O treino ao exercício melhora a dispneia de esforço em doentes com DPOC. Papel dos factores mecânicos

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Transcrição:

MENSAGEM O propionato de fluticasona reduz significativamente o número de exacerbações na DPOC moderada/grave. Desta forma, os doentes com DPOC moderada/ /grave e com história de exacerbações recorrentes parece serem os indivíduos que mais beneficiam desta terapêutica, como é preconizado pelo projecto GOLD. O treino ao exercício melhora a dispneia de esforço em doentes com DPOC. Papel dos factores mecânicos Exercise training improves exertional dyspnea in patients with COPD. Evidence of the role of mechanical factors BIBLIOGRAFIA BURGE PS, CALVERTY PMA, JONES PW, SPEN- CER S, ANDERSON JA, MASLEN TL. On behalf of the ISOLDE study investigators. Randomised, double-blind, placebo controled study of fluticasone propinate in patients with moderate to severe Chronic Obstructive Pulmonary Disease: The ISOLDE trial. BMJ 2000; 320: 1297-1303. PAGGIARO PL, DAGLE R, BALRAM I, HOLLIN GEWORTH K, EFTHIMION J. Multicentre randomised placebo controlled trial of inhaled fluticasone in patients with Chronic Obstructive Pulmonary Disease. Lancet 1998; 351: 773-780. PAUWELS R, BUIST AS, CALVELEY PMA, JENKIS CK, HURD SS. Global strategy for the diagnosis, management and prevention of Chronic Obstructive Pulmonary Disease. NHLBI/WHO. Global Initiative for Chronic Obstructive Lung Disease (GOLD). Workshop Summary. Am J Respir Crit Care Med 2001; 163: 1256-1276. Fátima Caeiro, 03.10.12 GIGLIOTTI F, COLI C, BIANCHI R, ROMAGNOLI I, LANINI B, BINAZZI B, SCANO G. Chest 2003; 123: 1794-1802 RESUMO A origem da dispneia de esforço em doentes com DPOC é multifactorial. Alguns dos factores apontados são: o aumento da drive ventilatória 1, a redução da capacidade dos músculos respiratórios 2 ou as anomalias do coupling neuromuscular da bomba ventilatória 3, ambos associados a hiperinsuflação pulmonar dinâmica 4. O treino ao exercício em doentes com DPOC tem demonstrado melhorar a capacidade para o exercício e a dispneia de esforço, sem contudo se verificarem alterações significativas da mecânica ventilatória, nomeadamente da capacidade inspiratória ou do volume pulmonar no final da inspiração, ou seja, a base mecânica para esta melhoria ainda não foi clarificada. O presente estudo pretende estudar os efeitos do treino ao exercício na drive ventilatória e no coupling neuromuscular ventilatório e a sua possível associação com a dispneia de esforço, com o pressuposto de que uma avaliação precisa Novembro/Dezembro 2003 Vol. IX N.º 6 523

REVISTA PORTUGUESA DE PNEUMOLOGIA/AS NOSSAS LEITURAS destes efeitos é essencial no tratamento da dispneia em doentes com DPOC. Os autores avaliaram os efeitos de um programa de reabilitação de 6 semanas com treino ao exercício, em 20 doentes com DPOC moderada a grave. O programa incluiu a componente educativa, exercícios respiratórios e treino ao exercício. O treino ao exercício foi realizado em cicloergómetro, marcha e exercício dos membros superiores. Antes e após o programa de treino foi realizada a avaliação funcional respiratória em repouso e no exercício com teste incremental progressivo em cicloergómetro. Foi avaliado no esforço máximo, o consumo de oxigénio (VO 2 ), a produção de dióxido de carbono (VCO 2 ), a ventilação minuto (VE), as componentes de volume e de tempo do ciclo respiratório e, em seis doentes, foi avaliada a variação da pressão esofágica (Pessw) quer nos valores actuais quer como percentagem da pressão esofágica máxima medida numa manobra de sniff (Pessn), ao longo do exercício. Como resultados obtiveram um aumento significativo da capacidade para o exercício em resposta ao treino: aumento da carga máxima suportada (WR), do VO 2, do VCO 2, da VE, do volume corrente e da frequência cardíaca, enquanto a dispneia de esforço e a sensação de esforço dispendido pelos membros inferiores, avaliadas pela escala de Borg, não se modificaram significativamente. A relação da dispneia de esforço com o consumo de oxigénio e com a produção de dióxido de carbono (dispneia/vo 2 e dispneia/vco 2 ) diminuiu, enquanto os equivalentes ventilatórios (VE/VO 2 e VE/VCO 2 ) não se alteraram. A dispneia de esforço e o esforço dos membros inferiores, quando relacionados com a ventilação minuto, diminuíram significativamente após o treino. Para uma carga padronizada, a ventilação minuto, o VCO 2, a dispneia de esforço e o esforço dos membros inferiores diminuíram, enquanto a capacidade inspiratória (IC) aumentou. A redução da ventilação deveu-se em primeiro lugar à redução da frequência respiratória (RR) e ao aumento do tempo inspiratório (T I ) e do tempo expiratório (T E ). O volume corrente aumentou ligeiramente, enquanto a drive ventilatória (VT/ /T I ) e o ciclo de trabalho ventilatório (T I /T TOT ) se mantiveram inalterados. A redução da variação da pressão esofágica (Pessw) e o aumento do volume corrente (VT) associaram-se a uma menor dispneia de esforço após o programa de treino. Para valores padronizados de VE, VT, RR e IC, a variação de pressão esofágica Pessw e Pessw(%Pessn)/VT manteve-se inalterada, enquanto a dispneia de esforço e o esforço dos membros inferiores se reduziram com o treino ao exercício. Os autores concluem que os mecanismos fisiológicos envolvidos na redução da dispneia após o treino ao exercício são complexos, e os factores que parecem ter um papel mais importante são: os cardiovasculares, a redução das exigências ventilatórias, a redução da impedância à acção dos músculos ventilatórios e, ainda, factores não fisiológicos. Quanto aos factores cardiovasculares, os autores salientam o facto de o pulso de oxigénio (quantidade de oxigénio consumida por cada batimento cardíaco) ser, segundo um trabalho de Montes de Oca et al 5, o melhor factor preditivo do consumo máximo de oxigénio em doentes com DPOC. Contudo, no presente trabalho, os autores não observaram um aumento do pulso de oxigénio com o treino, tornando o papel dos factores cardiovasculares menos relevante. No que diz respeito à redução das exigências ventilatórias, esta verifica-se neste trabalho, com a redução da ventilação-minuto e da produção de dióxido de carbono para uma mesma carga suportada. Estas alterações são consequência de um aumento da capacidade aeróbica com o treino, o que leva a uma menor produção de lactato e menor necessidade 524 Vol. IX N.º 6 Novembro/Dezembro 2003

ventilatória para eliminar as valências ácidas. A redução da impedância à acção dos músculos ventilatórios deve-se a uma redução da insuflação pulmonar (menor volume pulmonar no final da expiração). A desinsuflação que é proporcionada pela redução da frequência respiratória com prolongamento do tempo expiratório e com um maior volume de ar expirado permite, por sua vez, reduzir a carga elástica dos músculos respiratórios. Para a mesma carga suportada pelos doentes, o treino ao exercício reduz a dispneia ao diminuir o esforço inspiratório, o volume pulmonar no final da expiração e a frequência respiratória, melhorando assim o coupling neuro-ventilatório. Outros factores potencialmente implicados na redução da dispneia com o treino ao exercício são os factores não fisiológicos, de que é exemplo a dessenssibilização ou a tolerância à dispneia, permitindo aos doentes suportarem cargas mais elevadas e, possivelmente, o treino respiratório, permitindo uma melhoria do padrão ventilatório com redução da frequência respiratória. COMENTÁRIO Os autores deste trabalho fazem uma análise dos efeitos fisiológicos e não fisiológicos do treino ao exercício. Alguns desses efeitos são o aumento da capacidade aeróbica (consumo máximo de oxigénio), da carga suportada, enquanto para uma mesma carga suportada a dispneia de esforço e a sensação de esforço dispendido pelos membros inferiores se reduziram significativamente após o programa de treino. Estes efeitos benéficos do exercício colocam-no como a chave de qualquer programa de reabilitação em doentes com DPOC. Segundo uma meta-análise realizada por Lacasse et al, os programas de reabilitação que incluem o treino ao exercício têm demonstrado uma melhoria da capacidade para o exercício, o alívio da dispneia e a melhoria da capacidade para lidar com a doença 6. Um dos factores analisados pelos autores é a relação da melhoria do coupling neuro-ventilatório com a melhoria da dispneia obtida com o treino ao exercício. O conceito de coupling neuroventilatório tem sido enfatizado nos últimos anos. Ele reflecte a relação entre a força dos músculos inspiratórios (expressa pela razão entre a pressão esofágica inspiratória Pessw e a pressão inspiratória máxima P Imax ) e a variação instantânea do volume pulmonar (razão entre o volume corrente VT e a capacidade pulmonar total TLC): Pessw/Pimax VT/TLC A hiperinsuflação pulmonar, frequentemente presente nos doentes com DPOC, tem sido apontada como um factor que determina dissociação neuroventilatória. Se, por um lado, impõe aos músculos respiratórios uma maior carga elástica, obrigando a um maior esforço para que se possa manter um nível ventilatório adequado, por outro, a hiperinsuflação reduz a contractilidade máxima dos músculos que passam a operar numa relação comprimento/tensão mais desfavorável. Esta sensação de maior esforço, que não se traduz em variações proporcionais de débitos e volumes, constitui a dissociação neuromecânica ou neuroventilatória e tem como consequência a dispneia 7. No trabalho que comentamos, para uma mesma carga suportada, o exercício reduziu a dispneia ao diminuir o esforço inspiratório, a hiperinsuflação pulmonar e a frequência respiratória, melhorando assim o coupling neuroventilatório. Outras formas terapêuticas, como a administração de broncodilatadores, também podem reduzir a dispneia de esforço nos doentes com DPOC, o que pode ser atribuído igualmente à redução da hiperinsuflação pulmonar e à melhoria do coupling neuroventilatório, já que nestes Novembro/Dezembro 2003 Vol. IX N.º 6 525

REVISTA PORTUGUESA DE PNEUMOLOGIA/AS NOSSAS LEITURAS doentes não existe habitualmente um aumento importante dos débitos expiratórios 8. Na maioria dos casos, o aumento do FEV 1 com a broncodilatação não ultrapassa os 12%. Para além da coupling neuroventilatória, os autores pretenderam neste estudo avaliar os efeitos do treino ao exercício na drive ventilatória central. Durante muitos anos, o aparecimento da hipercapnia nos doentes com DPOC foi interpretado como consequência de uma redução do estímulo ventilatório que parte dos centros respiratórios (drive) para os músculos respiratórios. Sabe-se hoje que, quando comparados com indivíduos saudáveis, os doentes com DPOC apresentam antes uma drive ventilatória aumentada 9. Esta pode ser avaliada pela pressão de oclusão (P 0.1 ), pela variação da ventilação (VE) ou pelo débito inspiratório médio (VT/T I ). O aumento da drive pode ser consequência do estímulo proveniente dos aferentes mecânicos pulmonares ou da parede torácica e dos quimiorreceptores estimulados pela hipóxia crónica 10. Embora outros autores 1 apontem a drive como um dos factores que pode estar na génese da dispneia, neste trabalho os autores verificaram que a drive ventilatória, avaliada pelo VT/T I, não se alterou significativamente com o treino ao exercício, não parecendo ter influência na melhoria da dispneia de esforço referida por estes doentes. Salienta-se a importância de estudos como este, por proporcionarem uma melhor compreensão dos mecanismos de acção de algumas modalidades terapêuticas como o treino ao exercício na melhoria da dispneia de esforço em doentes com DPOC. Palavras-chave: treino ao exercício, DPOC, dispneia, coupling neuroventilatório, drive ventilatória. Key-words: exercise training, COPD, dyspnea, neuromuscular coupling, ventilatory drive. MENSAGEM O treino ao exercício é a chave de qualquer programa de reabilitação em doentes com DPOC e promove melhoria da capacidade para o exercício, alívio da dispneia e melhoria da capacidade para lidar com a doença. Alguns dos mecanismos fisiológicos implicados na redução da dispneia após o treino ao exercício são: Aumento da capacidade aeróbica, com menor produção de lactato e menor exigência ventilatória na eliminação de valências ácidas; A redução da ventilação e o aumento do tempo expiratório proporcionam maior volume de ar expirado, com redução da hiperinsuflação pulmonar, redução da impedância dos músculos ventilatórios, diminuição do esforço inspiratório e melhor coupling neuroventilatório; A drive ventilatória não parece ter influência na melhoria da dispneia de esforço referida por estes doentes. BIBLIOGRAFIA 1. MARIN JM, MONTES DE OCA M, RASSULO J, et al. Ventilatory drive at rest and perception of exertional dyspnea in severe COPD. Chest 1999; 115: 1293-1300. 2. LEBLANC P, BOWIE DM, SUMMERS E, et al. Breathlessness and exercise in patients with cardiorespiratory disease. Am Rev Respir Dis 1986; 133: 21-25. 3. O DONNELL DE, WEBB KA. Exertional breathlessness in patients with chronic airflow limitation: the role of lung hyperinflation. Am Rev Respir Dis 1993; 148: 1351-1357. 4. O DONNELL DE, MCGUIRE M, SAMIS L, et al. General exercise training improves ventilatory and peripheral muscle strength and endurance in chronic airflow limitation. Am J Respir Crit Care Med 1998; 157: 1489-1497. 5. MONTES DE OCA M, RASSULO J, CELLI BR. Respiratory muscle and cardiopulmonary function during exercise in very severe COPD. Am J Respir Crit Care Med 1996; 154: 1284-1289. 526 Vol. IX N.º 6 Novembro/Dezembro 2003

6. LACASSE Y, WONG E, GUYATT GH, KING D, COOK DJ, GOLDSTEIN RS. Meta-analysis of respiratory rehabilitation in chronic obstructive pulmonary disease. Lancet 1996; 348: 1115-1119. 7. O DONNELL DE. Breathlessness in patients with chronic airflow limitation. Mechanisms and management. Chest 1994; 106: 904-912. 8. BELMAN MJ, BOTNICK WC, SHIN JW. Inhaled bronchodilators reduce dynamic hyperinflation during exercise in patients with chronic obstructive pulmonary disease. Am J Respir Crit Care Med 1996; 153: 967-975. 9. VAN MEERHAEGHE A, SERGYSELS R. Control of breathing during exercise in patients with chronic airflow limitation with or without hypercapnia. Chest 1983; 84(5): 565-570. 10.GORINI M, SPINELLI A, GINANNI R, DURANTI R, GIGLIOTTI F, SCANO G. Neural respiratory drive and neuromuscular coupling in patients with chronic obstructive pulmonary disease (COPD). Chest 1990; 98: 1179-1186. Melhoria da capacidade inspiratória em repouso e da hiperinsuflação com o tiotrópio em doentes com DPOC e com aumento dos volumes estáticos pulmonares Improvement in resting inspiratory capacity and hyperinflation with tiotropium in COPD patients with increased static lung volumes Fátima Rodrigues, 03.10.06 CELLI B, ZU WALLACK R, WANG S, KESTEN S Chest 2003; 124: 1743-1748 RESUMO O reconhecimento da eficácia de um broncodilatador na DPOC deve incluir o registo dos volumes pulmonares, que fornecem informação acerca da hiperinsuflação e, consequentemente, da dispneia. É reconhecido que após a administração de um broncodilatador as alterações do VEMS não reflectem necessariamente alterações do grau de dispneia, podendo este parâmetro funcional não demonstrar o potencial benéfico de um fármaco na DPOC. As modificações da Capacidade Inspiratória (CI) demonstraram já uma melhor correlação com a dispneia e intolerância ao esforço, em relação a outros parâmetros espirométricos, pois reflectem modificações da hiperinsuflação. O tiotrópio é um anticolinérgico que antagoniza de forma prolongada o receptor muscarínico M 3, proporcionando uma melhoria clínica e funcional em doentes com DPOC. Este estudo Novembro/Dezembro 2003 Vol. IX N.º 6 527