A Patricinha. Ninguém é realmente digno de inveja, e tantos são dignos de lástima! Arthur Schopenhauer

Transcrição

1 Roleta Russa 13 A Patricinha Ninguém é realmente digno de inveja, e tantos são dignos de lástima! Arthur Schopenhauer Oi. Eu sou a Patrícia. Prazer. Você é?... Quer sentar? Aceita uma bebida, um chá, um biscoito? (riso) Não? Vamos ficar aqui mesmo? É um pouco desconfortável, mas tudo bem. Eu sou a Patrícia, tenho vinte e seis anos, sou formada em Direito pela USP e tenho quase tudo que queria ter, sou rica. Aqueles scarpins que você sonha comprar, divide em dez vezes e se vê em apuros para pagar, eu tenho-os fechados na caixa, mofando. Já não gosto deles. Na verdade, acho que nunca gostei. Sabe, rico é assim: compra só por comprar. Meu closet (rico tem closet, não tem guarda-roupa), está repleto de coisas que nunca vou usar. Tem vestidos Channel, bolsas Burberry, jeans de mais de mil dólares... Sério, que número você veste? Quarenta e dois?! Noossa! Era capaz de jurar que vestia trinta e oito, no máximo. Como eu estava falando, eu tenho tudo. Meus pais nunca deixaram que me faltasse nada. Fui sempre superprotegida e amada. Mimada também. Lembro-me de fazer birra quando era criança. Não podia passar numa loja de brinquedos, nem numa loja de roupas. Chorava se meus pais não me dessem o que queria, mas, invariavelmente, vencia. Meu pai sempre preferiu gastar a grana que fosse a ver-me aborrecida. RICARDO.indd 13

2 14 R.B. Côvo Foi assim, por exemplo, quando meti na cabeça que queria um carro importado, uma BMW. Ele foi lá e pronto, me deu de presente. E não era sequer meu aniversário. Vem, senta aqui do meu lado. Você é louca, só pode. Rosa saiu. Disse que ia levar a roupa na lavanderia. E daí? Daí que a gente podia aproveitar. Ela vai demorar. Você sabe que a lavanderia fica lá no centro da cidade, e depois ela conduzindo... Patrícia, eu já falei que não estou a fim. Você insiste. Eu amo minha mulher, não vou nunca fazer uma coisa dessas com ela. E você que se diz amiga dela devia ter vergonha na cara. Amiga?! Eu nunca falei pra ela que a gente é amiga. A gente era colega na faculdade, saía junto, ia ao cinema, ao shopping, ao restaurante, mas amiga eu nunca fui. Você não foi, nem é, mas ela te considera, sim. Problema dela. Para, Patrícia. Eu vou acabar lhe contando tudo. Contando o quê? Ora, o quê! Que você dá em cima de mim, que fica o tempo todo me assediando... E você é um panaca, Roberto. Não sabe o que está perdendo. Já entendeu? Eu tenho tudo, toda minha vida eu tive tudo, nunca fui contrariada, não estou habituada a ouvir um não... Poxa, justo o cara que eu queria me dá um fora desse RICARDO.indd 14

3 Roleta Russa 15 jeito! Eu tinha que fazer alguma coisa. Não sabia o quê. Não podia chegar e dizer pro meu pai que estava apaixonada, que não era correspondida e que queria que ele comprasse o cara pra mim. Meu pai tem dinheiro, tem muito dinheiro, mas Roberto não tinha preço. Patrícia, eu sou feliz com Rosa. A gente não tem grana como você, passa algumas dificuldades, você sabe, mas não tem nada melhor que chegar em casa e ver o sorriso dela. E eu? Como é que eu fico nessa história? Você é nova, bonita, inteligente, rica... Logo, logo aparece um cara legal, você se apaixona, casa, tem filho e esquece essa bobagem. Você acha mesmo que vou esquecer? Tenho certeza. O pior é que eu não esqueço. Minha paixão por Roberto era muito forte, obsessiva. Não, doentia não. Não sou doente, nem o Amor é uma doença. Simplesmente, talvez eu não quisesse esquecê-lo. O meu orgulho não deixava. Perder, Patrícia, nunca! Rosa já te contou? O quê? A gente vai ter um filho. Um troféu. Essa criança era pra mim como um troféu. Imaginava Rosa a erguendo como se tivesse ganhado o Oscar, e que raiva isso me dava. Quando era criança brincava de ser mãe, vestia, calçava, passeava, alimentava os meus bebês. Eu era uma boa mãe. Seria uma boa mãe, com certeza. Mas Rosa... RICARDO.indd 15

4 16 R.B. Côvo Você vai mesmo ter esse filho? Ué, por que essa pergunta, Patrícia? Por que não haveria de ter? Sei lá, você nunca me pareceu muito amarrada nessa ideia de ser mãe. Eu não pensava muito nisso, não, mas estou amando. Roberto, então, está encantado. Ele anda tão feliz! É, eu sei. E sabia mesmo. Aquela cara de felicidade dos dois me dava náuseas. Você nem imagina o quanto. Andava angustiada, triste, puta da vida. Não estou habituada a perder. Patrícia não perde nunca. Aí, bolei um plano. O quê?! Você está insinuando que esse filho não é meu? Eu só perguntei se você tem certeza. Você sabe de alguma coisa e não está querendo me contar? Nada, eu não sei de nada. Falei só por falar. Tem algum cara lá na Academia? Vá, me conta. Pronto, está bem. Eu não devia nem te falar, mas tem um tal de Carlos que ela dá muita bola. Agora não me mete em encrenca. Pronto. Tinha semeado a desconfiança e quem sabe a discórdia. Roberto tinha um ciúme tremendo de Rosa. Contudo, o Amor verdadeiro não rompe facilmente e poucas semanas depois... Tenho um convite para te fazer. Já falei com Roberto e ele concordou. Não aceito um não como resposta! Fala logo, Rosa! RICARDO.indd 16

5 Roleta Russa 17 A gente quer que você seja a madrinha da nossa filha. Não! Não podia acreditar no que estava ouvindo. Só podiam estar brincando comigo. Eu, madrinha?! Do filho deles dois?! Nem morta! Patrícia, sua nova colega de cela. Oi. Eu sou a Patrícia. Prazer. Você é?... RICARDO.indd 17