O problema dos casos raros nas análises migratórias: qual a solução?

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Transcrição:

O problema dos casos raros nas análises migratórias: qual a solução? Alberto Augusto Eichman Jakob Raquel de Oliveira Santos Eichman Jakob Núcleo de Estudos de População Elza Berquó (Nepo)/ Unicamp Palavras-chave: Migração; mobilidade espacial da população; Amazônia 1

O problema dos casos raros nas análises migratórias: qual a solução? Resumo Quem trabalha com dados de migração pode se ver diante de uma situação em que determinados subgrupos populacionais de interesse não são tão representativos em termos numéricos, mas possuem certas características singulares que os diferem do resto da população, que merecem ser destacadas. Exemplo disso é o perfil dos migrantes internacionais na Amazônia brasileira ao se considerar o período mais recente, de 2005-2010. Considerando o Censo Demográfico de 2010, ao se desagregar por países de origem, estes migrantes chegam a algumas centenas de cada país, mas com os dados expandidos pela amostra censitária. Sem considerar a expansão, estes seriam algumas dezenas realmente recenseados pelos entrevistadores. Selecionando-se então estes casos, considerados raros, como trabalhar com eles sem agregar muito erro às análises? Uma análise da migração internacional recente na Amazônia é realizada neste artigo mostrando os principais problemas encontrados e possíveis soluções para estes problemas. As ideias apresentadas poderão ser utilizadas em outras situações similares. Introdução Os estudiosos da área de migração estão a cada dia mais se deparando com situações de poucos casos observados em suas pesquisas, mesmo utilizando dados censitários, considerados os mais abrangentes, confiáveis e disponíveis, embora com suas limitações. Este trabalho tem o objetivo principal de chamar a atenção para este problema e dar sugestões possíveis de como tentar contornar a pouca quantidade de dados observados. Diversas linhas de pesquisa podem apresentar este mesmo problema, mas neste caso nos ateremos à área de migração, embora as sugestões possam ser consideradas em outras áreas de estudo. 2

Para isto, a migração na Amazônia brasileira servirá aqui como exemplo, especialmente a migração internacional, pois se adequa bem a esta problemática apontada anteriormente, como poderá ser visto mais adiante. Inicialmente, pode-se dizer que a migração, por si só, já está se tornando um fato raro na população brasileira. A Tabela 1 mostra que a proporção de pessoas que declararam estar em um município diferente daquele de residência há 5 anos (migrantes intermunicipais de data fixa) tem se reduzido com o tempo, chegando a 7,6% da população em 2010 1. Já em termos dos migrantes que trocaram de Unidade da Federação (UF), os dados para o censo mais recente mostram valores ainda menores, sendo de 5,4% da população aqueles migrantes do período 2000-2010 (migrantes interestaduais de última etapa) e de 3% da população no caso dos migrantes do período 2005-2010 (migrantes interestaduais de data fixa). Tabela 1: Evolução do volume de migrantes intermunicipais de data fixa, migrantes interestaduais de data fixa e de última etapa e população residente no final do período. Brasil, 1986-1991, 1995-2000, 2005-2010 e 2000-2010 Período Migrantes População final intermunicipais do período % 1986-1991 14.998.047 146.917.459 10,2 1995-2000 15.315.242 169.799.170 9,0 2005-2010 14.427.577 190.755.799 7,6 Período Migrantes População final interestaduais do período % 2005-2010 5.752.566 190.755.799 3,0 2000-2010 10.236.257 190.755.799 5,4 Fonte: IBGE, censos demográficos de 1991, 2000 e 2010 (tabulações especiais dos autores). Portanto estes dados não poderiam ser considerados casos raros? Pelo menos no caso dos migrantes interestaduais pode-se dizer que sim. Com relação aos migrantes intermunicipais de data fixa, os dois últimos censos dão mostras de que, além da redução da participação destes na população total, seu volume absoluto também 1 Nas tabulações referentes aos migrantes de data fixa do período 2005-2010, foram excluídos aqueles com município de residência em 2005 igual ao município de referência em 2010. 3

diminuiu, mostrando também uma tendência de queda futura. E isto sem qualquer cruzamento adicional de informações, observando-se somente o total da migração brasileira nestes determinados períodos. Considerando então a migração de estrangeiros, ou seja, os naturais de outros países que chegaram ao Brasil, os valores são muito menores. A Tabela 2 mostra que, segundo o censo demográfico, haviam 592,5 mil estrangeiros no país em 2010 (cerca de 0,3% da população residente naquele ano), sendo que 224 mil chegaram entre 2000 e 2010 (considerando a última etapa) e 92 mil no período mais recente (data fixa). Estes valores representaram 0,1% e 0,05% da população, respectivamente. Assim, pelo menos até 2010, a imigração de estrangeiros ao Brasil era um fato raro, em comparação com o volume total da população residente no país. Tabela 2: População residente e volume de imigrantes estrangeiros no Brasil e na Amazônia brasileira segundo o período de chegada. Variável População em 2010 Imigrantes Estrangeiros Imigrantes Estrangeiros (%) Brasil Amazônia 190.755.799 25.474.365 Total 592.570 33.219 2000-2010 224.248 17.948 2005-2010 92.082 7.100 Total 0,31 0,13 2000-2010 0,12 0,07 2005-2010 0,05 0,03 Nota: os valores se referem a imigrantes com país em 2005 diferente do Brasil em 2010 para o período 2005-2010. Fonte: IBGE, Censo Demográficos de 2010 (tabulações especiais dos autores). Com relação à Amazônia Legal brasileira, que corresponde às UFs da região norte do país, e mais Maranhão e Mato Grosso (ROCHA, 2005), a participação dos estrangeiros na população residente é praticamente a metade da verificada com relação ao Brasil como um todo, chegando a 0,03% da população os migrantes estrangeiros de data fixa. Apesar destes reduzidos valores, o estudo dos imigrantes estrangeiros é muito importante, e não deve ser desconsiderado por conta disso, por pelo menos duas razões: 1) sabe-se que existe uma grande subenumeração dos estrangeiros no país, que os censos não conseguem captar, por conta de ilegalidade, receio de serem de alguma 4

forma prejudicados ou deportados, e até pelo caso raro que faz com que seja difícil sua captação por parte do censo, dificultando uma correta ponderação da amostra para eles. Silva (2008) chega a mencionar a presença de 15 mil peruanos em Tabatinga (AM), e a grande maioria indocumentados. Este valor é 3 vezes superior ao enumerado pelo censo em 2010 para toda a região Amazônica e 5 vezes superior ao número de peruanos no Amazonas em 2010; e 2) os dados censitários terminam em 2010. Nos últimos anos, temos visto a entrada de muitos imigrantes estrangeiros no país, especialmente de Haitianos e africanos, além de sírios solicitando refúgio. Especialmente com o terremoto que devastou o Haiti em janeiro de 2010, entraram aqui milhares de haitianos cujo volume talvez supere os 40 mil (HADDAD, SILVA e FERNANDES, 2014), e a grande maioria entrou no país pela Amazônia, via terrestre. Conforme apontado, A importância do fenômeno migratório internacional reside hoje muito mais em suas especificidades, em suas diferentes intensidades e espacialidades e em seus impactos diferenciados (particularmente em nível local) do que no volume de imigrantes envolvidos em deslocamentos populacionais (PATARRA; BAENINGER, 2006, p. 84). Assim, este tema é de relevância no país. E o próximo tópico trata especificamente dos estrangeiros na Amazônia, o exemplo selecionado neste trabalho. A migração estrangeira na Amazônia brasileira Diversos estudiosos têm se debruçado recentemente sobre a temática migratória na Amazônia. Alguns de maneira mais geral, como estudos na Pan-Amazônia (ARAGÓN, 2005 e 2009), outros mais focados na fronteira norte do país (OLIVEIRA, 2006 e 2008; SILVA, 2008; STEIMAN, 2012), ou em determinados grupos, como Haitianos (HADDAD, SILVA e FERNANDES, 2014; MAGALHÃES e BAENINGER, 2015). Já Siqueira (2012) aborda mais a mobilidade espacial na Amazônia, e Jakob (2014, 2013a, 2013b, 2012) se preocupa com a segregação socioespacial dos estrangeiros na Amazônia brasileira. 5

Porém, todos se deparam com o problema da pouca quantidade de casos ao utilizar dados censitários. Os exemplos a seguir irão retratar isto. A Tabela 3 traz os migrantes estrangeiros na Amazônia brasileira que vieram diretamente de outros países no período 2005-2010. Como seria de se esperar, os países que mais enviaram migrantes para a Amazônia no período foram os vizinhos Peru, Bolívia e Colômbia, correspondendo a perto de 42% do total do fluxo migratório. Tabela 3: Volume de estrangeiros na Amazônia brasileira em 2010 segundo país que residia em 2005 País em 2005 Volume % Peru 1.201 16,9 Bolívia 1.072 15,1 Colômbia 698 9,8 Estados Unidos 559 7,9 Japão 356 5,0 Portugal 348 4,9 Guiana 271 3,8 Paraguai 253 3,6 França 211 3,0 Guiana Francesa 180 2,5 Venezuela 170 2,4 Espanha 154 2,2 Alemanha 152 2,1 Itália 145 2,0 Argentina 132 1,9 Cabo Verde 126 1,8 México 125 1,8 Cuba 124 1,7 Guiné Bissau 99 1,4 Canadá 89 1,3 Costa do Marfim 77 1,1 Holanda 53 0,7 China 48 0,7 Suíça 45 0,6 Suriname 36 0,5 Outros países (18) 319 4,5 Não sabe/ignorado 56 0,8 Total 7.100 100 Fonte: IBGE, Censo Demográficos de 2010 (tabulações especiais dos autores). Porém, chama atenção o fato de que países considerados historicamente de atração de migrantes brasileiros tenham representado as próximas 3 colocações no ranking de migrantes estrangeiros na Amazônia brasileira (Estados Unidos, Japão e 6

Portugal), representando outros 18% do fluxo total. Como referência, estes 3 países representaram 8,5% do fluxo no período 1995-2000, ou seja, um crescimento de quase 10 pontos percentuais chama a atenção e merece ser mais analisado. Outra informação que o censo de 2010 proporciona é com relação aos emigrantes. Neste caso, a análise das tabelas 3 e 4 mostra que chegaram mais estrangeiros dos Estados Unidos, Japão e Portugal na Amazônia brasileira do que saíram brasileiros para estes países no período 2005-2010, o mais recente possível. Tabela 4: Volume de brasileiros emigrantes da Amazônia brasileira segundo país de destino e período migratório Acumulado Período 2005-2010 País Volume % País Volume % Espanha 1.050 16,3 Espanha 851 17,5 Estados Unidos 894 13,9 Portugal 623 12,8 Portugal 809 12,6 Bolívia 525 10,8 Bolívia 550 8,6 Estados Unidos 511 10,5 Guiana Francesa 415 6,5 Suriname 322 6,6 Suriname 398 6,2 Guiana Francesa 309 6,4 França 376 5,8 França 283 5,8 Japão 276 4,3 Japão 176 3,6 Itália 222 3,5 Itália 159 3,3 Venezuela 184 2,9 Venezuela 130 2,7 Subtotal 5.174 80,5 Subtotal 3.889 80,1 Total 6.428 100 Total 4.857 100 Fonte: IBGE, Censo Demográficos de 2010 (tabulações especiais dos autores). A Tabela 4 traz os 10 principais países que receberam migrantes da Amazônia brasileira, o que representa 80% do fluxo total de emigrados desta região. Portugal, Estados Unidos e Japão correspondem a 27% do fluxo emigratório (1.310 pessoas) entre 2005 e 2010. Por meio da Tabela 3, pode-se verificar que os imigrantes destes países na Amazônia foram de 1.263 pessoas no mesmo período. Como são dados próximos, pode-se realmente dizer que chegaram mais imigrantes do que saíram emigrantes, ou isto poderia ser um efeito de variações no fator 7

de expansão da amostra 2 dos imigrantes? Os emigrantes foram enumerados com dados do questionário do universo do censo de 2010, mas os imigrantes com o questionário da amostra, o que pode influenciar no resultado final em função do fator de expansão amostral utilizado para estes últimos. Este problema, criado basicamente em função de casos raros, será abordado mais adiante. A partir de agora, as análises se concentrarão somente nos imigrantes estrangeiros dos Estados Unidos, Japão e Portugal, na tentativa de aprender mais sobre eles, chegar a uma possível explicação do por que deste aumento do interesse pela Amazônia brasileira vindos de tão longe. Os dados da Tabela 3 são relativos ao país de procedência dos migrantes estrangeiros, mas não necessariamente que estes sejam naturais destes países. Neste sentido, a Tabela 5 resgata os naturais destes países de interesse segundo sua condição migratória. Tabela 5: Volume de norte-americanos, japoneses e portugueses na Amazônia brasileira segundo condição migratória no período 2005-2010 Condição migratória País de nascimento % estrangeiros % estrangeiros migrantes EUA Japão Portugal EUA Japão Portugal EUA Japão Portugal Não migrante 886 1.978 1.918 61,4 82,0 77,7 - - - Migrante Intraestadual 12 42 83 0,8 1,7 3,4 2,2 9,7 15,0 Migrante Interestadual 40 105 97 2,8 4,4 3,9 7,2 24,3 17,7 País estrangeiro 506 286 371 35,0 11,9 15,0 90,7 66,0 67,3 Total 1.444 2.412 2.469 1.444 2.412 2.469 558 433 552 Nota 1: esta tabela não inclui os migrantes de outras nacionalidades que vieram destes países no período 2005-2010. Nota 2: o país estrangeiro pode ser qualquer um, não apenas Estados Unidos, Japão e Portugal. Fonte: IBGE, Censo Demográficos de 2010 (tabulações especiais dos autores). O que se percebe por meio da Tabela 5 é que, dos perto de 1.500 norteamericanos contabilizados na Amazônia brasileira em 2010, pouco mais de 60% eram não migrantes (residiam há 6 anos ou mais no município ou eram menores de 5 anos de idade), porcentagem que chegou a 82% no caso dos japoneses. Um valor alto apresenta indícios de uma migração mais antiga. 2 O peso ou fator de expansão da amostra é utilizado no questionário da amostra dos censos demográficos para fazer com que o valor observado seja expandido e assim compatível com o universo ou total populacional. 8

Analisando somente os migrantes, 90,7% dos norte-americanos vieram diretamente dos Estados Unidos, bem mais que os 66% de japoneses e 67% de portugueses, cuja porcentagem de migração interestadual foi superior aos norteamericanos. Assim, enquanto os norte-americanos em geral vieram diretamente dos Estados Unidos, uma significativa parte dos japoneses e portugueses passaram por outras etapas migratórias após chegar ao país antes de se estabelecer na região amazônica. Mas ainda permanece uma dúvida, se os migrantes estrangeiros apontados como provenientes daqueles países da Tabela 3 realmente eram naturais dos países de onde vieram. Para responder a isto, foi elaborada a Tabela 6. Tabela 6: Volume de estrangeiros nas UFs da Amazônia brasileira em 2010 segundo país de residência em 2005 e país de nascimento País em 2005 UF em 2010 EUA Japão Portugal País de Nascimento Paraguai Peru EUA Venezuela Total Japão Coréia Total Angola Moçambique Portugal Espanha Total Rondônia.. 86. 86..... 55. 55 Acre.. 10. 10... 3... 3 Amazonas.. 197. 197 142 70 212. 27 141. 168 Roraima.......... 11. 11 Pará 10. 161 27 198 75. 75.. 10. 10 Tocantins. 16 4. 21 3. 3.. 23 3 27 Maranhão..... 4. 4.. 28. 28 Mato Grosso.. 48. 48 62. 62.. 47. 47 Total 10 16 506 27 559 286 70 356 3 27 315 3 348 Total (%) 1,8 2,9 90,5 4,8 100 80,4 19,6 100 0,9 7,8 90,4 1,0 100 Não considerando o fator de expansão da amostra: País em 2005 UF em 2010 EUA Japão Portugal País de Nascimento Paraguai Peru EUA Venezuela Total Japão Coréia Total Angola Moçambique Portugal Espanha Total Rondônia.. 9. 9..... 6. 6 Acre.. 1. 1... 1... 1 Amazonas.. 18. 18 10 3 13. 1 6. 7 Roraima.......... 1. 1 Pará 1. 8 1 10 6. 6.. 1. 1 Tocantins. 1 2. 3 1. 1.. 4 1 5 Maranhão..... 1. 1.. 2. 2 Mato Grosso.. 6. 6 6. 6.. 6. 6 Total 1 1 44 1 47 24 3 27 1 1 26 1 29 Total (%) 2,1 2,1 93,6 2,1 100 88,9 11,1 100 3,4 3,4 89,7 3,4 100 Fonte: IBGE, Censo Demográficos de 2010 (tabulações especiais dos autores). 9

Diversas análises podem ser feitas por meio da Tabela 6. Inicialmente, pode-se dizer que 90% dos imigrantes estrangeiros provenientes dos Estados Unidos e de Portugal no período 2005-2010 eram mesmo naturais destes países de origem. Este valor foi de 80% para os japoneses, em vista de 70 coreanos que vieram do Japão no período totalizando quase 20% do fluxo migratório. Aliás, ao se observar o volume de imigrantes naturais dos países, comparando-se com a Tabela 5, percebe-se que os valores de 506 norte-americanos e 268 japoneses naturais de seus países conferem, porém aquela tabela apontou 371 portugueses provenientes de país estrangeiro no período, sendo que a Tabela 6 traz a informação de 315 portugueses com origem em Portugal. Esta diferença se deve a um total de 43 portugueses provenientes de Cabo Verde, 8 da Holanda e 6 do Reino Unido, além dos 315 de Portugal. Mas o que mais chama atenção é a segunda parte da Tabela 6, que traz a mesma informação da parte de cima, só que desta vez sem considerar o fator de expansão da amostra, ou seja, enumerando apenas aqueles migrantes efetivamente recenseados. Comparando-se os dados com e sem expansão, os 559 migrantes dos Estados Unidos na realidade foram 47 entrevistados, assim como os 356 do Japão eram 27 e os 348 de Portugal eram 29. E mais do que isto, os 70 coreanos que vieram do Japão na realidade eram uma família de 3 pessoas. E migrantes de outras nacionalidades apenas 1 pessoa. Assim, torna-se muito complicado (e até temerário) fazer análises que podem chegar a conclusões com base nestes poucos dados, uma vez que o erro a ser imputado seria grande. Poderíamos pensar então em usar apenas as porcentagens destes dados, e não os volumes em si e tornar a análise mais qualitativa. Porém, ao se observar as porcentagens nas duas partes da tabela, pode-se verificar que não são as mesmas. Olhando, por exemplo, no caso do Japão, onde a expansão da amostra mostrou 80% de japoneses provenientes do Japão, mas sem a expansão seriam 89%. Podemos desprezar uma diferença de 9 pontos percentuais? Em casos raros, o ideal seria talvez trabalhar sem a expansão da amostra, mas a expansão não traria um certo ajuste para a população (universo dos dados) de forma que 10

as porcentagens fiquem mais adequadas? O que utilizar então? Dados absolutos sem expansão da amostra ou dados relativos com a expansão? Uma possível saída foi utilizada no exemplo a seguir. Tabela 7: Volume de estrangeiros na Amazônia brasileira em 2010 segundo país de residência em 2005 e relação com a pessoa responsável pelo domicílio Relação com o responsável Valor absoluto Valor relativo (%) EUA Japão Portugal EUA Japão Portugal Pessoa responsável pelo domicílio 139 104 147 24,9 29,3 42,3 Cônjuge ou companheiro(a) de sexo diferente 96 71 126 17,2 20,0 36,1 Filho(a) do responsável e do cônjuge 178 61 31 31,9 17,2 8,9 Filho(a) somente do responsável 29 25. 5,1 7,0. Enteado(a). 4.. 1,1. Genro ou nora.. 5.. 1,3 Sogro(a). 17 20. 4,9 5,6 Neto(a) 12 57 6 2,1 15,9 1,8 Outro parente 14 6 3 2,6 1,6 0,9 Convivente 90.. 16,2.. Individual em domicílio coletivo. 11 11. 3,0 3,1 Total 559 356 348 100 100 100 Não considerando o fator de expansão da amostra: Relação com o responsável Valor absoluto Valor relativo (%) EUA Japão Portugal EUA Japão Portugal Pessoa responsável pelo domicílio 10 5 11 21,3 18,5 37,9 Cônjuge ou companheiro(a) de sexo diferente 7 3 9 14,9 11,1 31,0 Filho(a) do responsável e do cônjuge 17 4 4 36,2 14,8 13,8 Filho(a) somente do responsável 3 4. 6,4 14,8. Enteado(a). 1.. 3,7. Genro ou nora.. 1.. 3,4 Sogro(a). 2 1. 7,4 3,4 Neto(a) 3 6 1 6,4 22,2 3,4 Outro parente 3 1 1 6,4 3,7 3,4 Convivente 4.. 8,5.. Individual em domicílio coletivo. 1 1. 3,7 3,4 Total 47 27 29 100 100 100 Reponderando os dados observados: Relação com o responsável Valor absoluto Valor relativo (%) EUA Japão Portugal EUA Japão Portugal Pessoa responsável pelo domicílio 12 8 12 24,9 29,3 42,3 Cônjuge ou companheiro(a) de sexo diferente 8 5 10 17,2 20,0 36,1 Filho(a) do responsável e do cônjuge 15 5 3 31,9 17,2 8,9 Filho(a) somente do responsável 2 2. 5,1 7,0. Enteado(a). 0.. 1,1. Genro ou nora.. 0.. 1,3 Sogro(a). 1 2. 4,9 5,6 Neto(a) 1 4 1 2,1 15,9 1,8 Outro parente 1 0 0 2,6 1,6 0,9 Convivente 8.. 16,2.. Individual em domicílio coletivo. 1 1. 3,0 3,1 Total 47 27 29 100 100 100 Fonte: IBGE, Censo Demográficos de 2010 (tabulações especiais dos autores). 11

Por meio dos dados da Tabela 7, percebe-se que existem diferenças ainda maiores nas porcentagens do que as apresentadas anteriormente. Observando-se os responsáveis pelo domicílio do Japão, por exemplo, são 29% dos migrantes com a expansão da amostra e 18% sem a expansão. E a maior proporção seria de netos entre os japoneses sem expansão (22%) ao passo que ficariam apenas em 4º lugar nas análises considerando a expansão. Ou seja, mudaria toda a análise. O que fazer então? Segundo nossa concepção, o ideal seria considerar as porcentagens dos dados com a expansão da amostra, pela suposição de que seriam mais realistas em termos de universo, pois os pesos da amostra foram construídos de maneira diferenciada para representar cada domicílio da maneira mais correta em termos de representatividade das famílias em geral. Porém, o ideal seria também considerar o volume dos dados sem a expansão da amostra, por se tratar de casos raros seria fundamental levar em conta a quantidade deles nas análises. Inclusive caso se deseje fazer uma modelagem mais específica que necessite de dados absolutos mais precisos. Neste caso, foi feita uma reponderação 3 dos dados observados, de forma que mantenham as proporções dos valores expandidos e não se perca o volume inicial recenseado. Para fazer isto, bastaria se multiplicar a porcentagem de cada valor expandido pelo volume total sem a expansão da amostra. A parte final da Tabela 7 traz estes valores reponderados. Assim, foram mantidos os volumes totais originais sem a expansão da amostra, e os valores de cada célula da tabela foram reponderados ou reajustados de acordo com as porcentagens obtidas após a expansão. Com isto, pensamos resolver este problema de qual dado utilizar. Considerações finais Mais do que fazer um trabalho analítico, o teor deste trabalho foi descritivo e técnico. Foram dados exemplos típicos de quem estuda a migração internacional no 3 Foi utilizado o termo reponderação uma vez que seria um tipo de modificação da ponderação original dos dados apresentada pelo IBGE com seu fator de expansão da amostra. 12

Brasil e em determinadas sub-regiões do país para delinear de forma mais expressiva os casos raros. Conforme apontado, mesmo com a pouca quantidade de casos, é importante que se conheçam tendências e características dos migrantes. Isso é possível por meio dos dados relativos, mas sempre observando também os valores absolutos. Neste caso, foi utilizado um modelo de reponderação de dados que aplica as porcentagens após a expansão da amostra no volume total dos dados sem esta expansão. Este procedimento foi sugerido uma vez que as análises realizadas por meio dos dados relativos podem variar consideravelmente expandindo-se ou não a amostra, em função da pouca quantidade de dados. Portanto, ao se analisar as porcentagens tendo em vista os valores absolutos ao lado, pode-se relativizar determinadas conclusões. Referências bibliográficas Aragón, L.E. (org.). Migração internacional na Pan-Amazônia. Belém: NAEA/UFPA, 2009.. Populações da Pan-Amazônia. Belém: UNESCO, 2005. Haddad, P.B.; Silva, F.R.; Fernandes, D.M. Haitianos no Brasil: o papel das redes no processo migratório, da vinda à adaptação local, XIX Encontro Nacional de Estudos Populacionais - ABEP. Anais..., São Pedro, SP, 2014. Jakob, A.A.E. A migração de estrangeiros na Amazônia brasileira nos anos 2000, XIX Encontro Nacional de Estudos Populacionais - ABEP. Anais..., São Pedro, SP, 2014.. Migração e concentração espacial da população na Amazônia brasileira pós-2000. In: Aragón, L.E. (org.). Migração interna na Pan-Amazônia. Belém: NAEA/UFPA, 2013a, p.119-139.. A migração internacional na Amazônia Legal brasileira e na metrópole de São Paulo nos anos 2000. In: Baeninger, R. (org.). Migração internacional. Por dentro do Estado de São Paulo, v.9. Campinas: Nepo/Unicamp, 2013b, p.137-159.. Migração internacional e segregação socioespacial na Amazônia brasileira, XVIII Encontro Nacional de Estudos Populacionais ABEP. Anais..., Águas de Lindóia, SP, 2012. 13

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