Planejamento e Gerenciamento. de Programas de Voluntários



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Transcrição:

Planejamento e Gerenciamento de Programas de Voluntários - O Papel do Coordenador - Material produzido pelo Programa Voluntários do Conselho da Comunidade Solidária Organização do texto: Mónica Beatriz Galiano de Corullón Autores: Oscar García Aída Blasco - Mónica B. G. de Corullón Rogério Arns Neumann Colaboradores na concepção: Márcia Beatriz Costa Maria Cecília Apostoloupoulos Assessoria de apoio e tradução: Alexandre Mac Dowell Aurora C. de Lavinia Revisão estilística: Fábio Malavoglia

FINALIDADES DESTE DOCUMENTO: 1. Gerais: Contribuir na formação de Coordenadores de Voluntários, Aprofundar os conhecimentos sobre o tema, Ajudar a desenvolver as habilidades de: recrutar, selecionar, programar, organizar, capacitar, supervisionar e avaliar de forma ordenada grupos de voluntários. 2. Específicas: que os leitores possam... Compreender a cultura do voluntariado (expectativas e potencialidades), Conhecer a situação atual do movimento voluntário. Identificar as várias dimensões da formação do voluntário, Conhecer a lógica da ação voluntária, Habilitar-se a coordenar equipes de trabalho, Definir e relacionar as funções de um Coordenador de voluntários, Treinar um Coordenador de voluntários, Ter habilidade para capacitar os voluntários a exercer suas funções

CAPÍTULO I A REALIDADE SOCIAL: AONDE NÓS ESTAMOS? 1. Como entender e agir no mundo atual sem perder o rumo: Ao comentar a formação de Coordenadores de Voluntários é preciso falar da Realidade Social. Isso não é fácil, porque o tema é complexo. Mas sem um entendimento correto de aonde estamos ou de em qual situação nos encontramos, em termos gerais, vai ser impossível aos Centros de Voluntários elaborar diagnósticos corretos da doenças sociais que pretendem enfrentar. E sem um diagnóstico correto, como ministrar o remédio correto? NOTA: Vamos ver o que diz a respeito um grande especialista, Joaquín García Roca: o voluntariado precisa descobrir a complexidade dos processos sociais: uma idéia aparentemente simples é uma idéia simplificada. Os problemas sociais são semelhantes a uma teia de aranha: entrelaçados por inúmeros fatores. Saber estar em uma sociedade complexa e dispor de uma boa informação é uma qualidade essencial do voluntariado de hoje. Mas isso é mais fácil de escrever do que de fazer. A Realidade Social parece tão complicada...como estar informado, como entendê-la? E principalmente: como saber se o que nós estamos pensando corresponde de fato ao que é real? Bem, para quem tem essas dúvidas, aí vai uma boa notícia. Os especialistas descobriram, há muito tempo, que tudo o que se pensa sobre a Realidade Social (mesmo o que os especialistas pensam) é sempre uma CONSTRUÇÃO MENTAL SUBJETIVA. E o que isso quer dizer? Que não existe uma única verdade (A verdade ) a respeito da tal Realidade Social. Inevitavelmente, quer queiramos ou não, filtramos, por assim dizer, os dados da realidade conforme a nossa cultura, ideologia, educação, enfim, conforme a nossa cabeça, ou seja, a nossa subjetividade! Mas isso não é um mal! Embora jamais possamos abordar - de fato - a realidade objetiva (aquela que existe independentemente de nós), podemos agir na realidade percebida. Aliás essa é a única realidade onde podemos mesmo agir, interferir, modificar. E o mais curioso: ao agirmos na realidade percebida ela se transforma. Em outras palavras: O MUNDO SERÁ O QUE

PROJETARMOS E FIZERMOS NELE! SE PROJETARMOS E AGIRMOS POR UM MUNDO MELHOR, ELE SERÁ MELHOR! NÃO PODEMOS NOS ESQUECER DISSO PARA QUE NOSSA ENORME QUANTIDADE DE INFORMAÇÕES NÃO NOS CONFUNDA E DESANIME! Na sociedade atual, o ser humano recebe inúmeras e diferentes mensagens a cada dia, através de diversos meios, formas e suportes. Mas precisamos saber selecionar entre o que interessa e nos favorece (ou favorece à sociedade) e o que confunde ou prejudica, a nós e a todos. Precisamos diferenciar um DADO de uma INFORMAÇÃO. E a diferença está no significado da mensagem para quem a recebe!. Por exemplo: durante um vôo de Brasília para o Rio de Janeiro, a altitude do vôo, a pressão atmosférica, a velocidade do vento e a rota aérea constituem informações imprescindíveis para o piloto. Para os passageiros, ao contrário, são apenas dados que, embora possam até ser interessantes para alguns, não tem utilidade nem requerem atenção. Já uma mudança de rota, caso o vôo fosse desviado do Rio de Janeiro para São Paulo, se tornaria uma informação, não só para o piloto mas também para os passageiros, pois tal mudança poderia afetar diretamente suas atividades imediatas. Vamos dar um exemplo mais próximo: para quem trabalha com educação de crianças pobres, no Brasil, o dado que nossos índices de escolarização só são maiores que os do Haiti, em toda a América Latina, vira uma informação legítima quando e se é usado para argumentar a favor de maiores verbas para a Educação, ou se serve para estimular o trabalho que está sendo feito. Caso contrário permanece como mero dado, podendo até ser usado para nos confundir quanto à inutilidade da esperança de atingirmos patamares pedagógicos dignos. RESUMINDO: Os dados são registros pontuais (quantitativos ou qualitativos) sobre fatos, acontecimentos ou estados de situação. São úteis apenas em função daquele que os recebe, segundo quem e para o que serão usados. Somente quando um dado é relevante para o destinatário, ele se torna uma informação. Por outro lado, os meios de comunicação muitas vezes contribuem para confundir, colocando num mesmo patamar fatos, notícias e acontecimentos.

Só que um fato é algo que acontece e modifica o estado anterior de uma coisa, tanto no plano natural como no social. Já a notícia representa o significado social de um ou vários fatos, segundo o interesse de quem os comunica. E um acontecimento (que pode ser notícia ou não) é um fato maior, que muda de maneira radical, substancial ou definitiva um estado anterior, percebido por aqueles que o vivem como uma mudança transcendental que não apenas afeta o presente, mas se projeta para o futuro. VAMOS ENTENDER POR QUE ESTAMOS FALANDO DE TUDO ISSO. Começamos afirmando que podemos mudar o mundo conforme a nossa subjetividade. Dissemos que é importante não se deixar confundir pelo excesso de mensagens, e pela confusão que muitas vezes as mídias favorecem. Agora chegamos ao ponto: é possível fazer alguma coisa em prol dos outros, já que nosso ambiente é tão complexo, cheio de dados e tão globalizado, para usarmos esse conceito que assusta muita gente? Enfim, seremos meros reféns das rapidíssimas mudanças pelas quais o nosso mundo está passando? NOSSAS RESPOSTAS SÃO: Sim, é possível agir NESTE mundo! Não, não precisamos ser meros pacientes dos processos sociais! A tal globalização surgiu como fenômeno financeiro, transformou-se em comunicacional/cultural e mais tarde, em econômico. As enormes mudanças tecnológicas que aconteceram no âmbito da informática tornaram o mundo pequeno, criando relações complexas, desiguais e cada vez mais estreitas entre lugares distantes e através de culturas muito diversas. Isso confundiu e assustou muita gente. Os dados da mídia ajudaram a difundir a idéia de culpar a globalização pelas diferenças do desenvolvimento no mundo, pelo desemprego, pelas quedas nas bolsas, pela concentração da renda e outras maldades do processo econômico e social. No entanto, é importante entender que a globalização apenas modifica o cenário. Os atores continuam sendo as pessoas, as nações, as comunidades, os membros da sociedade civil. Da política (adequada ou inadequada) que esses atores desenvolvam, pode surgir um drama, uma tragédia ou um final feliz. A recente Conferência Regional para o Desenvolvimento Político e os Princípios Democráticos, promovida pela UNESCO em Brasília, chegou a um consenso: é indispensável governar a globalização!

O motivo é que, segundo seus próprios interesses, os mercados contribuem para aprofundar as desigualdades na ordem mundial e no interior dos países. O desafio de controlar esse cenário implica não apenas na cooperação internacional para resolver as questões globais, mas numa profunda ação a nível comunitário que promova a participação cidadã na busca de soluções para os problemas locais e contribua para consolidar instituições que tenham, entre outros, atributos, credibilidade, legitimidade e capacidade técnica e gerencial. O contexto global afeta profundamente as comunidades e, não importa o que digam os jornais ou o que se entenda do que eles dizem, o movimento voluntário pode contribuir para enfrentar esse desafio! 2. Uma idéia antiga: pense globalmente, aja localmente, ou o exemplo dos Conselhos Municipais. Nas últimas décadas a prática da centralização administrativa no Brasil foi continuamente reforçada. O Governo Federal determinava desde a política externa da Nação até a operação de serviços públicos municipais. Tornou-se comum a expressão a solução depende de Brasilia. Aos poucos as próprias comunidades foram sendo convencidas que as soluções viriam de fora e que a participação popular resumia-se ao voto nas eleições. Mas este sistema faliu. A dimensão dos problemas, a complexidade e a variedade das demandas locais superaram largamente a capacidade de resolução de alguns poucos técnicos do poder central. O país é grande, a população imensa, e os problemas sociais em particular ficaram inadministráveis no velho sistema. Surgiu então a política da descentralização territorial. O Governo Federal repassaria as verbas a estados e municípios e assim, em tese, a qualidade e quantidade dos serviços públicos oferecidos aumentariam. As vantagens seriam: a. mais rapidez nas decisões; b. melhoria da administração; e c. facilidade de manutenção. Estes benefícios seriam uma decorrência direta da maior proximidade entre o problema e a instância decisória. Entretanto, para que este novo sistema de fato funcione com mais eficácia, descobriu-se que três pré-condições são necessárias: a. autonomia local;

b. participação da comunidade; e c. participação no local. Ou seja, as responsabilidades das três esferas do Governo (municipal, estadual e federal) precisam ser revistas. A esfera mais próxima do problema - e da implementação das soluções - precisa ter mais voz. Porém, para que este nível tenha de fato maior peso nas decisões é essencial dispor de instrumentos para que a sociedade civil exerça o controle social (sobre os destinos das verbas, as prioridades, etc). Além disso é preciso capacitar a sociedade civil, isto é, as comunidades, de modo a oferecer oportunidades de experiência e formação adequadas, possibilitando que a gestão dos serviços públicos seja coerente com a realidade e coopere com as diretrizes estaduais e nacionais. Afinal, é preciso lembrar que este processo não traz só vantagens: perde-se a economia de escala (que barateia grandes compras, por exemplo), e a burocracia local tende a aumentar. Além disso a participação comunitária sempre pressupõe, de cada participante, uma consciência de seus direitos como cidadão e dos Direitos Humanos em geral. Pois bem, alguns dos mais importantes instrumentos de participação e controle da sociedade civil, além de serem espaços de aquisição de experiência e de defesa de direitos, são os Conselhos Municipais. Os Conselhos podem ser de saúde, de assistência social, de educação, dos direitos das crianças e adolescentes, dos idosos, do trabalho, entre muitas outras opções. O que importa é que a eficiência social dos serviços, ou seja, sua capacidade de atender com presteza e adequadamente necessidades e preferências sociais, PASSA POR ESTES ESPAÇOS DE ARTICULAÇÃO. Nos Conselhos é possível debater as demandas sociais das comunidades, envolvendo-as e pressionando o poder público a criar políticas que garantam a qualidade de vida. Em outras palavras: OS PROBLEMAS QUE AFLIGEM AS COMUNIDADES, MESMO QUE TENHAM ORIGENS EXTERNAS (E ATÉ GLOBAIS ) SÓ ENCONTRAM SOLUÇÃO ADEQUADA COM A PARTICIPAÇÃO LOCAL! Ora, quando falamos em participação local estamos nos referindo a uma participação que é essencialmente voluntária! É voluntariamente que membros da sociedade civil de uma comunidade qualquer dispõem-se a participar de um Conselho Municipal. Com o detalhe que tais conselhos, onde sociedade e governo são paritários, tem poder

deliberativo real, garantido pela Constituição, por leis federais e em muitos casos pelas leis estaduais e municipais. Chamamos a atenção sobre esta instância local porque o voluntariado, em geral, mobiliza-se em face de problemas que estão próximos, que afetam diretamente às comunidades e que muitas vezes estão, por assim dizer, à vista. Portanto, Conselhos Municipais e Centros de Voluntários tem pontos em comum e muito a trocar. Nos Conselhos são debatidas e decididas, democraticamente, as políticas sociais que serão implantadas nas comunidades. Nos Centros temos a mobilização efetiva dessas comunidades. Portanto ambos se complementam. Mas muito mais que isso: os Conselhos são um exemplo concreto de como o engajamento voluntário dos cidadãos pode afetar a vida das comunidades e de fato modificar situações estabelecidas mesmo que - repetimos - as causas sejam externas ou tenham origens distantes. Este exemplo ressalta a importância do voluntariado que - é importante dizer - pode também ser exercido de muitas outras formas, igualmente válidas. Mas é importante notar como ações aparentemente pequenas, ou de âmbito restrito, podem alcançar uma esfera de influência muito maior. Nessa articulação do micro com o macro reside um dos segredos do sucesso do voluntariado. 3. Diagnóstico da realidade. Vimos que é necessário conhecer a Realidade Social, já que a visão que temos dela influi nas instituições e nos Centros de Voluntários. Para consolidar esse nosso conhecimento precisamos fazer um bom diagnóstico. Isso é muito importante para o planejamento de qualquer projeto de intervenção social. Qual é o objetivo de um diagnóstico? Resumidamente é elencar os elementos fundamentais que explicam uma realidade determinada, para poder programar, a seguir, uma ação transformadora coerente e mais eficiente.

Eis o que podemos saber com um bom diagnóstico: as características da comunidade, tanto na sua dimensão interna quanto na sua relação externa; quais são os principais problemas e como se interrelacionam; a hierarquia dos problemas, quais os mais importantes, etc; quais são os recursos existentes para possíveis soluções. Freqüentemente, ao realizar um diagnóstico, por detrás dos dados, das explicações, das entrevistas, dos indicadores, tentamos encontrar certezas. Aquelas certezas que nos permitam vencer o medo de agir erradamente ao implantar nossos projetos. Porém os diagnósticos não podem nos dar essas certezas. Dissemos isso no começo deste capítulo, ao falar dos conceitos: nossa visão é - sempre - necessariamente filtrada. Então para que fazer diagnósticos? O que podemos obter com eles? A resposta é que eles permitem aproximações sucessivamente melhores da realidade. Este é precisamente seu valor. Podemos dizer então que um diagnóstico nunca é definitivo. É um processo de enriquecimento e mudanças constantes, no qual não apenas a nossa percepção da realidade muda mas também nossa ideologia, nossos valores ao escolher os instrumentos e os métodos com os quais tentamos retratar a realidade. Essa aproximação da realidade acontece de vários modos ao mesmo tempo. Em geral captamos as informações como uma coisa só, simultaneamente. Mas se analisarmos esse processo de conhecimento veremos que, na verdade, ele é composto por cinco momentos : A. Descrição Numa realidade é preciso saber o que ela possui, o que já existe e aquilo com o que conta. É preciso também, conhecer o que lhe falta, quais são as suas necessidades. Trata-se de fazer uma descrição seca, por assim dizer. Esse momento descritivo desenvolve-se de duas maneiras: a) Descrição do que existe: reconstrução da realidade, dos elementos que a configuram, dos recursos dessa realidade. Quando se estuda um bairro, por exemplo, deve-se centralizar a atenção sobre as pessoas, agrupamentos informais, associações, infra-estrutura existente, fonte de riquezas, comunicações, programas e ações em andamento.

b) Descrição do que não existe: quando uma comunidade se questiona sobre o que não tem, o que não é, e aquilo que lhe falta, começa a projetar o seu futuro. Esta segunda fase aponta mais diretamente as necessidades e as carências, os problemas e dificuldades de uma realidade. Toma-se consciência de uma realidade incompleta e a partir dela começa a ação. B. Percepção social É um passo adiante no processo da descrição. Não se trata de saber o que existe ou não existe mas o que as pessoas pensam desse fato. Isto é, conhecer o valor e as possibilidades que a comunidade dá a essa realidade. Ou seja, o significado dessa realidade. C. Explicação, interpretação O grupo questiona agora o porquê a realidade analisada é da forma que é. Trata-se de investigar as causas, os condicionamentos, as estruturas da realidade. Estabelecem-se relações de causa e efeito entre os diferentes fenômenos observados. Pode ser utilizada uma técnica muito simples: recolher afirmações e questionar o porquê. D. Alternativas Uma vez realizada a investigação dos problemas, das necessidades e carências e levantadas as possíveis explicações, conhece-se o que se tem e o que faz falta. Resta então definir aquilo que se deseja. Ou seja, é preciso perguntar: Que aspectos podem ser mudados? Em que áreas é possível progredir? A realidade é incompleta ou insatisfatória devido a erros estruturais, por dificuldades e condicionamentos históricos, etc. Talvez, até, porque se acreditou que não era possível mudar ou, simplesmente, por não ter surgido antes a idéia da mudança ou mesmo porque não existiam possibilidades necessárias para essa mudança. E. Ajustes Esta última etapa do diagnóstico consiste em ordenar as informações recolhidas segundo o estudo da realidade. Trata-se então de: Ordenar as necessidades, priorizando-as segundo a sua ordem de importância, sua urgência e as expectativas de êxito para sua solução. Ordenar as possibilidades, atendendo aos recursos disponíveis, ao nível de consciência coletiva, à dificuldade das tarefas, entre outras.

PARA FAZER ESTE DIAGNÓSTICO... os grupos de voluntários podem começar a analisar a realidade a partir de qualquer um dos momentos acima citados e incorporando os demais, conforme for melhor para o trabalho que desejem desenvolver. Pode-se começar analisando o que as pessoas pensam para completar e confrontar com os dados que a descrição recolheu. Pode ser desenhada a realidade à qual se aspira para depois confrontá-la com a realidade que existe, e mais tarde, planejar os ajustes e aprimorar os planos. Ou começar realizando ações de choque que permitam observar a resposta das pessoas.

CAPÍTULO II FILOSOFIA DA AÇÃO VOLUNTÁRIA 1. Algumas definições do Trabalho Voluntário QUATRO DEFINIÇÕES DO TRABALHO VOLUNTÁRIO SEGUNDO......as Nações Unidas: O voluntário é o jovem ou o adulto que, devido ao seu interesse pessoal e ao seu espírito cívico, dedica parte de seu tempo, sem remuneração alguma, a diversas formas de atividades, organizadas ou não, de bem estar social ou outros campos......a Associação Internacional de Esforços Voluntários (International Association for Volunteer Efforts - IAVE): Trata-se de um serviço comprometido com a sociedade e alicerçado na liberdade de escolha. O voluntariado promove um mundo melhor e torna-se um valor para todas as sociedades....a Fundação Abrinq pelos Direitos da Criança (São Paulo, abril de 1996): O voluntário, como ator social e agente de transformação, presta serviços não remunerados em benefício da comunidade; doando seu tempo e seus conhecimentos, realiza um trabalho gerado pela energia de seu impulso solidário, atendendo tanto às necessidades do próximo ou aos imperativos de uma causa, como às suas próprias motivações pessoais, sejam estas de caráter religioso, cultural, filosófico, político ou emocional....o Programa Voluntários, do Conselho da Comunidade Solidária: O voluntário é o cidadão que, motivado pelos valores de participação e solidariedade, doa seu tempo, trabalho e talento, de maneira espontânea e não remunerada, para causas de interesse social e comunitário. A Declaração Mundial do Voluntariado Em setembro de 1990 em Paris, a IAVE redigiu uma declaração inspirada na Declaração Mundial dos Direitos Humanos, de 1948, e na Convenção dos Direitos da Criança, de 1989. Os voluntários reunidos para essa iniciativa da IAVE declararam a sua fé na ação voluntária como uma força criativa que: respeita a dignidade de todas as pessoas e a sua disposição para melhorar as suas vidas e exercer os seus direitos como cidadãos; ajuda a resolver problemas sociais e ambientais; e constrói um mundo mais humano e justo, promovendo a cooperação internacional.

Os voluntários reunidos pela IAVE convidaram então, os governos, as organizações internacionais, as empresas e os meios de comunicação a se unirem a eles na criação de um ambiente universal que promova e mantenha um voluntariado efetivo no mundo, como um sinal de solidariedade entre as nações e entre todos os seres humanos. 2. Quais são os Princípios Básicos do voluntariado? Segundo a motivação pessoal e a livre escolha, os princípios básicos do voluntário são: Reconhecer e respeitar a dignidade e a cultura de cada ser humano; Reconhecer o direito de cada homem, mulher e criança de associar-se livremente, sem distinção de raça, religião, condição física, social, econômica ou outra; Oferecer seus serviços aos demais, sem qualquer remuneração, individualmente ou através do esforço conjunto; Detectar as necessidades e estimular a participação da comunidade na resolução dos próprios problemas; Promover a responsabilidade social, a participação cidadã, a comunidade, a solidariedade internacional; Melhorar a qualidade de vida, fornecendo respostas aos grandes desafios do mundo de hoje; É importante lembrar que: O trabalho voluntário promove o crescimento pessoal e propicia a aquisição de habilidades e conhecimentos, ajudando no desenvolvimento do potencial pessoal e da auto-estima, capacitando-a a participar ativamente na resolução de seus problemas. 3. Quais são as Motivações do voluntário? Ao falar da filosofia da ação voluntária surge uma pergunta simples mas básica: o que leva uma pessoa a ser voluntária? Ao desenhar uma resposta é possível associar essa pergunta apenas a uma palavra: solidariedade. Ao analisar a natureza humana descobre-se na solidariedade a capacidade inata de agir em benefício dos outros. Essa capacidade traduz-se em: grandes doses de respeito, capacidade para viver no presente, valorização da própria liberdade e da liberdade alheia, renuncia às aspirações egoístas, força diante dos riscos e vontade de compartilhar êxitos. Desse ponto de vista, a motivação surge no voluntariado como genuína aspiração humana.

POR ISSO É DIFÍCIL definir e esgotar as motivações que podem levar uma pessoa a exercer a sua solidariedade através de uma ação voluntária. O voluntariado deve ser entendido como uma atitude de vida expressa mediante um serviço ao próximo, sem fins lucrativos, baseada na solidariedade e desenvolvida como compromisso. É impossível resumir das múltiplas nuanças de seu desempenho cotidiano, os valores que comunica, a sua enorme influência na sustentação da democracia, a quase infinita variedade de seus campos de ação e, sobretudo, o impacto profundo, a transformação que opera naqueles que o praticam. O voluntariado sustenta boa parte da sociedade, principalmente aquela que congrega a maioria dos necessitados, através de uma visão de esperança, um verdadeiro lastro ético em tempos de individualismo e medo. Exercer o voluntariado é uma escola de vida, uma materialização da sensibilidade e uma excelente alternativa para motivar jovens e adolescentes a um maior compromisso com a comunidade. É um campo fértil para desenvolver os anseios e valores que brotam nessa etapa da vida do indivíduo: solidariedade, justiça e a percepção de fazer parte da uma comunidade. O voluntário está disposto a dar mediante a sua livre decisão o melhor de si mesmo. O que determina e influencia uma pessoa na decisão de doar seu tempo e energia, são forças internas, conhecidas como forças motivacionais. As mais comuns são: É o meu dever ajudar É preciso fazer alguma coisa Eles gostam e precisam de mim Só terão êxito se eu os ajudar É preciso divulgar o trabalho desta entidade e eu quero contribuir para isso Desejo explorar essa área para ver se me agrada Pode ser divertido e interessante Cada uma destas idéias é diferente e originada por diferentes forças. É possível salientar que alguns voluntários enfatizam as possibilidades de autoatualização através do voluntariado, enquanto outros dão maior importância ao serviço, ao dever e à retribuição pelos benefícios recebidos. Outra importante característica sustenta-se na identificação dos voluntários com a sua comunidade, suas atividades sociais e necessidades mais significativas que poderão conhecer através do próprio trabalho voluntário. O critério do significado social e a relevância da comunidade é um fator importante para a seleção de sua atividade voluntária.

Outros orientam-se principalmente pelo significado interpessoal e a participação dentro de um grupo. Nesse caso a decisão de realizar um trabalho voluntário dependerá em grande parte da imagem das pessoas com quem o interessado deverá desenvolver o seu trabalho, do tipo de apoio interpessoal que irá receber e do significado que tal atividade terá para os seus amigos, a sua família e para o grupo do qual faz parte, já que seu mundo é muito concreto e interpessoal. 4. Motivando o Voluntário Um fator de grande motivação para os voluntários é o fato de poder intervir na solução ou na busca de soluções de problemas e na tomada de decisões importantes. Para encontrar um lugar adequado a um voluntário que deseja trabalhar devese conciliar o tipo de trabalho para o qual está apto com seus interesses e necessidades. Para incrementar a motivação é importante que o voluntariado perceba que através de seu trabalho terá a oportunidade de aprender, crescer e contribuir para melhorar e aliviar os problemas sociais. O compromisso entre os voluntários e a organização deve ser flexível em relação ao grau de participação a ser estabelecido quanto a tempo, energia e interesses dos voluntários. 5. A Identidade do Voluntário: decálogo de uma busca (extraído do livro SOLIDARIEDADE E VOLUNTARIADO, de Joaquín García Roca). I. O Voluntariado deve descobrir a complexidade dos processos sociais: uma idéia aparentemente simples é apenas uma idéia simplificada. Os problemas sociais têm a forma de uma teia de aranha: estão entrelaçados por inúmeros fatores. Saber estar em uma sociedade complexa e bem informado é uma qualidade essencial do voluntariado hoje. II. O voluntariado tem sentido apenas, quando se considera o horizonte da emancipação. É preciso dar afeto a um doente terminal ou acolher uma pessoa que luta contra a dependência química, mais isso somente é válido se for um passo a mais na remoção das causas da marginalidade e do sofrimento desnecessário.

III. A ação voluntária tem qualidade ética apenas quando é uma opção livre de um sujeito no interior de uma tripla aspiração: a sua auto-estima, a solidariedade com o próximo e o compromisso com a construção de uma sociedade justa. IV. O voluntariado não é um plano para diminuir os compromissos do Estado. Se, em algum momento, sua presença é um pretexto para afastar e restringir os esforços governamentais, o voluntariado entra numa zona de risco. V. A ação voluntária é como uma orquestra: o importante é que ela soe bem e não o fato de a flauta ser de madeira ou de metal ou a quem ela pertence. Da orquestra devemos exigir coordenação, coerência e concentração de forças. O voluntário é sempre um co-equiper. A fragmentação não leva a nada e numa equipe cada um joga em sua própria posição colaborando com o resto em função da partida. VI. A ação voluntária deve ter competência humana e qualidade técnica. O amor não é suficiente. Se, por ignorância ou incompetência, fazemos sofrer uma pessoa frágil, embora tenhamos a melhor das intenções, conseguiríamos, apenas aumentar a sua impotência e a sua marginalidade. VII. O voluntariado deve ganhar espaços entre as classes populares. Não pode ser uma instituição que interesse apenas à classe média, nem àqueles que têm tempo disponível, mas responde ao exercício da cidadania que é responsável pelos assuntos que a todos afetam. VIII. O voluntariado aprecia o profissional da ação social e busca sempre a complementaridade mas, justamente por isso, não se transforma em auxiliar nem em corrente de transmissão, mas defende o espaço de liberdade que lhe é próprio. IX. O voluntariado precisa, hoje, disciplinar a sua ação. As melhores iniciativas se perdem pela incapacidade de submetê-las a um programa, a objetivos, a um método, a certos prazos, a uma dedicação séria, a uma avaliação. A boa intenção é um caminho viável desde que haja disciplina; se ela não existe, é um fracasso. O voluntário evita palavras fúteis para se aproximar dos gestos eficazes. X. A ação voluntária requer reciprocidade: não é orientada simplesmente à assistência do outro, mas ao crescimento de ambos, embora as suas contribuições sejam diferentes. A estima do outro não exige apenas a acolhida, mas espera também uma resposta análoga. 6. Abordagem Histórica do Voluntariado Somos como enanos instalados en las espaldas de gigantes; podemos ver más y más lejos que los antiguos, gracias no a la

agudeza de nuestra vista o a la magnitud de nuestro cuerpo, sino porque estamos sostenidos y elevados sobre ellos como sobre gigantes. (Juan de Salisbury). O Voluntariado é um produto histórico em permanente evolução. Esteve e está permeado pela generosidade e a vontade de justiça, unidas a um sentimento de responsabilidade pessoal sobre seu esforço ideológico e comunitário. Podemos constatar isso numa breve síntese da ação voluntária através do tempo. Quatro momentos bem definidos na evolução do pensamento e da ação voluntária podem ser destacados: A. A benemerência O nascimento formal do voluntariado em sentido moderno, no início do século XX (desconsiderando as manifestações caridosas de origem religiosa que sempre existiram) teve origem na idéia de benemerência do século XIX. Na época, os problemas sociais eram entendidos como desvios da ordem dominante e atribuídos a indivíduos em desgraça. Entendia-se que esses destituídos não tinham tido, por um motivo qualquer, a oportunidade de reintegrar-se à sociedade e necessitavam da caridade organizada a fim de mudar a sua situação. Assim, as boas intenções das famílias mais abastadas e livres das preocupações cotidianas de subsistência, eram concretizadas distribuindo seus excedentes entre os necessitados. Só que isso era feito conforme convicções e ações que, enquanto aliviavam o rigor da situação, salientavam as vantagens da integração plena dentro do modelo de vida normal. Nesse contexto social paternalista, rigoroso, excludente, o voluntariado da beneficência era incipiente, ilustrado, moralizador, feminino e baseado em sólidos, porém rígidos valores morais, imutáveis diante da passagem do tempo. B. O estado de bem-estar O estado de bem-estar (o welfare state ) do pós-guerra pregou a solução total das questões sociais pelo estado, através de políticas de assistência pública completas, financiadas pela contribuição dos setores produtivos. Esses recursos eram redistribuídos entre os necessitados. Foi uma resposta previdenciária à insegurança dos trabalhadores. Além disso era uma opção de controle social, já que esperava-se impedir ou esvaziar possíveis protestos, que poderiam assumir dimensões

incontroláveis numa sociedade que tinha acabado de sair de uma terrível experiência bélica. Embora desenvolvesse políticas muito interessantes, ainda hoje estudadas do ponto de vista do voluntariado, o welfare state favoreceu o individualismo em prejuízo das iniciativas voluntárias ou associativas. De fato, pensavam muitos, se o estado tinha boas políticas sociais, quando e para que recorrer à solidariedade da sociedade civil? A queda do welfare state, no início dos anos 70, gerou o retorno da insegurança. Foram anos conhecidos como a era da incerteza, na famosa expressão de Galbraith. A vulnerabilidade social dos setores excluídos do estado de bem estar aumentou. Foi duro, para o voluntariado, vencer a inércia que se espalhara e reagir ao novo cenário. C. O voluntariado combativo e a transformação da sociedade A década de 60 tinha detonado irreversíveis transformações de comportamento, politizando e polemizando todas as relações ao extremo, inclusive as pessoais. Com a queda do welfare state, nos anos 70, o movimento voluntário viu-se questionado politicamente e sem direção clara. Foi natural portanto que as parcelas mais ativas do movimento se identificassem com a crescente atividade político-partidária daqueles anos de debate ideológico entre os dois grandes modelos de pensamento político. Foi o modo de abrir espaço para canalizar sua potencialidade. O movimento voluntário foi então influenciado por uma corrente contestatária e libertária, presente em quase todos os movimentos sociais de origem popular da época. Surgiu assim, um voluntariado combativo e comprometido com a transformação radical da comunidade. Porém, esse anseio de transformação radical fez os voluntários distanciarem-se muitas vezes de seus ideais mais básicos. O movimento parecia desorientado, espontâneo, preferencialmente jovem, e sem perspectivas de uma consolidação institucional que pudesse lhe devolver sua identidade. Era um voluntariado autogestionário que não concordava em aliar-se ao setor público ou ao privado. A sua ação baseava-se no pressuposto de uma mudança da ordem social e situava-se, muitas vezes, no âmbito do protesto.

D. O modelo dos anos 80... Na metade da década de 80, com a redemocratização da América Latina e dos países do chamado Terceiro Mundo, o neoliberalismo surgiu como concepção político-econômica-cultural no Ocidente. Os estados enxugaram os seus governos, ajustaram seus orçamentos e diminuíram lentamente os financiamentos de assistência social, transferidos para os empreendimentos privados ou para as mãos dos antigos beneficiados. Ocorreu uma descentralização. Derivou-se para instâncias de menor jurisdição política, de obrigações e nem sempre de recursos. A resposta foi o nascimento de um voluntariado que veio preencher os espaços deixados pelo estado e que se esforçou em diminuir as necessidades daqueles que ficaram de fora do sistema, mas sem se questionar essa conseqüência natural da economia do mercado. Foi um voluntariado de muitas conquistas concretas, de muitas ações assistenciais de atenção primária, que agiu para diminuir os efeitos emergenciais mas esqueceu de combater as causas. 5. A caminho de um novo modelo... A retrospectiva do voluntariado ajuda a elaborar um novo modelo de ação voluntária. A década de 90 abre as portas para um novo milênio e para a possibilidade de pensar outra forma de entender a ação voluntária, um novo modelo de voluntariado que ultrapasse o anterior e considere o voluntário como um cidadão que, motivado por valores de participação e solidariedade, doa o seu tempo, trabalho e talento de maneira espontânea e não remunerada em prol de causas de interesse social e comunitário. Esse novo modelo baseia-se e pratica o princípio de aproximação vital : quanto mais próximos de um problema estiverem a instituição, os recursos humanos e os serviços, mais adequada será a solução e maior a participação das pessoas na busca de soluções. Hoje não é possível conceber uma ação social eficiente sem o envolvimento da comunidade. Não haverá soluções a longo prazo sem a participação das pessoas. Dentro dessa realidade, o voluntariado assume e assumirá no futuro um papel decisivo, pois participar significa ter a capacidade de assumir responsabilidades e investir tempo, trabalho e dedicação na solução de problemas e nas exigências comunitárias e solidárias.

É oportuno lembrar novamente algumas das citações de García Roca, O voluntário somente tem sentido quando não esquece o horizonte da emancipação (...) O voluntariado não é um álibi para diminuir os compromissos do estado, mas para exigi-los. (...) A ação voluntária requer reciprocidade: não é orientada simplesmente para a assistência do outro, mas para o crescimento de ambos, embora as suas contribuições sejam diferentes.

CAPÍTULO III PLANEJAMENTO DE PROGRAMAS DE VOLUNTÁRIOS 1. Introdução Um programa de voluntários é uma iniciativa solidária de um grupo de indivíduos para ajudar outros grupos a melhorar a qualidade de vida de seus integrantes. O programa leva necessariamente a: uma série de ajustes entre diversos fatores: necessidades, atitudes, critérios de racionalidade, interesses, valores e expectativas diferenciadas e uma coordenação, condicionada pelo conjunto das restrições e vulnerabilidades, que sempre existem. Um projeto deste tipo possui um componente solidário, parte integrante da sua essência. A visão dos desequilíbrios sociais como problema ético e a atitude solidária de enfrentá-los, são parte dos valores, interesses e expectativas comuns aos envolvidos em projetos sociais. Se esse espaço comum não existisse, sustentado em sólidas bases solidárias, os projetos sociais se transformariam em cenários de conflitos de interesses, e ambições individuais. É IMPORTANTE LEMBRAR QUE muitos projetos fracassam em alcançar os resultados propostos pela incapacidade de a) reconhecer os valores sociais e de b) ver as pessoas como seres que contribuem para o próprio desenvolvimento. PARA SEREM EFICAZES os programas de voluntários devem ser bem organizados. Precisam de cuidadoso planejamento e de boas práticas de gerência, assim como todas as outras áreas das organizações sem fins lucrativos. Eis os pontos que uma entidade ou Centro deve examinar antes de recrutar voluntários para atender uma necessidade social: O trabalho que os voluntários realizarão é relevante? Envolver voluntários vai aumentar ou melhorar os serviços prestados ao público beneficiário?

Os voluntários complementarão o trabalho das equipes remuneradas, sem substituir postos de trabalho? As tarefas propostas são adequadas para os voluntários e serão satisfatórias para cada indivíduo? O primeiro passo para que o programa tenha sucesso é assumir um compromisso claro. Tanto a direção de uma instituição quanto o pessoal remunerado de uma instituição devem comprometer-se a agir de modo que os voluntários se sintam sempre parte integrante da organização e da equipe. Outros pontos básicos para coordenar este trabalho estão resumidos a seguir. Descrição clara do trabalho a realizar O que precisamos fazer? Por quê este trabalho é importante? Como se encaixa esta tarefa na nossa estrutura? Compromisso e envolvimento das equipes remuneradas (se houverem) As equipes devem colaborar no desenho do programa e das tarefas. Esclarecer sempre dúvidas e temores de concorrência. Recrutamento de voluntários bem planejado Determinar o tipo de talentos específicos que se quer recrutar. Faixa etária. Profissão. Habilidades. Preferências. Seleção criteriosa Entrevistas pessoais. Questionários, fichas de inscrição. Termo de adesão. Compromisso e responsabilidades. Período de Adaptação e Treinamento adequados O voluntário precisará de informações detalhadas sobre a tarefa,... de orientação e treinamento.... de experiências práticas com voluntários antigos.... de tempo para absorver a cultura local. Supervisão do trabalho Estar sempre disponível para responder perguntas. Diretrizes claras. Mostrar apreço e reconhecimento. Registro das ações Arquivo das entrevistas, termos de adesão. Registro das horas trabalhadas. Avaliações de desempenho. Reconhecimento e valorização dos voluntários Agradecer sempre. Reconhecer méritos. Prêmios ou eventos especiais. Avaliação sistemática Confiabilidade. Relações interpessoais.

Qualidades pessoais e habilidades específicas. Se o programa de voluntários seguir esses passos e for bem estruturado ele trará muitos benefícios. Eis os principais: Os programas e serviços já existentes são fortalecidos Os serviços são estendidos para novos públicos Programas novos ou especiais podem ser agregados São introduzidas novas habilidades, talentos e conhecimentos Os trabalhos remunerados podem ser complementados Os fundos e recursos podem ser aumentados Cresce a atenção e o reconhecimento do público As equipes remuneradas são liberadas para tarefas mais ligadas às suas especialidades 2. Estrutura e Alcance dos Programas de Voluntários Quando se propõe um programa de voluntariado, é fundamental analisar a sua estrutura e o seu alcance. Estrutura: O programa de voluntários deve ser criado como algo articulado com a estrutura organizacional da instituição e dos projetos que ele realiza. O conceito de articulação sugere movimento e complemento. O movimento entendido como oportuno, inteligente, compartilhado, funcional. A complementaridade entendida como um processo enriquecedor, dinâmico, alternativo. Uma estrutura de programa de voluntários deve ser sólida mas flexível, inovadora mas adequada à realidade, simples mas operativa, autônoma mas ligada à visão e à missão da instituição.

Alcance: Que significa o alcance de um programa? É a medida em que o programa modifica, transforma e se insere na dinâmica, na cultura e na estrutura organizacional da instituição. Ao desenhar um programa de voluntários é fundamental definir se dentro da instituição os voluntários serão executores, participantes ou autores de seus projetos. O alcance de cada programa dentro de uma instituição de Voluntários ou de uma instituição depende de muitos fatores, mas é sempre uma decisão institucional de grande importância que, como tal, deve ser clara, explícita e executável. Alguns dos fatores que podem definir o alcance de um programa de voluntários dentro de uma instituição são: A situação atual da instituição As características do programa de voluntários As características dos projetos desenvolvidos pela instituição A história das experiências vividas anteriormente com programas de voluntários dentro da instituição 3. O que é participar Não resta dúvida que falar do alcance do programa de voluntários numa insituição leva à questão de definir o que é e quais os níveis de participação. Se vemos a participação como o direito de toda pessoa de se envolver no próprio destino e no destino da comunidade, é desejável que todos participem na maior quantidade de áreas possíveis e no mais alto grau. Porém participar não é algo espontâneo: é uma necessidade cultural, fruto da maturidade. O compromisso precisa ser assumido conscientemente, com plena compreensão das responsabilidades por parte do voluntário. Aí sim poderemos ter, de fato, participação, e não meras declarações de participação da população, bastante comuns hoje em dia mas infelizmente, em geral, irreais. Participar portanto pode significar: a) fazer parte, no sentido de pertencer, ser integrante;

b) ter parte, isto é, desempenhar ou responder por uma parcela das ações; c) tomar parte, entendido como exercer influência, ter voto, decidir. Além disso, ao falar de participação é preciso diferenciar entre ação individual e ação coletiva. Nesta última, a ação simultânea de várias pessoas implica em influências mútuas. Por isso, para haver participação necessita-se de organização e orientação a partir de decisões coletivas. A ação coletiva supõe dois elementos: a) normas que determinem a participação no processo de decisão; e b) uma forma de compor ou combinar decisões individuais (por exemplo, por votação de maioria simples) que visa a formação da vontade coletiva. Existem, como vimos mais acima, três instâncias de participação, numa escala que vai dos mais restritos aos mais amplos. Esses estágios tem relação com o grau de envolvimento dos participantes numa ação voluntária. Esses graus são: a) grau de informação: é quando os participantes, embora sem decidir ou opinar sobre os rumos da ação voluntária, estão suficientemente informados para participar dela. Esse nível pressupõe que os voluntários estão aptos a avaliar essa informação. Por exemplo: numa ação emergencial para alimentar desabrigados de enchentes onde não há o que opinar ou decidir - é questão de aceitar ou não a tarefa a partir das informações sobre o sofrimento da população; b) grau de opinião: corresponde a um nível mais profundo de participação: ocorre nos processos em que os voluntários expressam o seu parecer. Supõe um limite mais amplo de informação. A opinião pode modificar decisões e ações. As opiniões subsidiam os que tem a responsabilidade de decidir e permitem a avaliação dos riscos (sempre presentes). Em nosso exemplo seria a participação voluntária num Conselho formado depois da enchente para sugerir ao poder público, ou seja, à instância de decisão, que ações preventivas realizar antes, etc. c) grau de tomada de decisões: os voluntários agem a partir de suas próprias decisões. Isso supõe uma adequada e oportuna informação, o reconhecimento de acordos, diferenças, ou mecanismos adequados de tomada de decisões. Em nosso exemplo, teríamos um mutirão de limpeza voluntário pós-enchente, decidido e realizado pela própria população. Esse grau de envolvimento, evidentemente, é o que gera o maior nível de compromisso e de participação.

Destacamos portanto que, embora o grau de participação tolerado ou permitido por uma instituição, seja uma decisão própria, alcança-se maior riqueza quando, como resultado de um processo participativo cuidadoso, graduado e respeitoso das diferenças entre as pessoas, atinge-se maior participação na tomada de decisões. Esse nível (o nível c da tabela anterior) corresponde a um voluntariado concebido como agente de transformação social. 4. Desenhando o Programa de Voluntários na instituição. Como já vimos, programas de voluntários bem planejados trazem inúmeros benefícios. Entretanto como realizar este bom planejamento? É preciso realizar brainstormings (reuniões de criação) periódicos; promover dinâmicas de reflexão, informação e deliberação; além de longas discussões até chegar ao consenso na elaboração do projeto. As Diretrizes para o Campo do Voluntariado, publicadas pela Association of Volunteer Bureaus, em 1978, são um bom ponto de partida. Elas recomendam: Elaborar planos lógicos, de acordo com os objetivos e metas da instituição; Estabelecer objetivos a curto e longo prazo, revê-los e revisá-los com frequência; Incentivar o comprometimento da comunidade com o programa ou serviço; Considerar a viabilidade da implantação dos serviços propostos; Abranger no desenho todo o futuro desenvolvimento, o que inclui: recrutamento, seleção, encaminhamento/colocação, treinamento, supervisão, avaliação e reconhecimento, além de manutenção da motivação; Definir as habilidades específicas requeridas; Estimular um plano de ações públicas. No planejamento é preciso que cada proposta leve em conta:

o simples e o complexo; o global e o específico; as exigências básicas pessoais e do grupo; o respeito para com as possibilidades concretas de cada pessoa, partindo da heterogeneidade ou homogeneidade do grupo (conforme o caso); a adequação das atividades e técnicas às possibilidades de cada integrante do grupo; a margem de liberdade para que cada participante possa se desenvolver segundo suas possibilidades individuais; a intenção de captar e canalizar as expectativas e inquietações do grupo, incorporando-as concretamente no planejamento; proporcionar elementos de motivação que permitam satisfazer às expectativas. Ao desenhar os programas de voluntários é bom lembrar também de: Incluir objetivos claros que contribuam para o êxito do programa em questão e da missão da instituição; Colocar em igualdade de condições o trabalho voluntário e o trabalho remunerado, uma vez que ambos têm importância significativa no êxito da missão e portanto devem ser bem planejados; Considerar as motivações, necessidades, interesses e habilidades dos voluntários; Oferecer aos voluntários a oportunidade de ser produtivos e de usufruir do respeito das pessoas com as quais trabalham; Conhecer as áreas de ação da instituição; Prever delegação de responsabilidades; Complementar e enriquecer o trabalho do pessoal remunerado, porém, nunca substituí-lo. 5. Funções do Coordenador Para implantar um Programa de Voluntários é recomendável contratar um Coordenador ou Diretor do Departamento. Em alguns casos, pode se aproveitar a disponibilidade de um voluntário com muita experiência, mas somente quando possa se dedicar em tempo integral a essa função, para não comprometer a continuidade e qualidade do processo. As funções gerenciais tradicionais incluem planejamento, organização, direção e controle. Algumas responsabilidades essenciais da função são: Planejamento: Diagnóstico, missão, problemas e necessidades

Objetivos, programas Desenho de tarefas voluntárias Direção e Coordenação: Recrutamento Seleção e encaminhamento Capacitação Supervisão Reconhecimento Monitoramento: Avaliação Retroalimentação (feedback) e manutenção do compromisso. 6. Características do Coordenador Dependendo do tamanho e estrutura da instituição, e sobretudo o número de voluntários sob sua responsabilidade, o Coordenador de Voluntários precisará ter várias habilidades específicas. Numa situação ideal, este profissional deverá possuir... Capacidade para perceber as necessidades do contexto social; Habilidade para ouvir e envolver o outro; Capacidade para estabelecer uma comunicação efetiva; Disposição para integrar-se a grupos e trabalhar em equipe; Habilidade para planejar, organizar, delegar e supervisionar projetos; Capacidade para refletir acerca de sua prática e conceitualizar sobre a ação; Capacidade para gerar mudanças e para motivar tais mudanças; Habilidade para avaliar a tarefa; Habilidade para estabelecer uma comunicação intra e interinstitucional; Habilidade para o recrutamento e motivação de futuros voluntários; Envolvimento consciente e comprometido com os projetos; Capacidade para coordenar grupos, habilidade para assumir liderança democrática e de ser um facilitador da tarefa grupal; Conhecimento das técnicas grupais; Habilidade na negociação e resolução de conflitos; Capacidade de decisão; Capacidade de facilitar os vínculos com outras instituições.