internacional Participação, Democracia e Políticas Públicas: aproximando agendas e agentes 23 a 25 de abril de 2013, UNESP, Araraquara (SP)



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Transcrição:

Encontro Internacional Participação, Democracia e Políticas Públicas: aproximando agendas e agentes 23 a 25 de abril de 2013, UNESP, Araraquara (SP) Audiência pública: visibilidade dos argumentos das políticas de ações afirmativas na mídia televisiva Autora: Viritiana Aparecida de Almeida Universidade Federal do Paraná CURITIBA 2013

INTRODUÇÃO O debate sobre as políticas de ações afirmativas na audiência pública - AP - sobre cotas realizada pelo Supremo Tribunal Federal STF - originou-se a partir da propositura, pelo Partido Democratas DEM, da arguição de descumprimento de preceito fundamental ADPF 186 contra ato do Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão da Universidade de Brasília UNB, em que pede a declaração da inconstitucionalidade das cotas raciais ( COSTA; PINHEL; SILVEIRA, 2012) implementadas pelas instituições superiores de ensino alegando que o problema da desigualdade brasileira é econômica, e não racial. Desta perspectiva o presente artigo tem como objeto de análise o debate das ações afirmativas ocorrido na AP no período de 3 a 5 de março de 2010 e sua veiculação pelos jornais nacional Rede Globo e da Record. Parte-se da hipótese de que a mídia televisiva enfatizou mais os argumentos contrários e neutros, reforçando os discursos da ADPF-186, apesar de na AP terem prevalecido argumentos favoráveis às políticas públicas de recorte racial. A análise foi realizada através da utilização dos métodos qualitativo e quantitativo. O primeiro possibilita a aplicação da hipótese do enquadramento midiático na análise das mensagens televisivas, uma vez que pode revelar a ênfase dada pelos telejornais ao debate das ações afirmativas de cunho racial. Ao passo que o segundo permite diagnosticar a quantidade de especialistas de posicionamento favorável, contrário e neutro presentes na AP e quais argumentos foram utilizados para dar lastro a tais posicionamentos. O trabalho está estruturado da seguinte maneira: num primeiro momento apresenta-se uma análise quantitativa dos argumentos debatidos na AP utilizando o software SPSS statistics 17.0, o que permite diagnosticar a variável valência do discurso (favorável, contrária ou neutra). Após, apresenta-se uma análise qualitativa das mensagens televisivas divulgadas sobre a AP. Por fim apresenta-se o resultado da comparação entre os argumentos debatidos na AP e aqueles veiculados na mídia televisiva, a fim de comprovar a hipótese deste trabalho.

METODO QUANTITATIVO: um instrumento de análise dos argumentos das ações afirmativas na AP. Na AP os especialistas lançaram mão de diversos argumentos contrários, favoráveis e neutros para basear o posicionamento frente às cotas, dentre os quais econômico, raça, índice de rendimento acadêmico IRA, igualdade material e inconstitucionalidade. Cruzando-se os dados da variável ausência ou presença dos discursos acima mencionados com a valência de posicionamento contrário, favorável ou neutro dos especialistas no software SPSS Statistics 17.0 obtém-se as seguintes tabelas: TABELA 1 - CRUZAMENTO DA UTILIZAÇÃO DO ARGUMENTO ECONÔMICO NO DISCURSO DA AP VARIÁVEL FAVORÁVEL CONTRÁRIO NEUTRO TOTAL AUSÊNCIA 27 (69,2%) 8 (20,5 %) 4 (10,3%) 39 (100%) PRESENÇA 5 (50%) 4 (40,0%) 1 (10,0%) 10 (100%) TOTAL 32 (65,3%) 12 (24,5) 5 (10,2%) 49 (100%) O cruzamento entre a variável valência e a variável presença ou ausência do argumento econômico revelou que o argumento da desigualdade econômica está mais presente nos argumentos dos grupos favoráveis (50%) do que contrários às cotas raciais (40%) na AP. TABELA 2 - CRUZAMENTO DA UTILIZAÇÃO DO ARGUMENTO RAÇA NO DISCURSO DA AP VARIÁVEL FAVORÁVEL CONTRÁRIO NEUTRO TOTAL AUSÊNCIA 27 (64,3%) 11 (26,2%) 4 (9,5%) 42 (100%) PRESENÇA 5 (71,4%) 1 (14,3%) 1 (14,3%) 7 (100%) TOTAL 32 (65,3) 12 (24,5%) 5 (10,2%) 49 (100%)

Analisando o argumento raça com a variável posicionamento de discurso observa-se que dos trinta e dois posicionamentos favoráveis às cotas cinco utilizaram o conceito de raça para defender tal política, enquanto vinte e sete preferiram utilizar outros argumentos. Dos doze indivíduos contrários às cotas nas universidades, apenas um fez uso do termo raça para deslegitimar essa política, enquanto onze recorreram a outros discursos. Por fim, dos cinco indivíduos com valência neutra, um recorreu ao argumento raça para legitimar tal posicionamento, enquanto quatro utilizaram outros discursos. O que revela que na AP o discurso da raça foi mais utilizado pelos grupos favoráveis às cotas raciais para desconstruir a tese de que o problema no Brasil é econômico, entretanto parece que a mídia deu mais visibilidade aos discursos contrários às cotas que apropriaram do conceito de raça. TABELA 3 - CRUZAMENTO DA UTILIZAÇÃO DO ARGUMENTO DO ÌNDICE DE RENDIMENTO ACADÊMICO-IRA NO DISCURSO DA AP VARIÁVEL FAVORÁVEL CONTRÁRIO NEUTRO TOTAL AUSÊNCIA 30 (63,8%) 12 (25,5%) 5 (10,6%) 47 (100%) PRESENÇA 2 (100%) 0 (0%) 0 (0,0%) 2 (100%) TOTAL 32 (65,3%) 12 (24,5%) 5 (10,2%) 49 (100%) A relação estatística entre valência do discurso e a variável presença ou ausência do argumento rendimento acadêmico IRA aponta que dos trinta e dois especialistas favoráveis às políticas de cotas dois fizeram uso do discurso do IRA para defender seu ponto de vista, enquanto trinta preferiram utilizar outros argumentos. Dos doze indivíduos contrários, nenhum utilizou o rendimento acadêmico para embasar seus argumentos. Dos cinco posicionamentos neutros, nenhum fez uso do argumento IRA. Os dados do cruzamento da variável presença ou ausência do argumento rendimento acadêmico - IRA e a valência revelam que o discurso do IRA está mais saliente nos argumentos dos grupos favoráveis do que dos grupos contrários.

TABELA 4- CRUZAMENTO DA UTILIZAÇÃO DO ARGUMENTO DA IGUALDADE MATERIAL NO DISCURSO DA AP VARIÁVEL FAVORÁVEL CONTRÁRIO NEUTRO TOTAL AUSÊNCIA 19 (54,3%) 12 (34,3%) 4 (11,4%) 35 (100%) PRESENÇA 13 (92,9%) 0 (0,0%) 1, (7,1%) 14 (100%) TOTAL 32 (65,3%) 12 (24,5%) 5 (10,2%) 49 (100%) A correlação estatística entre as duas variáveis revela que dentre os trinta e dois palestrantes favoráveis às políticas de discriminação positiva treze recorreram ao discurso da igualdade material para defender seu ponto de vista, enquanto dezenove preferiram utilizar outros argumentos. Dos doze contrários, nenhum recorreu ao discurso da igualdade material. Dentre os neutros, um enfatizou o termo igualdade material para se posicionar com relação às políticas de cotas, enquanto quatro recorreram a outros argumentos. Estes dados apontam que o argumento da igualdade material está mais presente nos argumentos dos grupos favoráveis (92,9%) do que contrários (0,0%) às cotas raciais. O que parece revelar certa simetria entre os discursos na AP e na mídia telejornalística a respeito do argumento da igualdade material. TABELA 5 - CRUZAMENTO DA UTILIZAÇÃO DO ARGUMENTO DA INCONSTITUCIONALIDADE NO DISCURSO DA AP VARIÁVEL FAVORÁVEL CONTRÁRIO NEUTRO TOTAL AUSÊNCIA 32 (68,1%) 10 (21,3%) 5 (10,6%) 47 (100%) PRESENÇA 0 (0,0) 2 (100%) 0 (0,0%) 2 (100%) TOTAL 32 (65,3%) 12 (24,5%) 5 (10,2%) 49 (100%) O cruzamento da valência do discurso com a variável presença ou ausência do argumento da inconstitucionalidade expõe que, dentre os favoráveis às políticas de cotas, nenhum utilizou a inconstitucionalidade para

defender seu posicionamento. Dos doze indivíduos contrários às cotas, dois usaram tal argumento para deslegitimar essa política, enquanto dez recorreram a outros discursos. Por fim, dos cinco posicionamentos neutros, todos recorreram a outros argumentos. Desta forma percebe-se que o argumento da inconstitucionalidade está mais presente na fala dos grupos contrários do que favoráveis e neutros às cotas raciais. Entretanto, a mídia televisiva veiculou o discurso da inconstitucionalidade associando-o ao posicionamento neutro do ministro relator como revela o enquadramento midiático deste argumento. MÉTODO QUALITATIVO: enquadramento midiático dos argumentos das ações afirmativas. A análise qualitativa do enquadramento midiático das notícias veiculadas pelos jornais Nacional e da Record possibilita diagnosticar avaliações morais diferenciadas com relação ao tratamento dado ao debate da AP pela mídia televisiva. O que permite o emprego de um ou mais dos quatro tipos de enquadramento na análise do relato das mensagens midiáticas, quais sejam: a) episódico; b) plural aberto; c) plural fechado; d) restrito. O primeiro acontece quando há um relato espelhado do evento, não havendo enquadramento interpretativo. Já o enquadramento plural aberto ocorre quando o significado interpretativo do evento apresenta um diagnóstico equilibrado das partes envolvidas no processo. Ao passo que o enquadramento plural fechado privilegia o sentido interpretativo de uma das partes. Por fim, o enquadramento restrito apresenta um único discurso ou viés a respeito do evento ou tema debatido (DOS ANJOS, 2004). A exegese do discurso econômico, racial e da inconstitucionalidade será analisada a luz do enquadramento plural fechado, uma vez que na AP tais argumentos estavam mais presentes nas falas dos grupos favoráveis e neutros, como apontam os dados das tabelas 1, 2 e 5 sobre as cotas raciais, a fim de deslegitimar a tese de que a desigualdade brasileira é econômica e não racial (CAMPOS; DAFLOM; FERES; 2010). Isso porque na mídia televisiva tais discursos apareceram respectivamente apenas sob o viés dos grupos contrários às cotas raciais. Ao passo que o argumento do rendimento acadêmico - IRA será analisado com base no enquadramento plural aberto. Por

fim, o argumento da igualdade material também será visto pelo ângulo do enquadramento plural fechado porque frente ao discurso da inconstitucionalidade o mesmo ganhou pouca visibilidade. O primeiro discurso a ser problematizado é o econômico, que apareceu na mídia televisiva da seguinte maneira: [...] O problema do Brasil, quem é discriminado no Brasil é apenas o negro? O negro é que é o alvo de toda discriminação que nós temos, ou será que o nosso problema é em relação ao pobre? Ou será que o nosso problema é em relação àquele que nada possui independentemente da sua cor? (ex-senador Demóstenes Torres, notícia publicada pelo Jornal Nacional no dia 05 de março de 2010). O argumento da desigualdade econômica proferido pelo ex-senador Demóstenes Torres, autor da ADPF-186, parte da ideia de que as diferenças entre brancos e negros se dão no nível econômico e não racial. Assim como sugere algumas teses acadêmicas sobre a desigualdade racial brasileira (SOUZA, 2005). Entretanto, quando Demóstenes Torres deixa explícito na mensagem acima que o negro é alvo de discriminação, revela a incoerência de seu discurso que parece camuflar o fato de que o negro, além de carregar o estigma do preconceito racial, também convive com a desigualdade econômica. O que é comprovado pelos dados empíricos 1. Assim, quando os telejornais enfatizam o argumento da desigualdade econômica apenas pela visão dos grupos contrários às cotas raciais, eles fortalecem a ideologia da democracia racial, tal como ocorre com os argumentos sobre raça e inconstitucionalidade. Os telejornais veicularam os discursos raciais da seguinte maneira: [...] Raças não existem, cores de pele existem, mas são coisas diferentes e não devem ser confundidas nem misturadas em nenhum tipo de discurso. Praticamente todos os brasileiros têm as três raízes ancestrais presentes no seu genoma (Sérgio Danilo Pena, notícia publicada pelo Jornal Nacional no dia 05 de março de 2010). 1 Essas pesquisas mostram que do total de universitários, 97% são brancos, sobre 2% de negros e 1% de descendentes de orientais. Sobre 22 milhões de brasileiros que vivem abaixo da linha da pobreza, 70% deles são negros. Sobre 53 milhões de brasileiros que vivem na pobreza, 63% deles são negros (DOS ANJOS, 2008, apud PEREIRA, 2009 p. 2)

Ao mencionar as três raízes ancestrais o geneticista reforça o discurso da democracia racial através da prática da mestiçagem e miscigenação incentivada no governo de Getúlio Vargas. A ideologia da mestiçagem e miscigenação foi um constructo político incentivado pelo governo de Getúlio Vargas a fim de fundar a ideia de nação moderna brasileira 2. A miscigenação visava o branqueamento da população negra brasileira (COSTA, 2001). De acordo com essa política, dentro de aproximadamente três décadas a raça 3 negra seria extinta, uma vez que os casamentos inter-raciais produziriam um fenótipo 4 predominantemente branco com o passar dos anos (ROCHA, 2009). Em contrapartida a ideia de mestiçagem correspondia ao sincretismo cultural, permitindo a construção de uma cultura brasileira unificada (COSTA, PINHEL; SILVEIRA, 2012). A ideologia da miscigenação e da mestiçagem foi legitimada pelo campo científico, especialmente através da obra Casa Grande e Senzala, de Gilberto Freyre (2006), que reforça uma imagem idealizada de cultura brasileira unificada, e que está explícita no argumento do geneticista Sergio Danilo Pena quando o mesmo menciona a questão das três raízes ancestrais. Essa imagem idealizada será questionada pelos discursos sobre diversidade, que tem como norte a ideia de equidade que se encontra no fulcro das políticas multiculturalistas quando se esforçam por combinar o reconhecimento cultural e a luta contra as desigualdades sociais (WIEVIORKA, 2002, p.67). A combinação desses dois fatores visa desconstruir a crença ideológica da democracia racial brasileira fundada na ideia de mestiçagem, que desconsidera 2 O discurso erudito da imaginação nacional, para a ideia de Brasil moderno, seria transformar as raças e suas populações mestiças em um único povo (COSTA; PINHEL, SILVEIRA, 2012, p.94) 3 Dentre as teorias que trabalharam o conceito de raça ressalte-se a corrente monogenista e poligenista. A primeira defendia que a humanidade era um gradiente que ia do menos ao mais perfeito. Pertencente a uma mesma espécie, espécie esta que comporta uma hierarquia entre as raças em função de seus diferentes níveis mentais. Ao passo que a teoria poligenista interpretava as raças como pertencentes a diferentes espécies, não redutíveis a uma única humanidade. É nesse ínterim que vigora a concepção de raça de conde Gobineau, que via no Brasil os negros e índios como raças inferiores. A passagem da noção de raça degenerada de conde Gobineau para a celebração da cultura brasileira realizada por Gilberto Freyre na sua vasta obra, o sincretismo cultural termina servindo de modelo à mestiçagem entre famílias de origens étnicas e sociais distintas (COSTA; PINHEL; SILVERA, 2012, p.102). 4 Fenótipo refere-se à aparência, às características manifestas de um organismo, incluindo traços anatômicos e psicológicos, que resultam tanto da hereditariedade quanto do ambiente. (EDUCAFRO, 2003)

a diversidade dentro de cada cultura e não permite que dentro de cada cultura haja resistência, ou seja, diferença (GANDIN; HYPOLITO, 2003). O discurso da diversidade cultural é contestado pelo argumento da inconstitucionalidade. Esse discurso apareceu na mensagem veiculada pelos jornais nacional e da Record da seguinte forma: [...] são critérios inconstitucionais as vagas de reserva, porque são critérios baseados em presunção de necessidade (advogado recorrente, notícia veiculada pelo Jornal da Record em 06 de março de 2010). O argumento da inconstitucionalidade vem acompanhado do discurso da meritocracia. Mesmo implícita a menção desse termo na citação acima, percebe-se que a presunção de necessidade a que o advogado se refere na entrevista é o fato de um aluno que ingressou no vestibular pelas cotas sociais ter preterido a vaga de um aluno da escola privada. Por isso o advogado recorrente afirma que princípios da Constituição Federal estão sendo violados quando a universidade pública privilegia certos grupos em detrimentos de outros. Para ele a violação ocorre porque a Constituição se fundamenta no preceito da igualdade formal que emana do princípio de que todos são iguais, não devendo haver qualquer distinção (PEREIRA, 2009). Os princípios da igualdade formal e do mérito fundamentam a passagem do regime absolutista para o estado democrático moderno. Trabalhando de forma conjunta, os princípios do mérito e da igualdade formal se perpetuam ao longo da história, trazendo em cena discursos conservadores de que as vagas nas universidades tem dono. E a entrada de negros, brancos pobres e indígenas quebra a estabilidade do sistema meritocrático (MEDEIROS, 2009). O argumento da inconstitucionalidade, que traz os discursos de igualdade formal e da meritocracia, está sendo questionado pelo discurso da igualdade material ou de oportunidade. Este foi veiculado na mídia televisiva da seguinte maneira: [...] Você tem que tratar desigualmente os desiguais para lá na frente torná-los iguais (Maria Aparecida Movimento Negro

Unificado - MNU, notícia publicada pelo Jornal da Record em 06 de março de 2010) O enquadramento argumentativo da igualdade material traz em cena o princípio constitucional de que a igualdade sobrepõe à meritocracia. Ou seja, o Estado deve dar oportunidade de condições para que grupos marginalizados sejam tratados com dignidade, uma vez que a dignidade é um valor moral do Estado democrático moderno. Esse argumento parte da ideia de que os afrobrasileiros tiveram sua dignidade diminuída ao longo da história em decorrência do preconceito racial. Por isso a necessidade de políticas de ações afirmativas que possibilitem aos negros ascender na estrutura social a fim de alcançar essa dignidade (FERES; 2006; 2007). Entretanto, o argumento da igualdade material, da maneira como foi veiculado pela mídia, através da fala de senso comum da militante do MNU, não problematiza o conceito de dignidade de forma a legitimar o discurso favorável às cotas raciais. O argumento da igualdade material, apesar da forma como foi veiculado com linguagem truncada -, soma-se ao discurso do IRA. Este foi visibilizado pelo Jornal Nacional da seguinte maneira: [...] um dos dados recentes e mais positivos que podemos trazer para essa audiência é a média de rendimento acadêmico dos nossos cotistas, que é praticamente a mesma dos rendimentos dos estudantes que entraram pelo sistema universal (José Jorge de Carvalho - professor da UNB, em notícia publicada pelo Jornal Nacional no dia 05 de março de 2010). O antropólogo Jose Jorge de Carvalho foi um dos primeiros a defender políticas de ações afirmativas na UNB, após ter acesso ao debate das discriminações positivas na Conferência de Durban, que discutiu a problemática da xenofobia e das desigualdades mundiais (MOYA; SILVÉRIO, 2009). Segundo ele, a universidade pública antes das políticas de cotas refletia a homogeneidade de certos segmentos da sociedade. Por isso a necessidade de políticas de discriminação positiva que valorizem a diversidade brasileira. A análise da implantação de políticas de discriminação positiva mostra, também, que os cotistas raciais tem uma evasão escolar inferior aos não

cotistas, uma vez que valorizam o fato de estudarem em uma universidade pública, fato dito impossível sem as políticas de ações afirmativas (PEREIRA, 2009). A persistência dos cotistas raciais na luta pela conclusão do ensino superior vem acompanhada de dados estatísticos que revelam que os rendimentos acadêmicos dos cotistas raciais e sociais são iguais, e muitas vezes superiores aos alunos não cotistas. O bom desempenho dos cotistas quebra a tese dos grupos contrários às cotas raciais de que alunos cotistas rebaixariam o nível de ensino das universidades fortalecendo o argumento da igualdade material. AÇÕES AFIRMATIVAS: Análise comparativa dos argumentos entre a AP e a mídia televisiva Analisando os dados do debate ocorrido na AP promovida pelo STF e sua veiculação na mídia televisiva podemos diagnosticar três características. São elas: a) a mídia televisiva distorceu os dados da AP ao enfatizar os discursos sobre raça, econômico e inconstitucionalidade, como revelam os dados das tabelas acima mencionadas; b) apresenta uma tímida visão do argumento da igualdade material, que desconstrói a ideologia da democracia racial brasileira fundada na ideia de mestiçagem e miscigenação; c) foca o argumento do IRA, que pouco problematiza e talvez deslegitime as políticas de cotas nas universidades, uma vez que, se considerarmos que os cotistas raciais e sociais apresentam um IRA semelhante ao alunos não cotistas parece que vamos ao encontro do discurso do ex-senador Demóstenes Torres, autor da ADPF-186 que defende que o problema brasileiro é econômico e não racial. Desta perspectiva, observa-se que a mídia televisiva, ao veicular os argumentos das ações afirmativas debatidos na AP, aplica critérios de seleção e exclusão que parecem fortalecer o ponto de vista dos grupos contrários às cotas raciais. Como podemos diagnosticar na AP a maior parcela dos especialistas foram favoráveis às cotas raciais (32 favoráveis às cotas, 12 contrários e cinco neutros). Aqueles enfatizaram o argumento de raça e economia para desmentir a tese de que a desigualdade brasileira é econômica e não racial (SOUZA, 2005), mas nas mensagens midiáticas tais discursos foram visibilizados apenas pela visão de mundo de atores contrários as cotas

raciais (geneticista Sergio Danilo Pena e o ex-senador Demóstenes Torres DEM). Esses dois agentes sociais são contra as políticas de cotas raciais, além de serem os precursores do manifesto intelectual contra as políticas de ações afirmativas para negros juntamente com a ex-primeira dama Ruth Cardoso de Melo. Eles entregaram um abaixo-assinado ao Congresso Nacional em 2006 declarando a inconstitucionalidade das cotas raciais (SILVERIO; MOYA, 2009) alegando ser o problema no Brasil sócio-econômico e não racial, tal como sustentam na ADPF-186. Argumentos que se repetiram na mídia televisiva, que tenderam a enfatizar através da fala dos próprios atores acima mencionados as ideias que legitimam a crença na ideologia da democracia racial O argumento de que a desigualdade brasileira é sobretudo econômica e não racial foi defendido pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso em seminário ocorrido em Brasília em 1996. O seminário sobre ações afirmativas teve como bibliografia principal, dentre outras obras, as literaturas de Antonio Sergio Guimarães e Gilberto Freyre. O ex-presidente FHC abriu a mesa de discussão fazendo um apelo à intelectualidade brasileira a ser criativa na busca de soluções para a problemática da desigualdade histórica brasileira. Segundo o Presidente à época, o Brasil tinha um caso particular de desigualdade histórica, que é incomparável com a experiência do preconceito norte-americano e sul-africano (GRIN, 2001). Por isso era inconcebível importar o modelo de ação afirmativa implantado nos EUA ao contexto social brasileiro. Para apoiar seu discurso utilizou a obra Casa grande e senzala, de Gilberto Freyre, que defende a ideologia da democracia racial que foi reproduzida no enquadramento midiático do discurso sobre raça. Para FHC a obra Casa grande e senzala, ao tocar no problema da raça negra, indígena e portuguesa, deixa explicito que o problema da desigualdade na nação brasileira é um resquício da dicotomia entre povos atrasados e povos civilizados (GRIN, 2001). A cor de pele não seria uma barreira intransponível à ascensão social. Conforme o ex-presidente a desigualdade racial desaparecerá à medida que a nação brasileira se modernizar. Tal argumento expressa a adesão de FHC ao ideal do projeto da ideologia do povo mestiço, aonde o negro - símbolo do arcaico - seria extinto, permitindo o progresso brasileiro. O

discurso de FHC de modernização, que mencionou o problema da desigualdade racial, também se assemelha aos discursos teóricos de Jessé Souza e Florestan Fernandes. Segundo Jessé Souza (2005) os negros e brancos pobres não conseguiram interiorizar os valores morais que emergiram na era moderna, demonstrando que a variável explicativa da desigualdade brasileira é econômica e meritocrática, e não racial. Para ele esse fato revela o processo de exclusão social dos brasileiros pobres de modo geral, independente da cor, tal como defende o ex-senador Demóstenes Torres DEM autor da ADPF-186. A segunda simetria do argumento modernizante de FHC, e que expressa o problema da desigualdade racial brasileira discutida no seminário em Brasília, se refere aos escritos do sociólogo Florestan Fernandes no livro Integração do negro na sociedade de classes. Mas, ao se apropriar dessa literatura para explicitar o problema da nação moderna, o ex-presidente exprimiu uma argumentação confusa e incoerente 5 que revelou a posição conservadora do seu discurso, que se apoia nas políticas públicas de branqueamento. Essa confusão teórica reforça a tese de Hansebald de que a modernização econômica brasileira jamais deletaria o preconceito racial vigente no Brasil (CAMPOS; DAFLON; FERES, 2010). A incoerência do discurso de FHC sobre modernização, vinculada à desigualdade racial, levou o cientista social Antonio Sergio Guimarães, no seminário em Brasília, a criticar os argumentos de FHC (GRIN, 2001). Para isso Sergio Guimarães defendeu a importância da implantação de ações afirmativas fundadas no critério racial. Para esse autor estas são a única via pela qual a desigualdade racial no mercado de trabalho, nas escolas e na publicidade pode ser reduzida. Para ele tais políticas não produziriam a segregação racial entre negros e brancos como nos EUA, como postula FHC, antes permitiria aos afro-brasileiros reconhecer sua identidade racial negra (GRIN, 2001). O reconhecimento da identidade negra possibilita a desconstrução do mito da democracia racial. 5 Essa incoerência foi percebida quando FHC acabou explicitando que o livro de Florestan Fernandes reconhece a desvantagem do negro na engenharia da ideologia da mestiçagem, quando detectou três problemas que impediram a integração do escravo recém-liberto na sociedade moderna: a) herança psicossocial do negro do regime escravocrata; b) o racismo praticado pelos imigrantes brancos brasileiros; e c) a falta de políticas implementada pelo governo para introduzir o escravo recém-liberto na nova lógica do mercado de trabalho (FERNANDES, [1961] 2008).

Segundo Sergio Guimarães a desconstrução do mito da democracia racial engendraria a modernização do Brasil, que FHC tanto defende. Contudo, tal tarefa exigiria num primeiro momento a conciliação das fronteiras entre raça e classe social, diluindo a primeira na segunda, e num segundo momento a conciliação entre raça e cultura criando categorias classificatórias rígidas (GRIN, 2001, p.185). Nesse caminho argumentou que a primeira iniciativa para possibilitar a consciência racial negra no Brasil já foi engendrada com a emergência do discurso do falecido militante negro Abdias do Nascimento, que relaciona classe e raça e que questiona a ideologia da mestiçagem. O segundo passo está sendo dado com a imbricação dos discursos entre raça e cultura, que traz em cena o discurso da diversidade e que coloca o negro como sujeito que necessita de auxílio do Estado para manter-se frente aos brancos (GRIN, 2006). Isso legitima as reivindicações por políticas de ações afirmativas especificas para negros, e que deságua no discurso da igualdade material amplamente discutido na AP, mas timidamente veiculado pelos telejornais através da fala truncada da militante do MNU. O discurso que teve uma interpretação equilibrada entre a mídia televisiva e a AP parece ter sido o discurso do rendimento acadêmico. Na AP a maior parcela dos especialistas defendeu que os níveis das universidades públicas não rebaixaram com a adoção do sistema de cotas raciais. Tal argumento foi veiculado na íntegra pelo Jornal Nacional. Nessa linha, pode-se afirmar a hipótese deste trabalho de que a mídia televisiva enfatizou mais os argumentos contrários (raça e economia) e neutros (inconstitucionalidade), reforçando os discursos da ADPF-186, apesar de na AP terem prevalecido argumentos favoráveis às políticas públicas de recorte racial, como revelam os dados das tabelas 1, 2, 3,4 e 5. Apontamentos finais Após breve retrospecto das discussões sobre a temática racial e sobre as ações afirmativas, análise quantitativa das notas taquigráficas e análise qualitativa do enquadramento midiático do debate das ações afirmativas nas universidades públicas brasileiras na mídia televisiva, verificou-se que os telejornais enfatizaram mais os discursos contrários às cotas raciais, fato oposto ao ocorrido na audiência pública, onde a maioria dos palestrantes

posicionou-se favorável às mesmas (trinta e dois favoráveis, doze contrários e cinco neutros). Além disso, os argumentos contrários às cotas raciais na AP foram desconstruídos pelos argumentos favoráveis às políticas de discriminação positiva. Entretanto, os jornais Nacional e da Record não visibilizaram esses contra-argumentos, mas apenas enfatizaram os discursos contrários. Além disso, verificou-se que alguns argumentos, utilizados nos discursos da AP de modo favorável às cotas, foram enquadrados, em fala de senso comum, de modo a deslegitimar as ações afirmativas, enquanto outros, também favoráveis, ou não foram divulgados pela mídia televisiva, ou foram enfatizados muito timidamente. Em contrapartida, argumentos contrários às ações afirmativas tiveram divulgação e ênfase bastante relevantes, o parece confirmar a hipótese deste trabalho. Referências bibliográficas CERVI, Emerson Urizzi; HEDLER, Ana Paula. Métodos quantitativos na produção de conhecimento sobre jornalismo: abordagem alternativa ao fetichismo dos números e ao debate com qualitativistas. In: XXXII CONGRESSO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO, Curitiba, 2009. Anais do XXXII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação. Curitiba, 2009. Disponível em: < http://www.intercom.org.br/papers/nacionais/2009/resumos/r4-0764-1.pdf>, último acesso em 18/06/2012 COSTA, Sérgio. A mestiçagem e seus contrários: etnicidade e nacionalidade no Brasil contemporâneo. In: Tempo Social Revista de Sociologia da USP. São Paulo: USP, 2001. Disponível em: < http://www.scielo.br/pdf/ts/v13n1/v13n1a10.pdf>, último acesso em 18/06/2012. COSTA, Hilton; PINHEL, André; SILVEIRA, Marcos Silva da. (orgs.) Uma década de políticas afirmativas: panorama, argumentos e resultados. Ponta Grossa: Editora UEPG, 2012. ISBN 978-85-7798-148-9

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