ANÁLISE DE ÁREAS DE RISCO GEOMORFOLÓGICO EM SANTA MARIA-RS: O CASO DO MORRO CECHELA

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Transcrição:

ANÁLISE DE ÁREAS DE RISCO GEOMORFOLÓGICO EM SANTA MARIA-RS: O CASO DO MORRO CECHELA Ana Paula DAL ASTA 1 Bernadete Weber RECKZIEGEL 2 Luis Eduardo de Souza ROBAINA 3 RESUMO A expansão da fronteira urbana, sem critérios técnicos adequados, associada à segregação sócio-espacial na sociedade capitalista, impulsionaram a ocupação desordenada de áreas geomorfologicamente frágeis ao uso urbano. Esse processo de ocupação do espaço tem gerado resultados negativos, como é o caso da instalação de áreas de risco geomorfológico. Na cidade de Santa Maria as áreas de risco geomorfológico mais significativas ocorrem associadas à ocupação das margens da rede de drenagem, sujeitas a inundações/alagamentos e à erosão das margens dos canais fluviais. As encostas encontram-se ainda com baixa ocupação urbana, mas se configuram como vetores da expansão irregular da cidade e, conseqüentemente, como áreas de risco potencial. Nesse contexto, o presente trabalho busca analisar a ocupação urbana da Vila Bela Vista, localizada na vertente oeste do Morro Cechela, na porção Nordeste da cidade de Santa Maria/RS, identificando e caracterizando as moradias que estão em situação de risco geomorfológico associado à dinâmica de encosta. A identificação das moradias em situação de risco foi realizada através de saída de campo, onde foram observados parâmetros antrópicos e naturais associados ao desenvolvimento de processos de dinâmica superficial, como cortes e aterros na vertente e proximidade das moradias, cicatrizes de movimentos de massa, a composição do solo, a presença de raízes de árvores expostas devido à erosão, além da inclinação das vertentes. A ocupação ocorre sobre depósito de colúvio e rejeito da pedreira instalada na área e que encontra-se desativada. O colúvio corresponde ao material depositado ao pé das encostas. É bastante instável devido sua heterogeneidade, uma vez que as partículas constituintes possuem diferentes resistências e características estruturais. Na análise geral da Vila observa-se que grande parte das moradias instaladas apresentam algum tipo de proteção, como muros de pedra, e estão construídas distantes do corte. Além disso, é comum a proteção da vertente com gramíneas, minimizando, assim, a ação da erosão e o desencadeamento de movimentos de massa localizados. As moradias em risco elevado estão definidas em duas situações: a primeira associada a cortes na vertente e uma segunda junto à estrada de ferro. Dessa forma, sete moradias estão em situação de risco elevado, das quais quatro estão junto ao corte da ferrovia, na base do morro, e o restante na meia-encosta do morro. Os riscos são identificados pela possibilidade de movimentos de massa localizados induzidos pela ação antrópica como cortes e pelo aumento da ação erosiva de blocos e árvores na encosta. A análise permite identificar as prioridades da ação do poder público que se constituem em assentamentos e fiscalizações a fim de impedir o adensamento. INTRODUÇÃO Após a Revolução Industrial a ação antrópica no meio natural teve um aumento significativo. Uma das conseqüências da interferência do homem no meio é a alteração dos processos de 1 Acadêmica do curso de Geografia Universidade Federal de Santa Maria. apdalasta@yahoo.com.br 2 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Geografia UFSM. bernadetewr@yahoo.com.br 3 Prof. Depto. de Geociências Universidade Federal de Santa Maria. lesro@hanoi.base.ufsm.br 896

dinâmica superficial que modelam o relevo, como é o caso da intensificação dos processos erosivos e dos movimentos de massa em áreas de encostas. A expansão da fronteira urbana sem critérios técnicos adequados, associada à segregação sócio-espacial na sociedade capitalista, impulsionaram a ocupação desordenada de áreas geomorfologicamente frágeis ao uso urbano. Esse processo de ocupação do espaço tem gerado resultados negativos, como é o caso da instalação de áreas de risco geológico - geomorfológico. Entre os processos de dinâmica superficial desencadeadores de risco encontram-se as inundações/alagamentos, as erosões de margem de canais fluviais e os diversos tipos de movimentos de massa. Quando esses processos ocorrem em áreas densamente ocupadas, causam inúmeros prejuízos, tanto sociais quanto econômicos, podendo até ocasionar perdas de vida humana. Segundo Robaina et al (2001) na cidade de Santa Maria as áreas de risco geomorfológico encontram-se relacionadas a três processos: as áreas sujeitas aos processos de dinâmica fluvial, como é o caso das inundações, dos alagamentos e das erosões de margem, associadas às bacias hidrográficas dos arroios Cadena, Ferreira e Vacacaí Mirim; as ocupações estabelecidas nas encostas da Serra Geral, na porção norte da cidade, que estão sujeitas a movimentos de massa; e as ocupações junto às cabeceiras de drenagem dos arroios Cadena e Ferreira, onde ocorrem processos erosivos acelerados, com ocorrência de voçorocas próximas à moradias. Desses processos, o que tem gerado maiores preocupações, devido ao maior número de pessoas afetadas, são as ocupações nas margens dos arroios Cadena e Vacacaí Mirim, sujeitas a inundações e à erosão das margens dos canais fluviais. As cabeceiras de drenagem e as áreas de encosta encontram-se ainda com baixa ocupação urbana, porém se configuram como vetores da expansão irregular da cidade e, conseqüentemente, como áreas de risco potencial. O Laboratório de Geologia Ambiental da Universidade Federal de Santa Maria realiza pesquisas relacionadas a áreas de risco geomorfológico na cidade de Santa Maria desde 1995. Dentre os trabalhos realizados cabe destacar os estudos realizados na bacia hidrográfica do arroio Cadena (Berger, 2001; Cristo, 2001; Oliveira, 2004; Scariot, 2004), na vila Bilibiu (Robaina et al, 1997), na vila Urlândia (Cristo, 1999), na Nova Santa Marta (Oliveira et al., 2003; Reckziegel et al. 2005); e nas bacias dos arroios Cancela e Sanga do Hospital (Reckziegel et al., 2004). Nesse sentido, o presente estudo buscou analisar a ocupação urbana da vila Bela Vista, localizada na vertente oeste do Morro Cechela, na cidade de Santa Maria/RS. O objetivo principal do trabalho foi identificar e caracterizar as moradias que estão em situação de risco geomorfológico associado à dinâmica de encosta, a partir da definição de risco proposta por Cerri (1999, p.135) como uma situação de perigo, perda ou dano, ao homem e suas propriedades em razão da possibilidade de ocorrência de processos naturais. A escolha desta área de estudo ocorreu devido ao morro Cechela constituir-se num vetor de crescimento urbano irregular e de adensamento populacional e, devido as características naturais, ser uma área vulnerável aos processos de movimentos de massa desencadeadores de situações de risco. Apesar de a vila Bela Vista apresentar uma ocupação pouco adensada já ocorrem moradias em situação de risco elevado. LOCALIZAÇÃO E CARACTERIZAÇÃO DA ÁREA DE ESTUDO A cidade de Santa Maria localiza-se na região central do estado Rio Grande do Sul e possui uma população de aproximadamente 250.000 habitantes, dos quais 95% residem na área urbana (FEE, 2004). 897

No contexto urbano de Santa Maria, a área de estudo compreende a Vila Bela Vista localizada no bairro Itararé, na porção nordeste da cidade, entre as coordenadas 53 47 06 e 53 47 37 de longitude oeste e 29 40 35 e 29 39 53 de latitude sul (Figura 1). Figura 1: Localização da área de estudo Geomorfologicamente a vila Bela Vista situa-se na base e na meia encosta da vertente oeste do morro Cechela. O morro Cechela situa-se no Rebordo do Planalto Sul- Riograndense, numa área de transição entre o Planalto e a Depressão Periférica, sendo considerado um morro testemunho, uma vez que, constitui-se num testemunho da antiga posição do Planalto. O morro apresenta declividade média superior a 30% e amplitude altimétrica de, aproximadamente, 120 metros de altura, sendo que, a base situa-se na cota altimétrica de 140 metros e o topo a 260 metros. Com relação ao substrato geológico, o Morro Cechela é formado por arenitos eólicos da Formação Botucatu e arenitos fluviais da Formação Caturrita, na base, e rochas vulcânicas da Formação Serra Geral, no topo. O arenito Botucatu representa seqüências eólicas e a Formação Caturrita apresenta-se com fácies arenosas de origem fluvial. Conforme Maciel Filho (1990), o arenito Botucatu possui comportamento geotécnico que varia desde rocha dura e muito abrasiva, em locais próximos do topo e junto à escarpas, até arenito brando e areia com pouca coesão, quando alterado. Nas partes litificadas, possui alta resistência à erosão, porém essa resistência é baixa nas partes alteradas e de solo residual. Os arenitos da Formação Caturrita apresentam resistência à erosão, normalmente, 898

baixa, principalmente quando o solo superficial é retirado, provocando o avanço rápido da erosão com a formação de sulcos no terreno. Os problemas geotécnicos estão associados, principalmente, à possibilidade de escorregamento e de queda de blocos de rochas. No morro Cechela as vertentes íngremes apresentam rochas expostas, onde a ação da água nas fraturas das rochas pode desencadear tombamentos e quedas de blocos. Já nas porções mais baixas da vertente ocorrem depósitos de colúvio e depósitos de rejeito sujeitos à escorregamentos. Na vertente oeste também encontra-se uma pedreira de extração de basalto, hoje desativada. O abandono da lavra, quando da proibição, na década de 70, de pedreiras em áreas urbanas, fez com que as áreas próximas à extração, com substrato composto por material de rejeito da pedreira fossem ocupadas irregularmente por famílias de baixa renda. De maneira geral, a ocupação é mais densa na base do morro, mas estende-se até, aproximadamente, 240 metros, na meia encosta. A porção situada mais próxima do topo ainda não está ocupada e encontra-se com cobertura vegetal de médio e grande porte. METODOLOGIA Os procedimentos metodológicos para a execução deste trabalho consistiram, basicamente, na identificação e descrição dos processos de dinâmica superficial desencadeadores de risco na vila Bela Vista e, na caracterização e descrição das moradias em situação de risco. Na primeira etapa do trabalho foram levantados os dados básicos e o material cartográfico referente a área de estudo, assim como o material bibliográfico referente ao tema em questão. Posteriormente foram realizados trabalhos de campo para reconhecimento da área e identificação das moradias em situação de risco, bem como o processo desencadeador do risco. Para a definição das moradias em risco foram observados os seguintes parâmetros: cortes e aterros na vertente, proximidade das moradias do corte, cicatrizes de movimentos de massa, composição do solo, presença de raízes de árvores expostas, incidência de erosão nas raízes da vegetação de médio e grande porte muito próxima das casas, além da inclinação da vertente. As moradias identificadas foram representadas graficamente em um croqui, onde foram destacadas as moradias em situação de risco mais elevado. Para a elaboração do croqui utilizou-se o programa gráfico Corel Draw 11 desenvolvido pela Corel Inc. ANÁLISE E DESCRIÇÃO DOS RISCOS Maciel Filho (1990) realizou um estudo geotécnico na cidade de Santa Maria, onde apresenta a carta dos condicionantes à ocupação. Nesse estudo, o autor considera a área correspondente a Vila Bela Vista, inadequada para a ocupação humana. Os riscos geomorfológicos na Vila Bela Vista associam-se aos processos de dinâmica de encostas que, de acordo com Cunha (1991, p.11) é regida pelos processos de transporte de massa e pelos movimentos gravitacionais de massa. Os movimentos gravitacionais de massa são escorregamento e quedas de rochas. Com relação aos fatores predisponentes aos fenômenos de instabilização de encostas, Cunha (1991, p.27) destaca que a vegetação atua no sentido de favorecer a estabilidade 899

das encostas, através do reforço mecânico (raízes) e redistribuição da água da chuva, (...) além de protegê-lo contra a erosão. Porém, também oferece perigo, uma vez que através da lixiviação suas raízes ficam expostas, tornando-se, assim, sujeitas a caírem e atingirem as moradias. Outro fator a ser considerado são as características estruturais das moradias, pois obras adequadas de engenharia amenizam as situações de risco, uma vez que, oferecem maior segurança à ocorrência dos processos erosivos e dos movimentos de massa. A ocupação na Vertente oeste do Morro Cechela ocorre sobre depósito de colúvio e material de rejeito da pedreira de extração de basalto. O colúvio corresponde ao material depositado ao pé das encostas devido à gravidade, e de acordo com Cunha (1991) é bastante instável devido sua heterogeneidade, uma vez que as partículas constituintes possuem diferentes resistências e características estruturais. A forma original do relevo na Vila Bela Vista passou por transformações que intensificaram os processos de dinâmica superficial. Entre as modificações a que se destaca pelo tamanho e pelo impacto visual é a pedreira. Ocorrem, também, taludes artificiais formados por material de rejeito que alteraram a forma original do terreno. As modificações mais recentes estão associadas à ocupação urbana da área, visto que para a construção das moradias e das vias de circulação foram realizados cortes e aterros, que modificaram ainda mais a forma da vertente. Além disso, tanto a atividade mineradora como a ocupação urbana provocaram a retirada da vegetação e a exposição dos horizontes mais susceptíveis do solo à erosão. A retirada da vegetação aumenta o escoamento superficial e, conseqüentemente, os processos por ele desencadeados (erosão, escorregamentos). A Figura 2 apresenta a fotografia aérea do morro Cehela do ano de 1991, onde pode-se observar na vertente sudoeste a feição de corte deixada pela pedreira e o inicio da ocupação urbana. Também pode ser observada a retirada da vegetação original no topo do morro. Figura 2: Fotografia aérea do Morro Cechela de 1991. 900

A partir das análises realizadas foram definidas duas situações de risco na área: a primeira associada as moradias instaladas na base do morro, onde o principal problema associa-se as moradias localizadas próximas ao corte realizado para a construção da estrada de ferro;e a segunda situação diz respeito às moradias situadas na meia encosta, onde os riscos associam-se aos cortes e aterros realizados para construção das moradias e à possibildade de tombamento de árvores sobre moradias localizadas na meia encosta. Do total de 38 moradias na Vila Bela Vista, sete estão em situação de risco elevado. Dessas sete, quatro estão situadas junto ao corte da ferrovia, na base do morro, e as outras três na meia-encosta do morro. As moradias em risco elevado estão representadas no croqui (Anexo 1). MORADIAS LOCALIZADAS NA BASE DO MORRO. Para a construção da estrada de ferro que passa na base do morro foi realizado um corte na vertente com uma altura aproximada de 5 metros. Nesse local, a ocupação se estabeleceu muito próxima do corte, sendo que as casas, num total de quatro, estão situadas à apenas 1 metro de distância. Devido a isso estão em situação de risco de escorregamento do talude sobre a qual encontram-se assentadas. A existência de cicatrizes de escorregamento comprovam a possibilidade de ocorrência de movimentos de massa localizados em algumas porções do talude e evidenciam a situação de risco a qual a população está exposta. A vegetação existente não oferece sustentação ao solo, que é pouco coeso, composto de arenito com solo transportado. A grande quantidade de lixo depositado ao longo do talude também aumenta o risco de escorregamento. Na Figura 3 pode ser observado os sinais da ocorrência de pequenos escorregamentos de terra junto ao talude de corte da ferrovia. Também pode ser visualizado o aspecto da cobertura vegetal de pequeno porte. Cabe destacar também a proximidade da residência com o corte. Figura 3: situação de risco junto ao corte da ferrovia MORADIAS SITUADAS NA MEIA ENCOSTA DO MORRO 901

Nesta área devido à acentuada declividade da vertente, as moradais foram implantadas em patamares, através do seccionamento da vertente, ocasionando, dessa forma, a alteração da geometria da encosta e a remoção da cobertura vegetal e da camada superficial do solo. Com isso há o aumento da possibilidade de ocorrência de movimentos de massa localizados. Além disso, foram observados em alguns cortes trincas que, quando preenchidas com água, podem levar à ruptura do talude. Outro fator que acentua o risco nesta área é que grande parte das moradias está construída sobre substrato formado de material de rejeito da pedreira. Este material, incosolidado, é altamente instável, devido à heterogeneidade de seus constituintes, podendo apresentar desde porções de solo até blocos de rocha. Os cortes implantados para a construção das moradias nesta área foram realizados pelos próprios moradores quando ocuparam a área, muitas vezes sem um acompanhamento técnico adequado, aumentando, a possibilidade de escorregamentos. Em algumas moradias o risco de escorregamento é duplo, podendo ocorrer tanto no talude localizado atrás dela, como no patamar em que está assentada. Na Figura 4 pode-se observar os patamares formados pelo corte do terreno e cicatrizes de escorregamento no corte localizado atrás da moradia situada no patamar inferior. Figura 4: Patamares com moradias e cicatrizes de escorregamento. Outra situação de risco na meia encosta associa-se à possibilidade de tombamento de árvores e deslocamento de blocos que podem atingir as moradias. A retirada da maior parte da vegetação acelerou os processos erosivos, que expõem as raízes de árvores e descalçam blocos de rocha que podem ser instabilizados. Além disso, as moradias construídas muito próximas dos taludes apresentam risco de escorregamento, podendo atingir as que estão construídas no nível inferior. Neste caso encontram-se três moradias em situação de risco que podem ser visualizadas na Figura 5. Observa-se que grande parte das moradias instaladas na meia encosta do morro apresentam algum tipo de proteção, como a construção de muros, e estão construídas a uma distância relativamente segura do corte. Em aguns casos o talude está coberto com gramíneas, plantadas pelos próprios moradores para barrar pequenos movimentos de terra. 902

Figura 5: Vegetação de grande porte com risco de tombar e atingir as moradias. CONSIDERAÇÕES FINAIS As alterações realizadas pelo homem no meio físico interferem na dinâmica dos processos naturais, podendo intensificar ou até mesmo induzir a ocorrência de alguns processos. A área que compreende a Vila Bela Vista reflete em seu espaço o que vem ocorrendo nas demais áreas urbanas de Santa Maria, em que a parcela da sociedade desprovida de capital financeiro vê-se obrigada a habitar as áreas geomorfologicamente impróprias para ocupação, ficando assim, sujeita aos processos causadores de risco. Na Vila Bela Vista as situações de risco geomorfológico estão associadas à dinâmica de encostas, com ocorrência de moradias sujeitas a processos de escorregamentos localizados, tombamento de árvores e rolamento de blocos de rocha. Cabe salientar que na área estudada as situações de risco ainda são poucas e o risco existente não é muito alto, se comparado com outras áreas da cidade, devido, principalmente ao baixo adensamento da ocupação e do padrão construtivo das moradias ser relativamente bom. Entretanto, se houver um processo de adensamento os riscos existentes aumentarão como também a gravidade do mesmo. Dessa forma, uma medida emergencial do setor público seria o controle das ocupações urbanas, para que não sejam ocupados os locais sujeitos a movimentos de massa, impedindo-se assim o surgimento de novas áreas de risco geomorfológico e o agravamento das existentes. A análise e descrição das situações de risco existentes na vertente oeste do Morro Cechela, constitui-se numa importante ferramenta no planejamento do uso e ocupação do solo, assim como na definição de estratégias de intervenção do poder público junto à população instalada nestas áreas. REFERÊNCIAS BERGER, M. G. Uso do Sensoriamento Remoto na Hierarquização das Áreas de Risco Ambiental na Sub-Bacia Hidrográfica do Arroio Cadena, Município de Santa Maria RS. 2001. 144f. Dissertação (Mestrado em Engenharia Agrícola) Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, 2001. 903

CERRI, L. E. S. Riscos Geológicos Urbanos. In:CHASSOT, A. & CAMPOS, H. (Orgs.) Ciências da Terra e Meio Ambiente: Diálogos para (inter)ações no Planeta. São Leopoldo: UNISINOS, 1999. p. 133-146. CRISTO, S. S. V. de. O Estudo de Risco Ambiental na Sub-Bacia Hidrográfica do Arroio Cadena, Direcionado à inundação, Santa Maria, RS. 2001. 61f. Monografia (Especialização em Geociências) Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, 2001.. Análise da Ocupação do Solo e o Desenvolvimento dos Processos de Risco Geológico na Vila Urlândia, Santa Maria RS. 1999.76f. Monografia (Graduação em Geografia) Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, 1999. CUNHA, M. A. (coord.). Manual Ocupação de Encostas. São Paulo: Instituto de Pesquisas Tecnológicas, 1991. FUNDAÇÃO ECONOMIA E ESTATÍSTICA. FEE. Disponível em: http://www.fee.tche.br. Acesso em 10 de junho de 2005. MACIEL FILHO, C. L. Carta Geotécnica de Santa Maria. Santa Maria: Imprensa Universitária UFSM, 1990. OLIVEIRA, E. L. de A. Áreas de Risco Geomorfológico na Bacia Hidrográfica do Arroio Cadena, Santa Maria/RS: Zoneamento e Hierarquização. 2004. 141f. Dissertação (Mestrado em Geografia) Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2004. OLIVEIRA, E. L. de A.; RECKZIEGEL, B. W.; ROBAINA, L. E. de S. Áreas de Risco Geomorfológico na Microbacia Hidrográfica do Passo da Areia, Santa Maria/RS. In: X Simpósio Brasileiro de Geografia Física Aplicada., 1980, Rio de Janeiro: Anais... Rio de Janeiro: Associação de Geógrafos Brasileiros, 2003. CD ROM. RECKZIEGEL, B. W.; OLIVEIRA, E. L. de A.; ROBAINA, L. E. de S. Zoneamento e Hierarquização de Áreas de Risco Geomorfológico nas Bacias Hidrográficas dos Arroios Cancela e Sanga do Hospital. In: 5 Simpósio Brasileiro de Cartografia Geotécnica e Geoambiental. 2004. São Carlos: Anais... São Carlos: ABGE, 2004, p. 107-114. RECKZIEGEL, B. W.; ROBAINA, L. E. de S.; MENGUE, V. P. Urbanization and Aceleration the Erosion Processes in Santa Maria City, RS-Brasil. Sociedade e Natureza. Uberlândia: ed. UFU, Special Issue, May, 2005, p. 772-780. ROBAINA, L. E. de S.; BERGER, M.; CRISTO, S. S. V. de; DE PAULA, P. M. Análise dos Ambientes Urbanos de Risco do Município de Santa Maria-RS. Ciência e Natura: Revista do Centro de Ciências Naturais e Exatas. Santa Maria: ed. UFSM, v. 23, dez. 2001, p. 139-152. ROBAINA, L. E. de S.; BERGER, M.; MEDEIROS, E. R. Estudo dos Riscos Geológicos na Região do Município de Santa Maria: o caso da Vila Bilibiu. Ciência e Natura: Revista do Centro de Ciências Naturais e Exatas. Santa Maria: ed. UFSM, v. 19, dez. 1997, p. 173-200. SCARIOT, N. Processos de Riscos Ambientais Associados à Desastres Naturais no Município de Santa Maria-RS. 2004. 42f. Trabalho de Graduação (Graduação em Geografia) Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, 2004. 904

ANEXO 1 Croqui com distribuição das moradias na Vila Bela Vista. 905