Benefícios da realidade virtual no processo de reabilitação de indivíduos Pós-AVE: revisão sistemática da literatura

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Transcrição:

Benefícios da realidade virtual no processo de reabilitação de indivíduos Pós-AVE: revisão sistemática da literatura 41 Danilo Stefani ESPOSTO 1 Edson Donizetti VERRI 2 Saulo FABRIN 3 Simone Cecílio Hallak REGALO 4 Evandro Marianetti FIOCO 5 Cesar Augusto Bueno ZANELLA 6 Resumo: O acidente vascular encefálico (AVE) é um importante agravo à saúde da população mundial, que ocasiona sequelas motoras, sensitivas e cognitivas, tornando a recuperação funcional um grande desafio. Como um método inovador, a terapia coadjuvante por meio da realidade virtual (RV) vem sendo aplicada à prática fisioterapêutica, inclusive à reabilitação neurofuncional. Procurou-se avaliar os benefícios do treinamento por realidade virtual em indivíduos sobreviventes de episódios de acidente vascular encefálico. Foi realizado um levantamento bibliográfico nas bases de dados SciELO, PubMEd, PEDro, Medline e Lilacs, incluindo apenas ensaios clínicos randomizados. Treze ensaios alcançaram os critérios de inclusão, e 30,8% demonstraram aprimoramento na funcionalidade de MMSS; 30,8%, melhora do equilíbrio dinâmico; 15,3%, melhora das habilidades de marcha; 7,7% melhora da atenção visual e memória; e 7,7%, melhora da reorganização cortical. A RV apresenta efeitos adicionais significantes aplicados a pacientes com AVE e é uma nova ferramenta promissora adicional para a reabilitação, que não substitui o programa de recuperação tradicional nem dispensa acompanhamento profissional. Palavras-chave: Realidade Virtual. Acidente Vascular Encefálico. Reabilitação. Equilíbrio. Postura. 1 Danilo Stefani Esposto. Mestrando em Reabilitação e Desempenho Funcional pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto Universidade de São Paulo (USP), campus de Ribeirão Preto (SP). E-mail: <a@hotmail.com>. 2 Edson Donizetti Verri. Doutorando em Biologia Oral pela Universidade de São Paulo (USP), campus de Ribeirão Preto (SP). Mestre em Biologia e Patologia Bucodental pela Universidade de Campinas (UNICAMP). Professor Pesquisador do Projeto de Extensão e Pesquisa Saúde, Educação e Qualidade de Vida, do Claretiano Centro Universitário, onde também atua como Docente em cursos de Graduação e Pós-Graduação. E-mail: <edverri@gmail.com>. 3 Saulo Fabrin. Mestrando em Reabilitação e Desempenho Funcional pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto Universidade de São Paulo (USP), campus de Ribeirão Preto (SP). E-mail: <saulo.fabrin@gmail.com>. 4 Simone Cecílio Hallak Regalo. Professora titular da Faculdade de Odontologia de Ribeirão Preto Universidade de São Paulo (FORP-USP). E-mail: <simone@forp.usp.br> 5 Evandro Marianetti Fioco. Doutorando em Biologia Oral pela Universidade de São Paulo (USP), campus de Ribeirão Preto (SP). Mestre em Promoção de Saúde pela Universidade de Franca (UNIFRAN). Professor Pesquisador do Projeto de Extensão e Pesquisa Saúde, Educação e Qualidade de Vida, do Claretiano Centro Universitário, onde também atua como Docente em cursos de Graduação e Pós-Graduação. E-mail: <evandroacm@claretiano.edu.br>. 6 Cesar Augusto Bueno Zanella. Doutor em Neurociências pela Universidade de São Paulo (USP), campus de Ribeirão Preto (SP). Mestre em Farmacologia pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Coordenador do Projeto de Extensão e Pesquisa Saúde, Educação e Qualidade de Vida, do Claretiano Centro Universitário, onde também atua como Docente em cursos de Graduação e Pós-Graduação. E-mail: <extensao@claretiano.edu.br>.

42 Benefits of virtual reality for the recovering process of post CVA individuals: a systematic review Danilo Stefani ESPOSTO Edson Donizetti VERRI Saulo FABRIN Simone Cecílio Hallak REGALO Evandro Marianetti FIOCO César Augusto Bueno ZANELLA Abstract: Cerebrovascular accident (CVA) is a major problem to the world population health, causing motor, sensitive and cognitive after-effects; as a consequence, functional recovery is a major challenge. As an innovative method, adjunct therapy, by means of virtual reality (VR), has been applied to the physiotherapy practice, including the neurofunctional recovery. This article aims to evaluate the benefits of the training with virtual reality in individuals survivors of cerebrovascular accidents. A bibliographic review was carried out on the data bases SciELO, PubMEd, PEDro, Medline and Lilacs, considering only randomized clinical trials. Thirteen trials met the inclusion criteria: 30,8% showed enhancing on the functionality of MMSS; 30,8%, improvement on the mechanical equilibrium; 15,3%, improvement on the march skills; 7,7%, improvement on the visual attention and memory; and 7,7%, improvement on the cortical reorganization. VR shows significant additional effects applied to patients with CVA, and it is a new and promising tool to be added to recovery that does not replace the traditional recovering program nor dismisses professional monitoring. Keywords: Virtual Reality. Cerebrovascular Accident. Recovery. Equilibrium. Posture.

43 1. INTRODUÇÃO O acidente vascular encefálico (AVE) é uma súbita perturbação focal da função cerebral de origem vascular com duração por mais de 24 horas (STOKES, 2000), compreendido por complexas interações nos vasos e nos elementos sanguíneos e nas variáveis hemodinâmicas (CRUZ; DIOGO, 2009), ocasionando sequelas motoras, sensitivas e cognitivas. É um importante agravo à saúde da população mundial, sendo a principal causa de morte no Brasil e a razão mais comum de incapacidade neurológica no mundo (BRAUN; HERBER; MICHAELSEN, 2012). O distúrbio constitui uma das principais causas de internações e mortalidade, causando, em cerca de 90% dos sobreviventes, algum tipo de deficiência, seja ela parcial ou total. Os comprometimentos funcionais variam de um indivíduo para outro (FERNANDES et al., 2012) e acarretam sequelas muitas vezes incapacitantes relacionadas a marcha, movimentos dos membros, realização das atividades de vida diária (AVDs), cuidados pessoais, comunicação, alimentação, função cognitiva, atividade profissional, convívio social, comprometendo de maneira significativa a vida dos indivíduos (CRUZ; DIOGO, 2009). Após a ocorrência do AVE, geralmente há presença de incapacidades residuais musculoesqueléticas, alterações sensoriais e cognitivas, com impacto potencial na utilização do membro superior e na execução de atividades básicas da vida diária (alimentar-se, vestir-se, pentear-se) e de atividades instrumentais (gerenciamento doméstico, mobilidade na comunidade) (RAIMUNDO et al., 2011), além de uma reduzida capacidade de suportar esforços, sendo que os principais problemas relatados são confinamento, imobilidade, perda de habilidades funcionais em função de déficit motor e, frequentemente, comorbidades metabólicas e cardiovasculares (OVANDO et al., 2010). O AVE causa grandes complicações quanto às debilidades físicas para os indivíduos acometidos, e a recuperação funcional constitui um grande desafio (BRANDÃO et al., 2008). Dessa forma, a realização de exercícios físicos para pacientes com sequelas motoras pós-ave é essencial para a recuperação funcional (SANTOS; OLIVEIRA; PIE- MONTE, 2012). A atividade física proporciona benefícios sobre o sistema neurológico, em particular, sobre as deficiências motoras e de equilíbrio, sendo esses déficits importantes em indivíduos com sequelas após o AVE (BRAUN; HERBER; MICHAELSEN, 2012). Existe hoje um grande número de abordagens para o tratamento fisioterapêutico após um AVE. Desde os anos 80, tem se destacado a importância da aprendizagem motora, particularmente por meio da abordagem da aprendizagem ou reaprendizagem motora, que propõe a prática ativa de tarefas motoras contexto-específicas com apropriado feedback (OVANDO et al., 2010). A realidade virtual (RV) vem sendo bastante empregada e pesquisada como método coadjuvante ao processo de reabilitação física nos últimos anos por promover um feedback sensório-motor com interação em tempo real, envolvendo constantemente a autocorreção em razão do estímulo visual (BAR- CALA et al., 2011), além de instigar a mobilização de membros. A RV é uma ferramenta com interface de alta qualidade e emergente na reabilitação que pode auxiliar no reaprendizado motor, necessário para melhorar o equilíbrio e a marcha, além de promover um feedback sensorial, devido à interação em tempo real por meio de múltiplos canais sensitivos, sendo investigada em várias pesquisas de laboratório (MELDRUM et al., 2012; VAGHETTI; BOTELHO, 2010), além de se mostrar um recurso com alto grau de motivação (SCHIAVINATO et al., 2011). A técnica permite um ambiente mais estimulante e enriquecedor do que a reabilitação usual, tornando-se possível medir e controlar o exercício e uma experiência virtual de atividades que o paciente pode não experimentar de outro modo (MELDRUM et al., 2012). Um equipamento inserido na categoria por RV e alvo de várias pesquisas atuais é o Nintendo Wii, primeiro sistema de jogo disponível publicamente que usa uma plataforma de força para fornecer feedback aos participantes. O Nintendo Wii Fit Plus, por meio de seu acessório Balance Board, faz com que a utilização dessa tecnologia por biofeedback seja mais acessível por seu custo relativamente baixo, tornando-o um método econômico e seguro (PIGFORD; ANDREWS, 2010; KIM et al., 2011). O acessório consiste de uma placa de força dotada de sensores de pressão em sua parte inferior em contato com o solo, que capta as diferentes alterações de sua base e transmite para o aparelho televisor, em tempo real. Esse dispositivo combina acelerômetros à placa, promovendo um feedback visual e auditivo, adequando o centro de pressão durante os exercícios. Isso estimula o movimento e perturba o equilíbrio, a fim de treiná-lo. Clark et al. (2010) recentemente confirmaram em sua pesquisa que a placa de força

44 Balance Board controla o centro de pressão com uma precisão similar a uma placa de força padrão-ouro, utilizada ainda como meio de avaliação de equilíbrio estático e centro de gravidade (TAVARES et al., 2013). Isso proporcionou uma base inicial para o uso do Nintendo Wii na reabilitação. O equipamento é um instrumento valioso para reabilitação fisioterapêutica, pois estabelece interação entre paciente e o jogo, o que aumenta o nível de motivação, porém não dispensa a presença de um profissional da saúde capacitado para auxiliar durante utilização do recurso, a fim de aperfeiçoar o tratamento e prevenir a ocorrência de lesões e quedas (PEEK et al., 2008; SOUZA, 2011). O sistema permite o tratamento, com eficiência, de disfunções motoras relacionadas ao equilíbrio, permitindo inclusive adaptação às limitações do paciente (LEDER et al., 2008). Visto que o emprego da RV na reabilitação auxilia na facilitação da reorganização funcional dos sistemas motores e pré-motores e recuperação da funcionalidade, vários estudos vêm analisando sua aplicação à reabilitação fisioterapêutica no reaprendizado motor em pacientes pós-ave, baseando-se no fato de que a aprendizagem de novas tarefas motoras depende do feedback derivado do desempenho da própria tarefa (TUROLLA et al., 2013). A aplicação da RV com foco na melhora do controle postural apresenta importantes benefícios para a manutenção da estabilidade devido à exigência do ambiente e dos equipamentos utilizados em relação à movimentação e motivação ao paciente (PAVÃO et al., 2013). Estudos sobre a utilização da RV como método alternativo e complementar de reabilitação em pacientes pós-ave apresentam resultados significativos em diferentes segmentos e aspectos corporais, como melhora do equilíbrio (BARCALA et al., 2011; GIL-GÓMEZ et al., 2011), da função cognitiva, da atenção visual e memória visuoespacial (KIM et al., 2011), da habilidade motora funcional de membros superiores em indivíduos hemiparético (KIM et al., 2011) e melhorias nas atividades de vida diárias dos pacientes (MOUAWAD et al., 2011; TUROLLA et al., 2013). Dessa forma, este trabalho tem por objetivo reunir e analisar os achados no que diz respeito aos benefícios do treinamento por realidade virtual em indivíduos sobreviventes de episódios de acidente vascular encefálico por meio de um levantamento de ensaios clínicos randomizados previamente realizados. 2. METODOLOGIA O presente estudo foi realizado por meio de uma revisão da literatura científica nas bases de dados SciELO, PubMEd, PEDro, Medline, Lilacs, com os seguintes descritores na língua inglesa: stroke (acidente vascular encefálico); virtual reality (realidade virtual); rehabilitation (reabilitação); balance (equilíbrio); hemiparesis (hemiparesia). Foram adotados os seguintes critérios de inclusão: estudos com indivíduos adultos (>18 anos), apenas; estudos que utilizaram grupo de controle para comparação; artigos publicados de 2005 a 2014. Os critérios de exclusão abrangeram: estudos que não utilizaram distribuição da amostra de modo randomizado; estudos não publicados ou não traduzidos para a versão inglesa (esse critério não exclui artigos publicados em outras versões, porém não foram identificados devido aos descritores-chave serem de língua inglesa) e estudos envolvendo dispositivos robóticos. 3. RESULTADOS Após o levantamento bibliográfico referente a ensaios clínicos que analisaram uma comparação entre a reabilitação convencional versus uma reabilitação com uso de realidade virtual, foram encontrados 272 potenciais artigos com base nos descritores de busca. Destes, 212 foram excluídos após leitura de títulos e resumos. Com os 60 restantes, uma nova leitura foi realizada a fim de excluir trabalhos duplicados, restando 33 artigos para posterior leitura completa. Vinte artigos foram excluídos após leitura na íntegra, por não se adequarem aos critérios de inclusão deste estudo, totalizando 13 artigos utilizados para esta revisão da literatura (Figura 1), devidamente descritos na Tabela 1.

45 Figura 1. Processo de seleção dos artigos. Dos 13 artigos selecionados, 4 (30,8%) avaliaram a funcionalidade de membros superiores (MMSS) entre os grupos; 4 (30,8%) estudos analisaram a influência da RV na melhora do equilíbrio e função de membros inferiores (MMII); 2 (15,3%) verificaram a habilidade de marcha e deambulação, exclusivamente; 1 (7,7%) avaliou a função cognitiva; 1 (7,7%) abordou a plasticidade cerebral por meio de exames de ressonância magnética funcional (RMF); e 1 (7,7%) focou os possíveis efeitos da substituição de uma parte de reabilitação convencional pela RV nos grupos estudados. Em relação à função e mobilidade de MMSS, três dos quatro ensaios encontrados relataram melhoras significativas do grupo intervenção sobre o grupo controle, demonstrando que a RV promoveu maiores benefícios ao desempenho de atividades envolvendo mobilização dos membros. Um dos artigos encontrou pequenas melhoras nos distúrbios de MMSS, porém não significantes estatisticamente. No que se refere ao equilíbrio, todos os ensaios apresentaram melhoras significativas advindas da RV em relação à reabilitação convencional. Entre os quatro trabalhos publicados, apenas um não observou melhora significativa quanto ao equilíbrio estático; em contrapartida, o equilíbrio dinâmico melhorou significativamente em relação ao grupo controle. As habilidades de marcha apresentaram desempenhos significativos nos grupos intervenção comparados aos do grupo controle. Um dos artigos não observou melhoras no quesito cadência (número de passos); o comprimento de passada, embora sem diferença significativa, foi maior no grupo RV. Melhoras cognitivas, no que diz respeito à atenção visual e à memória visuoespacial de curto prazo, apresentaram diferenças significativas no grupo intervenção RV em pacientes com AVE agudo.

46 Mudanças no córtex sensório-motor primário entre os grupos foram observadas por meio de RMF, mais evidentes no grupo intervenção após treino por RV. Um ensaio clínico controlado encontrou que a substituição de uma parte do programa de reabilitação padrão com exercícios por RV foi igualmente eficaz quanto ao tratamento convencional isolado. Tabela 1. Ensaios clínicos correlacionando a terapia por realidade virtual com reabilitação convencional em indivíduos pós-ave. AUTORES DELINEAMENTO GRUPO INTERVENÇÃO GRUPO CONTROLE RESULTADOS YOU et al. (23) randomizado Sistema IREX, com ambientes virtuais para facilitar ADM, equilíbrio, mobilidade e habilidades de passos e deambulação. Não recebeu qualquer intervenção. Diferenças significativas no intervalo de mudança no córtex sensóriomotor primário entre os grupos; melhora da função motora no grupo intervenção. YANG et al. (24) randomizado, controlado, único cego 11 pacientes submetidos a treino em esteira por meio da RV. 11 pacientes submetidos a treino em esteira tradicional. Melhora significativa do grupo experimental pós-treino em RV quando comparado ao grupo controle, além do tempo e velocidade de execução na comunidade. KIM et al. (25) randomizado, controlado, duplo cego 12 indivíduos com hemiparesia pós-ave submetidos a reabilitação convencional por 40 minutos por dia, 4 vezes por semana durante 4 semanas, associada a treino por RV por 30 minutos adicionais a cada sessão. 12 indivíduos com hemiparesia pós- AVE submetidos a reabilitação convencional por 40 minutos por dia, 4 vezes por semana durante 4 semanas, associada a treino por RV por 30 minutos adicionais a cada sessão. Melhora estatisticamente significativa no equilíbrio dinâmico e estático comparado ao grupo controle, bem como na velocidade da marcha e passos, cadência, comprimento do passo e da passada. SAPOSNIK et al. (26) randomizado, simplescego, piloto 9 participantes submetidos a reabilitação padrão associada ao uso de RV utilizando o sistema Wii. 8 participantes submetidos a reabilitação padrão associada a terapia recreacional (jogo de cartas, bingo ou Jenga ). Grupo intervenção apresentou melhora significante quanto à função motora. Ambos os grupos demonstraram melhoras em relação à coordenação motora grossa. CAMEIRÃO et al. (27) randomizado, controlado, piloto 8 pacientes submetidos a reabilitação padrão associada a 3 sessões por semana com duração de 20 minutos com uso do sistema de jogos RGS. 8 pacientes divididos em dois subgrupos: 1) TO pura e 2) Jogos interativos não específicos (sistema Wii). Grupo intervenção apresentou melhora significativa no desempenho da velocidade do braço parético e recuperação funcional.

47 KIM et al (13) randomizado Participantes (n=15) foram submetidos a reabilitação cognitiva assistida por computador com duração de 30 minutos, 2 vezes por semana, num total de 4 semanas, associada ao treino por RV (30 minutos de duração, 3 vezes por semana, num total de 4 semanas). Participantes (n=13) submetidos à reabilitação cognitiva assistida por computador isolada, com duração de 30 minutos, 5 vezes por semana num total de 4 semanas. Melhora significante no grupo intervenção comparado ao controle em relação à atenção visual e memória visuoespacial de curto prazo em pacientes com AVE agudo. CHO; LEE; SONG (28) randomizado 11 indivíduos submetidos a 60 minutos de reabilitação padrão (30 minutos de fisioterapia e 30 minutos de TO), 5 vezes por semana durante 6 semanas associada a 30 minutos adicionais diários, 3 vezes por semana durante 6 semanas de treino por RV. 11 indivíduos submetidos a 60 minutos de reabilitação padrão apenas (30 minutos de fisioterapia e 30 minutos de TO), 5 vezes por semana durante 6 semanas. Melhora significativa do grupo intervenção em relação ao grupo controle quanto ao equilíbrio dinâmico. Não houve melhora significativa no equilíbrio estático. CROSBIE et al. (29) randomizado, controlado, piloto 9 indivíduos submetidos a 3 semanas (9 sessões) de treinamento por RV em terapia de membros superiores com duração de 30 a 45 minutos cada sessão, 3 vezes por semana. 9 indivíduos submetidos a fisioterapia convencional baseada em evidências com facilitação muscular, alongamento, fortalecimento e tarefas funcionais. Ambos os grupos apresentaram mudanças pequenas, porém não significantes, em seus distúrbios do braço e níveis de atividades. RAJARATNAM et al. (30) randomizado, duplo cego 15 sessões de reabilitação convencional de 40 minutos e 20 minutos de treino de equilíbrio por meio de RV (sistema Wii ou Kinect) durante internação hospitalar. 15 sessões de reabilitação convencional por 60 minutos durante internação hospitalar. Diferenças significativas na pontuação do FRT entre os grupos, ocasionando em melhora funcional da mobilidade e equilíbrio. PARK; LEE; LEE (31) randomizado, simplescego 8 pacientes submetidos a fisioterapia convencional 60 minutos por dia, 5 dias por semana em 4 semanas. Adicionalmente, por 3 vezes na semana receberam ainda 30 minutos de reabilitação convencional. 8 pacientes submetidos a RV 30 minutos por dia, 3 dias por semana adicionalmente à fisioterapia convencional por 60 minutos por dia, 5 dias por semana em 4 semanas. Grupo experimental apresentou melhora significativa nas habilidades de marcha, exceto em cadência. O comprimento de passada foi maior em RV, porém sem diferenças significativas. SINGH et al. (32) controlado 15 pacientes submetidos a 30 minutos de treino de equilíbrio por meio de RV associado a 90 minutos de terapia padrão. 13 pacientes submetidos a terapia padrão com duração de 2 horas, conduzido por um fisioterapeuta, com exercícios de alongamento, equilíbrio, coordenação e funcionais. Não houve diferenças significativas entre os grupos estudados, demonstrando que a substituição de uma parte do programa de fisioterapia padrão foi igualmente eficaz na manutenção da função física e AVDs quanto a reabilitação isolada. SIN; LEE (33) randomizado, únicocego 20 indivíduos submetidos a RV utilizando Xbox Kinect por 30 minutos seguido de 30 minutos de terapia ocupacional. 20 indivíduos submetidos a 30 minutos de terapia ocupacional, apenas. Melhora significante na ADM de flexão, extensão e abdução do ombro; flexão de cotovelo e flexão e extensão de punho; função motora e destreza manual grossa.

48 MCEWEN et al. (34) randomizado, controlado, simplescego 30 pacientes vítimas de AVC em regime de internamento submetidos a de 10 a 12 sessões de programa de reabilitação padrão associada a 20 minutos diários de RV por 3 semanas com jogos que exigiam descarga de peso e equilíbrio na posição de pé. 29 pacientes vítimas de AVC em regime de internamento submetidos a de 10 a 12 sessões de programa de reabilitação padrão associada a 20 minutos diários de RV por 3 semanas, com jogos que não exigiam qualquer descarga de peso dentro de sua base de apoio, na posição sentada. Melhora das incapacidades em membros inferiores. Embora tenham sido encontradas mínimas diferenças clínicas entre os grupos, os autores notaram ganhos significativos no grupo intervenção em relação ao grupo controle. Legenda: Abreviações: IREX: Interactive Virtual Reality Exercise System; RV: realidade virtual; ADM: amplitude de movimento; RGS: Rehabilitation Gaming System; TO: terapia ocupacional; FRT: Functional Reach Test. Fonte: Dados da pesquisa. 4. DISCUSSÃO O objetivo deste estudo foi identificar os possíveis benefícios da terapia por RV em pacientes adultos pós-ave. A realidade virtual tem apresentado maior vantagem para a reabilitação de incapacidades por implementar circunstâncias específicas em um ambiente tridimensional (KIM et al., 2011), incorporando múltiplas ações dentro dos jogos e expondo o indivíduo a diferentes níveis de dificuldade (RAJARATNAM et al., 2013). Dessa forma, ensaios clínicos baseados em programas de exercícios por meio da RV têm investigado seus efeitos adicionais dentro do contexto de reabilitação pós-ave, comparando com programas tradicionais anteriormente aplicados. Melhora da funcionalidade de MMSS foram encontrados em quatro dos 13 artigos selecionados, e os benefícios da RV nesse aspecto vão desde ganho de ADM até melhora da coordenação motora. Saposnik et al. (2010) avaliaram a viabilidade da RV na facilitação motora da extremidade superior necessária para a execução de atividades de vida diária entre pacientes com AVE subagudo, comparando com um grupo controle (GC). O grupo intervenção (GI), submetido a RV por meio do sistema Wii, apresentou uma melhora significativa no aprendizado da função motora de 7 segundos por meio da escala Wolf Motor Function Test, demonstrando que a tecnologia de jogos é uma ferramenta alternativa viável, segura e potencialmente efetiva na recuperação do AVE. Posteriormente, outro estudo avaliou a habilidade motora e recuperação funcional de MMSS, desta vez na fase aguda (CAMEIRÃO et al., 2011). Os resultados indicaram que o grupo RV obteve melhor desempenho quando comparado ao controle, tornando o dispositivo um instrumento promissor para a reabilitação neurológica, com melhoras estatisticamente significantes. A recuperação motora de membros hemiplégicos foi analisada por Crosbie et al. (2012) em um estudo piloto, em que 18 indivíduos foram igualmente divididos de maneira aleatória entre um grupo controle, submetido a fisioterapia convencional (exercícios de alongamento, tarefas funcionais, fortalecimento e facilitação neuromuscular) e um grupo intervenção (exercícios para treino de MMSS por meio de RV). Os pesquisadores encontraram pequenas mudanças entre os grupos, porém não significantes, demonstrando que ensaios maiores com, no mínimo, 39 participantes por grupo devem ser realizados para obter resultados estatisticamente significantes. Sin e Lee (2013) investigaram os efeitos do treino adicional por RV na função motora, coordenação motora grossa e ADM de MMSS de pacientes sobreviventes de AVE com hemiplegia com o sistema Xbox Kinect. O grupo controle foi submetido a terapia ocupacional isolada, enquanto o grupo intervenção recebeu o mesmo tratamento, complementado por 30 minutos adicionais de RV. Após a intervenção, melhoras significantes foram observadas no grupo intervenção quanto a ADM de flexão, extensão e abdução do ombro; flexão de cotovelo; flexão e extensão de punho. Ainda pode-se observar melhora da coordenação/destreza manual grossa e função motora dos membros superiores. Isso deve estar relacionado ao fato de que o treino por RV utilizado foi composto de tarefas intensivas e repetitivas, além de ser uma intervenção nova, o sujeito não havia

experimentado tais oportunidades previamente, tornando-o capaz ainda de visualizar seus movimentos em tempo real, aumentando sua motivação. O aprimoramento do equilíbrio foi outro aspecto de maior estudo entre os artigos selecionados para a presente revisão. Kim et al. (2009) verificaram o uso da RV na melhora do equilíbrio e deambulação por meio de um ensaio clínico randomizado duplo-cego. Vinte e quatro pacientes foram igualmente divididos em dois grupos GC, que recebeu apenas fisioterapia convencional, e GI, submetido a fisioterapia padrão e treino adicional por RV. O GI mostrou melhoras no equilíbrio dinâmico estatisticamente significantes pela Escala de Equilíbrio de Berg, quando comparado ao GC, indicando efeitos terapêuticos aumentados por RV. Além disso, ganhos nas habilidades de marcha foram identificados no mesmo estudo no que diz respeito a velocidade, cadência, comprimento de passos e passada. Dessa forma, o ensaio clínico demonstra que a RV tem um efeito adicional no tratamento de paciente com acidente vascular encefálico crônico hemiparético, possibilitando sua inclusão em programas de recuperação motora e funcional. Outro estudo avaliando melhora do equilíbrio foi realizado por Cho, Lee e Song (2012), em que os autores utilizaram o sistema Wii Fit como intervenção por 6 semanas. O equilíbrio dinâmico foi aprimorado de maneira mais significante no grupo tratamento em relação ao controle, porém o equilíbrio estático não foi tão beneficiado. O mesmo ocorreu no estudo anterior (KIM et al., 2009), que pode ser explicado pelo fato de que o ambiente virtual estimula os domínios dinâmicos de estabilidade postural pela descarga de peso e oscilações em todas as direções exigidas durante a atividade. Pacientes com episódio recente de AVE também apresentaram bons resultados no trabalho de Rajaratnam et al. (2013), ainda em internação hospitalar. Os indivíduos foram submetidos a 15 sessões de reabilitação convencional (60 minutos) no GC e 15 sessões de reabilitação padrão e treino em RV (40 e 20 minutos, respectivamente) no GI. Os resultados indicam melhora significativa da mobilidade funcional e equilíbrio do GI sobre o GC e, um dos pontos mais fortes deste estudo, sem aumentar o tempo de tratamento entre os grupos. Nesse aspecto, um estudo similar demonstra que a substituição de uma parte do programa de fisioterapia padrão pela RV foi igualmente eficaz quanto ao tratamento padrão isolado para manutenção da função física de sobreviventes de AVE residentes na comunidade. Recentemente, o uso de RV em regime hospitalar foi novamente utilizado e seus resultados publicados por McEwen et al. (2014). Os autores encontraram mínimas diferenças clínicas entre os grupos, contudo os mesmos consideraram a existência de grandes melhorias no grupo que realizou a complementação com RV clinicamente significativas. Dois estudos alcançaram melhorias na marcha com a utilização da RV. Yang et al. (2008) encontraram melhoras significantes no grupo tratamento quando comparado ao grupo controle na velocidade de caminhada e no tempo de caminhada na comunidade após treino em esteira. Esses resultados indicam resultados positivos para a transferência de treino em ambiente virtual para a prática atual. Park, Lee e Lee (2013) avaliaram a habilidade de marcha e controle postural em pacientes com AVE. Os sujeitos no grupo tratamento mostraram melhora significativa nos parâmetros de marcha, exceto em cadência. Embora com uma pequena amostra (n=16), os achados desse estudo demonstram que o treino por RV proporciona efeitos positivos nas habilidades de marcha. Vale destacar que não apenas benefícios físicos quanto ao uso da realidade virtual são apresentados. O componente cognitivo também foi avaliado por Kim et al. (2011), os pacientes foram aleatoriamente alocados em um grupo controle, submetido a reabilitação cognitiva isolada assistida por computador e um grupo intervenção, submetido a reabilitação cognitiva assistida por computador associada a treino adicional (30 minutos) por RV. O GI melhorou significativamente a atenção visual e memória visuoespacial de curto prazo em relação ao GC após treino por RV, sugerindo que a interface virtual, combinada à reabilitação cognitiva, pode apresentar benefícios adicionais para o tratamento de distúrbios em pacientes pós-ave. Além disso, You et al. (2005) procuraram identificar os efeitos da RV na reorganização cortical e recuperação locomotora associada em pacientes com acidente vascular encefálico. O estudo utilizou a aquisição de imagens por ressonância magnética funcional (RMF), e foi possível identificar diferenças 49

50 significativas nos intervalos de mudança no córtex sensório-motor primário, além de melhoras na função motora. Esses achados demonstram que a RV induz à reorganização cortical e que isso pode desempenhar um papel importante na recuperação da função locomotora pós-ave, sendo o primeiro estudo na literatura a fornecer evidências da neuroplasticidade após RV. 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS A análise dos ensaios clínicos selecionados neste estudo permite observar inúmeros benefícios aos sobreviventes de acidente vascular encefálico, independentemente de seu estágio (agudo, subagudo ou crônico) ou local de aplicação (regime de internação hospitalar, serviços especializados em reabilitação ou comunidade). Entre os fatores mais evidentes neste estudo, encontram-se aprimoramentos físicos quanto a equilíbrio dinâmico, mobilidade e funcionalidade de MMSS e qualidade da marcha, além de melhora da atenção-visual, memória visuoespacial e reorganização cortical. A qualidade metodológica da maioria dos artigos foi satisfatória, apesar de alguns fatores deixarem a desejar, como tamanho de amostras pequeno, ausência de blindagem dos avaliadores e não acompanhamento a longo prazo. Contudo, pode-se afirmar que a RV apresenta efeitos adicionais significantes aplicados a pacientes com AVE e é uma nova ferramenta promissora adicional para a reabilitação, que não substitui o programa de recuperação tradicional nem dispensa acompanhamento profissional. O recurso aprimora os resultados, complementando a processo de reabilitação tradicional, além de se demonstrar como um componente motivacional que auxilia na adesão do paciente ao tratamento. REFERÊNCIAS BARCALA, L. et al. Análise do equilíbrio em pacientes hemiparéticos após o treino com o programa Wii Fit. Fisioter Mov., v. 24, n. 2. p. 337-343, 2011. BRANDÃO, A. D.; LASKOVSKI, L.; GARANHANI, M. R. Estratégias de fisioterapia com enfoque na prevenção da dor no ombro de pacientes hemiplégicos: revisão narrativa da literatura. Fisioter Mov., v. 21, n. 4, p. 71-78, 2008. BRAUN, A.; HERBER, V.; MICHAELSEN, S. M. Relação entre nível de atividade física, equilíbrio e qualidade de vida em indivíduos com hemiparesia. Rev Bras Med Esporte, v. 18, n. 1, 2012. CAMEIRÃO, M. S. et al. Virtual reality based rehabilitation speeds up functional recovery of the upper extremities after stroke: a randomized controlled pilot study in the acute phase of stroke using the Rehabilitation Gaming System. Restorative Neurology and Neuroscience, v. 29, n. 5, p. 287-298, 2011. CHO, K. H.; LEE, K. J.; SONG, C. H. Virtual-reality balance training with a video-game system improves dynamic balance in chronic stroke patients. Tohoku J Exp Med., v. 228, n. 1, p. 69-74, 2012. CLARK, R. A. et al. Validity and reliability of the Nintendo Wii Balance Board for assessment of standing balance. Gait & Posture, v. 31, n. 3, p. 307-310, 2010. CROSBIE, J. H. et al. Virtual reality in the rehabilitation of the arm after hemiplegic stroke: a randomized controlled pilot study. Clin Rehabil., v. 26, n. 9, p.798-806, 2012. CRUZ, K. C. T.; DIOGO, M. J. D. Avaliação da capacidade funcional de idosos com acidente vascular encefálico. Acta Paul Enferm., v. 22, n. 5, p. 666-672, 2009. FERNANDES, M. B. et al. Independência funcional de indivíduos hemiparéticos crônicos e sua relação com a fisioterapia. Fisioter Mov., v. 25, n. 2, p. 333-341, 2012. GIL-GÓMEZ, J. A. et al. Effectiveness of a Wii balance board-based system (ebavir) for balance rehabilitation: a pilot randomized clinical trial in patients with acquired brain injury. Journal of Neuroengineering and Rehabilitation, v. 8, n. 30, p. 1-9, 2011. KIM, J. H. et al. Use of a virtual reality to enhance balance and ambulation in chronic stroke: a double-blind, randomized controlled study. Am J Phys Med Rehabil., v. 88, n. 9, p. 693-701, 2009. KIM, B. R. et al. Effect of virtual reality on cognition in stroke patients. Ann Rehabil Med., v. 35, n. 4, p. 450-459, 2011.

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