Introdução à Neurociência Computacional

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Transcrição:

Introdução à Neurociência Computacional Antonio C. Roque USP, Ribeirão Preto, SP Aula 3 A base iônica do potencial de ação

Qual o mecanismo responsável pela geração de um potencial de ação?

O mecanismo iônico responsável pela geração de um potencial de ação foi elucidado pelos trabalhos experimentais e teóricos de Hodgkin e Huxley com o axônio gigante de lula O estudos de Hodgkin e Huxley foram iniciados em 1939, interrompidos durante a Segunda Guerra Mundial e terminados com a publicação de uma série de arugos em 1952 Eles receberam o prêmio Nobel de medicina e fisiologia de 1963 por esse trabalho.

Capa do programa da cerimônia de entrega do Prêmio Nobel de Medicina e Fisiologia de 1963

Primeiro registro de um potencial de ação, feito por Hodgkin e Huxley em 1939 com um microeletrodo inserido no axônio gigante de lula

Potencial de equilíbrio (Nernst)! =!"!" ln! fora! dentro R é a constante dos gases (8,314 J/K.mol) T é a temperatura absoluta (K) z é a valência do íon (adimensional) F é a constante de Faraday (9,648x10 4 C/mol [C] é a concentração do íon

Se apenas o K + pudesse passar através da membrana, o potencial de equilíbrio seria E K + = 0, 0252 z [ ] fora = 25, 2x10 3 ln 20 [ ] dentro ln C C 400 = 75.10 3 V = 75 mv. Se apenas o Na + pudesse passar através da membrana, o potencial de equilíbrio seria E Na + = 0, 0252 z [ ] fora = 25, 2x10 3 ln 440 [ ] dentro ln C C 50 = 55.10 3 V = 55 mv.

Hipótese de Hodgkin e Huxley No repouso, o potencial de membrana da célula é muito mais próximo do potencial de equilíbrio do potássio do que do potencial de equilíbrio do sódio Isto ocorre porque a membrana neuronal, no repouso, é muito mais permeável ao potássio que ao sódio Porém, quando a membrana é despolarizada sua permeabilidade ao sódio é fortemente aumentada e torna- se maior que a permeabilidade ao potássio Como a membrana fica mais permeável ao sódio, o potencial de equilíbrio é forçado a ir para o potencial de equilíbrio do sódio, que é posiuvo

O aumento da permeabilidade da membrana ao sódio é transiente, de maneira que um breve período de tempo depois que o potencial de membrana cresce a membrana volta a ficar mais permeável ao potássio Como a membrana torna- se novamente mais permeável ao potássio, o potencial de membrana é forçado a ir para o potencial de equilíbrio do potássio O potencial de equilíbrio do potássio é mais negauvo que o potencial de repouso e isto explica a fase de hiperpolarização Com o tempo, as permeabilidades da membrana ao potássio e sódio (e demais íons) voltam ao normal e o potencial volta ao valor de repouso

Fluxo iônico durante um potencial de ação Na + K + Exterior: excesso de Na + Interior: excesso de K +

Como Hodgkin e Huxley chegaram à sua hipótese?

Primeiro experimento: Sódio extracelular é necessário para a geração de potenciais de ação Registro intracelular do potencial de membrana do axônio gigante de lula imerso em soluções salinas (NaCl) com quanudades normais de Na + e quanudades reduzidas de Na + (em que o Na + foi subsutuído por colina): a1. solução salina normal; a2. 16 min após redução de Na + a 33% do normal; a3. 13 min após reintrodução de Na + ; b1. solução salina normal; b2. 15 min após redução de Na + a 50% do normal; b3. 6 min após reintrodução de Na + ; c1. solução salina normal; c2. 16 min após redução de Na + a 71% do normal; c3. 7 min após reintrodução de Na +. Figura adaptada de Hodgkin e Katz (1949)

Segundo experimento: fixação espacial e fixação de voltagem Fixação espacial: um eletrodo fino é inserido longitudinalmente ao longo do axônio. A resistência do eletrodo é tão baixa que pode- se considerar que todos os pontos ao longo do axônio têm o mesmo potencial elétrico a cada instante de tempo. EfeUvamente, a célula torna- se pontual e seu potencial depende apenas do tempo. Fixação de voltagem: um segundo eletrodo é inserido ao longo do axônio e um terceiro é colocado do lado de fora para que se meça a diferença de potencial entre os dois. O primeiro eletrodo é usado para injetar corrente na célula na quanudade exata para manter essa diferença de potencial num valor fixo desejado.

Quando o potencial é elevado abruptamente do seu valor de repouso para um valor despolarizado e manudo fixo nesse valor, a corrente injetada tem um comportamento como o mostrado abaixo Por convenção, correntes para fora da célula são consideradas posi,vas e correntes para dentro nega,vas

A corrente de membrana tem 3 componentes 1. Brevíssimo pulso de corrente (microsegundos) para fora da célula. Corresponde ao carregamento do capacitor que é a membrana, pois o aumento da voltagem implica numa variação da carga armazenada na superqcie da membrana 2. Corrente para dentro da célula com duração de 1 a 2 ms. Experimentos em que os íons de Na + no meio extracelular foram subsutuídos por outros íons monovalentes mostraram que essa corrente é devida à entrada de íons de Na + na célula 3. Corrente para fora da célula que se manifesta em aproximadamente 4 ms e permanece estável pelo tempo de duração da fixação de voltagem. Estudos com traçadores iônicos revelaram que essa corrente é devida a íons de potássio. (Em uma escala de tempo de várias dezenas de milisegundos, essa corrente de K + vai para zero)

Separação das correntes de Na + e K + Corrente de K + é persistente Corrente de Na + é transiente Comportamento da corrente de membrana em função do tempo quando se mantém a voltagem fixada em 9 mv (56 mv acima do valor de repouso). A corrente total medida está indicada por I + I K. A corrente total quando o axônio está imerso em um banho com apenas Na 10% da concentração normal de sódio está indicada por I K ; e a corrente obuda pela diferença entre a corrente total e a corrente na presença de pouco sódio está indicada por I Na.