Ideias em evolução: Inglês de Sousa cronista



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Transcrição:

Ideias em evolução: Inglês de Sousa cronista Prof. Ms. Marcela Ferreira i (UNESP/IFG). Resumo: É sabido que Inglês de Sousa antecipou o romance naturalista de costumes, com a publicação de O coronel Sangrado em 1877, mas o título de inaugurador da tendência naturalista foi dado ao romance de Aluísio Azevedo, O Mulato, publicado em 1881. Na verdade, mais do que romancista, Inglês de Sousa foi cronista e, ao mesmo tempo em que publicava seus romances nos jornais de Santos, também divulgava as teorias de Darwin na Revista Nacional de Ciências, Artes e Letras. O presente trabalho tem por objetivo analisar as crônicas publicadas na Revista, que podem ajudar a entender a presença de traços naturalistas nos primeiros romances do autor paraense. Palavras-chave: Inglês de Sousa, imprensa, crônica, naturalismo 1 Introdução A obra literária de Inglês de Sousa é composta pelos romances O cacaulista (1876), História de um pescador (1876), O coronel Sangrado (1877), O Missionário (1891) e pelo livro de contos, Contos Amazônicos 1 (1893). Os primeiros livros do autor não tiveram repercussão, nem mesmo O Coronel Sangrado, que pode ser considerado o inaugurador da corrente naturalista na literatura brasileira. Segundo Alfredo Bosi (2001), Inglês de Sousa antecipou o próprio Aluísio no manejo da prosa analítica, pois o livro O Coronel Sangrado precede de quatro anos à publicação de O Mulato, como romance naturalista de costumes (p. 214-5). Inglês de Sousa só foi reconhecido em 1891, com a publicação de O Missionário, seu livro naturalista ao extremo, com influência de Zola e de Eça de Queirós. Além dos romances citados, há notícias de outros trabalhos que ainda não vieram a lume e que talvez nunca surjam, restando-nos somente a notícia histórica de sua existência (CORRÊA, 2004, p.16). Esses trabalhos são oriundos de periódicos, visto que no século XIX a imprensa tem um papel importante para os homens de letras, que lhes permitia a divulgação de seus trabalhos e o contato com o público (SODRÉ, 1999, p. 246). Inglês de Sousa não foge à regra, pois seus primeiros livros, antes de serem editados, foram publicados em jornais e revistas. Além disso, o autor participou como colaborador, fundador e editor de periódicos, em Recife-PE, Santos-SP e em São Paulo. É justamente nessa obra dispersa, que está pautado esse artigo, especificamente na atuação de Inglês de Sousa como cronista na Revista Nacional de Ciências, Artes e Letras, e como essas publicações pautadas de miscelânea entre literatura e ciência contribuiram para as publicações naturalistas e, principalmente, para os primeiros romances de Inglês de Sousa. 2 A atuação do jovem Inglês de Sousa na imprensa Data-se de 1873, em Recife, o início da carreira jornalística de Inglês de Sousa. Naquele ano, cursava Direito e colaborava com artigos e ensaios de crítica literária e filosófica no jornal Lábaro. Em 1875, nessa mesma cidade escreve o romance O cacaulista, que é publicado somente em dezembro de 1876, pela Tipografia do Diário de Santos. No ano de 1876, Inglês de Sousa muda-se para São Paulo e na Faculdade de Direito termina 1 O livro é composto pelos seguintes contos: Voluntário, A feiticeira, Amor de Maria, Acauã, O donativo do capitão Silvestre, O gado do Valha-me-Deus, O baile do judeu, A quadrilha de Jacó Patacho e O rebelde.

o curso jurídico. Durante esse último ano do curso, o jovem escritor publica sua primeira obra, no periódico A Academia de São Paulo, que pertencia aos estudantes da Faculdade de Direito e cujo redator era Antonio Figueira. O primeiro capítulo d O cacaulista é publicado no dia 30 de abril de 1876, na Seção Literária da folha acadêmica; já o segundo capítulo assume o rodapé da primeira página, na seção Folhetim, e nesse espaço permanece até o último capítulo. No mesmo período, o romance também é publicado em Santos, na Tribuna Liberal, jornal editado pelo pai de Inglês de Sousa, associado com o bacharel Bento de Paula Sousa. O pseudônimo assumido pelo autor na imprensa é o mesmo das publicações em livro: Luiz Dolzani, com o qual assina os contos publicados na Academia de São Paulo em 1876, que seriam revisados e publicados posteriormente na coletânea Contos Amazônicos (1893). Os contos Voluntário e Amor de Maria foram publicados respectivamente em 2 de abril de 1876 e 8 de maio de 1876, entretanto com outros títulos, a saber: O recruta e Amor que mata. O confronto entre os contos do jornal e do livro permite aferir que o fio narrativo é o mesmo, mas há mudanças nos títulos, que no caso de O recruta passa para o Voluntário, tornando-se irônico 2, e, no de Amor que mata para Amor de Maria, cria-se outra expectativa no leitor, visto que Amor que mata já remete ao desfecho da história. Além dos títulos, notam-se mudanças significativas na estrutura e no trabalho com a linguagem; na edição em livro, por exemplo, há uma configuração maior da cultura amazônica. Esses contos publicados primeiramente em livro demonstram que a produção literária do autor em questão centra-se basicamente entre os anos de 1876 e 1877. Concomitante com a publicação de O Cacaulista na imprensa, Inglês de Sousa publica no periódico O Constitucional a continuação desse primeiro romance, a saber, O Coronel Sangrado. Esse suscita um comentário do poeta Carlos Ferreira, publicado no Correio Paulistano 3, em 28 de maio de 1876: Em todo e qualquer país civilizado, o aparecimento de um romancista como esse, cujo pseudônimo deixo no alto destas linhas, é caso que merece sempre especial menção da imprensa e dos que prezam a honra das letras nacionais. Entre nós, porém, onde por enquanto é costume não se ligar grande valor a cometimentos literários, e onde o escritor luta com todo o horror da indiferença pública, pode muita gente não ler este folhetim, por não conhecer absolutamente a distinta entidade que assina os seus escritos com o referido pseudônimo. Em Portugal, por exemplo, se Luiz Dolzani aparecesse, escrevendo com a mesma perícia ao molde das cousas e costumes de lá como atualmente o faz fotografando com rara habilidade o viver e os curiosos costumes do norte do império americano, é bem provável que lhe dessem o valioso diploma de, pelo menos sucessor de Julio Diniz. (FERREIRA, 1876, p. 1) Carlos Ferreira demonstra em seu folhetim a luta pelo reconhecimento dos escritores do período, principalmente dos novos homens de letras. Em relação à apreciação do poeta sobre a obra de Inglês de Sousa, percebe-se o cunho de fotografar com rara habilidade o viver e os curiosos costumes do norte do império, mostrando a originalidade do escritor no âmbito literário, relacionando-o com o realismo/naturalismo. O comentário segue, revelando quem era Luiz Dolzani, e apontando o quinto anista do curso de Direito. A apreciação de Carlos Ferreira tem um papel importante, pois apresenta o autor, que já conhecido nos periódicos acadêmicos, merecia uma apresentação na imprensa diária, dessa forma nada melhor do que o folhetim no Correio Paulistano, folha que circula na província de São Paulo 2 Paula Maués Corrêa (2004) encontra nas palavras da personagem Padre Pereira, a ironia expressa no título: Voluntários de pau e corda! disse causticamente o vigário padre Pereira fumando cigarros à porta de uma loja (1988, p. 30). (p. 119). 3 O Correio Paulistano era uma folha liberal, noticiosa, industrial e literária, sendo de propriedade de Joaquim Roberto de Azevedo Marques.

desde 1854. Sobre os romances O cacaulista e O coronel Sangrado, Carlos Ferreira expressa a seguinte opinião: Tanto um como outro são dois trabalhos dignos de nota, dois cometimentos de fôlego que trazem em si a tríplice bondade do interesse no entrecho, de verdade no desenho dos costumes do norte, e da simplicidade e naturalidade do diálogo e no estilo em geral! Ambos são admiráveis fotografias da natureza opulenta do Amazonas, caráter especial do povo e cunho pitoresco de seu viver íntimo e digno de ser devidamente poetizado. Luiz Dolzani, a meu ver, promete ser, dentro de pouco tempo, o romancista por excelência nacional, mais pronunciado que o sr. Alencar, mais abundante que o sr. Juvenal Galleno, mais verdadeiro e correto que o dr. Bernardo Guimarães. (Ibidem) O poeta ressalta sobre os dois livros: interesse no entrecho, verdade no desenho dos costumes do norte e simplicidade e naturalidade do diálogo e no estilo em geral, remetendo ou circunscrevendo novamente o autor na literatura realista/naturalista, principalmente quando ressalta que as obras são admiráveis fotografias da natureza. São nesses termos em que os homens de letras referem-se aos livros de Inglês de Sousa, naquele momento. Em dezembro de 1876, o autor muda-se para Santos e lá publica em livro os romances O cacaulista e História de um pescador, pela tipografia da Tribuna Liberal e do Diário de Santos. Em 1877, agora com título de bacharel, Inglês de Sousa se dedica à advocacia e ao jornalismo. Em julho, juntamente com Antonio Carlos Ribeiro de Andrada Machado e Silva, fundam em Santos a Revista Nacional de Ciências, Artes e Letras 4. Essa é amplamente divulgada nos jornais do Rio de Janeiro, São Paulo e Campinas. 3 As crônicas na Revista e a divulgação das ideias cientificistas A Revista Nacional de Ciências, Artes e Letras era publicada uma vez por mês e tinha entre 64 a 150 páginas. Propunha-se a, conforme o anúncio publicado na Gazeta de Campinas em 31 de julho de 1877, reunir e dar a lume as melhores produções inéditas dos homens de letras do Brasil, tanto no campo da ciência, como no da literatura e das artes (A REVISTA..., 1877, p. 4). Com assinaturas de 5000 réis por ano para Santos e São Paulo e, de 6000 réis para qualquer ponto do Brasil ou do estrangeiro, os editores também prometiam que em cada número apareceria uma crônica do movimento literário, científico e artístico do mundo civilizado e um boletim bibliográfico do que de mais importante se publicar na Europa e na América (Ibidem). O texto de abertura da revista começa com União e progresso, palavras que remetem tanto ao positivismo como a maçonaria, apesar dos editores afirmarem que a revista era despida de pretensões. Segundo Inglês de Sousa e Antonio Carlos Ribeiro, a proposta do periódico era: [...] proporcionar uma arena aos escritores do nosso país, àqueles poucos que se ainda não deixaram assoberbar pela onda política e dos negócios, e acreditam na possibilidade de uma regeneração para as nossas letras; agrupar os talentos espalhados por todo o Brasil, reunindo os seus escritos sem distinção de ideias políticas, mas somente com distinção do mérito em uma publicação mensal; eis o programa modestíssimo da nossa Revista, programa que se contém todo no seu 4 Impressa na Tipografia a vapor do Diário de Santos, instalada na Rua de Santo Antonio, 34. Mesma tipografia que publicou os romances do autor.

título.(sousa, RIBEIRO, 1877, p.4) O primeiro número da Revista de julho de 1877 era composto por um arrolamento da propriedade territorial de Santos, intitulado Santos d outrora ; uma lenda popular, Jacaré-ig pelo dr. Hypolito de Camargo; Lembrança, documento histórico por um Velho Monge; Calvários, introdução do poema inédito de Carlos Ferreira; Cristo, soneto de Generino dos Santos e uma Crônica de Inglês de Sousa. Já o segundo número, de agosto de 1877, era composto por um conto de Luiz Dolzani, O sineiro da matriz, que é a gênese do conto O rebelde, publicado posteriormente no livro Contos Amazônicos, além desse há uma introdução ao poema inédito Os escravos, de Antonio de Castro Alves, intitulado Vozes d Áfica, uma fantasia, intitulada Hino das trevas, de Afonso Celso Junior, um estudo histórico de Clementino Lisboa, intitulado Beckman, Marinha, uma poesia de Celso de Magalhães e a edição finaliza com a crônica de Inglês de Sousa. As crônicas de Inglês de Sousa na Revista têm como característica principal a miscelânea entre literatura e ciência. O que separa um assunto do outro é apenas um espaço e um travessão e, dessa forma, começa o próximo assunto. Na crônica publicada no primeiro número da Revista, os assuntos tratados foram as teorias de Darwin, uma análise da poesia de Victor Hugo e termina divulgando os novos livros publicados de Emilio Erckmann e Lafayette Rodrigues Pereira. Inglês de Sousa assume o papel de cronista da Revista, comentando os últimos fatos. A postura na crônica de abertura da revista é de divulgador das ideias cientificistas de Darwin: Fruto de mais de dez anos de experiências, e experiências como as sabe fazer o autor da Origem das espécies, a última obra de Darwin ( Efeitos do cruzamento e fertilização própria do Reino Vegetal), ocupa-se, como o mostra o título, dos fenômenos da geração espontânea das plantas, e envolve a grande questão da influência que pode ter o cruzamento sexual dos indivíduos afins sobre a sua descendência comum. É fácil de ver a importância da questão estudada. Provavelmente, Inglês de Sousa teve contato com esse discurso cientificista na Faculdade de Direito de Recife, que desde 1870 exigia no exame de admissão noções de antropologia,revelando a aproximação com os estudos de antropologia física, e com ela a frenologia e o determinismo social (SCHWARCZ, 1993, p.183). Em Recife, o autor em questão começou a escrever seus primeiros livros, além de colaborar nos jornais, e a influência das ideias em destaque na faculdade, pode ser uma explicação para os ranços cientificistas em seus livros. Quando Inglês de Sousa muda para São Paulo e vai terminar seus estudos na Faculdade de Direito, encontra novamente um lugar de divulgação das ideias cientificistas. Mas, nessa época ele não era o único divulgador do discurso cientificista. No Rio de Janeiro, a partir de 1870 vários homens discutiram o tema 5 e essas discussões sobre o darwinismo proporcionaram a condição para que um determinado público leitor, qual seja a camada letrada, ao ler o romance O mulato, de Aluísio Azevedo, em 1881, percebesse os argumentos de cunho darwinistas utilizados pelo autor.(carula, 2007, p. 114). Condição essa, que estava sendo construída no momento em que Inglês de Sousa publicou suas obras O cacaulista e O coronel sangrado, sendo assim as características naturalistas observadas posterioremente na obra de Sousa passaram despercebidas ao leitor, que só foi reconhecido por sua literatura com O Missionário, em 1891. Refletindo sobre o momento de produção de O mulato, percebe-se que Aluísio encontrou uma sociedade que entendeu sua obra, já Inglês de Sousa lançou sua obra em um momento em que o as ideias darwinistas estavam em vias de divulgação. Além disso, as obras de Sousa (O cacaulista e O coronel sangrado) tiveram uma pequena tiragem, de apenas 600 exemplares, em Santos e não 5 Cf. CARULA, CARULA, Karoline. As Conferências Populares da Glória e as discussões do darwinismo na imprensa carioca (1873-1880). 189P. Dissertação (Mestrado em História) Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2007.

chamaram a atenção dos críticos cariocas 6. Um outro ponto a ser levantado é que Aluísio Azevedo fez uma grande divulgação de seu romance na imprensa carioca e maranhanse. Enquanto que, Inglês de Sousa se escondia atrás do pseudônimo Luiz Dolzani e fazia pequenos anúncios nos jornais de Santos, São Paulo e em alguns do Rio de Janeiro. Concordo com Jean-Yves Mérian (1988) quando concluiu que seria duvidoso afirmar que o Cacaulista tenha inspirado, de qualquer maneira que seja, Aluísio Azevedo (p. 215), mas não é possível negar que mesmo com um público restrito e sem uma crítica categórica, Inglês de Sousa inaugurou o naturalismo no Brasil, não na capital literária brasileira do século XIX, mas em Santos. Considerações Finais A partir da discussão sobre a obra de Darwin na crônica, torna-se clara a influência das ideias naturalistas na obra de Inglês de Sousa, como pode-se notar em História de um pescador: Sob a sombra das mangueiras, e das goiabeiras flexíveis, aquele filho da natureza virgem sentiu-se reviver. O odor agreste das flores e frutas da mata, atuando-lhe sobre os nervos, fazia dilatar-se-lhe o coração. Iluminou-lhe o rosto um raio de esperança.(sousa, 1990, p. 194) Publicado em 1876, História de um pescador é a história de José Marques, um pobre tapuio que, após a morte de seus pais, é obrigado a pagar uma suposta dívida deixada por ele ao capitão Fabrício. Mas, mesmo trabalhando dia e noite continua devendo cada vez mais. Um dia, conhece uma linda mestiça, a Joaninha, por quem se apaixona e a quem propõe casamento. Mas, o capitão começa a cobiçar a noiva de José, e se apossa dela por meio de um rapto. Após ter se recuperado de uma tentativa de assassinato enquanto tentava resgatar Joaninha, José descobre que sua amada está na casa de seu inimigo. Ele vai pedir a ela explicações e descobre que ela está conformada com o seu cativeiro; depois disso, José mata o capitão Fabrício. José era filho da natureza, por isso suas atitudes e sua vida são influenciadas por ela. História de um pescador não pode ser classificada como realista/naturalista, mas já há gotas dessa estética nas descrições feitas por Inglês de Sousa. Parece que Inglês de Sousa tinha todos os ingredientes para construir um romance realista/naturalista, mas não tinha a receita certa, ou seja, não sabia como fazer exatamente. Isso explicaria a antecipação do autor, com Coronel Sangrado (1877), em relação a O Mulato (1881) de Aluísio Azevedo. Inglês de Sousa escreveu seus primeiros romances consciente do discurso cientificista em voga, e involuntariamente conseguiu unir literatura e conhecimentos científicos em seus romances. Nas crônicas ele fazia uma distinção entre as duas ciências, tratando-as de formas separadas, mas num mesmo texto. De certa forma, Inglês de Sousa com seus posicionamentos na imprensa paulista e com seus romances contribuiu para o entendimento das obras naturalistas. Referências Bibliográficas 1] BOSI, Alfredo. História Concisa da Literatura Brasileira. São Paulo: Cultrix, 2001. 2] CARULA, Karoline. As Conferências Populares da Glória e as discussões do darwinismo na imprensa carioca (1873-1880). 189P. Dissertação (Mestrado em História) Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2007. 6 As informações sobre a tiragem da obra e a recepção crítica foram retiradas da obra de Jean-Yves Mérian.

3] CORREA, Paulo Maués. Inglês de Sousa em todas as letras. Belém: Paka-tatu, 2004. 4] FERREIRA, Carlos. Luiz Dolzani. Correio Paulistano, São Paulo, p. 1, 28 de maio de 1876. 5] MÉRIAN, Jean-Yves. Aluísio Azevedo, vida e obra (1857-1913). Rio de Janeiro: Espaço e Tempo Banco Sudameris Brasil; Brasília: INL, 1988. 6] MOISÉS, Massaud. História da literatura brasileira. São Paulo: Cultrix, 2001. 7] REVISTA NACIONAL DE CIÊNCIAS, ARTES E LETRAS, Santos-SP, jul 1877. 8] SCHWARCZ, Lilia Moritz. O espetáculo das raças: cientistas, instituições e questão racial no Brasil 1870-1930. São Paulo: Companhia das Letras, 1993. 9] SODRÉ, Nelson Werneck. História da imprensa no Brasil. Rio de Janeiro: Mauad, 1999. 10] SOUSA, Inglês. História de um Pescador; scenas da vida do Amazonas. Belém: FCPTN/SECULT, 1990. i Marcela FERREIRA, (Prof. Ms.) Universidade Estadual Paulista Faculdade de Ciências e Letras Assis (UNESP) Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Goiás (IFG) marfe16@hotmail.com