Universidade de Brasília UnB - Faculdade de Direito Disciplina: Teoria Geral do Direito Privado Professora: Ana Frazão

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Transcrição:

Universidade de Brasília UnB - Faculdade de Direito Disciplina: Teoria Geral do Direito Privado Professora: Ana Frazão EVOLUÇÃO DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS DO SÉCULO XIX ATÉ A ATUALIDADE Noções introdutórias sobre os contratos Definição clássica de contrato: acordo de duas ou mais partes para criar, regular ou extinguir direitos (ou relações jurídicas) daí ser visto como uma espécie de delegação legislativa e também como fonte do direito. A maior relevância do contrato é o seu papel na transferência de direitos pessoais e reais (como título) a dimensão econômica do contrato. Nesse sentido, todo contrato corresponde a uma operação econômica. Importância do contrato também no aspecto organizacional e normativo. Os contratos no Direito Romano e na Idade Média Direito romano contrato como vínculo obrigatório, sendo estranha a ele a idéia de acordo de vontades ou qualquer elemento subjetivo. Somente no direito justinianeu é que passa a centrar-se no consensus. a) A moderna teoria do contrato desenvolveu-se efetivamente com duas grandes contribuições: (a) o direito canônico o respeito à palavra dada, ao consenso, ao equilíbrio, à boa-fé, à impossibilidade de lesão; e (b) o jusnaturalismo a importância do indivíduo e da vontade até para a criação do Estado (contrato social) não rompe com os aspectos morais (ex: (Pufendorf e o dever de veracidade das declarações de vontade).

2 O contrato liberal Autonomia da vontade como regra e a conseqüente aceitação dos contratos atípicos autonomia para decidir pela contratação, pelo tipo contratual e pelo conteúdo do contrato. Rompimento com a base moral do direito canônico e do jusnaturalismo. A função do contrato era somente a de propiciar a segurança e a certeza das transações: o desenvolvimento da atividade econômica dependia de um direito racional, que conferisse validade aos pactos privados e lhes assegurasse a eficácia pelo aparato judicial do Estado (Max Weber). O contrato no Código Napoleônico Contrato como fonte primária das obrigações. No sistema brasileiro, as obrigações podem igualmente decorrer da lei e do ato ilícito. A autonomia da vontade é amenizada pela necessidade de causa (motivos determinantes, indissociáveis da vontade) nos contratos: importante mecanismo para evitar a utilização da liberdade contratual em face de motivos fúteis, ilícitos ou imorais a causa como elemento moralizador da vontade (Ripert) ou como instrumento de aferição da função econômicosocial do contrato (Galgano). A Pandectística e o contrato como espécie de negócio jurídico Contrato como negócio jurídico por excelência, decorrente do exercício da autonomia privada fundamento teórico consistente para romper com a tradição romana da tipicidade dos contratos. Abstração da obrigação vínculo entre pólos da relação jurídica. Apesar dos aspectos positivos, os negativos também existiam. Galgano a base ideológica do negócio jurídico era encobrir com a sua abstração os interesses burgueses, separando o contrato da propriedade (deslocando a atenção para a vontade e não para as trocas econômicas).

3 Apesar da influência da Pandectística, o BGB não acolheu os negócios jurídicos de forma expressa, mas somente implicitamente, ao se referir (na Parte Geral) às declarações de vontade e só depois aos contratos, fazendo inclusive algumas distinções. Já o CC 16 acolheu expressamente os negócios jurídicos, apesar das inúmeras críticas: (a) excesso de abstração a maior prova é a de que o Brasil filiou-se ao princípio da abstração, não exigindo como requisito do contrato a causa. (b) excesso de conceitualismo e individualismo. A doutrina brasileira sempre definiu o negócio jurídico a partir da vontade (CC de 1916, art. 85), o que nunca afastou a importância da declaração. Princípios dos contratos (e negócios jurídicos) liberais Autonomia da vontade e liberdade de contratar os limites são a ordem pública, a moral, os bons costumes e algumas vedações específicas, como é o caso das condições meramente potestativas. Consensualismo salvo nas exceções legais, basta o consenso para criar o vínculo contratual. Força obrigatória do contrato (pacta sunt servanda). Eficácia relativa do contrato (somente entre as partes). Justiça comutativa Igualdade formal: para assegurar o equilíbrio, basta impedir os vícios de consentimento. A interpretação dos contratos (e negócios jurídicos) liberais Sistema francês: prevalência da vontade sobre a declaração:

4 a) acolhida pelo Código Napoleônico e pela doutrina alemã (Willentheorie) do início do séc. XIX b) importância dos vícios da vontade c) ênfase na proteção do declarante d) crítica: o excesso de psicologismo Sistema alemão: prevalência da declaração sobre a vontade: a) já é uma reação contra a Willenstheorie b) foi acolhida pelo BGB (Erklärungstheorie) c) ênfase na proteção do destinatário da declaração d) crítica: a desconsideração da vontade Conclusões: as diferenças teóricas entre os sistemas francês e alemão acabaram não sendo tão grandes como parecia: enquanto o BGB reconhecia amplamente os vícios da vontade, a jurisprudência francesa foi gradativamente atenuando o valor da vontade em prol da segurança dos contratos. O individualismo liberal sob ataque Crise do formalismo e individualismo. Projeção das teorias do abuso de direito e da função social sobre os negócios jurídicos (especialmente os contratos) Os contratos no século XX A partir da II Guerra, os contratos deixam de ser vistos como meros instrumentos de transferência de riquezas. Associados à empresa, passam a ser vistos como criadores de riqueza ampla expansão do setor de serviços.

5 Progressiva separação dos contratos em relação aos negócios jurídicos perda de influência da Pandectística e da influência da vontade. Daí por que os negócios jurídicos são tratados na atualidade juntamente com os contratos e há grande resistência do direito comparado em continuar trabalhando com tal categoria exemplo disso é o Código Civil Italiano de 1942, que não o acolheu. Os contratos de uma sociedade de massa e os questionamentos quanto à autonomia da vontade para alguns, o consentimento se substitui à vontade. Diversos tipos contratuais a) contratos de adesão (a assimetria é o fator diferencial) b) contratos necessários (serviços públicos, p.ex.) c) contratos de fato (transporte coletivo, estacionamento, etc.) d) contratos normativos e) contratos conexos. O problema dos contratos de longo prazo: f) contratos cativos contratos de adesão que se referem a obrigações de longo prazo, como seguro, educação, assistência médica, etc. g) contratos coativos independem da vontade ou negociação, como a renovação de aluguel. h) contratos relacionais conteúdos não são totalmente fixados aprioristicamente, mas ao longo da própria execução do contrato foco na organização e na criação de sistemas de governança entre as partes o pacta sunt servanda é menos importante, já que a segurança cede para a flexibilidade e adaptabilidade reflexão semelhante ao que ocorre com as leis e a importância das normas abertas, como as cláusulas gerais. Crescente interferência estatal morte do contrato? Definitivamente não. Mas há a crise da autonomia da vontade e especialmente dos seguintes

6 princípios: (a) liberdade contratual, (b) pacta sunt servanda, (c) eficácia subjetiva relativa e (d) justiça comutativa. Os contratos no século XXI novas e importantes funções no meio empresarial, procurando superar dificuldades de instrumentos jurídicos, como a personalidade jurídica. importância crescente dos contratos associativos e de cooperação, em contraposição aos contratos comutativos dificuldades de separação em alguns casos, especialmente em relação aos contratos empresariais. contratos híbridos e contratos plurilaterais importância crescente das novas tecnologias papel central dos contratos de transferência de tecnologia importância crescente da internet neutralização de distâncias geográficas elementos facilitadores da contratação mas dificultadores da execução do contrato empresas virtuais, redes contratuais e contratos conexos A interpretação dos contratos a partir do século XX Teoria da responsabilidade: havendo divergência entre a vontade e a declaração, responde o declarante se tiver culpa na divergência = ênfase na culpa do declarante. Teoria da confiança: a declaração prevalece mesmo contra a vontade sempre que tenha suscitado no destinatário de boa-fé legítima expectativa = ênfase na ausência de culpa do destinatário. Crítica: partem da premissa de que pode haver dicotomia entre a vontade e a declaração. Para Eduardo Espínola, uma não pode ser entendida sem a outra e vice-versa (relação entre forma e conteúdo na hermenêutica). Segundo Kohler, a declaração é a vontade em ação.

7 Teorias objetivas: a) preceptivas: os negócios jurídicos criam preceitos dirigidos aos participantes, que são enunciados objetivos, reconhecíveis e despsicologizados. Exemplo de Emilio Betti: a vontade se exaure com a declaração. b) normativas: o negócio jurídico é criador de normas jurídicas (Kelsen). Crítica: em alguns casos, desconsideram o elemento do acordo de vontades para fins concretos. Aspecto positivo: maior preocupação com a segurança e com a repercussão social da declaração de vontade. Os contratos no Estado Democrático de Direito A dignidade da pessoa humana e a sua importância paradigmática. A constitucionalização e a repersonalização do direito privado. A importância das partes e das funções econômicas e sociais do contrato. Novo Código Civil centralidade da pessoa humana (direitos de personalidade) e orientação principiológica a partir da socialidade, eticidade e operacionalidade. Novo Código Civil e as cláusulas gerais da função social do contrato, da boafé objetiva e do equilíbrio material. Modulação das cláusulas em razão dos seguintes critérios: (i) essencialidade do bem contratado e (ii) assimetria entre as partes (de que é exemplo a dependência econômica). Os negócios jurídicos no novo CC Apesar das inúmeras críticas, o novo CC manteve a disciplina dos negócios jurídicos na sua Parte Geral. Aspectos negativos e positivos da opção.

8 Alguns princípios fundamentais: a) Autonomia da vontade (CC, art. 425) b) Consensualismo (CC, arts. 107 e 111), com exceções (CC, arts. 108 e 109) c) Proteção da confiança (CC, art. 110) irrelevância da reserva mental d) Importância da intenção (não necessariamente da vontade e sim da declaração) CC, art. 112. e) Boa-fé objetiva (CC, arts. 113 e 422) f) Preocupação com a eqüidade (exemplo dos arts. 114, 423 e 424, do CC) g) Função social do contrato (CC, art. 421) h) Princípio da equivalência material das prestações (um dos exemplos será a proibição da lesão) PRINCIPAIS CLÁUSULAS GERAIS DOS CONTRATOS Cláusulas gerais como instrumentos de funcionalização e realização da socialidade e eticidade. Cláusulas gerais e efeitos interpretativos, integrativos, revisionais, de "controle" e até mesmo de reforço do pacta sunt servanda. Autonomia privada x autonomia da vontade. A função social do contrato A socialidade do contrato é destacada pelas redes contratuais e pelos contratos conexos. Alguns efeitos: a) efeito interpretativo e integrativo (ver RESP 1158679/MG) b) criação de proteção para as partes mais fracas exemplos dos contratos de adesão, de consumo, de locação e de regras de proteção da

9 concorrência). Reconhecimento da importância de alguns contratos e do caráter absoluto de alguns créditos (direito de preferência do locatário, p. ex.). No caso do consumidor, tal proteção pode se dar mediante a utilização de ações judiciais tendo como objeto a realização do controle prévio e abstrato de cláusulas contratuais. c) Reconhecimento do dever de contratar em alguns casos (produtos essenciais, monopólios, etc.) d) Proibição do abuso de direito nos contratos, seja para evitar danos desproporcionais a um dos contratantes - vinculado ao princípio do equilíbrio contratual -, seja para evitar danos desproporcionais a terceiros - vinculado à vedação do abuso de direito (CC, art. 187). As hipóteses mais conhecidas, além do exercício emulativo, estão o exercício de faculdades sancionatórias diante de faltas insignificantes, a rescisão do contrato quando a prestação do devedor tiver sido substancialmente realizada. Segundo Ruy Rosado, a prestação imperfeita, mas significativa de adimplemento substancial, autoriza a indenização, mas não a resolução. e) Reconhecimento da eficácia da relação contratual sobre terceiros, inclusive para o fim de atribuir deveres a terceiros ("tutela externa do crédito" e vedação ao abuso de direito) dever dos terceiros de respeitar os direitos pessoais (direito de preferência, dupla alienação do mesmo bem, aliciamento, etc). Mais controversa é a possibilidade de o contrato atribuir direitos a terceiros o STJ e a questão da eficácia transubjetiva do contrato de seguro (RESP 97590, RESP 397229 e novas decisões). Em qualquer caso, é necessário compatibilizar a função social com a autonomia privada e com a função econômica dos contratos de garantir previsibilidade, estabilidade e segurança nas transações (RESP 803481). Grande importância do princípio nas redes contratuais e nos contratos plurilaterais

10 O princípio da boa-fé objetiva Segundo Menezes Cordeiro, a base da boa-fé é a confiança. Três importantes funções: (i) interpretação/integração (CC, arts. 110, 112), (ii) criação de deveres anexos (diligência, probidade, consideração, colaboração e respeito recíprocos) e (iii) criação de limitações ao exercício das faculdades contratuais. A boa-fé parte da premissa da obrigação como um processo: o conteúdo contratual não é cristalizado na contratação, mas vai se amoldando ao comportamento das partes durante a sua execução. Hoje se fala igualmente na função de reforçar o pacta sunt servanda: a boa-fé tanto pode alargar, restringir ou manter o conteúdo contratual o critério para saber quando ela será usada com um efeito ou outro será a proteção da confiança. Teoria da confiança: a idéia principal é que a criação, por uma das partes, de uma situação de confiança e o aproveitamento desta por outra parte corresponde a uma segunda forma de constituição de negócios jurídicos = não deixa de ser a juridicização de deveres morais concretos, tais como a lealdade, o sigilo e a informação, projetando-os inclusive para antes e para depois do contrato (RESPs 590336, 591917 e 617045). Os principais deveres são: a) proteção (cuidado, segurança, incolumidade do outro contratante e do seu patrimônio e o de terceiros) b) esclarecimento (informação e transparência) c) lealdade (coerência, não-surpresa, sigilo, assistência e colaboração) Envolve uma nova compreensão das partes de uma relação obrigacional, principalmente em relação ao credor tem dever de cooperação, que envolve avisar, informar sobre a existência do vencimento, colaborar para o cumprimento da prestação, proteger os interesses do devedor, dentre outros.

11 Envolve igualmente uma nova compreensão dos terceiros estes devem abster-se de intervir ilicitamente na relação obrigacional, sob pena de serem responsabilizados diretamente pelos danos sofridos pelo credor. Alguns subprincípios: a) Tu quoque impossibilidade de que o contratante que viola uma norma contratual possa aproveitar-se dessa mesma norma (coerência e integridade). b) Venire contra factum proprium vedação do comportamento contraditório que importe a quebra da confiança (ainda que cada ato isoladamente seja lícito). c) Supressio perda de um direito em razão da omissão do titular, que cria na outra parte a convicção de que não haverá o seu exercício (algo complementar à prescrição e à decadência). Alguns exemplos: (i) cobranças de valores pagos de forma atrasada ou distinta do convencionado sem a oposição do credor, (ii) interrupção do serviço ou aplicação de penaliades em hipóteses de tolerância à inadimplência ou ao descumprimento contratual da outra parte, (iii) possibilidade de requerer a resolução do contrato por descumprimentos contratuais tolerados ao longo do tempo e (iv) situações de fato consolidadas entre condôminos mesmo contrariamente à convenção de condomínio. d) Surrectio criação de um direito em razão do comportamento continuado (ex: distribuição de lucros em dissonância com o contrato social). Envolve igualmente a preocupação com a preservação da vontade e com a "palavra dada". O princípio da equivalência material A doutrina distingue entre o equilíbrio subjetivo e o objetivo, embora o segundo normalmente decorra do primeiro. Parte da doutrina entende que a mera desproporcionalidade das prestações não é problema, desde que não oriunda de um desequilíbrio subjetivo.

12 É questionável admitir que o Judiciário possa intervir nos contratos para buscar o equilíbrio perfeito (até porque este não existe) a finalidade do princípio seria assegurar os mais fracos (compensando o desequilíbrio subjetivo) e coibir desequilíbrios objetivos, tais como (a) a lesão, (b) a onerosidade excessiva (CC, art. 478), (c) a necessidade de correção monetária e (d) a hipótese do art. 473, único. Necessidade de se prestigiar a autonomia da vontade e a responsabilidade dos cidadãos. Problemas dos contratos cativos, como planos de saúde. PERGUNTAS 1) O que são os fatos jurídicos? 2) Quais as principais espécies de fatos jurídicos? Como os negócios jurídicos se distinguem dos demais fatos jurídicos? 3) Do ponto de vista da interpretação dos negócios jurídicos, quais as principais teorias existentes desde o século XIX até o presente? 4) Do ponto de vista econômico, quais as principais modificações ocorridas no século XX em relação aos contratos? Quais as repercussões das mesmas para o direito? 5) Quais as principais conseqüências do Estado democrático de direito para a compreensão dos negócios jurídicos na atualidade? Quais são as cláusulas gerais de direito privado que correspondem aos princípios constitucionais? 6) Quais são as principais consequências do princípio da função social dos contratos? Em que medida ele rompe com o princípio da autonomia contratual? Em que medida ele rompe com o princípio da relatividade, possibilitando que terceiros possam ter direitos e deveres em face de relação contratual da qual não participam? 7) Quais são as principais consequências da boa-fé objetiva? Em que medida a cláusula geral pode alargar ou mesmo restringir o conteúdo do contrato? Em que medida a cláusula geral pode ser compatível com o pacta sunt servanda? 8) Quais são as principais consequências do princípio da equivalência material das prestações? JURISPRUDENCIA COMPLEMENTAR

13 Princípio da equivalência material e o caso do seguro-saúde de idosos DIREITO CIVIL E DO CONSUMIDOR. REAJUSTE DE MENSALIDADE DE SEGURO-SAÚDE EM RAZÃO DE ALTERAÇÃO DE FAIXA ETÁRIA DO SEGURADO. É válida a cláusula, prevista em contrato de seguro-saúde, que autoriza o aumento das mensalidades do seguro quando o usuário completar sessenta anos de idade, desde que haja respeito aos limites e requisitos estabelecidos na Lei 9.656/1998 e, ainda, que não se apliquem índices de reajuste desarrazoados ou aleatórios, que onerem em demasia o segurado. Realmente, sabe-se que, quanto mais avançada a idade do segurado, independentemente de ser ele enquadrado ou não como idoso, maior será seu risco subjetivo, pois normalmente a pessoa de mais idade necessita de serviços de assistência médica com maior frequência do que a que se encontra em uma faixa etária menor. Trata-se de uma constatação natural, de um fato que se observa na vida e que pode ser cientificamente confirmado. Por isso mesmo, os contratos de seguro-saúde normalmente trazem cláusula prevendo reajuste em função do aumento da idade do segurado, tendo em vista que os valores cobrados a título de prêmio devem ser proporcionais ao grau de probabilidade de ocorrência do evento risco coberto. Maior o risco, maior o valor do prêmio. Atento a essa circunstância, o legislador editou a Lei 9.656/1998, preservando a possibilidade de reajuste da mensalidade de seguro-saúde em razão da mudança de faixa etária do segurado, estabelecendo, contudo, algumas restrições a esses reajustes (art. 15). Desse modo, percebe-se que ordenamento jurídico permitiu expressamente o reajuste das mensalidades em razão do ingresso do segurado em faixa etária mais avançada em que os riscos de saúde são abstratamente elevados, buscando, assim, manter o equilíbrio atuarial do sistema. Posteriormente, em razão do advento do art. 15, 3º, da Lei 10.741/2003 (Estatuto do Idoso) que estabelece ser vedada a discriminação do idoso nos planos de saúde pela cobrança de valores diferenciados em razão da idade, impõe-se encontrar um ponto de equilíbrio na interpretação dos diplomas legais que regem a matéria, a fim de se chegar a uma solução justa para os interesses em conflito. Nesse passo, não é possível extrair-se do art. 15, 3º, do Estatuto do Idoso uma interpretação que repute, abstratamente, abusivo todo e qualquer reajuste que se baseie em mudança de faixa etária, mas tão somente o aumento discriminante, desarrazoado, que, em concreto, traduza verdadeiro fator de discriminação do idoso, por visar dificultar ou impedir a permanência dele no seguro-saúde; prática, aliás, que constitui verdadeiro abuso de direito e violação ao princípio da igualdade e divorcia-se da boa-fé contratual. Ressalte-se que o referido vício aumento desarrazoado caracteriza-se pela ausência de justificativa para o nível do aumento aplicado. Situação que se torna perceptível, sobretudo, pela demasiada majoração do valor da mensalidade do contrato de seguro de vida do idoso, quando comparada

14 com os percentuais de reajustes anteriormente postos durante a vigência do pacto. Igualmente, na hipótese em que o segurador se aproveita do advento da idade do segurado para não só cobrir despesas ou riscos maiores, mas também para aumentar os lucros há, sim, reajuste abusivo e ofensa às disposições do CDC. Além disso, os custos pela maior utilização dos serviços de saúde pelos idosos não podem ser diluídos entre os participantes mais jovens do grupo segurado, uma vez que, com isso, os demais segurados iriam, naturalmente, reduzir as possibilidades de seu seguro-saúde ou rescindi-lo, ante o aumento da despesa imposta. Nessa linha intelectiva, não se pode desamparar uns, os mais jovens e suas famílias, para pretensamente evitar a sobrecarga de preço para os idosos. Destaque-se que não se está autorizando a oneração de uma pessoa pelo simples fato de ser idosa; mas, sim, por demandar mais do serviço ofertado. Nesse sentido, considerando-se que os aumentos dos seguros-saúde visam cobrir a maior demanda, não se pode falar em discriminação, que somente existiria na hipótese de o aumento decorrer, pura e simplesmente, do advento da idade. Portanto, excetuando-se as situações de abuso, a norma inserida na cláusula em análise que autoriza o aumento das mensalidades do seguro em razão de o usuário completar sessenta anos de idade não confronta o art. 15, 3º, do Estatuto do Idoso, que veda a discriminação negativa, no sentido do injusto. Precedente citado: REsp 866.840-SP, Quarta Turma, DJe 17/8/2011. REsp 1.381.606-DF, Rel. originária Min. Nancy Andrighi, Rel. para acórdão Min. João Otávio De Noronha, julgado em 7/10/2014. Súmula 537 Em ação de reparação de danos, a seguradora denunciada, se aceitar a denunciação ou contestar o pedido do autor, pode ser condenada, direta e solidariamente junto com o segurado, ao pagamento da indenização devida à vítima, nos limites contratados na apólice (REsp 925.130).