O PROVEDOR DE JUSTIÇA, AS PRISÕES

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Transcrição:

O PROVEDOR DE JUSTIÇA, AS PRISÕES E O SÉCULO XXI: DIÁRIO DE ALGUMAS VISITAS (XII) RELATÓRIO DA VISITA AO ESTABELECIMENTO PRISIONAL DE PINHEIRO DA CRUZ

Estabelecimento Prisional de Pinheiro da Cruz 15 de março de 2017 10h:40m O céu estava nublado no Litoral Alentejano. Percorro uma estrada alcatroada, gasta pelo uso constante que dela é feita e com passagem condicionada por duas cancelas: a primeira, próxima de uma pequena casa caiada de branco com uma barra horizontal de azul claro, é aberta por um recluso; a segunda, por sua vez, move-se por meio do automatismo que os elementos do corpo da guarda prisional acionam. De ambos os lados, observo alguns edifícios antigas instalações do pessoal de vigilância e pavilhões que, rodeados por uma grande malha hexagonal de arame, acomodam as pessoas que cumprem a sua pena em regime aberto e algumas frações de terreno cultivadas com árvores. Ao fundo, um portão cinzento delimita o acesso ao complexo penitenciário que, tal como leio no ordenado conjunto de letras metálicas que uma das suas paredes laterais ostenta, se denomina Estabelecimento Prisional de Pinheiro da Cruz. 2 I. Tal como os demais visitantes, ingresso no estabelecimento penitenciário pela portaria, zona com um pequeno guichet para identificação de quem ali acede e com um detetor de metais para controlo do que entra.

Na companhia do responsável pelo corpo de guardas prisionais, conheço a senhora adjunta da direção, Dra. Adélia Carretas de Palma, e perante a presença destas pessoas, explico o motivo da minha visita: entender, in loco e de modo atual, o específico microcosmo que é a penitenciária em que me encontro. II. Saio da portaria e é em um pequeno espaço exterior intra muros que antecede a entrada no principal complexo prisional que troco algumas palavras com quem me acompanha. De entre os vários assuntos abordados, foi referido o reduzido número de reclusos que estão afetos ao Bairro do Monte, uma secção desta prisão que, como verei mais tarde, acomoda as pessoas que se encontram na fase final do cumprimento da sua sanção privativa da liberdade e que demonstram estar aptas a serem reintegradas na sociedade. Foi, de igual jeito, mencionada a existência de problemas de saúde mental em alguns reclusos; deficiências cognitivas e problemas emocionais que, em algumas situações, tocam a (in)imputabilidade ou a (des)necessidade de aplicação de uma pena, sendo, nas palavras da senhora adjunta, uma «linha muito ténue e difícil de gerir». 3 III. O complexo prisional no qual me encontro foi construído na segunda metade do século XX, devendo a autoria do seu projeto de ampliação ao arquiteto Raul Rodrigues Lima. A par dos pavilhões destinados aos reclusos que cumprem a sua pena em regime aberto e os que estão no Bairro do Monte, é em quatro pavilhões identificados pelos números de um a quatro que as demais pessoas privadas da sua liberdade observam a medida processual de coação ou a sanção jurídico-penal privativa da liberdade que lhes foi aplicada. São, no total e ao dia da minha visita, 645 as pessoas do género masculino que ali estão afetas, um quantitativo que se equipara ao da sua lotação.

IV. Entro no edificado onde estão instalados os serviços administrativos. No hall da entrada deparo-me com alguns elementos do corpo da guarda prisional com quem troco algumas palavras. Como tem sido minha constante preocupação, pergunto pela existência de situações que possam representar descontentamento para quem tem a missão de zelar pela ordem e pela paz no interior da prisão. Já o disse em outros momentos, mas ali reiterei, que os guardas prisionais são peças essenciais ao funcionamento do sistema penitenciário. Mais: são peças essenciais ao salutar funcionamento do sistema penitenciário. Em resposta, escuto que nem sempre é fácil conseguir o consenso na elaboração dos turnos. Ainda assim, registo que os 128 elementos do corpo da guarda prisional que ali trabalham cifra que abrange todas as categorias, incluindo chefias não necessitam de fazer 24 sobre 24 horas. É-me dito outrossim que, do universo do pessoal de vigilância, nove pessoas são do género feminino e mais de três quartos do seu cômputo total tem residência na área geográfica circundante. 4 V. Pela mesma porta por onde entrei, saio e tomo a direção da cozinha. Pelo caminho conheço as outras duas senhoras adjuntas da direção que a nós entretanto se juntaram. Apontam-me, à esquerda, os sectores laborais, espaços onde os reclusos se ocupam profissionalmente em tarefas várias, como sejam as relacionadas com a mecânica e o arranjo de máquinas de café, esta última decorrente de um protocolo celebrado com uma empresa de fabrico e distribuição de cafés e equipamentos conexos. Pergunto, depois, como se processa a transmissão de saberes quando as pessoas que ali laboram regressam à vida em liberdade, sendo-me comunicado, como esperava, que, via de regra, os mais velhos acompanham e ensinam os mais novos nas atividades a desempenhar. Para além disso, há guardas prisionais que têm

conhecimentos em alguns trabalhos que ali são executados e também eles partilham o seu saber e a sua experiência. VI. São cerca de 1600 os hectares que fazem parte do Estabelecimento Prisional de Pinheiro da Cruz. Por esta razão, atividades como a agricultura, a pecuária e a floresta são ali desenvolvidas, tendo o vinho produzido pelos reclusos visto, em um pretérito recente, a sua qualidade reconhecida com a atribuição de um prémio. É-me informado, do mesmo modo, que está em estudo um protocolo com a Câmara Municipal de Grândola para que os cães abandonados fiquem no estabelecimento penitenciário e ao cuidado dos reclusos. Passamos pela sala de visitas, ocupada ao momento, como observo do seu exterior pela porta que se encontra aberta. Pelo que vejo, o espaço que serve de parlatório, não obstante estar dotado de mesas e cadeiras de plástico em número aparentemente suficiente, parece exíguo e com pouca iluminação natural. 5 VII. Encontro-me em um pequeno pátio central, pavimentado em cimento, em redor do qual se situam, entre outras funcionalidades, as escolas, as caldeiras e a padaria. Tendo como mote os espaços de ensino, é-me dito que somente cerca de 10% da população reclusa frequenta as atividades escolares que ali são facultadas, as quais contemplam a aquisição de competências básicas e os ensinos básico, secundário e superior. É, esclarecem-me, uma percentagem diminuta fundada pelo menos em parte na carência de espaços. VIII. À entrada da cozinha vejo umas estruturas de ferro, com forma paralelepipedal, assentes em rodas de ferro. São os carrinhos usados para transportar os alimentos (já confecionados) para os refeitórios dos diversos pavilhões.

A cozinha corresponde a uma divisão ampla, com as paredes parcialmente revestidas a azulejo, e recheada por uma parafernália de utensílios e de equipamentos necessários à preparação e à confeção das refeições dos reclusos. Entre eles, observo um forno, dois fogões e três panelas de generosas dimensões nas quais se ultima a jardineira que será servida como prato principal do almoço. Vejo, de igual modo, as arcas de refrigeração e de congelação, diferenciadas para laticínios e derivados, produtos hortícolas, carnes e peixes. Passo por uma pequena divisão que é usada como refeitório por parte de quem ali trabalha (os trabalhadores da empresa contratada para a confeção de refeições: UNISELF) e pela zona de lavagem, separada das restantes. IX. Encaminho-me, então, para os serviços clínicos, próximos da cozinha. Após a entrada, percorro um corredor, ladeado parcialmente pelas portas dos gabinetes médicos dos especialistas que ali prestam a sua atividade. No lado oposto, cadeiras possibilitam o descanso dos reclusos que aguardam a sua vez para serem atendidos. No fundo do corredor, localiza-se o gabinete de enfermagem, contíguo com o do nutricionista e o da psicóloga que ali trabalham. Como é usual, a sala de enfermagem está apetrechada, para além de mesas e cadeiras, com uma marquesa e uma bancada em inox para higienização de pessoas e materiais, bem como com uma botija de oxigénio. Por meio desta sala, acedo ao gabinete do nutricionista que, a par do mobiliário comum de escritório, possui um conjunto de estantes repletas de processos. É, confessa-me este profissional, na verificação do cumprimento do caderno de encargos e das normas de higiene que são efetuadas que se traduz a sua rotina laboral. O gabinete da psicóloga, também acessível através da sala de enfermagem, possui mesas, cadeiras, armários para arquivo e um quadro para inscrição de 6

informações várias, como sejam quais os reclusos que se encontram em greve de fome. São 25 as horas que semanalmente contam com a assistência desta profissional, ainda assim não é um número suficiente para acabar com a lista de espera. Lista que também existe quanto à assistência em Psiquiatria, prestada, no interior desta prisão, durante seis horas semanais por uma médica da especialidade. Pergunto pelas patologias que, no âmbito da saúde mental, são mais frequentes entre quem se encontra privado da sua liberdade. Em resposta, escuto serem as perturbações relacionadas com a ansiedade aquelas que são mais recorrentes, não raras vezes fundadas na ausência de ocupação no interior da prisão. Antes de sair dos serviços clínicos, é-me comunicado o modo como se concretizam as consultas de Estomatologia que são facultadas intra muros e em gabinete mobilado para o efeito. Além da possibilidade de recurso ao Hospital Prisional São João de Deus, os reclusos podem ser consultados por um dos dois médicos que ali desempenham as suas funções: um deles provém do hospital prisional e desloca-se ao Estabelecimento Prisional de Pinheiro da Cruz uma a duas vezes por semana; o outro, por seu turno, é aquele que for indicado pelos interessados e a sua deslocação e consulta ocorre a expensas daqueles. 7 X. Deixo o edificado onde funcionam os serviços clínicos, conhecendo, entretanto, o senhor diretor, Dr. Carlos Fernandes Moreira, que a nós se juntou. Caminhamos, então, pelo pátio central que, desde a violenta altercação ocorrida em 2010, tem o seu uso bastante limitado. É, todavia, uma zona utilizada para passagem dos reclusos que se deslocam aos serviços clínicos e à enfermaria, assim como para os pavilhões onde trabalham e para a sala de visitas (por uma porta situada na parede oposta àquela que anteriormente vi aberta), servindo, de forma pontual, de palco a atividades desportivas. As duas balizas que vislumbro denunciam este propósito.

Este espaço, de formato retangular, é bastante amplo e dá acesso, como já referi, aos quatro pavilhões em que os reclusos cumprem a sua sanção privativa da liberdade em regime fechado, assim como ao pavilhão de segurança, para o qual me dirijo. Para facilitar a circulação no seu interior, o pátio central possui um caminho empedrado, atravessado perpendicularmente por um outro que visa ligar as entradas das copas comuns aos pavilhões um e dois (de um lado) e três e quatro (de outro lado). Ao fundo da área de terreno areado, vejo ainda a capela onde, às sextasfeiras, é celebrada a eucaristia e quatro mesas rodeadas por bancos, todos feitos em cimento. XI. Diversamente do que sucede com os quatro pavilhões de alojamento que têm acesso ao pátio central por meio de uma porta, o pavilhão de segurança encontra-se no interior de uma estrutura de ferro e de arame. Entre esta e a porta do seu edifício, um pequeno carreiro foi construído no meio de um espaço relvado, parcialmente plantado com flores, que, ao contrário do pátio central, se apresenta bem cuidado. No pavilhão que ora visito funcionam as celas de separação e as disciplinares; é por estas que principio a inspeção. A cor bege dos azulejos que cobrem as celas disciplinares observa-se somente quando as suas portas de ferro, pintadas de castanho, se abrem. No entanto, o acesso ao seu interior não é imediato, uma vez que uma estrutura gradeada, composta por barras de ferro verticais e horizontais, se interpõe entre aquele e a sua entrada. Nas suas restantes características, respeitam-se as normas atinentes a espaços de alojamento desta natureza, isto é, a cama é um maciço de betão que, com um colchão, serve para descanso dos seus ocupantes, tem uma retrete de tipo turco e o lavatório é de inox e possui as arestas arredondadas. As celas onde se cumprem as sanções disciplinares usufruem de luz natural e artificial, a 8

primeira proveniente de uma janela e a segunda propiciada por um foco de iluminação que está no exterior do gradeamento. Os reclusos que fiquem, de modo temporário, ali afetos têm os seus espaços de alojamento apenas identificados pelo seu número, escrito em um pedaço de papel fixado no exterior das celas. Passo por uma porta de ferro, pintada de vermelho, que serve de passagem para os pequenos pátios da zona disciplinar: um pequeno retângulo de cimento, circundado por altas paredes e, no topo, fechado por uma malha de ferro é o que vejo. Estes pátios quatro no total servem para a permanência dos reclusos a céu aberto durante duas horas por dia (uma de manhã e outra na parte da tarde). As celas de separação, embora também possuam maciços de betão que servem como camas, estão equipadas com sanitas e lavatórios em inox e uma bancada de madeira. Para além disso, não possuem porta gradeada intermédia, tendo apenas a porta de ferro que permite, por meio do seu visor, olhar o seu interior. O sistema de chamada do pessoal de vigilância, em caso de necessidade de auxílio, não estava operacional, o mesmo não se verificando com as câmaras de videovigilância que ali estão instaladas e que são visualizadas no gabinete dos elementos do corpo da guarda prisional. No tocante às demais zonas do estabelecimento prisional, encontrava-se, de acordo com o que me foi transmitido, ainda em curso a operação de instalação dos equipamentos do circuito interno de televisão. Antes de abandonar este edifício, passo por uma zona com armários nos quais ficam depositados os bens dos reclusos que são, à chegada e à saída, objeto do respetivo registo e observo ainda que o almoço daqueles é transportado em marmitas de plástico azul, às quais se juntam um saco com pão e uma embalagem com a sobremesa. 9

XII. No exterior da secção disciplinar, retorno ao pátio central com destino ao pavilhão três. Os metros que percorro são acompanhados de uma troca de palavras sobre a relação que se estabelece entre as pessoas privadas da liberdade que professam a religião muçulmana e os restantes reclusos, escutando, em sequência, que esta é, não obstante as diferenças de hábitos e de crenças, saudável. Ouço, de igual jeito, que, apesar de o imã não se deslocar ao estabelecimento penitenciário, os reclusos que professam o islamismo recebem produtos vários (v.g., alimentos e calendários) que lhes são enviados, por sobre tudo na altura do Ramadão. A tipologia delitiva predominante constituiu um outro tópico discutido, concluindo-se serem os crimes relacionados com o tráfico de estupefacientes os que motivaram a reclusão de muitas das pessoas que ali estão acomodadas. XIII. Antes de entrar no pavilhão três, observo a invulgar chegada do almoço. Os carrinhos de ferro que o transportam já os conheço mas o modo como são movidos é, deveras, sui generis: um homem puxa o pegadouro e outros dois empurram, correndo quando se aproximam da rampa por meio da qual se acede à copa comum de dois pavilhões e que serve de antecâmara aos respetivos refeitórios. Tarefa nada fácil e, por certo, de desagradável execução em dias frios e, alternada ou conjuntamente, chuvosos. A hora justifica a azáfama característica do momento da refeição. Ainda assim, não posso deixar de frisar que me surpreendeu a confusão existente à entrada do pavilhão três, gerada pelo amontoado de reclusos que, provenientes dos três andares, aguardavam o ingresso no espaço onde iriam tomar a sua refeição. 10 XIV. O refeitório localiza-se no piso térreo do pavilhão, junto à sua entrada. É um espaço dotado de 10 mesas retangulares de madeira, pintadas de azul claro, e com bancos corridos pintados com a mesma cor. Em cima de cada uma delas,

toalhas de plástico com padrão axadrezado vermelho e branco cobrem o seu tampo sobre o qual pousam terrinas em inox com a sopa fumegante que, no dia da minha visita, consistia em puré de feijão com couve. Efetuo a sua prova, concluindo que está quente e saborosa mas aguada. O prato principal é, ao contrário da sopa que está ao dispor dos reclusos para que estes se sirvam da quantidade que quiserem e das vezes que o desejarem, empratado em um espaço adjacente, provido de uma bancada com barras horizontais que servem para apoiar e correr tabuleiros e, no seu interior, com zona de armazenamento da comida em grandes tabuleiros. Provo, assim, o conteúdo de um dos pratos de alumínio que corresponde à ementa geral: a jardineira que, em momento anterior, vi estar em confeção na cozinha. As carnes, cortadas em pedaços, eram abundantes e a batata, também cortada, estava bem cozinhada, o mesmo sucedendo com o feijão-verde e a cenoura, embora estes fossem fornecidos em parca quantidade. Como opção de dieta, havia jardineira de frango e, como ementa vegetariana, massa com vegetais. O almoço era igualmente composto por um pão disponível em uma caixa na entrada do refeitório e, como sobremesa, por uma porção de pudim. Registo que, não obstante a refeição ser constituída por vários elementos, inexistiam tabuleiros para que o seu transporte se efetuasse em segurança e em simultâneo. Situação que exigia, com frequência, algum equilíbrio de mãos por parte de quem ali se encontra em reclusão. 11 XV. Encaminho-me depois para a saída, não para abandonar, em definitivo, o Estabelecimento Prisional de Pinheiro da Cruz mas para me deslocar ao Bairro do Monte. Este dista, aproximadamente, três quilómetros e meio do complexo prisional onde nos encontramos e o percurso é feito em um jipe, passando pela vinha e pelo exterior da adega.

Entretanto, a conversa continua entre mim e quem me acompanha que são, recordo, o senhor diretor, as três senhoras adjuntas da direção e dois elementos do corpo da guarda prisional, um deles seu responsável, aflorando a importância da alimentação em contexto prisional e como o descontentamento quanto a esta pode ser fonte de revolta. A evolução do comportamento dos reclusos após a sua saída em liberdade é, de igual jeito, discutida, por sobre tudo na forma como a estada em uma prisão e o contacto com pessoas que relatam diferentes experiências pode agravar e diversificar a prática de infrações criminais. XVI. Bairro do Monte : a sua denominação não podia ser mais assertiva, uma vez que se trata de um pequeno bairro situado em um monte. Um monte alentejano e, por isso, praticamente plano. Do universo das quase seis centenas e meio de reclusos, 64 cumprem o remanescente da sua sanção privativa da liberdade em regime aberto, sendo que sete deles fazem-no no Bairro do Monte. Neste local, o tratamento de animais (gado bovino e abelhas), a adega e o trabalho de cancela são as ocupações profissionais que, de modo rotativo, ajudam a passar o tempo, perspetivando a boa reinserção na sociedade após a sua libertação. Os portões estão abertos. Estou em uma prisão e os portões estão, reitero, abertos. Este é um dos primeiros sinais que observo indiciadores do elevado grau de confiança que se tem nos reclusos que ali se encontram. Uma confiança que deriva da personalidade da pessoa privada da sua liberdade e do comportamento que demonstrou desde o seu ingresso no estabelecimento prisional. Sem obstáculos, o jipe acede a um caminho ladeado, de ambos os lados, por edifícios: à direita, casas térreas construídas contiguamente servem de alojamento a quem ali termina a sua pena; à esquerda, por seu turno, os edifícios que vejo servem de arrumos e de vacaria. E é esta que visito em primeiro lugar. 12

Ao momento da minha passagem, apenas um vitelo se encontrava na vacaria, estando as vacas a pastar em terrenos pertencentes à penitenciária. Passo, depois, pela zona onde se processa a ordenha dos animais e ingresso em uma oficina de generosas dimensões que é usada como armazém. Atento o espaço disponível, noto que há potencial apto a ser explorado no desenvolvimento de outras atividades agropecuárias como outrora aconteceu com a exploração de suínos, entretanto vendidos. Atividades que poderiam ocupar mais reclusos, como, em um passado recente, ocuparam mais de cinco dezenas de pessoas. Do outro lado da estrada, também as casas existentes possibilitariam a acomodação de mais reclusos, sendo que algumas delas, em virtude da sua constante desocupação, carecem de obras de remodelação por forma a estarem habitáveis. As que estão ocupadas encontram-se, contudo, em condições de habitabilidade satisfatórias, como atesto com a visita a uma delas. XVII. Com a anuência do seu ocupante que ultimava o seu almoço, ingresso em uma das casas do Bairro do Monte, encontrando-me em um espaço que, no imediato e temporariamente, me criou a dúvida de estar em um estabelecimento prisional ou, ao invés, na residência de um qualquer cidadão. A sala de estar e a cozinha correspondem a zonas plenamente diferenciadas no interior de uma mesma divisão. Os sofás e o móvel com a televisão encontram-se, assim, a um canto e a bancada com o fogão, o frigorífico e demais equipamentos e utensílios necessários à preparação e à confeção dos alimentos estavam em outro canto. Pelo meio, uma mesa com cadeiras permitia a toma das refeições. Desta divisão acedo aos dois quartos, apetrechados com o mobiliário que comummente se coloca em espaços similares (v.g., cama e mesa-de-cabeceira), e a uma casa de banho equipada com usuais sanitários de louça. Registo que, conquanto cada casa tenha possibilidade de albergar duas pessoas, ao momento da visita, as que estão ocupadas, estão-no apenas com um recluso. 13

Retorno à sala para, de seguida, aceder a um pequeno pátio traseiro. Observo pequenos pedaços de terreno aproveitados para o cultivo de produtos hortícolas e de ervas aromáticas, como sejam couves, feijões, cenouras e coentros. Vejo, ainda, um pequeno alpendre sob o qual se assam pedaços de carne em um grelhador a carvão. XVIII. É hora de regressar ao complexo prisional principal do Estabelecimento Prisional de Pinheiro da Cruz. O regresso é feito do mesmo modo: de jipe. O que difere da chegada é tão-só o ponto de partida não ser aquele onde me apeei mas sim a estrada que dá acesso à Praia da Raposa, um espaço propício à prática balnear com passagem condicionada a pedido e deferimento por parte dos serviços prisionais. Em visitas a outros estabelecimentos penitenciários dei, por diversas ocasiões, nota do perigo que consubstancia a existência de barras horizontais em celas disciplinares e da possibilidade de estas serem utilizadas para que os reclusos atentem contra sua própria vida. Repito, assim, a importância de se encontrarem soluções alternativas que aniquilem ou, pelo menos, diminuam a probabilidade de o perigo mencionado se concretizar. Uma chapa de metal ou uma rede metálica com malha de pequena dimensão foram duas das soluções que, em outras prisões, analisei e que podem ser ponderadas para este estabelecimento prisional. O Provedor de Justiça tem, no recorte institucional das suas competências, e entre outros, o dever de cuidar dos direitos de quem está em uma situação de reclusão. De quem está, por força de uma decisão judicial, ao cuidado do Estado. Por esta razão, deparar-me, no presente, com barras horizontais em celas disciplinares constitui uma circunstância que não posso não relevar, salientando a premência da sua alteração. Da modificação que pode ser levada a cabo com a 14

simples introdução de um mecanismo que impossibilite o recurso às referidas barras, não carecendo, por conseguinte, de uma substituição integral da referida estrutura. É também em uma lógica de segurança e de respeito pela integridade dos reclusos que evidencio o não funcionamento do sistema de chamada de assistência em caso de necessidade. Se esta situação é, por si só, merecedora de reparo, ela revela-se de particular gravidade quando a pessoa se encontra sozinha e fechada em uma cela, não havendo outros reclusos que possam, dando conta disso, chamar por auxílio. Registo, por último, o desaproveitamento dos espaços do vulgarmente designado Bairro do Monte. Estou ciente de que nem todas as pessoas que se encontram na fase terminal do cumprimento da pena que lhes foi aplicada reúnem as condições para a sua afetação àquela área. Estou, porém, convicto de que as instalações ali existentes poderiam beneficiar um maior número de reclusos e, em consequência, toda a comunidade, na medida em que os prepara para o momento da sua libertação e consectária reinserção na sociedade. 15 12h:50m Saí. O céu continuava enublado mas menos. Como é habitual, trago comigo um pouco das pessoas com quem me cruzei, das histórias que me contaram e dos problemas que fazem parte da prisão que visito. Mas hoje trago também uma outra coisa: o que poderia ser o Estabelecimento Prisional de Pinheiro da Cruz se aproveitado na sua plenitude.