revisão Pode a ecografia fornecer o diagnóstico de teratoma ovariano de maneira similar ao diagnóstico histopatológico? Can echography provide a diagnosis of ovarian teratomas similar to the histopathological diagnosis? Adilson Cunha Ferreira 1 Luis Guilherme Carvalho Nicolau 2 Francisco M. Pancich Gallarreta 2 Francisco Mauad Filho 2 João Francisco Jordão 3 Flávia Ribeiro de Oliveira 4 Palavras-chave Teratoma Ultrassonografia Diagnóstico Cistos ovarianos Keywords Teratoma Ultrasonography Diagnosis Ovarian cysts Resumo Os teratomas ovarianos são tumores geralmente benignos e relativamente comuns. Adquirem maior importância por acometerem principalmente mulheres em idade reprodutiva e por serem a neoplasia ovariana mais comumente excisada. O objetivo foi analisar se ecografia bidimensional, Doppler e 3-D têm valor em predizer adequadamente o diagnóstico e os achados histopatológicos de teratoma ovariano. O assunto foi revisado em bases de dados eletrônicas, com a seleção de artigos com bom nível de evidência científica publicados de janeiro de 1994 a janeiro de 2008. Os achados ecográficos bidimensionais no teratoma ovariano são variáveis como imagem heterogênea com diversos tipos de conteúdos. A sensibilidade, a especificidade e os valores preditivos positivo e negativo variam nas diversas séries, com evidente melhora da acurácia nos trabalhos mais recentes. Alguns trabalhos apresentam dados que avaliam se o Doppler poderia melhorar o diagnóstico quando associado à ultrassonografia. Em relação à ecografia tridimensional, poucos dados estão disponíveis. A ecografia bidimensional é um método com boa acurácia diagnóstica para teratoma ovariano, e os achados ecográficos têm alta correlação com a histopatologia dos tumores avaliados após ressecção cirúrgica. Abstract Ovarian teratomas are usually benign and relatively common tumors. They are important because they affect mainly women of reproductive age and because they are the most commonly ovarian neoplasia excised. The objective was to determine whether two-dimensional, Doppler and three-dimensional echography methods are of reasonable predictive methods for the diagnosis and for the histopathological findings of ovarian teratomas. A review of electronic data bases with the selection of good level articles of scientific evidence published from January 1994 to January 2008. The two-dimensional echographic findings regarding ovarian teratomas are variable, with heterogeneous images having diverse types of content. Sensitivity, specificity and positive and negative predictive values vary in the different series, with a clear improvement of accuracy in more recent studies. Some studies present data that evaluate whether Doppler could improve the diagnosis in association with ultrasonography. Few data are available about three-dimensional echography. Two-dimensional echography is a method of good diagnostic accuracy regarding ovarian teratomas and the echographic findings are highly correlated with the histopathology of the tumors examined after surgical resection. 1 Escola de Ultrassonografia de Ribeirão Preto (EURP); Coordenador do Núcleo de Ultra-sonografia, Teleecografia e Medicina Fetal do Instituto de Diagnóstico por Imagem de Ribeirão Preto Ribeirão Preto (SP), Brasil; Faculdade de Medicina de São Jóse do Rio Preto (FMSJRP) São José do Rio Preto (SP), Brasil 2 EURP, Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidaded de São Paulo (FMRP-USP) Ribeirão Preto (SP), Brasil 3 EURP Ribeirão Preto (SP), Brasil 4 Médica do Laboratório de Reprodução Humana Professor Aroldo Fernando Camargos HC UFMG.
Ferreira AC, Nicolau LGC, Gallarreta FMP, Mauad Filho F, Jordão JF, De Oliveira FR Introdução Os teratomas císticos ovarianos, tumores congênitos que incluem o remanescente de todos os três folhetos germinativos, são geralmente benignos. São os tumores benignos de células germinativas mais comuns e, em algumas séries, a neoplasia ovariana mais comumente excisada. Constituem de 10 a 15% de todos os tumores ovarianos. Esses tumores são usualmente detectados em mulheres na idade reprodutiva e raramente são diagnosticados antes da puberdade. Seu crescimento cessa com a menopausa. 1 Os teratomas compreendem vários tipos histológicos e todos contêm tecidos maduros ou imaturos originados das células germinativas (totipotentes). 2 Teratomas ovarianos incluem o teratoma cístico maduro (cisto dermoide), teratoma imaturo e teratoma monodérmico (por exemplo: struma ovarii, tumor carcinoide). 1 Diagnosticar o teratoma com métodos não invasivos e com boa correlação hitopatológica é muito interessante do ponto de vista clínico, pois possibilita condutas conservadoras com maior segurança, evitando ou retardando a cirurgia que poderia comprometer a reserva ovariana de pacientes jovens. Entretanto, ainda existem questionamentos sobre qual o método diagnóstico ideal e os valores preditivos positivo e negativo dos mesmos. O advento de novos transdutores endocavitários de alta frequência e o aprimoramento das técnicas ecográficas aumentaram a correlação entre os achados e o diagnóstico histológico de tumores, principalmente entre pacientes assintomáticas. 3,4 Na atualidade, a ecografia bidimensional, Doppler e 3-D surgem como uma possibilidade factível. Este artigo teve como objetivo analisar qual o valor que a ecografia nos modos bidimensional, doplervelocimetria e 3-D tem para predizer adequadamente o diagnóstico de teratoma ovariano maduro e correlacionar os achados ecográficos com a avaliação histopatológica desses tumores, o que poderia fornecer subsídios para aprimorar o diagnóstico clínico e permitir condutas mais conservadoras. Figura 1 - Teratoma ovariano avaliado pela ultrassonografia 2D; (A) via abdominal; (B) via endovaginal; (C) análise com Doppler colorido; (D) análise com Doppler de amplitude. 160 FEMINA Março 2009 vol 37 nº 3
Pode a ecografia fornecer o diagnóstico de teratoma ovariano de maneira similar ao diagnóstico histopatológico? Foi realizada revisão da literatura nas seguintes bases de dados eletrônicas: PubMed, Biblioteca Virtual em Saúde (Lilacs, Medline, Cochrane e SciELO) e Centro de Documentação Científica da Associação Médica de Minas Gerais. Os critérios de inclusão foram artigos com o melhor nível de recomendação científica disponível nessas bases de dados no período de janeiro 1994 a janeiro de 2008 e com as seguintes palavras-chave: ultrasound, teratoma, ovarian cysts e diagnosis. Teratoma ovariano e ecografia bidimensional Os teratomas contêm uma mistura de gordura, cabelos, dentes ou calcificações produzindo achados ecográficos bastante variáveis. Outwater, Siegelman e Hunt mostraram que são três os achados mais comuns dos teratomas à ecografia: imagem densamente ecogênica que se projeta para a luz do cisto; massa difusa ou parcialmente ecogênica com área de atenuação devido a material sebáceo e cabelo; e múltiplas bandas finas, ecogênicas que correspondem a cabelos na cavidade cística. 2 Em 1995, estudo prospectivo inglês encontrou 58% de sensibilidade e 99% de especificidade da ecografia bidimensional no diagnóstico de teratoma cístico maduro. Naquela época, numerosos eram descritos pitfalls na ecografia de teratomas. 5 Wang Y et al., em 2004, publicaram um trabalho com 278 casos de teratomas ovarianos que foram confirmados por histopatologia pós-cirúrgica. Os resultados foram 95,3% de tumores benignos e 4,7%, malignos. Os tumores eram unilaterais em 88,5% dos casos e em 11,5%, bilaterais. Quando compararam os resultados histopatológicos com os achados ecográficos, a acurácia diagnóstica foi de 95%, 3,4% de erros diagnósticos e o diagnóstico não tinha sido feito em 1,5%. Entre os tumores malignos, a acurácia disgnóstica foi de 92,3% e erro em 7,7%. 6 Em um estudo prospectivo, de Kroon et al. acompanharam 406 mulheres com cistos ovarianos no período de 1992 a 2002, sendo que todas foram submetidas à avaliação sonohistológica (achados ecográficos de acordo com as características histológicas esperadas). A acurácia diagnóstica para o diagnóstico sonohistológico comparando com os achados histológicos foi de 0,88 (p=0,03). 7 Mais recentemente, Kaminski et al. acompanharam prospectivamente 95 pacientes em idade reprodutiva, de 1996 a 2005, com suspeita de cisto dermoide. Todas as pacientes foram encaminhadas para ressecção cirúrgica e tinham avaliação préoperatória com CA-125, ecografia bidimensional e Doppler. Houve correspondência dos achados ecográficos com a avaliação macroscópica intraoperatória em 89,5% dos casos. A suspeita diagnóstica foi confirmada em 100% dos casos. 8 Tan, Willatt e Lindsell, em trabalho retrospectivo, relataram que, de 30 pacientes operadas com diagnóstico histopatológico de cisto dermoide, a ecografia tinha achados anormais em todas e, em 27, o diagnóstico tinha sido corretamente aventado pelo exame ecográfico. 9 Tongsong et al., em 2007, avaliaram 158 pacientes com massas anexiais para avaliar a acurácia da ecografia em diferenciar tumores benignos e malignos. As pacientes foram avaliadas no pré-operatório por um ecografista experiente, e o exame histopatológico foi considerado o padrão-ouro. Os resultados foram 174 massas anexiais com acurácia, 89,7; sensibilidade, 84,9; especificidade, 92,6, valores preditivos positivo, 87,5 e negativo 90,9%. 10 Esses achados foram corroborados por diversos outros autores e, possivelmente, sistemas de escores podem reduzir a subjetividade da ecografia. 11-14 Teratoma ovariano e análise Doppler O objetivo de avaliar o Doppler em teratomas ovarianos seria acrescentar dados que aumentariam a acurácia do diagnóstico ecográfico e acrescentar valores preditivos positivo e negativo em relação a risco de benignidade ou malignidade do tumor. Um estudo prospectivo croata publicado em 1997 desenvolveu e utilizou um sistema de escore usando parâmetros clínicos, achados ecográficos, Doppler transvaginal colorido e valores de impedância do Doppler pulsado no pré-operatório de 887 teratomas císticos e comparados com o resultado histopatológico. Utilizando o critério morfológico, a sensibilidade foi de 93,1% e a especificidade, 99,4%, enquanto o valor preditivo positivo foi 95% e o valor preditivo negativo, 99,1%. Quando o sistema de escore combinou a doplerfluxometria à ecografia Figura 2 - Teratoma ovariano avaliado pela ultrassonografia 3D via endovaginal, modalidade volume. FEMINA Março 2009 vol 37 nº 3 161
Ferreira AC, Nicolau LGC, Gallarreta FMP, Mauad Filho F, Jordão JF, De Oliveira FR bidimensional, houve aumento na sensibilidade (99,02%) e na especificidade (99,75%). 15 Emoto et al. 16 avaliaram 88 pacientes com aspecto ecográfico de teratoma maduro cístico e por Doppler colorido transvaginal e registraram ausência e presença de fluxo sanguíneo intratumoral, índice de resistência (IR), índice de pulsatilidade (IP) e velocidade do pico sistólico em vasos tumorais com o objetivo de diferenciar os tumores benignos de malignos. Os resultados foram: fluxo sanguíneo intramural nos tumores malignos em relação aos benignos (80% versus 20%, p<0,01). Todos os tumores malignos com fluxo intratumoral mostraram IR e IP (IR: 0,31±0,07; IP: 0,40±0,16) menores que os benignos (IR: 0,62±0,13; IP: 1,06±0,44) (p<0,001). Entretanto, a média da velocidade do pico sistólico dos teratomas malignos (20,6±8,33) não foi significativamente diferente dos teratomas benignos (18,1±9,9). A acurácia diagnóstica usando IR (cutoff: 0,4) e IP (cutoff: 0,6) foi de 95,2%. Segundo Marret 17, os cistos dermoides parecem bem discriminados morfologicamente pela ultrassonografia bidimensional, com a sensibilidade de 80% e a especificidade de 93%, o que torna este método padrão-ouro no diagnóstico das massas ovarianas. Outro parâmetro importante é a experiência com a avaliação subjetiva do examinador. O sistema de escore contribui para diferenciar os tumores benignos dos malignos (sensibilidade 90%, valor preditivo positivo, VPP, 50%). O Doppler, com a mensuração e a avaliação do fluxo sanguíneo, aumenta a confiança de um diagnóstico mais correto, principalmente quando combinado com a avaliação morfológica e CA-125. 17,18 Wang et al. 19, em 2004, conduziram um trabalho com 74 pacientes para avaliar a utilização Doppler colorido transvaginal (CDTV) associado a marcadores séricos nos tumores ovarianos. A acurácia diagnóstica do CDTV e dos marcadores séricos isoladamente foi de 90,5 e 59,5%, respectivamente. Quando o CDTV foi combinado com os marcadores, a acurácia aumentou para 98,6%. Figura 3 - Teratoma ovariano avaliado pela ultrassonografia 3D via endovaginal, modalidade multiplanar. Observe que a espessura do corte é de 0,4 mm e que há parênquima ovariano normal. 162 FEMINA Março 2009 vol 37 nº 3
Pode a ecografia fornecer o diagnóstico de teratoma ovariano de maneira similar ao diagnóstico histopatológico? Ecografia tridimensional e teratoma cístico ovariano Os dados acerca da utilização de ecografia tridimensional nos teratomas ovarianos maduros se restringem a dois estudos: um relato de caso cujos achados da ultrassonografia tridimensional pré-operatória foram muito semelhantes ao aspecto macroscópico observado após a cirurgia 20 e um trabalho prospectivo com 106 mulheres selecionadas para a cirurgia por tumor ovariano. Empregou-se o Doppler de amplitude tridimensional para avaliar a possibilidade de diferenciação entre tumores benignos e malignos, verificar se este método melhorava a acurácia de distinção entre tumor benigno e maligno e se o Doppler de amplitude tridimensional era mais específico do que o Doppler de amplitude bidimensional. A acurácia diagnóstica do índice de fluxo 3D foi melhor que a 2D (sensibilidade 93% versus 78%, falso positivo 16% versus 27%). Em relação à avaliação subjetiva da escala de cinza, o Doppler de amplitude tridimensional não melhorou a acurácia diagnóstica em relação ao 2D. 21 Discussão Na faixa etária reprodutiva, o teratoma cístico ovariano constitui o tumor ovariano mais comum, excluindo-se os cistos ovarianos disfuncionais. O risco de tornar-se maligno é raro (1%), sendo maior na pós-menopausa. 22 O diagnóstico adequado dos teratomas é fundamental e a descrição minuciosa dos achados ecográficos é de grande auxílio na predição dos tumores possivelmente benignos. A ecografia transvaginal tem sido considerada por muitos o padrão-ouro no diagnóstico das massas ovarianas 10 e, por isso, o seu papel precisa estar claro, quando comparada ao exame histopatológico. O aprimoramento tecnológico dos aparelhos de ultrassonografia e o advento de transdutores endocavitários de alta frequência permitiram um nítido aumento da acurácia desse Figura 4 - Teratoma ovariano avaliado pela ultrassonografia 3D via endovaginal, modalidade multiplanar e bloco simultaneamente. Observe que há parênquima ovariano normal melhor evidenciado no volume. FEMINA Março 2009 vol 37 nº 3 163
Ferreira AC, Nicolau LGC, Gallarreta FMP, Mauad Filho F, Jordão JF, De Oliveira FR método no decorrer dos anos. A sensibilidade aumentou de 58%, em 1994, 5 para cerca de 85% e 92,6% de especificidade mais recentemente. 10-14 A correspondência entre os achados ecográficos e as alterações macroscópicas é de 89,5%. 8 A associação da análise Doppler endovaginal com a descrição morfológica bidimensional acrescentou valor na predição diagnóstica dos teratomas ovarianos, diferenciando melhor os tumores benignos de malignos do que quando qualquer um destes métodos é utilizado isoladamente. 15-19 Em relação à ecografia tridimensional e aos teratomas ovarianos, poucos dados são disponíveis. 20,21 A ecografia bidimensional conjugada à análise Doppler mostrou-se um método com boa acurácia e correlação anatomopatológica, permitindo a inferência do diagnóstico histopatológico pelo ecografista. A ultrassonografia tridimensional ainda carece de evidências científicas e, para permitir qualquer tipo de inferência, são necessários mais estudos. Entretanto, dados apresentados são suficientes para suportar o acompanhamento ecográfico de pacientes jovens com teratomas ovarianos, evitando, muitas vezes, condutas radicais ou que poderiam comprometer o futuro reprodutivo da paciente. Leituras suplementares 1. Yazycy B, Erdoğmuş B. Floating ball appearance in ovaran cystic teratoma. Diagn Interv Radiol. 2006;12(3):136-8. 2. Outwater EK, Siegelman ES, Hunt JL. Ovarian teratomas: tumor types and imaging characteristics. Radiographics. 2001;21(2):475-90. 3. Fishman DA, Cohen L, Bozongi K, Tamura R, Lurain JR. The role of ultrasound in detecting early ovarian carcinoma: The National Ovarian Cancer Early Detection Program. Medical Mundi. 2001;452:42-7. 4. Valentin L, Hagen B, Tingulstad S, Eik-Nes S. 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