O MITO E A FILOSOFIA O conceito de mito



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Transcrição:

O MITO E A FILOSOFIA O conceito de mito O mito tem várias definições, que variam segundo o autor. Um dos maiores mitólogos do século XX, o romeno Mircea Eliade define assim o mito: A definição que a mim, pessoalmente me parece a menos perfeita, por ser a mais ampla, é a seguinte: o mito conta uma história sagrada; ele relata um acontecimento ocorrido no tempo primordial, o tempo fabuloso do princípio. Em outros temos, o mito narra como, graças à façanha dos Entes Sobrenaturais, uma realidade passou a existir, seja uma realidade total, o Cosmo, ou apenas um fragmento: uma ilha, uma espécie vegetal, um comportamento humano, uma instituição. (Eliade, 1972). Para o antropólogo Claude Levy-Strauss o mito é a história de um povo, é a identidade primeira e mais profunda de uma coletividade que se quer explicar. O mitólogo e antropólogo americano Joseph Campbell escreve que o material do mito é material da nossa vida, do nosso corpo, do nosso ambiente; e uma mitologia viva, vital, lida com tudo isso nos termos que se mostram mais adequados à natureza do conhecimento da época. (Campbell, 1993). Nesta frase de Campbell já temos alguma indicação sobre como devemos encarar os mitos: uma mitologia, ou seja, o estudo dos mitos lida com os mitos nos termos que se mostram mais adequados ao conhecimento de uma época de sua própria época. Exemplo dessa maneira diferente de encarar o mito ao longo da história é que há 250 anos, em um período fortemente influenciado pelo movimento iluminista, os mitos eram pouco valorizados e estudados. Todavia, cerca de cento e poucos anos mais tarde, com o nascimento da sociologia, antropologia e etnografia, vemos que o interesse pelo assunto aumentou, dando-se uma verdadeira corrida às regiões mais afastadas à época, ainda habitadas por culturas originais como a costa leste da América do Norte, a Oceania, a África e a América do Sul para que pudessem ser pesquisados e registrados os mitos destas culturas ditas selvagens. James Frazer, Franz Boas, Bronislaw Malinowsky, Claude Levy-Strauss e Margareth Mead, entre outros, foram os grandes pesquisadores deste período. Seus textos estão disponíveis e serão de grande ajuda para todo estudioso que deseja obter uma compreensão do conceito do mito. Do que expusemos até o momento concluímos que devemos fugir das explicações simplistas do mito, como: ficções construídas para aplacar o medo dos homens primitivos perante os fenômenos naturais, narrativas pré-científicas para explicar o mundo, lendas desenvolvidas pelos sacerdotes para dominar o povo. Estas definições, apesar de tendenciosas, não deixam de ter um fundo de verdade, mas não mostram uma profundidade de análise. Origens da filosofia e sua relação com o mito. Mircea Eliade, em sua obra História das Crenças e das Ideias Religiosas nos dá uma boa indicação do porque do desenvolvimento da filosofia na Antiga Grécia. Segundo Eliade, a religião grega sempre foi um politeísmo, no qual os deuses tinham comportamento parecido aos dos homens; os mesmos desejos, impulsos e emoções, com a diferença de que eram imortais. A religião grega, pelas suas características, nunca chegou a ser uma religião estritamente normativa e ligada a um povo específico (os gregos também dividiam muitos deuses com outros povos), como o foram a religião egípcia e a judaica. Os gregos nunca tiveram um Livro dos Mortos ou um Decálogo. Todavia, os relatos dos bardos entre eles os mais famosos Homero e Hesíodo influenciaram a cultura grega da mesma forma. Não através da criação de leis, impedimentos e sanções, mas através de exemplos da vida dos deuses e dos heróis, a Paidéia, que foram incorporados à cultura grega da poesia às tragédias, da escultura à filosofia. O historiador Werner Jaeger escreve: O testemunho mais remoto da antiga cultura aristocrática helênica é Homero, se com esse nome designamos as duas epopeias: a Ilíada e a Odisseia. Para nós, é ao mesmo tempo a fonte histórica da vida daqueles dias e a expressão poética imutável de seus ideais (Jaeger, 2003). Referindo-se a Hesíodo, Jaeger escreve: O poema de Hesíodo permite-nos conhecer com clareza o tesouro espiritual que os camponeses beócios possuíam, independentemente de Homero. Na grande 1

massa das sagas da Teogonia encontramos muitos temas antiquíssimos, já conhecidos de Homero, mas também muitos outros que nele não apareceram. (Jaeger, 2003). Este o arcabouço cultural da Antiga Grécia. As narrações dos dois poetas eram transmitidas de uma geração à outra, terminando por serem fixadas por escrito em torno do século VIII a.c. Por volta do século VIII a.c. a população na península grega começa a crescer, forma-se as cidadesestados e aumenta o comércio ultramarino. Estabelecem-se as primeiras colônias de mercadores gregos na Jônia região hoje ocupada pela Turquia e na Magna Grécia, a Eléia região onde hoje se o sul da Itália. O comércio a agricultura, a navegação, a construção de canais e de pontes, o contato com outros povos, fizeram com que se formasse nestas colônias gregas uma elite intelectual e econômica, que dominava os mais importantes conhecimentos da época: matemática, astronomia, geometria, línguas estrangeiras, escrita e religiões de outros povos. No plano intelectual, toda esta vasta gama de conhecimentos fez com que jônios e eleatas passassem a encarar o universo de uma maneira diferente. No plano religioso, ainda conheciam as narrativas míticas de Homero e Hesíodo, as registravam e passavam para as gerações posteriores. Mas aos poucos, estas narrativas foram perdendo seu caráter mítico-religioso e mantiveram apenas sua função política de manutenção das tradições cívicas e das instituições das cidades-estados. Dentre esta elite altamente intelectualizada da Jônia e da Eléia, com acesso a todas as novas ideias que circulavam na região do Mediterrâneo à época (já que viviam em cidades cosmopolitas ligadas ao comércio) surge um novo grupo de homens: os filósofos. Estes foram os primeiros a não se utilizarem mais do mito para explicar o mundo e seu surgimento, representando provavelmente o primeiro movimento de laicização da cosmogonia, de tentativa de explicação da origem do universo através de meios racionais evidentemente limitados pelos conhecimentos práticos (científicos?) da época. Estes pensadores, mais tarde conhecidos como pré-socráticos, apresentaram diversas hipóteses para apontar o elemento do qual todo o universo é constituído. As hipóteses variavam da água (Thales de Mileto na Jônia, considerado o primeiro filósofo), para o infinito (Anaximandro de Mileto, introdutor da filosofia na Grécia continental), até os números (Pitágoras de Samos, filósofo da escola eleata). Todos os pensadores pré-socráticos tentam explicar o fundamento último do universo e, em termos atuais, poderiam também ser chamados de primeiros cientistas. Fato mais importante neste estudo é ressaltar a importância do surgimento da filosofia, como primeira tentativa de explicar o mundo à parte do posicionamento definitivo e por vezes impositivo das religiões. Aí, neste momento, tem origem a filosofia e todas as ciências que surgiram posteriormente. Os pensadores pré-socráticos e mesmo pensadores posteriores não estão definitivamente livres do mito. Em sua linguagem e na construção de suas ideias ainda são utilizados termos oriundos do pensamento mítico. Em muitos relatos ainda há aparição de deuses (a deusa que aparece a Parmênides) ou referência a eles. Diferença entre mito e filosofia O mito é um relato que oferece uma explicação definitiva; o mito não precisa de justificativa. Ao contrário, é o mito que justifica uma sociedade, uma cultura, um costume, como vimos acima. Da maneira como é elaborado, o mito não é para ser criticado ou discutido. Da mesma forma, ele não precisa ser apresentado através de argumentações ele simplesmente é comunicado à comunidade por aqueles que se consideram os arautos das Musas ou dos Deuses. Vale aqui lembrar que quando uma religião se apropria do mito; este fica sujeito à crítica e precisa apresentar justificativas. Como exemplo perfeito disto tome-se o mito da Criação e de Adão e Eva. O relato é mais antigo do que o judaísmo. Daí foi incorporado na religião e desde então precisa justificasse, já que faz parte de um "plano" efetivo de Deus para com a humanidade, segundo o discurso religioso. 2

A filosofia é uma narrativa que não oferece uma explicação definitiva, já que a discussão é própria da filosofia. Existem sistemas filosóficos que se pretendiam definitivos; que pretendiam oferecer uma explicação definitiva da realidade. Talvez seja por isso que quase se transformaram em seitas. Outro aspecto é que a filosofia sempre precisa se justificar. O próprio ato de filosofar já implica a apresentação de uma justificativa daquilo que vai ser dito. Por ser um processo baseado na experiência e/ou no raciocínio lógico, a filosofia sempre está sujeita a criticas. Mitologia Grega Antropomórfica e Politeísta Paganismo O mito é uma intuição, uma forma espontânea de situar os seres humanos na sociedade, suas raízes se acham nas explicações simbólicas, de caráter pré-reflexivo, anterior à consciência. A força do mito reside nos sentimentos e nos rituais, de vida e morte. Antes de ser pensado, um mito é vivido, adorado, venerado, sustentado pela força misteriosa da fé. O mito é uma maneira de encontrar a verdade, de ordenar o mundo, conciliar os deuses, os seres e a natureza, garantindo os rituais que mantém os vínculos de uma sociedade e afastam o medo e as incertezas que distanciam os seres humanos. É um modo de apropriação da realidade, com fundamentos na fé, na crença, no rito, na comunhão de sentimentos sobre a origem e o destino de uma comunidade. "O mito guarda uma profunda convicção de uma fundamental e indelével solidariedade da vida, que transpõe a multiplicidade e a variedade de suas formas isoladas. O ser humano mítico não atribui a si mesmo um lugar único e privilegiado na escala da natureza. Se existe algum traço característico e notável do mundo mítico, alguma lei que o governe - é a da metamorfose. Ernest Cassirer in Antropologia Filosófica A Mitologia Grega é objeto da obra de Hesíodo e Homero, que narram desde a origem dos deuses (Teogonia), até fatos heroicos do povo Grego Antigo (Ilíada e Odisseia). São cenas descritas poeticamente, musicadas e cantadas nas festas e acontecimentos cívicos, são representações simbólicas das crenças e valores dos Helenos. Importante é salientar que a Mitologia era a verdade em que muitos Gregos acreditavam e que defendiam com fervor próprio da devoção sincera. A Teogonia de Hesíodo A Genealogia dos Deuses, ou Teogonia narra o surgimento do mundo: No princípio era o Kháos, e dele surgiu Gaia ou Géa (Terra), que gerou por partogênese Urano (Céu Estrelado), Onda do Mar e Eros (o amor primordial). Gaia e seu filho Urano viviam grudados, numa relação sexual constante e ininterrupta. Gaia mantinha as crias em seu útero sem poder gerar, até que seu filho Chronos (Saturno) com uma foice feita por Gaia castrou o pai Urano, que ao ter o membro decepado emitiu um grito descomunal e se apartou de Gaia para sempre, Chronos então libertou os seus irmãos, os Titãs (Oceano, Hipérion, Japeto, Céos, Créos) e Titânidas (Téia, Réia, Têmis, Mnemôsine, Febe e Téis), casando-se com Réia (Cibele), sua irmã, uma Titânida. Das gotas de sangue de Urano nasceram as Fúrias, também conhecidas como Eumênides ou Eríneas: Alecto, Tisífone e Megera (deusas vingadoras ligadas à memória, com cabeças cobertas por serpentes). Do sêmen de Urano caído nas espumas das ondas do mar, nasceu a deusa do amor, Afrodite (Vênus). Urano jogou maldição no filho Chronos (Saturno), dizendo que um de seus filhos também o destronaria, e assim Chronos (o Deus do Tempo) com medo da profecia do pai Urano, devorava todos seus filhos, até que Zeus, o filho caçula, conseguiu escapar, devido a uma artimanha de sua mãe Réia, que entregou, no lugar de Zeus, uma pedra enrolada num manto como se fosse o filho. Chronos engoliu o suposto filho e ficou tranquilo 3

quando a profecia, até o momento em que Zeus, crescido e aliado aos Gigantes (Cem Braços) e Ciclopes, retornou forte para destronar Chronos, libertar seus irmãos e assumir o poder, dando origem à geração dos Doze Deuses do Monte Olimpo, que são: Zeus (Júpiter), Hera (Juno), Hefestos (Vulcano), Atenas (Minerva), Apolo (Febo), Ártemis (Diana), Ares (Marte), Afrodite (Vênus), Héstia (Vesta), Hermes (Mercúrio), Deméter (Ceres) e Posêidon (Netuno). Quando os Gregos forem dominados pelo Império Romano, este passará a incorporar o paganismo Grego, dando outros nomes aos mesmos deuses, nomes estes que estão entre parênteses acima. Zeus (Júpiter em Latim): filho mais novo de Chronos e Réia, seu nome deriva aparentemente de uma raiz, significando "brilhante" e Zeus é o Deus do céu e dos fenômenos atmosféricos, como raios, tempestades (sua ave é uma águia). Zeus também é associado à maior parte dos aspectos da vida humana. Ele teria nascido em Creta e foi trazido para a Grécia escondido, oculto viveu no monte Diete ou no monte Ida, criado numa caverna, foi alimentado pela cabra Amaltéa. A fim de escondê-lo da ira de Chronos, os Curetes abafavam-lhe o choro com seus ruídos rituais. Assim cresceu e se aliou aos gigantes de cem braços e cinquenta cabeças e também aos ciclopes para destronar o pai Chronos, dividindo depois por sorteio com seus irmãos, os domínios que antes eram governados por Saturno: Hades (Plutão) ficou com os Ínferos (mundo inferior), Posêidon (Netuno) com o mar e Zeus (Júpiter) com o mundo dos vivos e com o céu. Zeus é o dispensador do bem e do mal no destino das criaturas humanas. É autor das leis reguladoras do curso dos eventos, conhece o futuro, revelando-o às vezes aos homens por meio de Oráculos. Casado com Hera teve, entretanto muitos outros casos extraconjugais, visando talvez constituir casas reais que dele fossem descendentes: Com Métis, a deusa da sabedoria e da astúcia, teve Atenas, provavelmente uma deusa pré-helênica, conhecida como Minerva entre os romanos, deusa guerreira protetora das artes, da filosofia, da literatura, representada com uma balança da justiça e também. Atenas nasceu quando Hefestos deu uma machadada na cabeça de Zeus, pois este havia engolido Métis grávida e este mito talvez se deva ao desejo de compatibilizar sua existência com o culto dos invasores. A ave de Minerva é a coruja. Zeus teve Perséfone (que será levada pelo Hades) com Démeter (Ceres em latim), com Letó teve Apolo (Febo) e Ártemis (Diana). Com Hera teve Hebe e Ares (Marte). De sua união com Maia, filha de Atlas, nasceu Hermes (Mercúrio). Teve outros filhos com mulheres mortais: com Sêmele teve Dionísio (Baco), este último considerado Deus do Teatro, do vinho, do desregramento, dos êxtases sagrados, da loucura, da desmedida. Zeus é supremo entre os deuses, porém limitado em seu poder universal pelos ditames misteriosos das Parcas ou Moiras, essas sim, forças infalíveis que tecem com fios dourados o destino de todos, inclusive dos próprios deuses. São Elas: Cloto (fuso do nascimento), Láquesis (fia os dias da vida) e Átropos (corta o fio levando à morte). Zeus teve também um filho com Alcmena, seu nome entre os gregos é Héracles (Hércules), este filho bastardo provocou a ira de Hera, que enviou duas serpentes para matar o herói no berço. Hércules valente e forte destruiu-as, cresceu e casou-se com Mégara, uma princesa. Porém um dia num acesso de fúria provocado por Hera, Hércules matou a mulher e seus três filhos. Para expiar o crime, ofereceu seus serviços a Euristeu, que o incumbiu das tarefas arriscadas conhecidas como "Os doze trabalhos de Hércules": 1 - estrangulou o leão de Neméia, de pele invulnerável, que aterrorizava o vale de Neméia, 2 - matou a hidra de Lerna, monstro de muitas cabeças, 3 - capturou viva a Corça de Cerinéia, de chifres de ouro e pés de bronze, 4 - capturou vivo o javali de Erimanto, 5 - limpou os estábulos de três mil bois do rei Augias, da Élida, não cuidados durante trinta anos, 6 - matou com flechas envenenadas as aves antropófagas dos pântanos da Estinfália, 7 - capturou vivo o touro de Creta, que lançava chamas pelas narinas, 8 - capturou as éguas antropófagas de Diomedes, 9 - levou para Edmeta, filha de Euristeu, o cinturão de Hipólita, rainha das guerreiras amazonas, 4

10 - levou para o rei de Micenas o imenso rebanho de bois vermelhos de Gerião, 11 - recuperou as três maçãs de ouro do jardim das Hespérides, por intermédio de Atlas, que sustentava o céu sobre os ombros e executou por ele este trabalho, enquanto Hércules o substituía, 12 - apoderou-se do cão Cérbero, guardião das portas do mundo inferior, de três cabeças, cauda de dragão e pescoço de serpente. Hércules realizou outros atos de bravura e participou da viagem dos argonautas em busca do velocino de ouro. No fim, casou-se com Dejanira, que involuntariamente lhe causou a morte, ao oferecer-lhe um manto impregnado de sangue mortal, que ela acreditava ser o filtro do amor. O corpo de Hércules foi transportado ao Olimpo, onde se reconciliou com Hera e casou-se com Hebe, a deusa da juventude. Guerra de Tróia - 1194 a.c. Narrativa de Homero, a partir da reunião de cantos dos Aedos, Jograis, Rapsodos, gerando a Ilíada (trata do nono ano da guerra entre gregos e Troianos) e a Odisséia (conta as aventuras do herói Ulissez no seu caminho de volta para Ítaca após o término da guerra de Tróia). Foi um pesquisador alemão chamado Heinrich Schliemann (1822-1890) que, seguindo os rastros indicados pelos textos clássicos de Homero, encontrou as ruínas de Tróia, em 1873 d.c. Ulisses, Aquiles, Helena, Menelau, Ifigênia, Príamo, Heitor, Páris, são alguns personagens dessa passagem mítica e suas histórias eram musicadas e cantadas nas festas e celebrações do povo grego. Minotauro (Ilha de Creta) Rei Minos, pai de Catreu, Deucalião, Glauco, Androgeu, Ariadne e Fedra, casado com Pasífae. O Minotauro é gerado como fruto da vingança de Posêidon por Minos não lhe ter sacrificado um touro. Numa tarde quando Pasífae banhava num lago, um touro se aproximou e ela engravidou. Dédalus e seu filho Ícaro vão ser aprisionados no Labirinto de Creta, após a morte do Minotauro pelo herói grego Teseu. Na Grécia Antiga, após a morte, todos tinham que navegar pelos Rios dos Mortos, com Caronte, o barqueiro das almas. Os justos, de vida virtuosa, da bela morte iam para os Campos Elísios (ventos suaves), já os de vida tortuosa, devassos, injustos e principalmente os desprezíveis eram levados ao Tártaro (abismo infinito, sensação de queda constante, tormento eterno e nevoento). O Rei Minos, após sua morte, será um dos juízes do Hades (Plutão), junto com Éaco e Radamanto. Orfeu e Eurídice, mito do músico que vai ao Hades para resgatar sua companheira morta, encanta com sua lira os senhores do mundo inferior e consegue trazer sua amada de volta para a vida, porém com uma única condição, de que ele, durante seu percurso para o retorno ao mundo dos vivos, não olhasse para trás em hipótese alguma. Quando já estavam quase ultrapassando os limites do reino dos mortos, Orfeu olha para Eurídice e esta imediatamente desaparece. Triste e desiludido o herói abandona a convivência com os seres humanos e passa a viver nas colinas, nas montanhas, cantando para as feras selvagens, para os rios e as flores do campo. Um dia, será estraçalhado pelas mulheres da Trácia, terra de Medéia. Mito e Filosofia Tanto o Mito quanto a Filosofia são tentativas de encontrar respostas às mesmas questões, que sempre inquietaram a humanidade: Qual é o sentido da vida? Quem escolhe nosso destino? De onde viemos e para onde vamos? Qual é o papel da nossa vontade? Qual é a origem de cada coisa e qual sua relação com o todo? Onde nasce o poder? E o amor, a felicidade? O que é a vida, a dor a alegria e a morte? As diferenças entre o Mito e a Filosofia estão nos fundamentos de suas explicações: - Mito (mythos) Kósmos (mundo ordenado pela vontade de potências arbitrárias - os deuses) 5

Narrativa, analogia, linguagem simbólica, ritual, ancestralidade, magia, fé, crença, religião, sobrenatural, mistério, transcendente, exterior. O Transcendente designa aquilo que é metafísico, para além da natureza, é superação da matéria. - Filosofia (logos) Phýsis (concepção de uma natureza regulada, controlada por um princípio racional - a arqué). Conceitos, análise, linguagem lógica, reflexão, razão, causa e efeito, "ciência", natural, imanente, interior. O Imanente designa a explicação contida no interior do próprio fenômeno que a gerou. A Filosofia surge como uma forma de conhecimento assentada no uso da razão como recurso para o estabelecimento da verdade. Desligando-se da tradição mítica-religiosa, que aceitava o conhecimento como revelação, o pensamento grego começa a refletir sobre a física (phýsis), passa a buscar na natureza do devir algo que seja permanente, incorruptível, e na metafísica (além da física) busca explicar logicamente o movimento eterno dos astros, com uma forte inspiração no paradigma matemático. Tales de Mileto é considerado o primeiro filósofo grego, pois foi ele quem destacou um princípio gerador primordial e imanente constitutivo de toda matéria, a saber: - a água. 6