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1 Que estúpido, meu Deus! Que estúpido! Como pude não notar durante tanto tempo?! Quase dois anos e eu, sem a menor, a mínima desconfiança. Desconfiar Do que eu ia desconfiar?! Não. De nada nem de ninguém. Nem dos preparativos dos sábados, nem das saídas de domingo que minha mãe fazia com os pacotes e com minha irmã enquanto eu ficava na casa de Tati. Tatiana Essa, sim, nunca mais vi. Era a filha de uma vizinha que agora não me lembro como se chama. Era três anos mais velha e achava que eu era filho dela. Cuidava de mim. Ela dizia que cuidava de mim, mas a verdade é que eu era seu brinquedo preferido. Também Me obrigava a brincar de escolinha, então me usava como aluno e me colocava na mesma fila com um monte de

bonecos. Lindo papel o meu! Mas tudo bem. Nessa época eu tinha quatro anos. Quatro anos! Quem duvida do que lhe dizem aos quatro anos? Porque quando a gente é criança não pensa. Bom, pensa, tudo bem. Mas direitinho, só para um lado. A gente não imagina que uma coisa pode ser e não ser ao mesmo tempo. É sério. Se alguém diz a uma criança que uma coisa é branca, ela a considera branca e pronto. Quero dizer: eu era muito pirralho para não acreditar na história de que meu pai tinha ido viajar e algum dia ia voltar. Por que não? Afinal de contas, não era tão descabelada. Pelo menos era uma boa explicação para entender por que ele não estava. Aconteceu assim. Uma quinta-feira. Disso nunca vou me esquecer. Quinta-feira era o dia que minha mãe fazia pizza. Para nós e para vender na padaria do Cosme. Meu pai adorava pizza. Mas que ela trabalhasse, não. Nem sequer em casa fazendo bolos. Disso também me lembro. Do que minha mãe dizia a ele: que queria juntar dinheiro. E do que meu pai respondia a ela: que disso cuidava ele. 8

Eu estava na Tati, para variar. Tomando leite na casa dela como toda quinta-feira. Era ótimo tomar leite ali, porque Tati me fazia brincar de filho. Mas de filho querido. Não sei por que nas quintas. Ela me sentava, colocava um guardanapo no pescoço (isso me sufocava) e não deixava eu me mexer da cadeira até trazer tudo o que encontrava na cozinha. Cortava o pão em rodelas e besuntava com manteiga e mel. Excelente. Só que me fazia comer até o pão me sair pelas orelhas. Mas era ótimo. A mãe de Tatiana era professora. Lá pelas seis e meia ela me levou para casa penteado e perfumado com uma colônia nojenta que o pai dela usava depois de se barbear. Em casa estava minha mãe terminando as massas das pizzas e minha irmã fazendo a lição de casa. A televisão falava sozinha. Eu me lembro. Me lembro da televisão porque naquele dia, quando cheguei, fiquei olhando para ela pensando como as pessoas faziam para se enfiar num quadrado tão pequeno. Me lembro que perguntei a Patrícia e ela me respondeu com voz de sabichona que as imagens vinham pelo fio. É. E eu, sem dizer 9

nada, comecei a pegar nele assim, assim, assim, até que cheguei à tomada. E o tirei da tomada e fiquei olhando as duas perninhas e os buracos na parede e não vi nada, é claro. E não sei o que ia fazer quando apareceu minha mãe e me deu um grito que quase trincou os vidros. E veja você: naquela quinta-feira ela me disse que quando meu pai chegasse eu ia ver (assim mesmo, com essas palavras), porque eu sabia que não devia mexer naquilo e blablablá. Quando meu pai chegasse O caso é que eu fiquei numa aflição terrível pensando em quando meu velho chegaria. Como já era meio tarde, a gente se sentou para jantar: Patrícia, minha mãe e eu, sozinhos. E lembro que volta e meia ela se debruçava na janela, voltava a se sentar, olhava a hora, voltava a ficar de pé, enfiava no forno as pré-pizzas para levar à padaria, olhava fixo pela janela, levantava o volume do rádio quando davam as notícias. Até que ficou muito tarde e ela mandou minha irmã telefonar para a casa de Tati. E me pôs na cama meio vestido. 10

Tá. Acho que eu queria perguntar por ele, mas, como esperava a surra por causa da tomada, não falei nada, deixei ela me pôr para dormir e fechei os olhos com força. Você nunca reparou que fechando os olhos com força você consegue dormir mais depressa? Bem, eu achava que sim. Então fechei com tudo e, mesmo não tendo sido tão fácil, acabei adormecendo como um anjinho. Tá bem. Antes de dormir Ou não Na realidade não pensei nada esquisito. A não ser que, dormindo, me livrava da surra. Porque na minha casa era bastante comum que de um dia para o outro as coisas caíssem no esquecimento. Ou isso é o que penso agora? Não sei De manhã, quando acordei, não tinha ninguém em casa. Ninguém. Mas logo chegou minha irmã e gritou da copa para eu me levantar porque minha tia Negra vinha buscar a gente. Quando perguntei onde estava minha mãe, me respondeu que ela tinha ido à padaria. E, quando perguntei pelo meu pai, ela me disse que ele tinha ido viajar e deixado um beijo para mim. Assim, desse jeito. Que tinha ido viajar e ia voltar logo. 11

O mesmo que depois me disse minha tia Negra. E, dois dias depois, minha mãe. E a mãe de Tati quando me viu. Veja você Agora tenho uma dúvida: será que Tati sabia a verdade ou também tinham feito ela engolir a história da viagem? Porque, quando dois anos depois fiquei sabendo que o papo da viagem era mentira, que meu pai estava na prisão desde a noite em que me livrei da surra, fui lá e disse para ela. E Tati ficou parada me olhando. E não disse nada, cara, nada. Como se tivesse a boca costurada. 12