GÊNERO ARTIGO DE OPINIÃO AUTORAL: ESCOLHAS ESTRATÉGICAS E SUPERESTRUTURA

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Transcrição:

GÊNERO ARTIGO DE OPINIÃO AUTORAL: ESCOLHAS ESTRATÉGICAS E SUPERESTRUTURA Maria Eduarda GIERING (Universidade do Vale do Rio dos Sinos) Resumo Este artigo trata dos resultados parciais do projeto O.R.T.O., que aplica um modelo de enfoque cognitivo para descreve processos que permitem tratar as tomadas de decisão implicadas na concepção de texto como configuração de estratégias. Adota-se a proposta de E. Bernárdez, que vincula o modelo RST à idéia de que a organização textual pode ser entendida como uma série de vias de continuidade, as quais são etiquetadas com as relações núcleo-satélite apresentadas pela RST. Resultados parciais da análise de 150 artigos de opinião autoral indicam que há regularidades nas opções das vias e nas relações núcleo-satélite entre os conteúdos macroproposicionais do corpus. Palavras-chave: Artigo de opinião autoral, organização textual, opções de continuidade, retórica. Ao se investigar a organização de gêneros de textos relacionados ao fazer-crer, houve necessidade de enfocá-los sob a perspectiva de sua estruturação retórica. Algumas perguntas se impunham: que alternativas tem o produtor de um texto para organizá-lo globalmente de modo a cumprir um fim persuasivo? Haveria regularidades nas opções de organização de um gênero textual específico? Que relações se estabeleceriam entre essas regularidades e a superestrutura textual do tipo Situação-Problema-Solução-Avaliação (Hoey, 1979, p.12) ou Introdução-Problema-Solução-Conclusão (van Dijk,1995, p.229). Na busca de respostas, algumas questões apresentadas na obra Teoria y epistemología del texto - do lingüista textual E. Bernárdez (1995) - foram decisivas. O lingüista reflete sobre a passagem de sistemas simples (estáveis), como o da oração, para sistemas complexos (instáveis), como o texto, e instala o problema dos modelos lingüísticos a serem utilizados para o estudo desse último. Se para a oração existem categorias universalmente aceitas SN, SV, SP, Substantivo, etc. -, não há equivalentes para o texto. É preciso, pois, pensar categorias novas, próprias do nível textual. Bernárdez sugere a adoção, com adaptações, do modelo da Rhetorical Structure Theory (RST), oriundo da lingüística computacional, empregado em trabalhos preparatórios para a geração automática de textos. Bernárdez buscou um modelo de enfoque cognitivo e de descrição de processos que permitisse tratar das tomadas de decisão implicadas na concepção de texto como configuração de estratégias. O termo estratégia é definido pelo lingüista como uma

sucessão de ações que conduzem a um objetivo específico, dependentemente das condições contextuais (1995, p.163). Enfocando a organização retórica dos textos, Bernárdez postula a existência de vias pelas quais pode optar o falante para atingir um objetivo. A opção por uma ou outra via se realiza em função do contexto: o produtor busca a estratégia mais adequada para conseguir algo no conjunto do processo de produção do texto, tendo em conta as circunstâncias contextuais. Bernárdez salienta a diferença entre regras e estratégias. A diferença entre regra e estratégia está no seu caráter mais ou menos automatizado: as estratégias são, em princípio, livres ainda que em diferentes graus (1995, p. 164). As estratégias têm a particularidade de não serem únicas nem absolutas, acrescenta ele. As regras, por sua vez, são automáticas. Esse automatismo é possível em níveis estritamente locais do texto, por exemplo, o sintático, o morfológico e o fonológico. Conforme descemos da ordem global para a mais local do texto, o caráter estratégico da construção textual vai dando espaço à aparição de regras cada vez mais automatizadas. Porém, é impossível, sustenta Bernárdez, estabelecer regras de construção de textos. Organizou-se, a partir das sugestões de Bernárdez, o projeto O.R.T.O. (Organização Retórica de Textos de Opinião), focalizando a organização retórica de artigos de opinião autoral. Os objetivos do projeto, ainda em andamento, são o de (1) verificar se a organização retórica de textos de opinião publicados em jornais brasileiros pode ser prevista probabilisticamente; (2) verificar se existem regularidades na ocorrência de vias de continuidade e de relações núcleo-satélite que se estabelecem entre os conteúdos macroproposicionais nos textos do corpus; (3) compreender o processo de como os artigos são retoricamente organizados, considerando o processo de tomada de decisão das vias de continuidade que organizarão o texto para o cumprimento do fim discursivo; (4) descrever o processo que subjaz à organização superestrutural do artigo de opinião autoral. 1. As contribuições da RST Toma-se, para essa investigação, a noção de retórica da RST, ou seja, parte-se da concepção de que as estruturações das relações no texto refletem as opções de organização e de apresentação do produtor. O pressuposto dessa concepção é o postulado da RST de que o texto é uma organização estrutural e de que é possível descrever que tipos de partes o compõem e os princípios de organização dessas partes no texto como um todo. Ela postula a existência de diferentes tipos de unidades fundamentais que são observáveis num texto. Salientam-se dois tipos de estrutura: a estrutura holística, derivada de gêneros ou variedades de texto, e a estrutura relacional, que expressa a organização da coerência contígua do texto e que permite descrever a construção da composição textual interna. A definição de relação identifica uma particular ligação que pode haver entre duas partes do texto. Essas partes ou unidades se organizam em núcleo e satélite, pressupondo que um texto é formado por dois níveis básicos de informação: o que contém a informação mais importante proporcionada pelo produtor, e o que encerra a informação secundária, ou seja, a informação que auxilia na compreensão, na aceitação da informação principal. As relações postuladas pela RST são: (a) de Apresentação: antítese, capacitação, concessão, evidência. fundo, justificativa, motivação, preparação, reformulação, resumo; (b) de Conteúdo: alternativa, causalidade, circunstância, condição, elaboração, avaliação, método, 2

não-condicional, propósito, resultado, solução; (c) Multinucleares: contraste, lista, reformulação, seqüência, união. Essas relações estruturais do texto são funcionais, pois a característica que todas partilham é a de apresentar categorias de efeitos produzidos ou de intenções do produtor. Por exemplo, a relação de justificativa procura aumentar a inclinação do leitor para aceitar que o produtor apresente a informação nuclear; a relação de concessão visa a aumentar a atitude positiva do leitor frente à informação nuclear, e assim, cada uma das relações. Essas relações podem ser descritas especialmente em termos de objetivos do produtor e de suposições do produtor sobre o leitor. O texto, ao estruturar relações, reflete as opções de organização e apresentação do redator. É neste sentido que a RST é retórica, como salientam Mann, W.C; Matthiessen e Thompson (1992, p. 45). A análise permitida pelo modelo da RST atribui, assim, um papel e uma intenção a cada unidade de informação do texto, conferindo razão de existência a cada elemento do texto, tendo em vista o que o leitor de um texto deve julgar verdadeiro com o fim de estabelecer a relação entre as unidades textuais (Mann, 1999). A RST, ao se valer de relações do tipo resumo-núcleo ou fundo-satélite, apresenta semelhanças com o procedimento seguido na sintaxe, onde ocorrem relações como sujeito-verbo, modificador-núcleo. A diferença básica do modelo, no entanto, se concentra em dois pontos. O primeiro está no fato de que, se a oração se constrói a partir de regras, o texto é encarado como configuração de estratégias. O segundo, decorrente do anterior, diz respeito ao valor mais probabilístico do que categórico das relações entre as unidades textuais. 2. A proposta de E. Bernárdez No projeto O.R.T.O., adota-se a proposta de E. Bernárdez, que, focalizando a noção de estratégia e de interação comunicativa, propõe a utilização do modelo RST vinculado à idéia de que a organização textual pode ser entendida como uma série de vias ou opções de continuidade, etiquetadas com as relações apresentadas pela RST (1995, p. 85). Tratase das vias Apresentativa, Hipotática e Paratática. A via Apresentantiva conduz a uma seqüenciação dirigida a proporcionar ao leitor informação que assegure a compreensão ou a aceitação da enunciação do produtor do texto. Por exemplo, numa relação de justificativa, um elemento do texto nele aparece porque diz respeito a algo que o leitor considera crível ou aceitável por seu conhecimento lingüístico-cultural e porque o produtor pretende que, apelando para essa evidência, o leitor esteja mais disposto a aceitar a veracidade de sua proposição. As vias Hipotática e Paratática envolvem enlaces semânticos de partes do texto. Se dois elementos estão numa relação causal (via Hipotática), por exemplo, necessariamente haverá uma implicação de causa e efeito, e isso independe do produtor do texto. Se dois elementos estão em contraste (via Paratática), ambos terão algo em comum e algo diferente, o que também é independente do produtor. O que diferencia as duas vias é a importância dos elementos relacionados. Na Hipotática, identifica-se uma informação nuclear e uma secundária. Na Paratática, que conduz a uma seqüenciação dirigida a proporcionar informações novas, sem desenvolver conteúdos anteriores, as informações relacionadas são similares em termos de importância para os fins discursivos do produtor textual. 3

A questão que Bernárdez apresenta é a de se é possível prever, ainda que de forma probabilística, as três vias ou opções de continuidade do produtor etiquetadas com as relações propostas pela RST. 3. O projeto O.R.T.O. O projeto O.R.T.O. vale-se da proposta de Bernárdez de verificar as relações entre unidades textuais (vias de continuidade e respectivas relações). Para a tarefa, salienta-se a relação que se estabelece entre recorrência de vias e relações e tipo textual em que elas aparecem. Para a RST, as relações se estabelecem independentemente dos gêneros discursivos (Mann e Thompson, 2001). No projeto O.R.T.O., porém, acredita-se assim como Bateman (2001) que o tipo de texto (ou gênero discursivo) influi sobremaneira nas ocorrências das vias e das relações, tendo impacto sobre as escolhas possíveis do produtor. Parte-se da hipótese de que seja possível prever probabilisticamente a forma mais provável de organização retórica de um tipo textual produzido em determinadas condições contextuais, as quais serão dadas por restrições gerais do contexto. Neste projeto, institui-se o jornal como contexto situacional, dentro do qual focalizam-se como corpus artigos de opinião autoral sobre os mais variados temas e autores. Optou-se por esse tipo de artigo e não editoriais com o objetivo de compor um corpus variado de artigos produzidos por diferentes autores, ampliando, assim, o número de produtores textuais. Vincula-se também, no projeto, a previsão probabilística das vias de continuidade presentes nos textos às organizações macro e superestrutural de determinado tipo textual - conforme van Dijk (1996) -, neste caso, o artigo de opinião. Ele postula que o esquema geral ou superstrutura é formado por uma série de categorias hierarquicamente ordenadas que podem ser especificadas para cada tipo de discurso. A necessária relação entre superestrutura e outras categorias do discurso se estabelece, segundo van Dijk, por meio de macroestruturas semânticas: Cada categoria da superestrutura se associa a uma macroproposição da macroestrutura semântica (1996, p. 80), afirma ele. Relaciona-se a essa idéia a existência de plano de texto convencional, da lingüística textual, no qual o texto entra inteira ou parcialmente no plano previsto, conforme Jean-Michel Adam (2004, p. 377). Esses planos de texto pré-organizam, explicitamente marcados ou não, a estruturação do sentido. E. Bernárdez (1990) enfatiza a importância da noção de macroestrutura no estudo da organização retórica de textos. Ao investigar essa organização num tipo textual, está-se analisando aquilo que faz o autor para obter uma macroestrutura. Afirma Bernárdez (1990, p. 110): O escritor deseja fazer algo. Esse algo costuma estar relacionado com o leitor ou ouvinte: conseguir que esse creia em algo, faça algo, etc. Para conseguir tal objetivo, o escritor opta por um meio lingüístico, o texto. Deverá eleger entre numerosas possibilidades que se lhe oferecem, uma das formas de macroestruturar seu texto, de organizá-lo e de compô-lo, e a eleição se dará de acordo com o que pensa que é mais adequado para alcançar seu objetivo (por exemplo, que o leitor creia no que disse o autor). 4

Outra adoção importante que se salienta no projeto é a de fim ilocutório ou de macroato de discurso. Assume-se a posição de van Dijk: uma das bases para diferenciar tipos de discurso, tais como narrações ou notícias, é a possibilidade de atribuir um macroato de fala, simples ou complexo, à produção de tal discurso (1995, p. 340). Assim, no projeto O.R.T.O., adota-se a concepção de macroato de discurso como fator organizador da retórica de textos, juntamente com a idéia de restrições de contexto institucional e de tipo textual. Presume-se que o produtor de um artigo de opinião, cujo fim é o de fazer-crer o leitor na verdade de sua tese, tenha uma organização retórica diferente da de uma notícia cujo fim discursivo é o fazer-saber. Ressalte-se que, para a RST, também a noção de fim ou de intenção do produtor é importante. Afirmam Mann e Thompson (2001, p. 21): Pressupomos que os escritores escrevem em função de objetivos e que esses objetivos são de uma natureza que pode ser representada em termos de resultados desejados. Esses resultados podem ser considerados como as transformações que afetam os indivíduos que constituem o leitorado visado. Resumidamente, no projeto O.R.T.O., assume-se a idéia de que um gênero textual tem particularidades quanto à sua organização retórica determinadas pelo contexto institucional da interação e pelo fim discursivo da comunicação. Salienta-se, ainda, a natureza da unidade mínima de análise do projeto O.R.T.O. Para Mann e Thompson (2001) e para Bernárdez (1995), a unidade mínima a ser considerada será determinada pelo objetivo da análise: podem ser orações, parágrafos ou até mesmo capítulos de um livro; o que importa, segundo Mann e Thompson (2001, p. 10), é que seja possível atribuir a cada unidade um papel no texto, principalmente pela reunião das partes do texto, conforme as relações e pelo reagrupamento dessas partes em segmentos. No O.R.T.O., instituiu-se como unidade mínima macroproposições (unidades de sentido) que podem ser compostas de uma frase, de um parágrafo ou de um conjunto de parágrafos. Assim considerando, compôs-se um corpus de 150 artigos autorais, com fim discursivo crítica, retirados de jornais brasileiros: Zero Hora, Correio do Povo, O Estado de São Paulo, Folha de São Paulo, O Globo, Jornal do Brasil. Se houve a preocupação de formar o corpus com diferentes articulistas, também buscou-se selecionar diferentes veículos jornalísticos a fim de neutralizar regularidades quanto a estilos institucionais específicos. Os textos selecionados de acordo com os critérios referidos foram analisados buscando-se a ocorrência das vias Apresentativa, Paratática e Hipotática e as relações núcleo-satélite do modelo RST. Dos 150 textos analisados, salientam-se, numa primeira apreciação dos resultados, as seguintes constatações: 1. incidência da via Apresentativa em 144 dos artigos analisados (96%); 2. não-ocorrência de determinadas relações entre as unidades textuais. Ex.: Lista, Capacitação, Método, Motivação; 3. incidência de determinadas relações. Ex.: Preparação (61), Justificativa (48), Evidência (67) e Avaliação (100);incidência de determinadas relações em 5

seqüência. Ex. Preparação Evidência, Evidência - Avaliação, Justificativa Avaliação; Os itens relacionados evidenciam a ligação estreita entre o tipo textual em estudo e as opções do produtor. Como os artigos de opinião têm como fim o fazer-crer, ocorre incidência decisiva da via Apresentativa, a qual tem por finalidade estreitar os laços entre Produtor Texto Leitor para envolver esse último, com o objetivo de obter sua adesão ao ponto de vista defendido no artigo. A incidência de relações também se vincula às particularidades do tipo artigo de opinião. Se não ocorre, por exemplo, a relação de Motivação própria de tipos textuais ligados à modalidade da petição, relacionados ao fazer-fazer -, há grande incidência de relações cujo efeito é o de aumentar a atitude positiva do leitor para aceitar ou para melhor compreender posições tomadas pelo produtor no decorrer do texto. Evidenciam-se também algumas recorrências de relações em seqüência. Por ora, chamam bastante a atenção ocorrências de certos pares de relações, as quais são indicadores de que certas opções do produtor são regulares. Os resultados do projeto O.R.T.O. visam a contribuir para o desenvolvimento de ações pedagógicas de tratamento da estrutura retórica de textos de opinião. A aprendizagem dos processos de produção textual passa pelo conhecimento das estruturas dos textos, incluindo a relação entre macroestruturas e superestruturas. Por exemplo: caso se deseje tratar da diferença entre a redação de um artigo de opinião e a de uma notícia, faz-se necessário enfocar as diferentes organizações de cada tipo e as estratégias possíveis para o cumprimento dos diferentes fins discursivos de cada um. Além disso, será possível enfocar com mais precisão que possíveis decisões pode tomar o produtor do texto entre um repertório finito de possibilidades (vias e relações). Referências bibliográficas ADAM, Jean-Michel. 2004 Plano de texto. In: CHARAUDEAU, P.; MAINGUENEAU, D. Dicionário de análise do discurso. São Paulo: Contexto. BATEMAN, John A. 2001 Between the leaves of rhetorical strucuture: static and dynamic aspects of discourse organization. Verbum. Nancy: Université de Nancy, tomo XXIII, n. 1, 31-58. BERNÁRDEZ, Enrique. 1995 Teoría y epistemología del texto. Madrid: Cátedra,. BERNÁRDEZ, E. 1990 Las macroestructuras textuales como objeto del estudio lingüístico. Actas de las I Jornadas e lengua y Literatura Inglesa y Norteamericana. Logroño: Colegio Universitario. DIJK, Teun A. Van.1998 Estructuras y funciones del discurso. México: Siglo Veintiuno Editores, DIJK, Teun A van. 1997 La ciencia del texto: un enfoque interdisciplinario. 5. ed. Barcelona: Paidós. DIJK, Teun A. van. 1996 La noticia como discurso: comprensión, estructura y producción de la información. Barcelona : Paidós. DIJK, Teun A. Van. 1995 Texto e contexto: semántica y pragmática del discurso. 5. ed. Madrid : Cátedra. HOEY, Michel. 1979 Signalling in discourse. Birgmingham: University of Birmingham. MANN, W.C. & THOMPSON, S.A. 1988 Rhetorical Structure Theory: toward a functional theory of text organization. Text 8 (3): 243-281. 6

MANN, W.C. & THOMPSON, S.A. 2001 Deux perspectives sur la théorie de la structure rhétorique (RST). Verbum. Nancy: Université de Nancy, tomo XXIII, n. 1, 9-29. MANN, B. Introducción a la Teoría de la Estructura Retórica (Rhetorical Structure Theory: RST), agosto 1999. Atualizado em setembro 2000. Referência obtida na Internet: http://www.sil.org/~mannb/rst/spintro.htm MANN, W.C.; MATTHIESSEN, C.M.I.M.; THOMPSON, S. A. 1992. Rhetorical Structure Theory and Text Analysis. In: MANN, W.C. & THOMPSON, S.A. Discourse description: diverse linguistic analyses of a fund-raising text. Amsterdam: John Benjamins. 7