Ética, Direitos Humanos, Saúde Mental e Enfermagem Ana Albuquerque Queiroz 1 Ninguém pode ficar indiferente a nada do que é humano, particularmente a doença mental. 1 Quando se trata de saúde mental, sabe-se que se fala de um fenómeno complexo, determinado por factores políticos, económicos, ambientais, antropológicos, sociológicos, psicológicos, biológicos e depende, somente em parte, do resultado de intervenções médico - sanitárias. Em todos os tempos e lugares a doença mental despertou sentimentos de estranheza. Diante dela as diferentes sociedades assumiram posições opostas. Ora negavam a sua realidade, ora defendiam a existência de uma enorme distância entre o reconhecido como doente e o considerado normal. Estima-se que mais de um bilhão e quinhentos milhões de pessoas, em todo o mundo, padecem hoje de algum distúrbio mental ou de comportamento. Três quartas partes delas vivem nos países em desenvolvimento, como o nosso. Estão aí incluídos os relacionados com o abuso de álcool, drogas ilícitas e tabaco. A doença mental é uma manifestação humana particular, indiscutivelmente relacionada com a experiência social onde se manifesta. Reflecte, sobretudo, dificuldades nas relações como o espaço circundante. A psiquiatria moderna preconiza a transformação dos hospitais em instituições abertas, aperfeiçoando modelos terapêuticos e melhorando o atendimento prestado nas situações de crise. No plano político procura-se identificar as mudanças que provocam ou reduzem o sofrimento social inerente às doenças mentais e ao seu impacto na sociedade. A caracterização da doença mental e a definição conceptual da psiquiatria estiveram e ainda continuam sujeitas a radicalizações ideológicas, vinculadas aos sistemas culturais e políticos. 1. Texto publicado na revista In VIVO
2 A comunidade não se consciencializou que a saúde mental é um bem maior e que sua preservação é uma tarefa fundamental, quando o objectivo é a plena realização da experiência humana. O desenvolvimento económico e a construção social não sustentada, conduzem à não promoção da saúde mental, por não garantir, para a imensa maioria, as condições mínimas necessárias ao desenvolvimento humano : saúde, comida e emprego. A equipe de saúde mental deve comprometer-se com todas as iniciativas que transcendam o egoísmo e se voltam para o bem comum, por mais precárias ou aparentemente ingénuas, procurando a realização de objectivos profissionais humanos. Ninguém pode ficar indiferente a nada do que é humano, particularmente a doença mental. O Conselho Internacional de Enfermagem 2 (ICN) chama a atenção para a necessidade de se fomentarem os programas que passem para fora dos hospitais e se centrem na comunidade promovendo a atenção não só na pessoa doente mas também nas necessidades das famílias e dos grupos da comunidade. A própria assistência e acompanhamento das pessoas com doença mental produz tensões adicionais nas pessoas doentes e nos seus familiares e na sociedade em geral e desta forma são também colocados novos desafios para os profissionais de saúde, sendo acrescentada a sua responsabilidade face ao desenvolvimento dos recursos necessários para se criarem fontes facilitadoras dos processos de desenvolvimento de competências das pessoas doentes, quando esta dinâmica se apresenta como fundamental para melhorar a sua qualidade de vida, ou mesmo a promovendo a sua reabilitação e reintegração social. Pela importância das orientações desta organização de enfermagem, o ICN, transcrevemos as seguintes recomendações: 2 Intenacional Council of Nursing, ICN (1995). La enfermería psiquiátrica y de salud mental disponível em: http://www.icn.ch/psmentalsp.htm
É necessário que os enfermeiros de saúde mental e psiquiátrica : 3 Os enfermeiros, baseando-se nas suas competências e nos seus conhecimentos, devem participar na definição da política de saúde mental e nos esforços que visam promover que a sociedade tome consciência dos problemas de saúde mental. Os enfermeiros devem seguir uma formação avançada, desenvolvendo cada vez mais competências clínicas e participando cada vez mais na investigação. Os enfermeiros devem supervisar e orientar os outros enfermeiros (generalistas) e o pessoal de apoio ao longo dos seus fornecimentos de serviços, dos tratamentos e dos cuidados apropriados. A Organização Mundial da Saúde (OMS, 2000) 3, aborda a temática da saúde mental e promove uma campanha sobre este assunto no âmbito das comemorações do dia mundial da saúde de 2001. Nos documentos chama-se a atenção para que : Não basta somente assistir à pessoa que está sofrendo. A família, primeiro sistema de apoio, também precisa de ajuda tanto para preservar sua capacidade para funcionar como para seu bem-estar. Raramente ela recebe tal ajuda; em todos os países há necessidade de se criarem mais serviços para as famílias. O foco das intervenções junto da família deverá criar um relacionamento com os cuidadores, com base na compreensão e na empatia, e ajudá-los a: identificar maneiras para promover assiduidade na administração dos medicamentos; reconhecer os primeiros sinais de recidiva; assegurar a rápida resolução de crises; reduzir deficiências físicas e pessoais; acalmar o efeito no ambiente doméstico; melhorar as ocupações profissionais do paciente; criar grupos de auto-ajuda para apoio mútuo e intercâmbio de informações e serviços entre as famílias. Organização Mundial da Saúde [2000] 3 Cuidar, sim Excluir, não - Dia Mundial da Saúde 2001, www.who.int/world-health-day
4 O atendimento à saúde mental é uma tarefa colectiva e contínua. Envolve acções para preservar e recuperar aquilo que torna as pessoas humanas, o que inclui a vida espiritual. Requer, também, um ambiente saudável, onde haja calma, no qual todos possam prosperar, onde a tolerância seja generalizada e onde a violência seja menor. Sem isto, todos corremos um risco maior de doenças mentais. O processo ético é uma constante no quotidiano do trabalho dos profissionais que pretendem contribuir para que a saúde e a doença mental sejam considerados de forma compreensiva, humana e qualificada. Isto implica que os actores interessados - enfermeiros, médicos, outros profissionais, o paciente (ele mesmo) se ele pode, a família, os próximos - sejam capazes de colocar bem as questões, com todos os seus elementos disponíveis para se equacionarem soluções, fazendo-se escolhas o mais consensuais possíveis. Nós somos cada vez mais afrontados para a decisão a um nível o mais próximo possível da realidade, o mais concreto, o mais pessoal. É necessário que tenhamos os meios, é preciso que nos formemos, de maneira que o sentido ético nos habite e que anime a nossa percepção da vida. É uma espécie de nova competência que nos é pedida. Competência que se adquire pela formação, que se enriquece pela experiência e que vem enriquecer a competência inerente ao ser enfermeira/o.
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