EDUARDO RAFAEL WICHINHEVSKI AUSÊNCIA DE LITISPENDÊNCIA ENTRE AÇÃO INDIVIDUAL E AÇÃO CIVIL PÚBLICA NA TUTELA DE INTERESSES INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS



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Transcrição:

EDUARDO RAFAEL WICHINHEVSKI AUSÊNCIA DE LITISPENDÊNCIA ENTRE AÇÃO INDIVIDUAL E AÇÃO CIVIL PÚBLICA NA TUTELA DE INTERESSES INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS Monografia apresentada como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Direito. Curso de Direito, Núcleo de Ciências Humanas e Sociais Aplicadas da Universidade Positivo. Orientador: Prof. Ms. Alberto Rodrigo Patiño Vargas CURITIBA 2012

À minha mãe Maria e ao meu filho Henzo. 2

3 AGRADECIMENTOS Agradeço à coordenação do curso de Direito da Universidade Positivo e a coordenação de monografias, pela estrutura oferecida para a realização do presente trabalho. Agradeço ao Professor Alberto Rodrigo Patiño Vargas, por despertar ainda mais o meu interesse na matéria, bem como por sua atenção, paciência e disponibilidade durante o período de orientação. Agradeço a todos os professores que tive a oportunidade e privilégio de assistir as aulas, os quais contribuíram para o meu interesse sobre o Direito. Por fim, agradeço à minha mãe e ao meu filho Henzo, que sempre estiveram ao meu lado, incentivando meus estudos e consequentemente a produção do presente trabalho.

4 SUMÁRIO RESUMO... 6 1 INTRODUÇÃO... 7 2 JURISDIÇÃO E AÇÃO... 8 2.1 JURISDIÇÃO... 9 2.2 AÇÃO... 9 2.2.1 Breve histórico... 10 2.2.2 Possibilidade jurídica do pedido... 12 2.2.3 A legitimidade para a causa... 14 2.2.4 Interesse de agir... 16 2.2.5 Direito de ação... 17 3 TUTELA JURISDICIONAL INDIVIDUAL E COLETIVA... 19 3.1 AÇÃO CIVIL PÚBLICA... 20 3.2 NATUREZA DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA... 20 3.3 INTERESSES TUTELÁVEIS NA AÇÃO CIVIL PÚBLICA... 21 3.3.1 Interesses difusos... 21 3.3.2 Interesses coletivos... 22 3.3.3 Interesses individuais homogêneos... 24 3.4 LEGITIMAÇÃO PARA AGIR... 25 3.4.1 Legitimados ativos... 26 3.4.2 Legitimados passivos... 27 3.4.3 Ministério público como legitimado passivo... 28 3.4.4 Autoridades no polo passivo... 28 4. ACORDOS NA AÇÃO CIVIL PÚBLICA... 29 5. COISA JULGADA NA AÇÃO CIVIL PÚBLICA... 33 5.1 COISA JULGADA COMO UM FENÔMENO PROCESSUAL... 33 5.2 OS LIMITES TERRITORIAIS DA COISA JULGADA... 33 5.3 COISA JULGADA NOS INTERESSES DIFUSOS, COLETIVOS E INTERESSES INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS... 36 5.4 A MITIGAÇÃO DA COISA JULGADA NAS AÇÕES COLETIVAS... 38 6. CONEXIDADE, CONTINÊNCIA E LITISPENDÊNCIA... 41 6.1 CONEXIDADE E CONTINÊNCIA... 41

5 6.2 LITISPENDÊNCIA... 42 6.2.1 Implicações práticas da violação ao direito constitucional à jurisdição e a disposição do artigo 104 do código de defesa do consumidor... 44 7 CONCLUSÃO... 46 REFERÊNCIAS... 47

6 RESUMO O presente estudo teve por escopo analisar os interesses tuteláveis por uma ação civil pública, bem como, correlacionar tais interesses com a formação da coisa julgada e demonstrar que não há litispendência entre ação individual e ação civil pública que tutele interesses individuais homogêneos. Inicialmente foram abordadas as questões sobre jurisdição e ação. Após, passou-se a analisar as diferenças entre tutela jurisdicional individual e coletiva. Em seguida, foram analisadas as questões atinentes à coisa julgada coletiva, verificando as peculiaridades de acordo com o interesse tutelado (coletivo, difuso e individual homogêneo). Por fim, foi verificada a possibilidade de conexão, continência e litispendência entre ação civil pública e ação individual, demonstrando que não há que se falar em litispendência devendo sempre prevalecer o direito constitucional de acesso à jurisdição mesmo que a ação civil pública trate da mesma causa de pedir e pedido de uma possível ação individual. Palavras-chave: Direito Constitucional à jurisdição; ausência de litispendência; interesses individuais homogêneos; autonomia do autor de ação individual;

7 1 INTRODUÇÃO Diante da existência de conflito de interesses, os indivíduos, em regra, não podem utilizar das próprias forças para solucioná-lo, desse modo o Estado assume o dever de exercer a atividade jurisdicional, para que, dotado de imparcialidade e imperatividade aponte a solução mais adequada para o caso levado a sua apreciação. O desenvolvimento da atividade jurisdicional ocorrerá por meio do processo, que segundo o doutrinador Rodrigo da Cunha Lima Freire, é a via pela qual o Estado realiza a jurisdição, em face do exercício da ação 1, não havendo como estuda-lo sem os institutos da jurisdição e ação, pois são correlativos e estruturais para o direito processual civil 2. Por vezes, a lesão poderá ser coletiva, ou seja, transcenderá a esfera do indivíduo alcançando toda a comunidade ou porções dela, e diante dessa situação existirá a legitimação extraordinária. Por meio da legitimação extraordinária, ocorrerá uma substituição processual, pois teremos alguém em nome próprio defendendo interesse alheio. Nesse contexto, emerge a relevância do estudo das ações coletivas, que muitas vezes, poderão tramitar simultaneamente com ações individuais promovidas por aqueles que poderiam beneficiar-se da coisa julgada coletiva. Essa simultaneidade pode causar graves violações para o indivíduo lesado, pois o ajuizamento da ação civil pública nem sempre corresponderá com a sua pretensão. Nessa seara, evidencia-se a possibilidade de ocorrência de decisões distintas sobre a mesma causa de pedir e pedido. Diante desse cenário, algumas questões se mostram pertinentes, a saber: Quais são os interesses tuteláveis pela Ação Civil Pública? Quem são os legitimados extraordinários que atuarão como substitutos dos lesados individuais? É possível a ocorrência de acordos na Ação Civil Pública? 1 FREIRE, Rodrigo da Cunha Lima. Condições da ação: enfoque no interesse de agir. São Paulo Ed. Revistas dos Tribunais, 2001 p.34. 2 FREIRE, Rodrigo da Cunha Lima. Condições da ação: enfoque no interesse de agir. São Paulo Ed. Revistas dos Tribunais, 2001 p.34.

8 Qual é a extensão da coisa julgada coletiva? Com o ajuizamento da ação civil pública, a ação individual deve ser suspensa, extinta sem julgamento do mérito ou prosseguir sem sofrer influência das implicações da ação coletiva? É nesse contexto que o presente trabalho se propõe a demonstrar, por meio de dispositivos legais e entendimento jurisprudencial, as respostas para os questionamentos supracitados.

9 2 JURISDIÇÃO E AÇÃO 2.1 JURISDIÇÃO A jurisdição exerce uma função essencial do Estado moderno. O doutrinador Rodrigo da Cunha Lima Freire entende que a jurisdição difere-se da função legislativa e administrativa por fazer atuar o direito diante do caso concreto, com imparcialidade, servindo como meio de ordenação e pacificação social e reequilibrando, de forma segura, as relações jurídicas 3. Assim, a jurisdição não pode ser analisada apenas como uma função, mas também como um poder e uma atividade estatal 4. Como poder 5, a jurisdição consiste na capacidade do Estado decidir imperativamente, ou seja, impor decisões. Como função 6, demonstra o ônus dos órgãos estatais em resolver da melhor forma os conflitos por meio do devido processo legal. Enquanto atividade 7, a jurisdição se exterioriza pelos atos praticados pelo juiz durante o trâmite processual. 2.2 AÇÃO O Estado possui o encargo de decidir os conflitos, e por isso, a ação torna-se uma consequência lógica de tal dever. Pela ação será exigida a prestação jurisdicional do Estado que será instrumentada por meio do processo 8. Durante muito tempo a ação foi conceituada como parte integrante do direito subjetivo. A mudança dessa conceituação adveio no ano de 1856, com a apresentação da monografia escrita por Windscheid, em que se passou a 3 FREIRE, Rodrigo da Cunha Lima. Condições da ação: enfoque no interesse de agir. São Paulo Ed. Revistas dos Tribunais, 2001 p.33. 4 FREIRE, Rodrigo da Cunha Lima. Condições da ação: enfoque no interesse de agir. São Paulo Ed. Revistas dos Tribunais, 2001 p.33. 5 FREIRE, Rodrigo da Cunha Lima. Condições da ação: enfoque no interesse de agir. São Paulo Ed. Revistas dos Tribunais, 2001 p.33. 6 FREIRE, Rodrigo da Cunha Lima. Condições da ação: enfoque no interesse de agir. São Paulo Ed. Revistas dos Tribunais, 2001 p.33. 7 FREIRE, Rodrigo da Cunha Lima. Condições da ação: enfoque no interesse de agir. São Paulo Ed. Revistas dos Tribunais, 2001 p.33. 8 FREIRE, Rodrigo da Cunha Lima. Condições da ação: enfoque no interesse de agir. São Paulo Ed. Revistas dos Tribunais, 2001 p.34.

10 demonstrar a existência de autonomia da ação com relação ao direito subjetivo material 9. A distinção entre direito subjetivo material e a ação propriamente dita, segundo o doutrinador Enrico Tulio Liebman, torna-se evidente por vários aspectos ao passo que: o primeiro deles tem por objeto uma prestação da parte contrária, a ação visa a provocar uma atividade dos órgãos jurisdicionados; justamente por isso, o direito dirige-se à parte contrária e tem, conforme o caso, natureza privada ou pública e um conteúdo que varia caso a caso, enquanto a ação se dirige ao Estado e por isso tem natureza sempre pública e um conteúdo uniforme, qual seja, o pedido de tutela jurisdicional a um direito próprio (embora varie o tipo de provimento que cada vez se pede ao juiz). 10 Feita a distinção entre direito subjetivo e ação, esta deve ser encarada como um direito ao processo e a um julgamento do mérito, destacando que o direito de ação não é garantidor de resultado favorável 11, pois o julgamento resultará da convicção do juiz diante do caso concreto. Assim, somente com o exercício da ação 12 será verificado se o autor possui ou não razão, ao passo que a ação é um direito de iniciativa e impulso. Somente com a iniciativa do autor seus direitos e interesses poderão ser resguardados. 2.2.1 Breve histórico O Código de Processo Civil brasileiro de 1973 aborda em seu Livro I, Título I, Capítulo II, o tema ação 13. Muitas teorias foram elaboradas com o objetivo de explicar o que é a ação e suas condições, dentre elas merecem destaque as teorias: civilista; concretista; abstrativista e por fim a teoria eclética 14. 9 LIEBMAN, Enrico Tullio. Manual de direito processual civil. 3 ed. São Pulo: Malheiros, 2005 p. 197. 10 LIEBMAN, Enrico Tullio. Manual de direito processual civil. 3 ed. São Pulo: Malheiros, 2005 p. 198 11 LIEBMAN, Enrico Tullio. Manual de direito processual civil. 3 ed. São Pulo: Malheiros, 2005 p. 200. 12 LIEBMAN, Enrico Tullio. Manual de direito processual civil. 3 ed. São Pulo: Malheiros, 2005 p. 200. 13 BRASIL. Código de Processo Civil Lei ordinária n. 5869, 17 de janeiro de 1973. Diário Oficial de 17/jan./1973. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5869compilada.htm>. Acesso em: 10/set./2012.

11 Para a teoria civilista, a ação complementava a noção do direito material, e por isso havia uma relação muito próxima entre esses dois conceitos. Desta forma, não existia direito material sem ação e nem ação sem o direito material 15. Na teoria concretista o direito de ação correspondia necessariamente a um julgamento favorável, ou seja, somente haveria ação se um direito material fosse lesado. Após o surgimento desta teoria iniciou-se a discussão sobre as condições da ação 16. O direito de ação, na teoria abstrativista, estava relacionado ao pronunciamento do juiz, independentemente do resultado atingido. Essa teoria defende também que o direito de ação é abstrato, não havendo a necessidade de um direito substancial para torná-lo efetivo 17. Já para a teoria eclética, elaborada por Liebman, adotada por o nosso código de processo civil, o direito de ação é o direito a um julgamento de mérito, seja favorável ou não, mas exige o mérito. Essa teoria procurou fazer uma adaptação à teoria abstrata, mencionando que para a realização de uma sentença de mérito necessário se faz o preenchimento de determinados requisitos denominados de condições da ação 18. Feitas essas considerações, e tendo como base a teoria eclética, conclui-se que a presença das condições da ação (possibilidade jurídica do pedido, a legitimidade para a causa, interesse de agir e possibilidade jurídica do pedido 19 ), é obrigatória para obtenção de uma sentença de mérito. 14 FREIRE, Rodrigo da Cunha Lima. Condições da ação: enfoque no interesse de agir. São Paulo Ed. Revistas dos Tribunais, 2001 p.47. 15 FREIRE, Rodrigo da Cunha Lima. Condições da ação: enfoque no interesse de agir. São Paulo Ed. Revistas dos Tribunais, 2001 p.47-48. 16 FREIRE, Rodrigo da Cunha Lima. Condições da ação: enfoque no interesse de agir. São Paulo Ed. Revistas dos Tribunais, 2001 p.48 a 50. 17 FREIRE, Rodrigo da Cunha Lima. Condições da ação: enfoque no interesse de agir. São Paulo Ed. Revistas dos Tribunais, 2001 p.50-51. 18 FREIRE, Rodrigo da Cunha Lima. Condições da ação: enfoque no interesse de agir. São Paulo Ed. Revistas dos Tribunais, 2001 p.52-53. 19 DIDIER, Fredie Jr. Curso de Direito Processual Civil. Salvador. 2009 Ed. Jus Podivm, 11 ed, v.1 p.179.

12 2.2.2 Possibilidade jurídica do pedido Sem interesse ou legitimidade, nos termos do artigo 3 do Código de Processo Civil, não há como o indivíduo ingressar com uma ação ou contestá-la. Porém com fulcro no artigo 267, inciso VI, do mesmo código, o processo será extinto sem julgamento do mérito quando não concorrer quaisquer condições da ação, como a possibilidade jurídica, interesse processual e legitimidade das partes 20. Nosso Código de Processo Civil adotou as três condições da ação elencadas pela doutrina de Liebman 21, não importando o fato de que o referido doutrinador, a partir da terceira edição de seu Manual de direito processual civil, tenha abandonado o critério da possibilidade jurídica do pedido como sendo uma das condições da ação 22. Ao estudar o conceito de possibilidade jurídica do pedido, de antemão, entende-se que o pedido será possível quando existir no ordenamento jurídico uma previsão que o torne viável. Entretanto, deve ser compreendida quando inexistir no ordenamento jurídico alguma previsão que a torne inviável 23. Candido Rangel Dinamarco entende que a impossibilidade jurídica do pedido deve existir também nos casos de ilicitude da causa de pedir mesmo havendo uma previsão do pedido no ordenamento, nestes termos: O petitum é juridicamente impossível quando se choca com preceitos de direito material, de modo que jamais poderá ser atendido, independentemente dos fatos e das circunstâncias do caso concreto (pedir o desligamento de um Estado da Federação). A causa petendi gera a impossibilidade da demanda quando a ordem jurídica nega que os fatos como alegados pelo autor possam gerar direitos (pedir a condenação com fundamento em dívida de jogo). (...) Daí a insuficiência da locução impossibilidade jurídica do pedido, que se fixa exclusivamente na execução da tutela jurisdicional em virtude da peculiaridade de um dos elementos da demanda o petitum sem considerar os outros dois (partes e causa de pedir). 24 20 DIDIER, Fredie Jr. Curso de Direito Processual Civil. Salvador. 2009 Ed. Jus Podivm, 11 ed, v.1 p.184. 21 LIEBMAN, Enrico Tullio. Manual de direito processual civil. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1985, p.202. 22 DIDIER, Fredie Jr. Curso de Direito Processual Civil. Salvador. 2009 Ed. Jus Podivm, 11 ed, v.1 p.184. 23 DIDIER, Fredie Jr. Curso de Direito Processual Civil. Salvador. 2009 Ed. Jus Podivm, 11 ed, v.1 p.185. 24 DINAMARCO, Candido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. São Paulo: Malheiros, 2001, v.ii, p. 298-299.

13 Porém, há quem defenda que a possibilidade jurídica do pedido não é uma condição da ação, pois o juiz ao pronunciar a impossibilidade jurídica do pedido está ingressando no mérito e, portanto, não poderia proferir uma sentença de extinção sem julgamento do mérito 25. Nessa linha de raciocínio, Teresa Arruda Alvim Wambier entende que a possibilidade jurídica do pedido poderia ser denominada de preliminar de mérito tanto quanto a prescrição e a decadência 26. Já o doutrinador Donaldo Armelin ressalta que a possibilidade jurídica do pedido é uma questão de mérito: Dizer que um pedido é insubsumível às normas jurídicas do sistema jurídico vigente, porque existe uma vedação expressa a respeito, não difere de se julgar que um pedido não pode ser acolhido porque não provou o autor a existência do suporte fático indispensável à sua subsunção à norma legal invocada. Ambos levam à rejeição do pedido em razão de sua carente fundamentação. Apenas em um caso inexistem fundamentos jurídicos; noutro fáticos. Inobstante no caso de vedação expressa do sistema a premissa maior do silogismo judiciário ser inaceitável, e, no caso da falta de prova, ocorrer isso com a premissa menor desse silogismo, ambas as hipóteses, para efeitos processuais, são ontologicamente iguais, ou melhor, deveriam ser no que tange aos efeitos emergentes de sua constatação. 27 Assim, mesmo diante do acerto doutrinário de que a análise da possibilidade jurídica do pedido consiste numa questão de mérito, cabe destacar que a orientação do nosso atual Código de Processo Civil é de que a possibilidade jurídica do pedido, nos termos do seu artigo 267, VI, deve ser enfrentada como uma das condições da ação 28. O posicionamento aplicado pelo Código de Processo Civil brasileiro possui a importante função de filtrar ações, no sentido de que não haveria razão em dar 25 FREIRE, Rodrigo da Cunha Lima. Condições da ação: enfoque no interesse de agir. São Paulo Ed. Revistas dos Tribunais, 2001 p.110. 26 ALVIM, Thereza. Questões prévias e limites objetivos da coisa julgada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p. 94. 27 ARMELIN, Donaldo. Legitimidade para agir no direito processual civil brasileiro. São Paulo: Revistas dos Tribunais, 1979, p. 53. 28 FREIRE, Rodrigo da Cunha Lima. Condições da ação: enfoque no interesse de agir. São Paulo Ed. Revistas dos Tribunais, 2001 p.111.

14 prosseguimento a uma ação tendo o conhecimento de que o resultado inevitavelmente será a improcedência do pedido 29. 2.2.3 A legitimidade para a causa O direito de invocar a atividade jurisdicional, prevista no artigo 5, inciso XXXV, da Constituição Federal 30, é garantido a todos. Porém esse direito constitucional sofre uma restrição necessária, ou seja, não é qualquer pretensão ou objeto litigioso que pode ser levado ao judiciário. Devendo necessariamente existir um vínculo entre os sujeitos da demanda com relação ao objeto da ação. Da referida restrição ao direito constitucional de ação surge à questão da legitimidade para agir, sendo essa uma condição da ação que deve ser investigada com base nos sujeitos da demanda. Os sujeitos da demanda devem estar numa situação jurídica que lhes autorize a produção de atos no intuito de conduzir de maneira regular o processo. A esse poder de conduzir a demanda dá-se o nome de legitimidade ad causam, na qual existirão dois polos distintos: autor e réu. Para compreender o que é a legitimação ad causam, torna-se necessária a divisão desta em duas subdivisões, a saber: legitimação ordinária e legitimação extraordinária 31. A legitimação ordinária existirá quando houver nexo de causalidade entre a situação que legitimou o(s) individuo(s) e as situações jurídicas que dela advém e que será posta a analise do magistrado 32. Já a legitimação extraordinária ocorrerá quando o sujeito defender em nome próprio o direito de outro sujeito. Entretanto, vale destacar que o legitimado 29 FREIRE, Rodrigo da Cunha Lima. Condições da ação: enfoque no interesse de agir. São Paulo Ed. Revistas dos Tribunais, 2001 p.113. 30 BRASIL. Constituição Federal da República Federativa do Brasil, de 1988. Diário Oficial de 05/out./1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%c3%a7ao.htm>. Acesso em: 10/set./2012. 31 DIDIER, Fredie Jr. Curso de Direito Processual Civil. Salvador. 2009 Ed. Jus Podivm, 11 ed, v.1 p.187. 32 DIDIER, Fredie Jr. Curso de Direito Processual Civil. Salvador. 2009 Ed. Jus Podivm, 11 ed, v.1 p.187.

15 extraordinário poderá simultaneamente ser ordinário quando o interesse em discussão lhe disser respeito 33. Realizadas essas considerações sobre a legitimidade para causa, passemos à análise do instituto da legitimação na tutela coletiva, pois como adiante será demonstrado, trata-se de uma questão complexa e controvertida no que tange à possibilidade de existência de uma ação coletiva passiva 34. A legitimação coletiva é concedida para entes despersonalizados, entes públicos, entes privados, bem como ao cidadão diante de uma ação popular. Sendo a legitimação coletiva regulada de forma inicial pelo artigo 5 da Lei Federal número 7347/85 35 e artigo 82 do Código de Defesa do Consumidor 36. O legitimado coletivo torna-se responsável por atuar em nome próprio na defesa de direitos de determinados grupos 37, nos termos do artigo 81 38 do Código de Defesa do Consumidor. Assim, a legitimação coletiva é uma legitimação extraordinária e conforme o entendimento de Fredie Didier Junior, referida legitimação deve sofrer um controle judicial. Sobre o controle judicial e a legitimidade coletiva Fredie Didier afirma que: A análise da legitimação coletiva (e, portanto, do representante adequado) dar-se-ia em duas fases sendo que a primeira é preliminar à segunda: a) legislativa (ope legis): verifica-se se há autorização legal para que determinado ente possa conduzir o processo coletivo; b) Judicial (ope iudicis), em que o controle se opera in concreto, à luz da relação que existe entre aquele que está legalmente legitimado e aquela determinada situação jurídica de direito substancial por ele deduzida em juízo. Surge, então, a figura da pertinência temática, que decorreria da cláusula do devido processo legal, aplicada à tutela jurisdicional coletiva. 39 33 DIDIER, Fredie Jr. Curso de Direito Processual Civil. Salvador. 2009 Ed. Jus Podivm, 11 ed, v.1 p.187-188. 34 DIDIER, Fredie Jr. Curso de Direito Processual Civil. Salvador. 2009 Ed. Jus Podivm, 11 ed, v.1 p.192-193. 35 BRASIL. Lei de Ação Civil Pública. Lei ordinária n. 7347, 24 de julho de 1985. Diário Oficial de 25/jul./1985. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7347orig.htm>. Acesso em: 10/set./2012. 36 DIDIER, Fredie Jr. Curso de Direito Processual Civil. Salvador. 2009 Ed. Jus Podivm, 11 ed, v.1 p.192. 37 DIDIER, Fredie Jr. Curso de Direito Processual Civil. Salvador. 2009 Ed. Jus Podivm, 11 ed, v.1 p.192. 38 BRASIL. Código de Defesa do Consumidor. Lei ordinária n. 8078, 11 de setembro de 1990. Diário Oficial de 12/set./1990. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078.htm>. Acesso em: 10/set./2012. 39 DIDIER, Fredie Jr. Curso de Direito Processual Civil. Salvador. 2009 Ed. Jus Podivm, 11 ed,v.1 p. 194.

16 No que tange à existência de uma ação coletiva passiva, a maior parte da doutrina brasileira defende que a previsão do artigo 81 do Código de Defesa do Consumidor é taxativa, e por isso os legitimados contidos em seus incisos não podem pertencer a um polo passivo 40. No entanto, se assim fosse não haveria como explicar a situação em que o réu de uma ação civil pública ingressa com uma ação rescisória para combater a decisão transitada em julgado. Esse também é o entendimento de Fredie Didier Jr, que assim entende: a ação coletiva passiva é permitida no Brasil 41. 2.2.4 Interesse de agir O interesse de agir deve ser compreendido como resultado do exercício da jurisdição e de acordo com o Autor Rodrigo da Cunha Lima Freire: O interesse de agir não possui um conceito supérfluo, sendo distinto do interesse substancial, e não surge a partir da violação a um direito material, sendo insuficiente conceituá-lo como resultante da mera afirmação de uma lesão a este direito ou da possibilidade, ou ocorrência, de um dano injusto, sem que haja intervenção estatal. 42 Desse modo, o interesse de agir corresponde, tanto para o autor quanto para o Estado, a um resultado do exercício da jurisdição. Esse também é o entendimento do doutrinador Cândido Rangel Dinamarco, ao dizer que o interesse de agir, como condição da ação, traduz-se, em última análise, na coincidência entre o interesse do Estado e o do demandante 43. Ainda sobre o interesse de agir, cabe destacar que diante de uma análise superficial do teor do artigo 3 do Código de Proce sso Civil Brasileiro, aparentemente a expressão interesse de agir não possui uma importância prática. 40 DIDIER, Fredie Jr. Curso de Direito Processual Civil. Salvador. 2009 Ed. Jus Podivm, 11 ed, v.1 p. 194. 41 DIDIER, Fredie Jr. Curso de Direito Processual Civil. Salvador. 2009 Ed. Jus Podivm, 11 ed, v.1 p.195. 42 FREIRE, Rodrigo da Cunha Lima. Condições da ação: enfoque no interesse de agir. São Paulo Ed. Revistas dos Tribunais, 2001 p.136. 43 DINAMARCO, Candido Rangel. Execução Civil.3ed. São Paulo: Malheiros, 1993. p. 402.

17 Porém, o termo interesse de agir, como já mencionado, deve ser analisado e aplicado de acordo com sua definição cientifica 44, ou seja, não deve ser confundido com o interesse substancial. O resultado de uma análise superficial do artigo 3 do Código de Processo Civil, traz a falsa ideia de que o interesse de agir pode ser metaindividual, mas como adiante será apresentado, especificamente no capítulo que tratará da ausência de litispendência entre demanda individual e ação civil pública, e como bem explanado por Rodrigo da Cunha Lima Freire Não há que se falar em interesse de agir metaindividual 45. 2.2.5 Direito de ação O direito de ação não está vinculado ao direito material propriamente dito, pois não se pode pressupor que aquele que exerce tal direito subjetivo contra o Estado seja o ganhador da causa. Dessa forma, mesmo que o particular não seja titular do direito pleiteado, já terá exercido o direito de ação 46. Enquanto o direito material tem por objeto a prestação da parte contrária, o direito processual de ação visa provocar a prestação jurisdicional do Estado. Portanto, o direito de ação É, assim, e apenas, o direito à prestação jurisdicional, direito instrumental, com que se busca a tutela jurídica (..) 47. O direito de ação é assegurado a todos os jurisdicionados pela Constituição Federal, que em seu artigo 5º, inciso XXXIV, dispõe que: são assegurados, independente do pagamento de taxas: a) o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso do poder. Ainda o inciso XXXV do mesmo artigo, complementa a garantia ao dispor que: a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito. 44 FREIRE, Rodrigo da Cunha Lima. Condições da ação: enfoque no interesse de agir. São Paulo Ed. Revistas dos Tribunais, 2001 p.136-137. 45 FREIRE, Rodrigo da Cunha Lima. Condições da ação: enfoque no interesse de agir. São Paulo Ed. Revistas dos Tribunais, 2001 p.137. 46 THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil Teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento. Rio de Janeiro Ed. Forense, 2009 p. 56. 47 THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil Teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento. Rio de Janeiro Ed. Forense, 2009 p. 56.

18 Em suma, o direito de ação será exercido por aquele que tiver um interesse lesado ou ameaçado e que queira invocar a tutela jurisdicional do Estado, ao fim de que seja cessada a ameaça ou reparada a lesão sofrida.

19 3 TUTELA JURISDICIONAL INDIVIDUAL E COLETIVA Até o século XX, a jurisdição foi concebida diante do conflito individual dos jurisdicionados. Porém, com o passar do tempo, a ideia de jurisdição assumiu dimensões muito mais amplas, e sua função de manter a paz social sob o império da ordem jurídica passou a compreender interesses coletivos, ou seja, que transcendem a esfera do indivíduo alcançando toda a comunidade ou porções dela 48. A partir do século XX, o direito passou a se preocupar com interesses difusos ou coletivos relacionados ao meio ambiente, valores históricos culturais, saúde pública e relações de consumo, que não são suscetíveis de fracionamento e por isso são defendidos de forma coletiva 49. Cabe destacar, ainda, que em algumas situações haverá a possibilidade de fracionamento desses interesses, por de alguma forma as pessoas estarem numa mesma situação fática jurídica, como adiante será demonstrado 50. Nesse sentido, sendo possível o fracionamento da situação em grupos determinados, torna-se mais fácil e eficiente à tutela jurisdicional exercida por órgãos ou entidades que atuam em conjunto em nome de interessados. A essa situação dar-se á o nome de tutela de interesses individuais homogêneos 51. Para tutelar interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos, surgiram importantes meios, dentre quais se encontram a ação popular, mandado de segurança coletivo, ação direta de inconstitucionalidade, ação declaratória de constitucionalidade e a ação civil pública 52. Todavia, para o fim proposto no presente estudo, torna-se necessária apenas a exposição sobre a ação civil pública, pois a mera tentativa de explicitação dos demais institutos acima mencionados extrapolaria os limites do presente trabalho. 48 THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil Teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento. Rio de Janeiro Ed. Forense, 2009 p. 56. 49 THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil Teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento. Rio de Janeiro Ed. Forense, 2009 p. 43. 50 THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil Teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento. Rio de Janeiro Ed. Forense, 2009 p. 43. 51 THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil Teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento. Rio de Janeiro Ed. Forense, 2009 p. 43. 52 THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil Teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento. Rio de Janeiro Ed. Forense, 2009 p. 44-45.

20 3.1 AÇÃO CIVIL PÚBLICA Sobre o aspecto doutrinário, a ação civil pública é aquela de objeto não penal proposta pelo Ministério Público 53. Segundo a Lei n. 7.347/85, nada mais é do que uma ação coletiva assim como a ação popular e o mandado de segurança 54. No entanto, como será abordado na sequência do presente trabalho, existem outros legitimados ativos que poderão propor uma ação civil pública e por isso não é de exclusividade do Ministério Público. Humberto Theodoro Junior entende que, no Brasil, o movimento da coletivização do direito de ação ganhou força quando se instituíram, a partir justamente da Lei n. 7.347/85, as ações civis públicas, que a princípio eram voltadas para atender casos relacionados à responsabilidade por danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico 55. Com o passar dos anos, como adiante será demonstrado, as ações civis públicas passaram a tutelar outros interesses do que originalmente lhe tinha sido destinado, e por isso tornou-se uma grande ferramenta para direito processual brasileiro. 3.2 NATUREZA DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA A Lei n. 7.347/85 possui natureza processual, pois tem o objetivo de disponibilizar instrumentos processuais capazes de tutelar interesse difuso, coletivo e individual homogêneo. Por mais que nos artigos 10 e 13 da referida Lei seja possível encontrar uma conotação de direito material, entende Rodolfo de Camargo Mancuso que a Lei de 53 MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor, patrimônio público e outros interesses. 25 ed. São Paulo Ed. Saraiva, 2012 p. 74. 54 MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor, patrimônio público e outros interesses. 25 ed. São Paulo Ed. Saraiva, 2012 p. 74. 55 THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil Teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento. Rio de Janeiro Ed. Forense, 2009 p. 43.

21 ação civil pública, em seu núcleo essencial, é uma lei com características processuais 56. Diante do exposto, e também como bem mencionado por Pedro da Silva Dinamarco, a Lei n. 7.347/85 possui natureza processual, não havendo posições relevantes que sejam contrárias ao referido posicionamento 57. 3.3 INTERESSES TUTELÁVEIS NA AÇÃO CIVIL PÚBLICA Originalmente, o artigo 1º da Lei n. 7347/85 autorizava o cabimento da ação civil pública apenas nas hipóteses que versassem sobre meio ambiente, ao consumidor e a bens de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico. Posteriormente surgiu a possibilidade de cabimento para defesa de qualquer interesse difuso ou coletivo e a defesa da ordem econômica e da economia popular e em alguns casos a proteção de interesses individuais homogêneos (CDC, artigo 81, inciso, III) 58. Com isso, conclui-se que a ação civil pública poderá tutelar interesses difusos, coletivos ou até mesmo individuais homogêneos. Passaremos, a seguir, ao estudo de cada um desses interesses tutelados pela ação civil pública. 3.3.1. Interesses difusos Nos termos do artigo 81, parágrafo único, inciso I, do Código de Defesa do Consumidor, os interesses difusos são: os transidividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato. O termo difuso significa disperso, fragmentado, espalhado, e de acordo com Pedro da Silva Dinamarco, só é difuso um direito quando de fato é difusa a 56 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ação Civil Pública: em defesa do meio ambiente, do patrimônio cultural e dos consumidores Lei 7.347/1985 e legislação complementar. Ed Revista dos Tribunais, 12 ed, 2011 p. 33. 57 DINAMARCO, Pedro da Silva. Ação Civil Pública, São Paulo Ed. Saraiva, 2001 p. 47. 58 DINAMARCO, Pedro da Silva. Ação Civil Pública, São Paulo Ed. Saraiva, 2001 p. 47.

22 titularidade subjetiva dos bens tutelados, sendo esses titulares substancialmente anônimos 59. Dessa forma, o interesse difuso consiste na existência de um número significativo de titulares, mas que não podem ser determinados. Por isso, se houver um sujeito determinado, não se há de falar em interesse difuso, pois o sujeito poderá buscar vias tradicionais para exercer seu direito de ação. Observa Hugo Nigro Mazzilli que: Embora o CDC se refira a ser uma situação fática o elo comum entre os lesados que compartilhem o mesmo interesse difuso, é evidente que essa relação fática também se subordina a uma relação jurídica (como, de resto, ocorre com quaisquer relações fáticas e jurídicas); entretanto, no caso dos interesses difusos, a lesão ao grupo não decorrerá diretamente da relação jurídica em si, mas sim da situação fática resultante. Assim, p. ex., um dano ambiental que ocorra numa região envolve tanto uma situação fática comum como uma relação jurídica incidente sobre a hipótese; mas o grupo lesado compreende apenas os moradores da região atingida e, no caso, esse será o elo fático que caracterizará o interesse difuso do grupo. Tomemos outro exemplo: uma propaganda enganosa pela televisão relaciona-se, sem dúvida, com questões fáticas e jurídicas; contudo, o que reúne o grupo para fins de proteção difusa é seu acesso efetivo ou potencial à propaganda enganosa 60. Assim, o objeto, nos interesses difusos, é indivisível 61, e por isso não há como proteger um indivíduo sem que essa tutela atinja os demais membros da sociedade, pois os interessados estão unidos por um único fato que acabou sendo prejudicial para todos. 3.3.2 Interesses coletivos Em sentido amplo, a expressão interesses coletivos, segundo Hugo Nigro Mazzilli, refere-se a interesses transidividuais, de grupos, classes ou categoria de pessoas 62. Com base na previsão do artigo 81, parágrafo único, inciso II, do Código de Defesa do Consumidor, os interesses coletivos num sentido restrito são os 59 DINAMARCO, Pedro da Silva. Ação Civil Pública, São Paulo Ed. Saraiva, 2001 p 52. 60 MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor, patrimônio público e outros interesses. 25 ed. São Paulo Ed. Saraiva, 2012 p 53. 61 DINAMARCO, Pedro da Silva. Ação Civil Pública, São Paulo Ed. Saraiva, 2001 p 53. 62 MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor, patrimônio público e outros interesses. 25 ed. São Paulo Ed. Saraiva, 2012 p 55.

23 transidividuais de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base. Hugo Nigro Mazzilli, ao analisar esse conceito trazido pelo Código de Defesa do Consumidor adverte: Embora o CDC se refira a ser uma relação jurídica básica o elo comum entre os lesados que comunguem o mesmo interesse coletivo (tomado em seu sentido estrito), ainda aqui é preciso admitir que essa relação jurídica disciplinará inevitavelmente uma hipótese fática concreta; entretanto, no caso de interesses coletivos, a lesão ao grupo não decorrerá propriamente da relação fática subjacente, e sim da própria relação jurídica viciada que une o grupo. Exemplifiquemos com uma cláusula ilegal em contrato de adesão. A ação civil pública que busque a nulidade dessa cláusula envolverá uma tutela de interesse coletivo em sentido estrito, pois o grupo atingido estará ligado por uma relação jurídica básica comum, que, nesse tipo de ação, deverá necessariamente ser resolvida de maneira uniforme para todo o grupo lesado 63. Diante da proximidade dos conceitos de direitos difusos e coletivos, principalmente pela característica de ambos serem indivisíveis, torna-se necessário elencar algumas diferenças entre tais interesses para que seja possível distingui-los diante de um caso concreto. De acordo com Hugo Nigro Mazzilli, os interesses difusos supõem titulares indetermináveis, ligados por circunstância de fato 64, enquanto os interesses coletivos dizem respeito a grupo, categoria ou classe de pessoas determinadas ou determináveis, ligadas pela mesma relação jurídica básica 65. Após fazer a distinção sobre interesses difusos e coletivos, Mazzilli destaca que os interesses coletivos também se aproximam dos interesses individuais homogêneos, pois ambos reúnem grupo, categoria ou classe de pessoas determináveis, contudo os interesses individuais homogêneos são divisíveis 66, como no caso de ações de revisão de aposentadoria, como será demonstrado no presente trabalho. 63 MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor, patrimônio público e outros interesses. 25 ed. São Paulo Ed. Saraiva, 2012 p. 55. 64 MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor, patrimônio público e outros interesses. 25 ed. São Paulo Ed. Saraiva, 2012 p. 55. 65 MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor, patrimônio público e outros interesses. 25 ed. São Paulo Ed. Saraiva, 2012 p. 55 66 DINAMARCO, Pedro da Silva. Ação Civil Pública, São Paulo Ed. Saraiva, 2001 p. 51.

24 Feita a apresentação dos conceitos de interesses difusos e coletivos, bem como a diferenciação entre os referidos institutos, faz-se necessário à exposição do conceito de interesse individual homogêneo que também é tutelado pela ação civil pública. 3.3.3 Interesses individuais homogêneos Os incisos do artigo 81 do Código de Defesa do Consumidor demonstram as definições legais para as três espécies de interesses tutelados pela ação civil pública. O referido dispositivo está contido no Título III do citado código e por isso, segundo o entendimento de Pedro da Silva Dinamarco, tem aplicação geral para qualquer situação diversa de uma relação de consumo. Nos termos do artigo 81, parágrafo único, inciso III do Código de Defesa do Consumidor, interesses individuais homogêneos são aqueles decorrentes de origem comum. Com base nessa definição do Código de Defesa do Consumidor não há como diferenciar interesse coletivo de interesse individual homogêneo e por isso Mazzilli observa que: Tanto os interesses individuais homogêneos como os difusos originam-se de circunstancias de fato comuns; entretanto, são indetermináveis os titulares de interesses difusos, e o objeto de seu interesse é indivisível; já nos interesses individuais homogêneos, os titulares são determinados ou determináveis, e o objeto da pretensão é divisível (isto é, o dano ou a responsabilidade se caracterizam por sua extensão divisível o individualmente variável entre os integrantes do grupo) 67. Como exemplo de interesses individuais homogêneos, podemos citar a revisão de benefício previdenciário, trazida por força das emendas constitucionais 20 de 1998 e 41 de 2003. Essa revisão é devida para aposentados com benefícios concedidos entre 1988 a 2003 que tiveram sua renda mensal inicial limitada ao teto da época de concessão e que nos meses de dezembro de 1998 e 2003 recebiam ou deveriam receber o teto. 67 MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor, patrimônio público e outros interesses. 25 ed. São Paulo Ed. Saraiva, 2012 p. 57.

25 Sem dúvida há uma relação jurídica comum subjacente entre esses aposentados, mas o que os deixa na mesma situação não é a relação jurídica em si, mas sim o fato de terem realizado contribuições que no momento da concessão do benefício fez com que a renda mensal inicial ficasse limitada ao teto. Dessa forma, cada aposentado integrante do grupo que possui direito a revisão do teto por força das Emendas Constitucionais 20 de 1998 e 41 de 2003, terá direito divisível à reparação devida (recuperação dos atrasados e readequação da renda mensal do benefício). Assim, diferentemente do que ocorreria numa ação civil pública que tutelasse um interesse coletivo, sendo tutelado um interesse individual homogêneo, cada aposentado terá uma reparação de acordo com o parâmetro de concessão, pois será avaliado o salário de contribuição, valor do teto no momento da concessão do benefício, renda mensal atual e daí será feito o cálculo para verificar o prejuízo sofrido pelo aposentado. Por fim, cabe destacar que é possível numa ação civil pública discutir interesses de mais de uma espécie (difusos, coletivos e individuais homogêneos). A título de exemplo numa única ação civil pública ou coletiva, é possível combater os aumentos ilegais de mensalidades escolares já aplicados aos alunos atuais, buscar a repetição do indébito e, ainda pedir a proibição de aumentos futuros 68. 3.4 LEGITIMAÇÃO PARA AGIR A legitimação para agir numa ação civil pública não corresponde à legitimação conhecida como ordinária, e por isso em ações civis públicas o que se constata é a existência de uma legitimação extraordinária 69. Será ordinária uma legitimação quando a própria pessoa que sofreu a lesão buscar a defesa de seu interesse 70. É a forma tradicional de legitimação pela qual o indivíduo invoca o Estado para exercer a jurisdição. 68 MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor, patrimônio público e outros interesses. 25 ed. São Paulo Ed. Saraiva, 2012 p. 59. 69 MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor, patrimônio público e outros interesses. 25 ed. São Paulo Ed. Saraiva, 2012 p. 63-69. 70 MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor, patrimônio público e outros interesses. 25 ed. São Paulo Ed. Saraiva, 2012 p. 63.

26 Já a legitimação extraordinária, segundo Mazzilli, ocorrerá quando o Estado não levar em conta a titularidade do direito material para atribuir a titularidade da sua defesa em juízo 71, como no caso das ações civis públicas. A legitimação extraordinária é uma substituição processual, e não pode ser confundida com representação processual, pois na representação alguém em nome alheio defende interesse alheio (como é o caso do procurador). Na substituição processual teremos alguém em nome próprio defendendo interesse alheio (como é o caso do Ministério Público quando propõe uma ação civil pública) 72. Observa ainda Mazzilli que a legitimação extraordinária será sempre excepcional, por depender de autorização legal, podendo ocorrer: a) quando, em nome próprio, alguém esteja autorizado a defender direito alheio (na substituição processual); b) quando, numa relação jurídica que envolva vários sujeitos, a lei permite que um só dos integrantes do grupo lesado defenda o direito de todos (como nas obrigações solidarias) 73. Portanto, a legitimação extraordinária por autorização legal torna-se extremamente necessária para tutelar interesse que de forma individual dificilmente seriam levados ao poder judiciário. 3.4.1 Legitimados ativos Para o fim proposto no presente estudo, torna-se necessária apenas a exposição dos legitimados ativos para propor a ação civil pública, pois a mera tentativa de explicitação e justificativa sobre cada um deles extrapolariam o objeto e os limites do presente trabalho. Os legitimados ativos para propor uma ação civil pública 74, são: a) o Ministério Público; b) a Defensoria Pública; c) a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios; d) a autarquia, empresa pública, fundação ou sociedade de economia 71 MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor, patrimônio público e outros interesses. 25 ed. São Paulo Ed. Saraiva, 2012 p. 63. 72 MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor, patrimônio público e outros interesses. 25 ed. São Paulo Ed. Saraiva, 2012 p. 64. 73 MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor, patrimônio público e outros interesses. 25 ed. São Paulo Ed. Saraiva, 2012 p. 64. 74 MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor, patrimônio público e outros interesses. 25 ed. São Paulo Ed. Saraiva, 2012 p. 321.

27 mista; e) a associação constituída a pelo menos um ano que tenha em sua instituição dentre as suas finalidades, a proteção do meio ambiente, ao consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência ou ao patrimônio artístico, estético, histórico turístico e paisagístico. Observa Mazzilli, que além dos legitimados acima mencionados o Código de Defesa do Consumidor acrescenta que também são legitimados: as entidades e órgãos da administração pública ou coletiva, direta ou indireta, ainda que sem personalidade jurídica, especificamente destinados à defesa dos interesses e direitos protegidos por este código. Isso significa que os órgãos públicos especificamente destinados à proteção de interesses transidividuais, ainda que sem personalidade jurídica, desde que autorizados pela autoridade administrativa competente, podem ajuizar ações civis públicas ou coletivas, não só em matéria de defesa do consumidor, como também do meio ambiente, de pessoas idosas ou com deficiência, ou quaisquer áreas afins, o que é consequência das normas de integração entre LACP e CDC. Esses órgãos públicos não podem, sponte sua, ajuizar as ações; dependem de autorização administrativa competente (principio hierárquico), que pode ser específica ou genérica, mas, em qualquer caso, sempre necessária. 75 Desse modo, órgãos públicos destinados à proteção de interesses transidividuais poderão ser legitimados ativos desde que haja autorização ampla ou restrita da autoridade administrativa competente. 3.4.2 Legitimados passivos Qualquer pessoa, tanto física quanto jurídica, poderá figurar no polo passivo de uma ação civil pública, mas os legitimados ativos, como regra, não poderão passivamente representar os interesses transidividuais 76. Porém, como adiante será abordado, o Ministério Público poderá figurar no polo passivo de uma ação civil pública. Cabe destacar, que numa ação civil pública, nos casos em que ocorrer conexão ou continência, será possível a cumulação de pedidos contra mais de um réu 77. 75 MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor, patrimônio público e outros interesses. 25 ed. São Paulo Ed. Saraiva, 2012 p. 322. 76 MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor, patrimônio público e outros interesses. 25 ed. São Paulo Ed. Saraiva, 2012 p. 381.

28 Passaremos, a seguir, ao estudo detalhado sobre a legitimação passiva em matéria ação civil pública. 3.4.3 Ministério público como legitimado passivo O Ministério Público somente poderá figurar no polo passivo, nos casos de embargos à execução ou embargos de terceiro, quando ele próprio seja o exequente, ou em ação rescisória de coisa oriunda de processo coletivo 78. Esse entendimento estende-se para os demais legitimados ativos, pois somente nesses casos excepcionais (embargos à execução ou embargos de terceiro, quando seja o exequente, ou em ação rescisória de coisa oriunda de processo coletivo) é que poderão figurar no polo passivo de uma ação civil pública. 3.4.4 Autoridades no polo passivo Se uma determinada ação civil pública tiver como objeto algo que pudesse ser feito por uma ação popular, por óbvio que sua propositura deverá figurar contra aqueles que seriam os legitimados passivos da ação popular. Dessa forma, autoridades poderão figurar no polo passivo, mas a ação civil pública não tem o rito nem as regras especiais do mandado de segurança, e por isso as autoridades coautoras não integrarão o processo coletivo, salvo se estiverem pessoalmente responsabilizadas na ação 79. Assim, as autoridades poderão integrar o polo passivo de uma ação civil pública, desde que sejam pessoalmente responsabilizadas diante do caso concreto. 77 MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor, patrimônio público e outros interesses. 25 ed. São Paulo Ed. Saraiva, 2012 p. 381. 78 MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor, patrimônio público e outros interesses. 25 ed. São Paulo Ed. Saraiva, 2012 p. 382. 79 MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor, patrimônio público e outros interesses. 25 ed. São Paulo Ed. Saraiva, 2012 p. 382.

29 4 ACORDOS NA AÇÃO CIVIL PÚBLICA Como já demonstrado, nas ações civis públicas, os interesses tutelados são transidividuais e por isso, não podem os legitimados ativos disporem do conteúdo material do litígio 80. No entanto, segundo Hugo Nigro Mazzilli, aspectos de conveniência prática demostram que há uma mitigação da indisponibilidade de transação em ação civil pública, pois: a própria lei admite que, até mesmo extrajudicialmente, o causador do dano ajuste sua conduta às exigências da lei o que importa uma evidente autocomposição da lide; de outro lado, por versar interesses transindividuais, a composição da lide coletiva entre o legitimado ativo e o causador do dano, mesmo que homologada em juízo, não será mais do que uma garantia mínima em prol dos lesados. Assim, acaso insatisfeitos, poderão os legítimos interessados impugná-la nos próprios autos em que celebrada (até mesmo interpondo apelação contra a sentença homologatória), ou recusá-la por meio de ações individuais. 81 Nesse sentido, se houver transação na ação civil pública, ela não poderá ser prejudicial para os legítimos interessados, pois no caso de discordância com os termos do acordo, poderão impugná-la na mesma ação civil pública ou ingressando com demandas individuais valendo-se do direito constitucional de acesso à jurisdição. A transação judicial torna-se importante ao passo que se o causador do dano admitir sua responsabilidade, com a homologação da transação, ela será considerada um titulo executivo judicial 82. A homologação do acordo receberá a imutabilidade da coisa julgada nos termos dos artigos 269, III; 475-N e 467 do Código de Processo Civil. 80 MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor, patrimônio público e outros interesses. 25 ed. São Paulo Ed. Saraiva, 2012 p. 425. 81 MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor, patrimônio público e outros interesses. 25 ed. São Paulo Ed. Saraiva, 2012 p. 427. 82 MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor, patrimônio público e outros interesses. 25 ed. São Paulo Ed. Saraiva, 2012 p. 444-445.