A OBRIGATORIEDADE DA EDUCAÇÃO INFANTIL A PARTIR DE QUATRO ANOS: CONTRADIÇÕES NA IMPLEMENTAÇÃO DESSE DIREITO

Documentos relacionados
OFERTA DA EDUCAÇÃO EM CACHOEIRA DO SUL: UM OLHAR SOBRE AS POLÍTICAS PÚBLICAS BRASILEIRAS

O Plano Nacional de Educação. Maria Alice Setubal, educadora e presidente dos conselhos do Cenpec e da Fundação Tide Setubal

PRIMEIRA INFÂNCIA E DIREITO À EDUCAÇÃO

UNIÃO NACIONAL DOS CONSELHOS MUNICIPAIS DE EDUCAÇÃO PROPOSTAS DE EMENDAS AO PL 8.035/2010 PNE 2011/2020

CENPEC SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE EDUCAÇÃO INTEGRAL

CRIANÇA E ADOLESCENTE FORA DA ESCOLA NÃO PODE (EVASAO ESCOLA)

A EDUCAÇÃO ESPECIAL NO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO NO PERÍODO DE 2007 A 2013

ENSINO MÉDIO : Reforma e Tempo Integral. Profa. Cecília Alves BH/MG 18/04/2017

Ministério da Educação

CARTA DE GOIÂNIA - GO

ETAPAS DE ENSINO DICIONÁRIO

A DOCÊNCIA NA EDUCAÇÃO INFANTIL COMO FOCO DE EXPERIÊNCIAS FORMATIVAS NA IMPLEMENTAÇÃO DO PIBID

Maratona SEDF Gran Online. Prof. Carlinhos Costa

Perspectiva para atendimento da Meta 1 do Plano Municipal de Educação de Campinas 2016

Desafios e Oportunidades para o Desenvolvimento da EPT no Brasil até 2024

Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional Lei nº 9394/96. Prof. Carlinhos Costa

AULA 03 ROTEIRO CONSTITUIÇÃO FEDERAL ART. 5º; 37-41; ; LEI DE 13/07/1990 ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE E C A PARTE 03

RESULTADOS ESCOLARES NO MUNICÍPIO DE NOVA IGUAÇU: DESAFIOS DO IDEB NA PERIFERIA DA REGIÃO METROPOLITANA DO RIO DE JANEIRO.

EFETIVIDADE DE POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A EDUCAÇÃO DO CAMPO. Eixo Temático: Política Pública da Educação e da Criança e do Adolescente.

AMPLIAÇÃO DO ENSINO FUNDAMENTAL NA EDUCAÇÃO MUNICIPAL EM PALMAS: DOCÊNCIA, GESTÃO, POLÍTICA, LEGISLAÇÃO

(Projeto de Lei nº 415/12, do Executivo, aprovado na forma de Substitutivo do Legislativo) Aprova o Plano Municipal de Educação de São Paulo

em 2013 e, no Fundamental II, de 5,0 em 2011 para 4,7 em Com esses índices em decréscimo fica evidenciada a falta de investimento na qualidade

Programa Nacional de Reestruturação e Aparelhagem da Rede Escolar Pública de Educação Infantil;

PREFEITURA MUNICIPAL DE BRUMADO ESTADO DA BAHIA CNPJ/MF Nº / Praça Cel. Zeca Leite, nº. 415 Centro CEP: Brumado-BA

Organização dos Estados Ibero-americanos Para a Educação, a Ciência e a Cultura MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO FUNDO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO DA EDUCAÇÃO

ANEXO III CRITÉRIOS PARA ORGANIZAÇÃO DE TURMAS

Art O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;

CIRANDA DA EDUCAÇÃO CONQUISTA D OESTE CONSELHO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO CONQUISTA D OESTE

Seminário sobre LDB da Educação Nacional TALITA CRISTINI BATISTA LOPES MARIANA DA COSTA LOUREIRO COTOVICZ

EXPECTATIVA DAS FAMÍLIAS EM RELAÇÃO AO ATENDIMENTO NA INSTITUIÇÃO DE EDUCAÇÃO INFANTIL.

Aprendendo a ser Enfermeira Pediátrica. P rofª Graça P i menta UCSal

Os Desafios do Plano Nacional de Educação

RESOLUÇÃO SME Nº 1369, DE 12 DE NOVEMBRO DE 2015 (publicado no DO de 13/11/2015)

O Plano Nacional de Educação PL. 8035/2010 Perspectivas, Desafios e Emendas dos/as Trabalhadores/as em Educação

SANDRO ALEX ROSA ALVES

Consultoria de Orçamento e Fiscalização Financeira

Política Nacional de Educação Infantil

OS DESAFIOS DA OFERTA E EXPANSÃO DO TEMPO INTEGRAL NOS MUNICÍPIOS DA GRANDE VITÓRIA Telmy Lopes de Oliveira UFES/IESC/CAPES

1 Verificar num primeiro momento as ações para cumprimento das Metas/estratégias com prazo definido para 2015;

Art A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno

PARECER Nº, DE RELATOR: Senador WILSON MATOS

Políticas Públicas Caminhos para a EaD

Tensões, perspectivas e desafios do ensino médio no brasil: entre a obrigatoriedade e a evasão escolar.

O SECRETÁRIO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO E CULTURA DE TANQUE NOVO, ESTADO DA BAHIA, usando de uma das suas atribuições que lhes são conferidas por lei, e

REPUBLICA FEDERATIVA DA BRASIL ESTADO DO RIO DE JANEIRO PREFEITURA MUNICIPAL DE GUAPIMIRIM

Consulta Publica Plano Municipal de Educação

Limites e possibilidades de uma política pública de avaliação da educação profissional e tecnológica na perspectiva emancipatória

CURIOSIDADES. VOCÊ SABE O QUE TEM EM COMUM TODOS ESSES PROJETOS DE LEI (PL)? Projeto de Lei

O PROCESSO DE EXPANSÃO DA EDUCAÇÃO SUPERIOR NO BRASIL: ALGUNS DADOS e

Avaliação da Execução das Metas dos Planos de Educação. Leo Arno Richter

Lei de Diretrizes e Bases

BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR

A partir da década de 1990, no Brasil e no mundo, o paradigma tende a ser deslocado da integração para a inclusão. A Educação Inclusiva surgiu, e vem

Políticas Públicas para Educação Profissional e Tecnológica (EPT) no Brasil

CARTA DE BRASÍLIA EM DEFESA DA APRENDIZAGEM

Programa Novo Mais Educação: novas perspectivas para a ampliação dos tempos e espaços na escola

EDUCAÇÃO INFANTIL: DOS MARCOS REGULATÓRIOS À POLÍTICA PÚBLICA DE FORMAÇÃO DOCENTE

LDB Introdução. Conceito de Educação 12/07/2017

AVALIAÇÃO ESCOLAR QUESTÕES DE PROVAS DE CONCURSOS PÚBLICOS DO MAGISTÉRIO

EMENDAS AO PLANO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO MANDATO COLETIVO TARCÍSIO MOTTA

PROPOSTAS DO GT EDUCAÇÃO AOS CANDIDATOS E CANDIDATAS A PREFEITO(A) DE SÃO PAULO

Inclusão e Educação Infantil: perspectivas curriculares

A EDUCAÇÃO INCLUSIVA NO INTERIOR DO RIO DE JANEIRO

DOCUMENTO PARA AS PRÉ-CONFERÊNCIAS MUNICIPAIS DE EDUCAÇÃO DE RIO CLARO: BASE PARA A CONAE / 2010

O INGRESSO DA CRIANÇA DE 6 ANOS NO ENSINO FUNDAMENTAL DE NOVE ANOS NO MUNICÍPIO DE DOURADOS/MS. Resumo

III Encontro Estadual do Proinfância Bahia (MEC UFBA) A Educação Infantil no Estado da Bahia: os desafios estão postos! E o que estamos fazendo?

Mauro Luiz Rabelo Decano de Ensino de Graduação Universidade de Brasília

Consultoria Legislativa Quadro Comparativo Plano Nacional de Educação

O DIREITO À EDUCAÇÃO INFANTIL NA LEGISLAÇÃO ATUAL. Palavras-chave: direito à educação. Educação infantil. Previsão legal. Período integral.

Diagnóstico da Educação Básica no Ceará Secretaria de Estado da Educação

Os números do processo de inclusão no município de Pelotas (RS)

MEDIDA PROVISÓRIA nº 746 de 2016

SALA DE RECURSOS MULTIFUNCIONAIS

PROGRAMA DE DISCIPLINA

ESTADO DA BAHIA Prefeitura Municipal de Araçás Praça da Matriz, Nº 160. Centro. CEP: Tel: (75) / Araçás BA PORTARIA Nº 004/2015

Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional 9.394/96

NOTA TÉCNICA Nº 006/2009

RESUMO DO DIÁRIO PUBLICAMOS NESTA EDIÇÃO OS SEGUINTES DOCUMENTOS:

PREFEITURA MUNICIPAL DE COCAL PI SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO CNPJ: /

ORIENTAÇÕES PARA A MATRÍCULA ANO LETIVO 2016 NAS UNIDADES EDUCACIONAIS DA REDE PÚBLICA MUNICIPAL EDITAL DE MATRÍCULA 01/15

Fonte [1] A LDB, nos artigos 22 a 38, detalha no Capítulo II a Educação Básica (EB), a qual, consoante o art. 22, objetiva, in verbis, (...) desenvolv

A DISCIPINA DE SOCIOLOGIA E A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL

EDUCAÇÃO INFANTIL: PLANEJANDO A PRÓXIMA DÉCADA

Implantação do Turno Único nas escolas municipais do Rio de Janeiro. Leandro Gomes Souza Instituto Pereira Passos

O Novo Plano de Ações Articuladas

ESCOLAS DE EDUCAÇÃO BÁSICA, NA MODALIDADE EDUCAÇÃO ESPECIAL PARECER Nº 07/14 - CEE INÊS ROSELI SOARES TONELLO

POEB - POLÍTICAS E ORGANIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA

construindo uma agenda

03/04/2017. Departamento de Psicologia Psicologia da Aprendizagem aplicada à área escolar Profª Ms. Carolina Cardoso de Souza

Políticas públicas para a primeira infância: em foco os direitos fundamentais das crianças

PLANOS MUNICIPAIS DE EDUCAÇÃO Expectativas, Desafios e Acompanhamentos

FUNDEB: O QUE MUDA NO FINANCIAMENTO DA EDUCAÇÃO BÁSICA NA REDE MUNICIPAL DE ENSINO DE ANÁPOLIS

ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA PARA SURDOS: DEFINIÇÃO DE ETAPAS PARA A PRODUÇÃO DE TEXTO ARGUMENTATIVO

EDUCAÇÃO EM TEMPO INTEGRAL Financiamento e Condições de Qualidade das Escolas Públicas da Rede Municipal de Ensino de Curitiba

Palavras-chave: Educação Escolar Indígena. Currículo Diferenciado. Escolas Indígenas de Manaus.

PRÁTICA PROFISSIONAL E DASAFIOS DO COTIDIANO NO CREAS CRIANÇA E ADOLESCENTES (SENTINELA) NO MUNICIPIO DE PONTA GROSSA

PREFEITURA MUNICIPAL DE PORTO ALEGRE SISTEMA MUNICIPAL DE ENSINO CONSELHO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO

ESTUDO SOBRE O PLANO DE CARGOS, CARREIRA, REMUNERAÇÃO E VALORIZAÇÃO DOS PROFISSIONAIS EM EDUCAÇÃO DA REDE PÚBLICA MUNICIPAL DE SOSSEGO PB

EDUCAÇÃO INTEGRAL: O PROGRAMA MAIS EDUCAÇÃO EM DEBATE

Transcrição:

GT07 Educação de Crianças de 0 a 6 anos Pôster 618 A OBRIGATORIEDADE DA EDUCAÇÃO INFANTIL A PARTIR DE QUATRO ANOS: CONTRADIÇÕES NA IMPLEMENTAÇÃO DESSE DIREITO Edmilson Ferreira - UFRJ Rejane Costa - UFRRJ/UNIRIO Resumo No atual cenário da educação brasileira, verifica-se uma grande discussão acerca da necessidade de políticas públicas para Educação Infantil que possa garantir a qualidade dessa etapa. Nesse panorama, encontra-se a expansão atual da Educação Infantil no município do Rio de Janeiro fomentada pela Lei nº 12.796, de 4 de abril de 2013que dispõe sobre as alterações sofridas pela Lei de Diretrizes e Base da Educação, uma delas, a obrigatoriedade escolar para as crianças de quatro anos de idade. Garantir vagas na Educação Infantil, agora, não é somente obrigatório ao Estado, mas também às famílias, a matrícula das crianças pequenas. No entanto, vamos encontrar contradições na implementação dessa nova ordem legal. A análise das entrevistas identificou, na visão dos atores envolvidos, as concepções teóricas e práticas no contexto da efetivação desse direito. Para o levantamento dos dados, foram feitas observações, análises bibliográficas e entrevistas gravadas com as profissionais. Há muitas nuances por trás da obrigatoriedade, há muitos riscos e desafio que advêm de tal proposta, desde a criação de vagas em um tempo relativamente curto até as questões curriculares. Palavras-chave: educação infantil; lei nº 12.796/2013; obrigatoriedade.

2 Introdução A partir dos direitos das crianças e adolescentes firmado na Constituição de 1988, o Estado brasileiro foi sendo organizado através de leis infraconstitucionais de forma a garantir um novo projeto de nação. No bojo dessas mudanças, está uma nova percepção sobre a infância e a adolescência, agora portadora de direitos e de proteção social equitativa garantida pela legislação. Recentemente, em 2009, foram reelaboradas as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (DCNEI) com uma perspectiva na especificidade das crianças pequenas na promoção de seus valores culturais. E, finalmente, a Lei 12.796, de 4 de abril de 2013, que dispõe sobre as alterações sofridas pela LDB, uma delas, a obrigatoriedade escolar para as crianças de quatro anos de idade. Ofertar vagas na Educação Infantil passou a não ser obrigatório somente ao Estado, mas também, às famílias matricularem as crianças. Diante dessa legislação que obrigada a matrícula das crianças a partir de 4 anos, levantam-se alguns questionamentos: como as prefeituras estão conseguindo atender a demanda? Como têm se organizado para isso? Para refletir sobre essas indagações, fomos a uma unidade de atendimento no município do Rio de Janeiro, o Espaço de Desenvolvimento Infantil (EDI) Joel Luiz de Azevedo Bastos localizado no Morro da Fé, que integra o Complexo da Penha, considerada uma das comunidades mais populosa do Rio de Janeiro. Esse EDI oferece atendimento a crianças de 6 meses a 5 anos e 11 meses, possuindo capacidade para atender até 200 crianças. Desde sua inauguração até o ano de 2016, foram ofertadas vagas desde o berçário de seis meses até a pré-escola de cinco anos. É a única instituição pública municipal na região que oferece vagas para o berçário na faixa etária de 6 meses. Os gráficos abaixo representam a evolução anual do número de turmas por grupamento e no seguinte o número de crianças atendidas por grupamento:

3 QUADRO 1 EVOLUÇÃO DO NÚMERO DE TURMAS POR GRUPAMENTO ANUALMENTE 12 10 8 6 4 2 0 2012 2013 2014 2015 2016 TURMAS DE BERÇÁRIO TURMAS DE MATERNAL TURMAS DE PRÉ-ESCOLA QUADRO 2 MATRÍCULAS POR GRUPAMENTO 120 100 80 60 40 20 0 2012 2013 2014 2015 2016 BERÇÁRIO MATERNAL PRÉ-ESCOLA Há pelo menos duas questões importantes que emanam da análise da organização das turmas e ofertas de vagas na instituição estudada. É possível verificar a diminuição de turmas de Berçário e o aumento progressivo de turmas de pré-escola. Isso demonstra a preocupação com a pré-escola em detrimento do segmento berçário. Ao estruturar a acomodação das crianças de 4 e 5 anos, o berçário perdeu espaço e a pré-escola foi priorizada. Já o fato de as turmas de pré-escola estarem sendo atendidas em horário parcial denota a intencionalidade de abrir um maior número de vagas nesse segmento, de modo a acomodar mais crianças e atender a obrigatoriedade da matrícula a partir dos 4 anos de idade. O que nos aponta para contradições na implantação da Lei. Se por um lado, essa

4 expansão garante a efetivação desse direito, por outro, a integralidade apontada pelo Plano Nacional de Educação (PNE) fica cada vez mais distante da realidade da educação do município do Rio de Janeiro: Meta 6: oferecer educação em tempo integral em, no mínimo, cinquenta por cento das escolas públicas, de forma a atender, pelo menos, vinte e cinco por cento dos(as) alunos(as) da educação básica (BRASIL, 2014). O quadro abaixo demonstra o quantitativo de turmas atendidas em horário integral e em horário parcialdesde a inauguração da instituição no ano de 2012 até o ano de 2016: QUADRO 3 NÚMERO DE TURMAS ATENDIDAS EM HORÁRIO INTEGRAL E EM HORÁRIO PARCIAL 9 8 7 6 5 4 3 2 1 0 2012 2013 2014 2015 2016 HORÁRIO INTEGRAL HORÁRIO PARCIAL O PNE orienta e tem como meta a expansão do horário integral e não o retrocesso disso, como é possível observar no EDI Joel Luiz, que no seu primeiro ano de funcionamento tinha todas as suas turmas em horário integral. O horário de atendimento parcial é somente nas turmas de pré-escola, acomodando um número maior de crianças. Assim, ao invés de atender duas turmas de pré-escola em horário integral com 25 crianças cada, totalizando 50 crianças, são atendidas quatro turmas de horário parcial de 25 crianças cada, totalizando 100 crianças. A prefeitura do Rio de Janeiro divulgou em propagandas de rádio e televisão o atendimento em horário integral, o que não está ocorrendo. A Diretora Adjunta explicita a dificuldade que encontra no seu dia a dia em constantemente ter que explicar por que a instituição não atende a todas as turmas em horário integral. Isso fica mais desgastante quando há irmãos que ficam em horário integral e parcial. Nesta situação a família precisa encontrar estratégias para ir pelo menos três vezes ao dia levar e buscar as crianças.

5 As turmas de Maternal e Berçário continuam em horário integral. Esta situação cria um cenário local em que a modalidade creche possui uma demanda maior que a oferta de vagas, sendo o fila de espera do Berçário a maior, em janeiro de 2016 havia 127 crianças. A pré-escola é aquela que mais ampliou o número de crianças matriculadas e o berçário aquele com menor número. Ainda que com atendimento parcial ou já integral, como é almejado pela legislação vigente, o fato é que sobre as crianças de 4 anos recai agora a obrigatoriedade em frequentar um ambiente escolar. E, diante do quadro recente que se apresenta na EI no município do Rio de Janeiro, com apostilas, provas e promoção, parece estar sendo construído um caráter introdutório da educação regular. Uma professora relatou a orientação da Coordenadoria Regional de Educação para que as crianças de 5 anos, que fizessem aniversário entre 01 de abril de 2016 a 30 de junho de 2016, fossem submetidas a uma avaliação diagnose para avaliar a maturidade e o desenvolvimento para promoção ao 1º ano em 2016.Tal fato contraria as DCNEI que explicitam acerca da avaliação: as instituições de Educação Infantil devem criar procedimentos para acompanhamento do trabalho pedagógico e para avaliação do desenvolvimento das crianças, sem objetivo de seleção, promoção ou classificação (BRASIL, 2010, p. 29). Aplicar uma avaliação, como a aqui descrita, é apenas selecionar os que cumprem a atividade, classificar como aptos e não aptos e promover para o 1º ano os aptos. Há muitas nuances e contradições por trás da obrigatoriedade, há muitos riscos e desafios que advêm de tal proposta, desde a criação de vagas em um tempo relativamente curto até as questões curriculares. Não parece homogênea também a impressão da comunidade com relação à matrícula de seus filhos pequenos em instituições de educação. O cenário anterior à Lei 12.796/2013 já apontava para uma obrigatoriedade do Estado em prover o atendimento desde a creche para aqueles que desejassem e precisassem, mas tal expectativa ainda hoje não foi efetivada. Metodologia Os instrumentos para a obtenção dos dados abrangeram observações, registros em diário de campo e entrevistas. Na análise documental, trabalhamos com documentos oficiais voltados para a Educação Infantil (EI), elaborados pelo Ministério da Educação (MEC) e pela Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro (SME-RJ). A pesquisa

6 empírica foi realizada em duas etapas, sendo a primeira constituída por observações e registros e a segunda por entrevistas com alguns atores da comunidade escolar. Considerações Finais Refletir sobre a educação pública e gratuita brasileira é pensar em um modelo que está em construção, que teve seus avanços e recuos, e que tenta ampliar o acesso e a melhoria do que é ofertado. Em uma sociedade tão marcada pela exclusão e pelo difícil acesso a bens básicos de bem-estar, a educação de qualidade para todos ainda se apresenta como utopia. A utopia aqui é a crença em um caminho a ser percorrido com lutas, avanços, retrocessos e ajustes. Tal como é o caminho da EI no Brasil. Ainda que tenhamos avançado na normatização do direito à educação pública e gratuita desde a creche até o Ensino Médio, permanece uma defasagem entre a oferta e a demanda. Há ainda filas de espera por vagas, principalmente na modalidade creche, e que parece ter sido intensificado com a obrigatoriedade da pré-escola, o que viola o direito das crianças garantido na Constituição Federal. Para atender o maior número de crianças na pré-escola foi necessário reduzir o horário, uma economia na expansão da rede. Ao invés de mais escolas, é utilizada a lógica da otimização do espaço, menos tempo de permanência, mais crianças se revezando no uso do mesmo espaço. As análises aqui empreendidas, também indicam omissões do poder público na condução das políticas para a educação das crianças pequenas. De acordo com as falas e a descrição do atendimento, a implantação da obrigatoriedade da matrícula na modalidade pré-escola vem se sobrepondo ao direito de acesso à creche. A pré-escola, ao alcançar o patamar de obrigatória, tornou-se por isso prioritária, enquanto que a creche, por não ser obrigatória, parece perder em muito sua relevância. Por fim, este trabalho chama a atenção para uma prática que tem sido fomentada pela SME, com uso de cartilhas que propõem exercícios de alfabetização e escrita, antecipando a escolarização das crianças pequenas. Porém, mais grave ainda foi o apontamento de uma prática de avaliação para fins classificatórios, o que contraria em todos os aspectos as DCNEI e o que tem sido construído de conhecimento para valorização da cultura infantil. O que aqui foi descrito representa apenas uma das múltiplas realidades existentes na EI do município do Rio de janeiro, não pretendendo ser um trabalho conclusivo, mas

7 sim ensejar novas reflexões sobre como os espaços públicos para as crianças pequenas estão se organizando a partir das demandas legais. Referências Bibliográficas BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988. Lei 8.069 de 13 de julho de 1990.Estatuto da Criança e do Adolescente. Brasília, DF, 1990. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Brasília, DF, 1996. Lei nº 12.796, de 4 de abril de 2013. Altera a Lei n o 9.394/1996, dispondo sobre obrigatoriedade da matrícula a partir dos 4 (quatro) anos de idade. Brasília, DF, 2013. Lei nº 13.005, de 25 de junho de 2014. Plano Nacional de Educação (PNE). Plano Nacional de Educação 2014-2024. Brasília: Câmara dos Deputados, Edições Câmara, 2014. BRASIL, MEC/SEB.Diretrizes curriculares nacionais para a educação infantil. Secretaria de Educação Básica. Brasília, DF: MEC, SEB, 2010. NUNES, Maria Fernanda Rezende. Educação infantil: instituições, funções e propostas. In: CORSINO, Patrícia (org.). Educação Infantil: cotidiano e políticas. Campinas, SP: Autores Associados, 2009, p. 33-48. SILVA, Maria Breatriz G.; FLORES, Maria Luiza R. Articulações e Tensões entre a Educação Infantil e o Ensino Fundamental: análise a partir do contexto recente das políticas educacionais brasileiras. Porto Alegre RS; UFRS; 2012.